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terça-feira, 21 de março de 2023

Mia senhor fremosa, direi-vos ũa rem (Cantiga de Amor)

CBN 132

 






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Mia senhor fremosa, direi-vos ũa rem1:
vós sodes mia morte e meu mal e meu bem!
     E mais por que vo-lo hei eu já mais a dizer?
     Mia morte sodes, que me fazedes morrer!

Vós sodes mia mort’e meu mal, mia senhor,
e quant’eu no mund’hei de bem e de sabor2!
     E mais por que vo-lo hei eu já mais a dizer?
     Mia morte sodes, que me fazedes morrer!

Mia mort’e mia coita sodes, nom há i al3,
e os vossos olhos mi fazem bem e mal.
     E mais por que vo-lo hei eu já mais a dizer?
     Mia morte sodes, que me fazedes morrer!

Senhor, bem me fazem soo4 de me catar5,
pero vem m’en6 coita7 grand’; e vos direi ar8:
     E mais por que vo-lo hei eu já mais a dizer?
     Mia morte sodes, que me fazedes morrer!

Nuno Eanes Cerzeo, Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 132

Cantigas Medievais Galego-Portuguesas, edição coordenada por Graça Videira Lopes, Vol. 2, Lisboa, BNP/IEM/CESEM, 2016, pp. 167-168.


__________

1 rem (verso 1) – coisa.
2 sabor (verso 6) – gosto; prazer; desejo.
3 nom há i al (verso 9) – sem qualquer dúvida.
4 soo (verso 13) – só.
5 catar (verso 13) – olhar.
6 en (verso 14) – disso; disto.
7 coita (verso 14) – sofrimento, mágoa.
8 ar (verso 14) – novamente; também.

 

Nesta cantiga de amigo, o trovador diz à sua senhora que ela é, ao mesmo tempo, a sua morte, o seu mal e o seu bem. É a sua morte porque o faz morrer, mas é também todo o bem que ele tem no mundo. Quando ela o olha, os seus olhos fazem-lhe bem, mas fazem-lhe mal quando esse bem se transforma em sofrimento.

Fonte: Lopes, Graça Videira; Ferreira, Manuel Pedro et al. (2011-), Cantigas Medievais Galego Portuguesas [base de dados online]. Lisboa: Instituto de Estudos Medievais, FCSH/NOVA. [Consulta em 2023-03-20] Disponível em: https://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=105&pv=sim

 

Questionário sobre a cantiga de Nuno Eanes Cerzeo

1. Apresente três características do poema que permitam identificá-lo como uma cantiga de amor.

2. Explicite dois dos efeitos que resultam da oposição estabelecida, ao longo do texto, entre «meu mal» e «meu bem».

3. Analise o sentido das palavras «morte» e «morrer», tal como ocorrem no segundo verso do refrão.

4. Tendo em conta a terceira e a quarta estrofes, explique as referências ao olhar («olhos», verso 10; «catar», verso 13).

 

Explicitação de cenários de resposta

1. Na resposta, devem ser desenvolvidos três dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

As características que permitem identificar o poema como uma cantiga de amor são:

− a apóstrofe «mia senhor» (vv. 1 e 5);

− a voz masculina do sujeito poético;

− o tema do amor tratado segundo o ideal do amor cortês;

− uma acentuação dos aspetos contraditórios do sentimento amoroso;

− o elogio da dama, caracterizada pelo sujeito poético como «fremosa» (v. 1).

2. Na resposta, devem ser desenvolvidos dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

A oposição estabelecida entre «meu mal» e «meu bem» produz os seguintes efeitos:

− marcar o tom antitético que, introduzido no verso 2, se manterá ao longo do poema;

− sugerir o sofrimento («meu mal») e o prazer («meu bem») provocados pelo amor que o sujeito poético sente pela amada;

− expressar a tensão provocada por sentimentos contraditórios;

− acentuar a intensidade da paixão amorosa.

3. Na resposta, devem ser desenvolvidos dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

Tal como ocorrem no segundo verso do refrão, as palavras «morte» e «morrer» remetem para:

− a expressão dos efeitos dolorosos do sentimento amoroso;

− a sugestão de que a morte é consequência inevitável da «coita» (vv. 9 e 14);

− a representação poética da intensidade da paixão despertada pela «senhor»;

− a manifestação de um amor intenso, embora impossível.

4. Na resposta, devem ser desenvolvidos dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

Na terceira e na quarta estrofes, o olhar é apresentado como:

− veículo da paixão que atormenta o sujeito poético;

− símbolo da atenção que a «senhor» dedica ao sujeito poético;

− modo privilegiado de relação entre a «senhor» e o sujeito poético;

− sinal da distância entre a «senhor» e o sujeito poético.

 

Fonte: Exame Final Nacional de Literatura Portuguesa. Prova 734 | 1.ª Fase | Ensino Secundário | 2019 | 11.º Ano de Escolaridade | Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho | Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho. República Portuguesa – Educação / IAVE-Instituto de Avaliação Educativa, I.P.

 


     Poderá também gostar de:

 “Poesia trovadoresca galego-portuguesa”, José Carreiro. In: Folha de Poesia, 2018-05-18. Síntese didática disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/poesia-trovadoresca-galego-portuguesa.html


 


CARREIRO, José. “Mia senhor fremosa, direi-vos ũa rem (Cantiga de Amor)”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 21-03-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/03/mia-senhor-fremosa-direi-vos-ua-rem.html


segunda-feira, 20 de março de 2023

Pois nossas madres vam a San Simon (Cantiga de Amigo)

 






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Pois1 nossas madres vam2 a San Simon
de Val de Prados candeas3 queimar4,
nós, as meninas, punhemos5 d’ andar6
com nossas madres; e elas enton
queimem candeas por nós e por si,
e nós, meninas, bailaremos i7.

Nossos amigos todos lá iram8
por9 nos veer10, e andaremos nós
bailand’ ant’11 eles, fremosas, em cós12;
e nossas madres, pois que alá13 vam,
queimem candeas por nós e por si,
e nós, meninas, bailaremos i.

Nossos amigos iram por cousir14
como bailamos, e podem veer
bailar i moças de bom parecer;
e nossas madres, pois lá querem ir,
queimem candeas por nós e por si,
e nós, meninas, bailaremos i.

 

Pero de Viviães, CV 336, CBN 698

Stephen Reckert e Helder Macedo, Do Cancioneiro de Amigo, Lisboa, Assírio & Alvim, 1976 (texto com algumas atualizações ortográficas)

 

____________
1 pois (vv. 1, 10 e 16): já que.
2 vam (vv. 1 e 10): vão.
3 candeas (vv. 2, 5, 11 e 17): candeias; velas.
4 queimar (v. 2): acender.
5 punhemos d’ (v. 3): decidamo-nos a.
6 andar (v. 3): ir.
7 i (vv. 6, 12, 15 e 18): aí; lá.
8 iram (vv. 7 e 13): irão.
9 por (vv. 8 e 13): para.
10 veer (vv. 8 e 14): ver.
11 ant’ (v. 9): diante de.
12 em cós (v. 9): sem manto ou capa.
13 alá (v. 10): lá.
14 cousir (v. 13): apreciar.

 

I. Análise de uma composição trovadoresca galego-portuguesa:

Apresentação

Identificação: «Pois nossas madres vam a San Simon»,

Género: cantiga de amigo

Presença nos cancioneiros: CV 336, CBN 698

Autor: Pero de Viviães (jogral)

 

Paráfrase da cantiga

que nossas mães vão a S. Simião

de Vale dos Prados velas queimar,

nós, as meninas, deixemo-nos levar

com nossas mães, e elas então

queimem velas por nós e por si,

e nós, as meninas, bailaremos .

 

Os nossos amigos todos irão

para nos ver e andaremos nós

bailando diante deles, formosas, em cós (sem manto, em corpo bem feito);

as nossas mães, que vão,

queimem velas por nós e por si,

e nós, as meninas, bailaremos .

 

Os nossos amigos irão para ver (contemplar, apreciar)

como bailamos, e podem ver

bailar moças de mui bom parecer (formosas);

e as nossas mães, que vão (querem ir),

queimem velas por nós e por si,

e nós, as meninas, bailaremos

 

Paráfrase da cantiga adaptada de Aula Viva Português A 10.º Ano. João Guerra e José Vieira. Porto Editora, 1995, p.121

 

Estrutura externa (descrição dos processos formais de versificação)

Cantiga de refrão, constituída por três coplas singulares (uma combinação de rimas para cada estrofe; note-se que as rimas mudam de estrofe para estrofe, embora dentro da mesma fórmula rimática: abbaCC. Vários autores dizem ao contrário: que cada copla tem o seu próprio esquema rimático, por isso seriam coplas singulares).

Cada copla tem uma quadra com o tipo de rima emparelhada e interpolada de versos decassílabos agudos e o refrão em dísticos monorrimos de decassílabos agudos.

 

Tema

Convite ao amor, numa situação de romaria, enquanto as mães cumprem promessas.

 

Assunto

Nesta composição poética, cantiga de amigo e de romaria, o trovador, num discurso lírico e narrativo, através da boca das meninas, traquinas e matreiras, expressa a sua grande alegria e entusiasmo por irem a San Simon de Val de Prados: é que se vão encontrar com os seus amigos e bailar, elas; as mães podem bem rezar por todas elas e por si próprias, “pois que alá van”.

(In A lírica trovadoresca, Mª José Barbosa, Edições Sebenta, [1997])


Esquema interpretativo da cantiga “Pois nossas madres vam a San Simon”

(cf. Ser em Português, Português A, 10.º Ano, Artur Veríssimo et alii. Areal Editores, 1997, p. 89)


II - Apresente, de forma estruturada, as suas respostas ao questionário sobre a cantiga de Pero de Viviães, “Pois nossas madres vam a San Simon”.

1. Indique quatro características temáticas do poema que contribuem para a sua inserção no género das cantigas de amigo.

2. Analise as relações, formais e semânticas, existentes entre o conjunto de versos 7, 8, 9 e o conjunto de versos 13, 14, 15.

3. Compare, apoiando-se em elementos do poema, os objetivos das raparigas e os das suas mães, relativamente à romaria.

4. Neste género de cantigas é, muitas vezes, recriado um ambiente sensual, ainda que de forma mais ou menos discreta. Comente, desse ponto de vista, a cantiga de Pero de Viviães, explicitando três dos aspetos indiciadores do tipo de ambiente referido.

 

Explicitação de cenários de resposta

1. Na resposta, podem ser referidas, entre outras, as seguintes características:

– representação de um sujeito poético feminino («meninas»);

– alusão aos namorados ou pretendentes («amigos»);

– referência às figuras maternas («madres») como tendo um papel relevante na vida das «meninas»;

– expressão, por parte das «meninas», do desejo de encontros amorosos;

– autoelogio do sujeito poético feminino («fremosas, em cós»; «moças de bom parecer» – v. 9 e v. 15);

– duplo valor da romaria, com objetivos religiosos para as mães e amorosos para as jovens;

– menção a cenas da vida concreta do povo;

– ...

2. Na resposta, o examinando deverá referir o paralelismo existente entre os dois conjuntos de versos, construído pela repetição e pelas variações. Assim:

– através da repetição da referência aos «amigos», é enfatizada a importância da presença do elemento masculino com um intuito determinado («Nossos amigos todos lá iram / por»; «Nossos amigos iram por» – vv. 7-8 e v. 13);

– através das variações formais, ganham destaque os objetivos de cada um dos grupos: de sedução e de exibição consciente, por parte das «meninas»; de observação e de admiração, por parte dos «amigos», relativamente às jovens («por nos veer», «por cousir / como bailamos» – v. 8 e vv. 13-14; «fremosas, em cós», «moças de bom parecer» – v. 9 e v. 15).

3. Na resposta, para além de outros aspetos, o examinando deverá referir que:

– para as mães, a viagem apresenta características de peregrinação religiosa («Pois nossas madres vam a San Simom / de Val de Prados candeas queimar» – vv. 1-2);

– para as «meninas», essa peregrinação não é mais do que uma oportunidade para se divertirem, um pretexto para se exibirem perante namorados ou pretendentes («lá iram / por nos veer, e andaremos nós / bailand’ ant’ eles» – vv. 7-9), deixando às mães o cumprimento das devoções («queimem candeas por nós e por si» – vv. 5, 11 e 17).

4. Na resposta, para além de outros aspetos, poderão ser referidos como traços indiciadores de sensualidade na cantiga:

– a dança das donzelas diante dos namorados;

– os termos pelos quais as «meninas» se descrevem fisicamente, dando conta da beleza sensual das suas figuras («fremosas, em cós») e do efeito que essa beleza possa ter sobre os seus «amigos»;

– a vontade, manifestada pelas donzelas, de serem observadas e apreciadas pelos rapazes, enquanto bailam;

– a utilização, pelas donzelas, da peregrinação religiosa das mães, como pretexto para encontros de natureza amorosa, possíveis no contexto da festa profana de uma romaria, em que bailar tem particular relevo;

– ... 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 734 - 10.º/11.º ou 11.º/12.º anos de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março). Prova Escrita de Literatura Portuguesa, Lisboa, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2007, 1.ª Fase



     Poderá também gostar de:

 “Poesia trovadoresca galego-portuguesa”, José Carreiro. In: Folha de Poesia, 2018-05-18. Síntese didática disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/poesia-trovadoresca-galego-portuguesa.html


 


CARREIRO, José. “Pois nossas madres vam a San Simon (Cantiga de Amigo)”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 20-03-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/03/pois-nossas-madres-vam-san-simon.html


domingo, 19 de março de 2023

Roi Queimado morreu com amor (Cantiga de maldizer)

 


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Roi Queimado morreu com amor
em seus cantares, par Santa Maria,
por ũa dona que gram bem queria;
e, por se meter por mais trobador,
por que lh’ela nom quis [o] bem fazer,
feze-s’el em seus cantares morrer,
mais resurgiu depois, ao tercer dia.

Esto fez el por ũa sa senhor
que quer gram bem; e mais vos ém diria:
por que cuida que faz i maestria,
enos cantares que fez, á sabor
de morrer i e des i d’ar viver;
esto faz el, que x’o pode fazer,
mais outr’omem per rem nono faria.

E nom á ja de sa morte pavor,
se nom, sa morte mais la temeria,
mais sabe bem, per sa sabedoria,
que viverá, des quando morto for;
e faz-[s’]em seu cantar morte prender,
des i ar vive: vedes que poder
que lhi Deus deu, - mais queno cuidaria!

E se mi Deus a mi desse poder
qual oj’el á, pois morrer, de viver,
ja mais morte nunca [eu] temeria.

 

Pêro Garcia Burgalês, CBN 1380/ CV 988

A Lírica Galego-Portuguesa, ed. de Elsa Gonçalves e Maria Ana Ramos, 2.ª ed., Lisboa, Comunicação, 1985, p. 230

Notas:

v. 1 – Roi Queimado – poeta trovador, que viveu nos reinados de D. Afonso III e D. Dinis.

v. 4 – por se meter por mais trobador – para se mostrar melhor trovador.

v. 9 – ém – isso (o assunto).

v. 10 – faz i maestrianisso mostra grande talento; faz versos como um mestre.

vv. 11-12 – á sabor / de morrer i e des i d’ar viver – tem gosto em morrer neles e depois voltar a viver.

v. 13 – x’ –  se

v. 14 – per rem – por coisa nenhuma.

v. 14 – nono – não o.

v. 21 – queno – quem o.

v. 23 – qual oj’el á, pois morrer, de viver – que ele hoje tem, que é o de viver depois de ter morrido.

 

Paráfrase da cantiga: 

Roi Queimado morreu de amor
nos seus versos - por Santa Maria! -,
por causa de uma mulher que ele amava muito;
e, para se mostrar um grande trovador,
porque ela não lhe quis corresponder,
ele fez-se morrer nos seus versos,
mas ressuscitou depois, ao terceiro dia.

Ele fez isso por uma senhora sua
que ele ama muito; e mais vos dele diria:
porque ele pensa que mostra talento,
nos versos que faz, tem o gosto
de neles morrer para depois voltar à vida;
isto faz ele, que o pode fazer,
mas nenhum outro homem faria isso.

E já não tem pavor da sua morte,
senão, teria mais medo dela,
mas sabe bem, pela sua sabedoria,
que viverá, desde que esteja morto;
e faz-se morrer no seu canto,
desde que viva outra vez: vejam que poder
que Deus lhe deu - mas quem diria!

E se Deus me desse a mim o poder
que ele tem hoje, de viver depois de morrer,
eu jamais temeria a morte.


I - Questionário sobre a cantiga trovadoresca galego-portuguesa “Roi Queimado morreu com amor”, de Pêro Garcia Burgalês.

1. Há, nesta composição poética, uma sátira ao trovador Roi Queimado.

1.1. Identifique o objeto da sátira.

1.2. Identifique os elementos que revelam mordacidade e ironia exemplificando com expressões do poema.

2. Classifique a composição e justifique.

3. Identifique os recursos estilísticos em:

a) «feze-s’el em seus cantares morrer,/ mais resurgiu depois, ao tercer dia» (vv. 6-7);

b) «á sabor/ de morrer i e des e d’ar viver». (vv. 11-12)

4. Complete a seguinte descrição formal da cantiga:

A cantiga é composta por três coblas uníssonas porque

O terceto final é designado deporque

A ligação por coblas «capdenals» faz-se do seguinte modo:

Palavra-rima:

Rima derivada:

Quanto à medida, os versos são

 

 

Proposta de resolução do questionário:

1.1. O objeto da sátira é a «morte de amor» (das cantigas de amor, da poesia trovadoresca). Trata-se de uma convenção poética das cantigas de amor que o trovador Roi Queimado explora com particular insistência.

1.2. Elementos que revelam crítica e ironia:

- morte de amor nos seus cantares («morreu con amor», 1; «feze-s’el em seus cantares morrer», 6; «há sabor / de morrer i», 11-12; «faz-se em seu cantar morte prender», 19);

- ressurreição ou vida que recebe por ter morrido («mais resurgiu depois, ao tercer dia», 7; «des i d’ar viver», 12; « viverá, des quando morto for», 18; « des i ar vive», 20);

- querer passar por trovador («por se meter por mais trobador», 4);

- pensar que sabe compor cantigas com mestria («cuida que faz i maestria», 10);

- o poder que presume ter («vedes que poder / que lhi Deus deu», 20-21; «se mi Deus a mi desse poder / qual oj’el á», 22-23);

- ...

(Adaptado de Português B 11.º Ano- teste de avaliação 1, Porto Editora)

2. Trata-se de uma cantiga de maldizer por dirigir a sátira diretamente a uma pessoa (um trovador conhecido). Ainda quanto ao género, esta composição pode ser classificada como sirventês literário.

3. a) A ironia e a hipérbole nos versos «feze-s’el em seus cantares morrer,/ mais resurgiu depois, ao tercer dia» (vv. 6-7) consistem em exagerar e ridicularizar a atitude do trovador que finge morrer de amor por uma senhora que não lhe corresponde e depois ressuscita como se fosse um milagre divino. Essa comparação com a morte e ressurreição de Cristo é uma forma de zombar da pretensão e da falsidade do trovador que usa os seus cantares para impressionar a sua senhor.

3. b) A ironia presente nos versos «á sabor/ de morrer i e des i d’ar viver» (vv. 11-12) consiste em sugerir que o trovador tem prazer em fingir morrer e ressuscitar nos seus cantares, como se fosse um jogo ou uma arte. Essa ironia reforça a ideia de que o trovador não tem sentimentos verdadeiros pela sua senhor, mas apenas quer mostrar a sua habilidade artística.

4. Descrição da estrutura métrica e estrófica da cantiga:

A cantiga é composta por três coblas uníssonas porque apresentam o mesmo esquema rimático (abbaccb) e a mesma manifestação vocálica (a: -or; b: -ia; c: -er).

O terceto final é designado de finda porque constitui um artifício que serve de conclusão do assunto da cantiga.  Esta finda é composta por três versos que retomam a rima dos últimos das estrofes (ccb).

A ligação por coblas «capdenals» faz-se do seguinte modo: v. 7 “mais” nas coblas I-II.

Palavra-rima: “fazer” (vv. 5, 13); “poder” (vv. 20, 22); “temeria” (vv. 16, 24); “viver” (vv. 12, 23).

Rima derivada: “fazer” / “faria”.

Quanto à medida, os versos são decassílabos agudos (1.º, 4.º, 5.º e 6.º de cada copla) e graves (2.º, 3.º e 7.º de cada copla); o primeiro e o último versos são eneassílabos.

 

II – Resolve o seguinte questionário do Exame Nacional sobre a cantiga “Roi Queimado morreu com amor”, de Pero Garcia Burgalês.

1. Com base na primeira estrofe do poema, explicite dois dos motivos pelos quais Roi Queimado é alvo da sátira de Pero Garcia Burgalês.

2. Refira de que modo a crítica inicial é desenvolvida na segunda e na terceira estrofes, destacando dois aspetos relevantes.

3. Proceda à análise formal da cantiga, no que respeita à estrutura estrófica e à rima.

4. Analise a importância da finda para o sentido geral do poema.

 

Explicitação de cenários de resposta:

1. Explicita, adequadamente, dois dos motivos pelos quais Roi Queimado é alvo da sátira, com base na primeira estrofe.

Linhas de leitura

Com base na primeira estrofe, Roi Queimado é o alvo da sátira de Pêro Garcia Burgalês pelos seguintes motivos:

− ter proclamado, nos seus cantares, a sua morte «por u ~ a dona que gram bem queria» (v. 3), dado ela não corresponder ao seu sentimento amoroso (v. 5);

− revelar o artificialismo da coita de amor subjacente às convenções do código de amor cortês (vv. 6-7);

− ter-se por bom trovador (v. 4), quando o que faz é recorrer excessivamente ao tópico da morte por amor (v. 4 e v. 6).

2. Refere, adequadamente, de que modo a crítica inicial é desenvolvida na segunda e na terceira estrofes, destacando dois aspetos relevantes.

Linhas de leitura

A crítica humorística inicial é reiterada, com algumas variações, na segunda e na terceira estrofes, no que se refere aos seguintes aspetos:

− a falta de talento poético do trovador satirizado, que, no entanto, se considera um bom trovador (v. 10);

− o manifesto exagero com que afirma, nesses seus cantares corteses, que morre pela sua «senhor» (vv. 11-12);

− a capacidade de morrer e de ressuscitar na sua poesia, que sugere que Roi Queimado seria dotado de um poder especial, que mais nenhum homem possuiria (vv. 13-14);

− a imaginária benção recebida por graça divina (vv. 20-21).

3. Procede, adequadamente, à análise formal da cantiga, no que respeita à estrutura estrófica e à rima.

Linhas de leitura

O poema (uma cantiga de mestria) é composto por quatro estrofes, correspondendo a última à finda.

Exceto esta, que é um terceto, as restantes estrofes são constituídas por sete versos.

O esquema rimático (fixo) é abbaccb nas três primeiras estrofes e ccb na finda, apresentando rima interpolada no primeiro e no quarto versos das estrofes e emparelhada nos segundo, terceiro, quinto e sexto versos. O sétimo verso retoma a rima do segundo e terceiro versos.

4. Analisa, adequadamente, a importância da finda para o sentido geral do poema.

Linhas de leitura

Na finda desta cantiga, o trovador reafirma as razões que motivaram a sátira a Roi Queimado, apresentadas nas estrofes anteriores. Assim, conclui, em tom jocoso, que também gostaria de receber de Deus esse poder de ressuscitar, embora saiba muito bem, como Roi Queimado sabe, que não chega nunca a haver senão uma morte fingida.

 

Fonte: Exame Final Nacional de Literatura Portuguesa. Prova 734 | 2.ª Fase | Ensino Secundário | 2017 | 11.º Ano de Escolaridade | Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho. República Portuguesa – Educação / IAVE-Instituto de Avaliação Educativa, I.P.

 

 

III - Leia atentamente o seguinte excerto da Arte de Trovar:

«Cantigas d’escarneo som aquelas que os trobadores fazem querendo dizer d’alguem em elas, e dizem-lho per palavras cubertas que ajam dous entendimentos...»

Disponível em: https://cantigas.fcsh.unl.pt/artedetrovar.asp

1. Especifique e explique o recurso estilístico que é definido no texto, demonstrando a sua função nas cantigas estudadas em aula.

2. De que forma as cantigas de escárnio são ilustrativas de uma certa liberdade de expressão da época?

 

Proposta de resolução:

1. O recurso estilístico que é definido no texto é a equivocatio, que consiste em usar palavras ou expressões que podem ter mais de um sentido. A função da equivocatio (ambiguidade) nas cantigas de escárnio é encobrir a agressividade da crítica e permitir ao trovador zombar do seu alvo sem o nomear diretamente. Assim, o trovador pode escapar à censura ou à vingança do ofendido, que nem sempre percebe a intenção satírica da cantiga. Por exemplo, na cantiga “Ai dona fea”, João Garcia de Guilhade elogia ironicamente uma mulher feia e velha, chamando-a de “formosa” e “bela”, mas insinuando que ela é tão repulsiva que ninguém a quer.

2. As cantigas de escárnio são ilustrativas de uma certa liberdade de expressão da época porque mostram que os trovadores podiam criticar abertamente vários aspetos da sociedade medieval, como a corrupção dos nobres e do clero, os costumes amorosos e sexuais, as rivalidades políticas e literárias, etc. As cantigas de escárnio também revelam um espírito crítico e humorístico dos trovadores, que usavam a poesia como uma forma de intervenção social e cultural. No entanto, essa liberdade não era absoluta nem isenta de riscos, pois os trovadores podiam ser perseguidos ou castigados pelos seus alvos se fossem descobertos ou denunciados.

 

Bibliografia:

"10 Cantigas de Escárnio - Minhas Atividades", disponível em https://minhasatividades.com/cantigas-de-escarnio/, acedido em 17/03/2023

"O que é cantiga de escárnio?", disponível em https://todasasrespostas.pt/o-que-e-cantiga-de-escarnio, acedido em 17/03/2023

"Poesia trovadoresca: Cantigas de Escárnio e Maldizer", disponível em https://estudoemcasaapoia.dge.mec.pt/recurso/poesia-trovadoresca-cantigas-de-escarnio-e-maldizer, acedido em 17/03/2023


 


CARREIRO, José. “Roi Queimado morreu com amor (Cantiga de maldizer)”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 19-03-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/03/roi-queimado-morreu-com-amor-cantiga-de.html