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quinta-feira, 21 de maio de 2020

Morrer de Brasil



Morrer de Brasil

A Flávio Migliaccio
e aos sem ração ou conforto
sem-terra
sem-teto
aos movimentos de mulheres
LGBTI
às centrais sindicais
às organizações de favelas
de olhos aparelhados em campo de pregos
- tantos houvesse
jamais votei em facho,
esse que da vida é porcino.
Menino de perdidos cantos,
dai engenho a uma vida inteira
pois de sorte boa do planalto nem votos
apenas sangue e língua viperina.

José Carreiro, 2020-05-21

Análise textual

O poema "Morrer de Brasil", de José Maria de Aguiar Carreiro, é uma espécie de manifesto contra a opressão e a injustiça social que afetam os mais vulneráveis da sociedade brasileira. O título é uma frase forte que sugere a situação desesperante de muitos brasileiros, especialmente os mais pobres e marginalizados. A homenagem ao ator Flávio Migliaccio, que na sua carta de despedida lamenta a situação do país e a desilusão com a humanidade, dá uma dimensão ainda mais trágica ao poema.

O poema começa com uma referência direta aos mais pobres da sociedade e aos grupos que lutam por uma vida digna: "sem-terra/sem-teto/aos movimentos de mulheres/LGBTI/às centrais sindicais/às organizações de favelas". Trata-se, pois, de uma homenagem aos "sem ração ou conforto" que são vítimas de opressão e exclusão social. O sujeito poético reconhece a importância dos movimentos de mulheres e LGBTI, bem como das organizações de favelas e das centrais sindicais, que lutam pela igualdade e justiça social.

Ele mostra solidariedade para com essas pessoas e afirma que nunca votou em "facho", um termo pejorativo para designar os políticos de extrema direita que promovem a intolerância e apoiam medidas autoritárias e repressivas. A escolha da palavra "porcino" para caracterizar o facho é significativa, pois o porco é um animal que muitas vezes é associado à sujidade. Deste modo, o sujeito poético critica os políticos fascistas e sua falta de humanidade, comparando-os a porcos.

O sujeito poético utiliza ainda a imagem de um menino que canta canções perdidas e que precisa encontrar engenho para enfrentar as dificuldades da vida. É como se este menino representasse as comunidades marginalizadas que lutam pela sobrevivência num país que as marginaliza. A sorte boa do planalto, que o sujeito poético menciona, não é compartilhada por estas comunidades, que só conhecem a viperina língua dos opressores. Diante das dificuldades do país, não se pode contar com a sorte ou com a benevolência do poder político. É necessário lutar, com todas as armas à disposição, para se fazer ouvir e transformar a realidade: "dai engenho a uma vida inteira/pois de sorte boa do planalto nem votos/apenas sangue e língua viperina".

O poema "Morrer de Brasil" é um grito de dor e de esperança, um apelo à consciência de todos os que se preocupam com a justiça social e com o futuro da sociedade brasileira. É também uma homenagem àqueles que, como Flávio Migliaccio, lutaram e sofreram por um país mais justo e mais humano.

Análise textual solicitada em 19-02-2023 a ChatGPT (Feb 13 Version)disponível em https://chat.openai.com/chat (texto revisto e adaptado)






Cajuína

Existirmos, a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria-vida era tão fina
e éramos olharmo-nos intacta a retina
A Cajuína, cristalina em Teresina

“Cajuína” in Cinema transcendental, 1979, Caetano Veloso


“Existirmos: a que será que se destina?” é o primeiro verso de “Cajuína”, uma canção de Caetano Veloso. Bela, solar e dançante, “Cajuína” refere-se a uma bebida homónima à base de sumo de caju, típica de Teresina, capital do Piauí.

Caetano inspirou-se no néctar cristalino e doce para escrever um forró em homenagem a Torquato Neto, poeta e parceiro que suicidou-se muito novo, em 1972, não só mas também por não aguentar os anos de chumbo da ditadura militar brasileira.

Torquato escreveu, Caetano musicou e Gal Cantou: “Mamãe, mamãe não chore / Eu quero, eu posso, eu quis, eu fiz, Mamãe, seja feliz / Mamãe, mamãe não chore / Não chore nunca mais, não adianta eu tenho um beijo preso na garganta / Eu tenho um jeito de quem não se espanta / Eu tenho corações fora peito / Mamãe, não chore, não tem jeito.”


Não teve jeito. Para Torquato. Nem para Flávio Migliaccio, ator veterano de tantas novelas que também passaram aqui em Portugal e que há alguns dias se enforcou. Flávio deixou uma carta a dizer: “Tive a impressão que foram 85 anos jogados fora num país como este e com esse tipo de gente que acabei encontrando.”

Alguém escreveu que Migliaccio morreu de Brasil. A frase faz sentido, mas é imprecisa. Morrer de Brasil refere uma doença mais geral, endémica, que atravessa séculos. Sempre se morreu de Brasil, às vezes de escravidão, seca no sertão, outras pela inflação ou por corrupção e tantos outros “ãos”, que fazem boas rimas pobres, mas nunca uma solução.

Para se morrer de Brasil não é necessário estar no Brasil. O mundo morre de Brasil a cada árvore queimada da Amazónia, a cada criança favelada que não sobrevive pela ação do tráfico, pela falta de esgotos, pela subnutrição. Crescida, tal criança poderia ser um Pelé, um Vinicius de Morais, uma Elis Regina, um Ayrton Senna e assim deixar o mundo mais vivo. Mas não.

Portugal também morre de Brasil pois a tragédia moral e social de um país, qualquer país, é uma tragédia que contagia, que ensombra toda uma ideia de civilização. Mais ainda quando acontece a um povo com quem partilhamos o sangue e a língua.

Mas, repito, a doença agora é outra. Ou outras. Há a covid e há o bolsonarismo. São vírus de cepas parecidas, levam à falência de órgãos vitais, seja um pulmão ou o coração ou cérebro ou o congresso nacional.

Pode não parecer, mas este texto é sobre a vida. Falar de mortos é lembrar aos vivos (inclusive eu) que sobramos nós para fazer alguma coisa.

“Existirmos: a que será que se destina?”

Humildemente, respondo: para vencer as trevas é preciso luz, é preciso arte, é preciso diálogo, é preciso poesia, é preciso redescobrir a empatia.

O antídoto para uma coisa má costuma ser o seu antónimo: uma coisa boa. Esta aí: pessoas boas (e o Brasil tem destas quase duas centenas de milhão) precisam compreender isto e atuar enquanto há tempo. Só assim é que poderemos (todos) não morrer mais de Bolsonaro.

Edson Athayde, “Como não morrer de Bolsonaro”, Lisboa, Jornal de Negócios, 2020-05-20




CARREIRO, José. “Morrer de Brasil”. Portugal, Folha de Poesia, 21-05-2020 (última atualização: 19-02-2023). Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/05/morrer-de-brasil.html


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Endechas a Bárbara



Endechas a uma cativa com quem andava de amores na Índia,
chamada Bárbara

Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo
Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que pera meus olhos
Fosse mais fermosa.

Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.
Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.

Ũa graça viva,
Que neles lhe mora,
Pera ser senhora
De quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.

Presença serena
Que a tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo;
E. pois nela vivo,
É força que viva.

             Luís de Camões


TÓPICOS DE ANÁLISE

• Retrato feminino singular, diferente do retrato ideal renascentista, imagem mais diretamente ligada ao real.
• Retrato valorativo apreciativo, hiperbolizado e realizado do geral para o particular.
• Figura bela, formosa, graciosa, serena, mais humana que divina.
• Sentimentos despertados no sujeito poético: a paixão (cf. primeira e última estrofes, por exemplo); esta figura feminina que desperta a paixão do poeta permite-lhe, igualmente, descansar a sua dor – nela enfim descansa / toda a minha pena.
• Referências cromáticas: permitem acentuar a beleza feminina, bem como o seu exotismo.
• Poesia lírica tradicional (medida velha – redondilha menor, versos de cinco sílabas métricas).
• Poema composto por cinco oitavas (estrofes de oito versos).
• Esquema rimático: abbacddc (rimas interpoladas e emparelhadas).
• Principais recursos expressivos utilizados: jogos antitéticos e trocadilhos (cativa / cativo– em que se joga com os sentidos literal e metafórico do termo – porque nela vivo / já não quer que viva, pera ser senhora/de quem é cativa, bem parece estranha / mas bárbara não – em que se joga com o sentido duplo de «estranha» (não usual, diferente, estrangeira) e com o nome «Bárbara» e o adjetivo «bárbara» –, e pois nela vivo, / é força que viva.



INTERTEXTUALIDADE


Paul Gauguin, "Arearea" ou "O cão vermelho", 1892
Paul Gauguin, "Arearea", 1892


Bárbora não   
                    
Cantando o poeta em sua escora
levara na fadiga antiga rima.
Ó moço que no leito discorres, cuida,
arde para que sinal torne tua amiga.
Contando que a viu em face distinta,
sua companheira sorriu somente.
Vai com ele na doce peia que mais não
pode viver se sabe. Amor, disse, e apôs
seu nome, sua ventura.
Então a doce morena mordeu o lábio,
mais rica, mais leve na canela.
Porte esguio que a alma aquece.
Com vagar sorriu, deitou olhar e
co’as mãos já humedecidas as escondeu.
"Fico grato, concretamente, de seu fastio
ou de seu intento." E ela calou. Sorriu.
Sorriu somente.
                    
José Maria de Aguiar Carreiro, Folha de Poesia, 2007-06-10

LUSOFONIA Plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/

 

 

 


CARREIRO, José. “Endechas a Bárbara”. Portugal, Folha de Poesia, 14-02-2020. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/02/endechas-barbara.html


quarta-feira, 25 de abril de 2018

25 DE ABRIL, SEMPRE!


 



I
Como animais rente à fonte
nossos pais um dia
abriram-nos as portas.
Vejo aquecidas sob o corpo as patas desses animais,
pais verdes por entre a multidão.

II
Trocamos por moedas o pão de Abril,
o gosto restaurado, o olhar distante.
Vejo como bailam as moscas
fartas do pastoreio.
Outras há, por perto, sedentas de mais governo
ou de sangue mandatado por seu regimento
porque há um ajuntamento contra o régulo
porque sobra azeite na taça do ungido.


José Maria de Aguiar Carreiro, 25 de Abril de 2018.



Análise textual

O poema "25 DE ABRIL, SEMPRE!" de José Maria de Aguiar Carreiro é uma homenagem ao Dia da Liberdade em Portugal, que celebra a revolução de 25 de abril de 1974 que derrubou o regime ditatorial de António de Oliveira Salazar e abriu caminho para a democracia.

O poema é dividido em duas partes. Na primeira parte, o poeta usa a metáfora de animais rente à fonte para descrever os pais da geração anterior, que abriram as portas para a liberdade e a democracia num futuro mais livre e justo, permitindo que as gerações seguintes beneficiassem desses avanços. A imagem dos pais "verdes por entre a multidão" sugere não só uma sensação de juventude e entusiasmo que permeava a Revolução dos Cravos, como também a esperança e a renovação.

Na segunda parte, o sujeito poético volta-se para a situação atual em Portugal, em que muitas pessoas parecem ter esquecido a importância do 25 de abril. Ele descreve como as pessoas estão mais interessadas em ganhar dinheiro do que em lutar pelos ideais de liberdade e justiça que a revolução representou. Assim, o sujeito poético sugere que a liberdade e a democracia conquistadas em 25 de abril foram trocadas por dinheiro e corrupção. A imagem das moscas dançando, satisfeitas com o pastoreio, sugere uma sensação de complacência e inatividade que se estabeleceu na sociedade. Isto é, se por um lado as moscas que bailam simbolizam a prosperidade e a abundância que muitas pessoas experimentam atualmente, por outro lado, estas também se tornam apáticas e indiferentes à política. O sujeito poético também aponta para aqueles que ainda buscam mais poder e controle, sedentos de governo ou sangue mandatado pelo seu regimento.

No final do poema, o poeta faz uma referência ao ungido, possivelmente um líder político que representa a elite dominante. Ele observa que há um ajuntamento contra o régulo, ou seja, contra aqueles que tentam manter o poder nas mãos de poucos em detrimento do bem-estar da maioria. A taça do ungido, que transborda de azeite, simboliza o excesso de poder e riqueza que a elite ainda mantém, mesmo depois de tantos anos de democracia.

Em geral, "25 DE ABRIL SEMPRE" é um poema que usa uma linguagem poética rica em imagens para transmitir uma mensagem política. O poeta sugere que a Revolução dos Cravos foi uma conquista importante, mas que essa conquista está sendo desperdiçada pela corrupção e pela complacência da sociedade. O poema é uma chamada à ação, um lembrete de que a liberdade e a democracia são conquistas preciosas que precisam ser protegidas e defendidas.

Análise textual solicitada em 16 e 19-02-2023 a ChatGPT (Feb 13 Version), disponível em https://chat.openai.com/chat (texto revisto e adaptado)



CARREIRO, José. “25 DE ABRIL, SEMPRE!”. Portugal, Folha de Poesia, 25-04-2018 (última atualização: 19-02-2023). Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/04/25-de-abril-sempre.html