terça-feira, 21 de março de 2023

Mia senhor fremosa, direi-vos ũa rem (Cantiga de Amor)

CBN 132

 






5





10





15

Mia senhor fremosa, direi-vos ũa rem1:
vós sodes mia morte e meu mal e meu bem!
     E mais por que vo-lo hei eu já mais a dizer?
     Mia morte sodes, que me fazedes morrer!

Vós sodes mia mort’e meu mal, mia senhor,
e quant’eu no mund’hei de bem e de sabor2!
     E mais por que vo-lo hei eu já mais a dizer?
     Mia morte sodes, que me fazedes morrer!

Mia mort’e mia coita sodes, nom há i al3,
e os vossos olhos mi fazem bem e mal.
     E mais por que vo-lo hei eu já mais a dizer?
     Mia morte sodes, que me fazedes morrer!

Senhor, bem me fazem soo4 de me catar5,
pero vem m’en6 coita7 grand’; e vos direi ar8:
     E mais por que vo-lo hei eu já mais a dizer?
     Mia morte sodes, que me fazedes morrer!

Nuno Eanes Cerzeo, Cancioneiro da Biblioteca Nacional - B 132

Cantigas Medievais Galego-Portuguesas, edição coordenada por Graça Videira Lopes, Vol. 2, Lisboa, BNP/IEM/CESEM, 2016, pp. 167-168.


__________

1 rem (verso 1) – coisa.
2 sabor (verso 6) – gosto; prazer; desejo.
3 nom há i al (verso 9) – sem qualquer dúvida.
4 soo (verso 13) – só.
5 catar (verso 13) – olhar.
6 en (verso 14) – disso; disto.
7 coita (verso 14) – sofrimento, mágoa.
8 ar (verso 14) – novamente; também.

 

Nesta cantiga de amigo, o trovador diz à sua senhora que ela é, ao mesmo tempo, a sua morte, o seu mal e o seu bem. É a sua morte porque o faz morrer, mas é também todo o bem que ele tem no mundo. Quando ela o olha, os seus olhos fazem-lhe bem, mas fazem-lhe mal quando esse bem se transforma em sofrimento.

Fonte: Lopes, Graça Videira; Ferreira, Manuel Pedro et al. (2011-), Cantigas Medievais Galego Portuguesas [base de dados online]. Lisboa: Instituto de Estudos Medievais, FCSH/NOVA. [Consulta em 2023-03-20] Disponível em: https://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=105&pv=sim

 

Questionário sobre a cantiga de Nuno Eanes Cerzeo

1. Apresente três características do poema que permitam identificá-lo como uma cantiga de amor.

2. Explicite dois dos efeitos que resultam da oposição estabelecida, ao longo do texto, entre «meu mal» e «meu bem».

3. Analise o sentido das palavras «morte» e «morrer», tal como ocorrem no segundo verso do refrão.

4. Tendo em conta a terceira e a quarta estrofes, explique as referências ao olhar («olhos», verso 10; «catar», verso 13).

 

Explicitação de cenários de resposta

1. Na resposta, devem ser desenvolvidos três dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

As características que permitem identificar o poema como uma cantiga de amor são:

− a apóstrofe «mia senhor» (vv. 1 e 5);

− a voz masculina do sujeito poético;

− o tema do amor tratado segundo o ideal do amor cortês;

− uma acentuação dos aspetos contraditórios do sentimento amoroso;

− o elogio da dama, caracterizada pelo sujeito poético como «fremosa» (v. 1).

2. Na resposta, devem ser desenvolvidos dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

A oposição estabelecida entre «meu mal» e «meu bem» produz os seguintes efeitos:

− marcar o tom antitético que, introduzido no verso 2, se manterá ao longo do poema;

− sugerir o sofrimento («meu mal») e o prazer («meu bem») provocados pelo amor que o sujeito poético sente pela amada;

− expressar a tensão provocada por sentimentos contraditórios;

− acentuar a intensidade da paixão amorosa.

3. Na resposta, devem ser desenvolvidos dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

Tal como ocorrem no segundo verso do refrão, as palavras «morte» e «morrer» remetem para:

− a expressão dos efeitos dolorosos do sentimento amoroso;

− a sugestão de que a morte é consequência inevitável da «coita» (vv. 9 e 14);

− a representação poética da intensidade da paixão despertada pela «senhor»;

− a manifestação de um amor intenso, embora impossível.

4. Na resposta, devem ser desenvolvidos dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

Na terceira e na quarta estrofes, o olhar é apresentado como:

− veículo da paixão que atormenta o sujeito poético;

− símbolo da atenção que a «senhor» dedica ao sujeito poético;

− modo privilegiado de relação entre a «senhor» e o sujeito poético;

− sinal da distância entre a «senhor» e o sujeito poético.

 

Fonte: Exame Final Nacional de Literatura Portuguesa. Prova 734 | 1.ª Fase | Ensino Secundário | 2019 | 11.º Ano de Escolaridade | Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho | Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho. República Portuguesa – Educação / IAVE-Instituto de Avaliação Educativa, I.P.

 


     Poderá também gostar de:

 “Poesia trovadoresca galego-portuguesa”, José Carreiro. In: Folha de Poesia, 2018-05-18. Síntese didática disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/poesia-trovadoresca-galego-portuguesa.html


 


CARREIRO, José. “Mia senhor fremosa, direi-vos ũa rem (Cantiga de Amor)”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 21-03-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/03/mia-senhor-fremosa-direi-vos-ua-rem.html


Sem comentários: