segunda-feira, 20 de março de 2023

Pois nossas madres vam a San Simon (Cantiga de Amigo)

 






5





10





15



Pois1 nossas madres vam2 a San Simon
de Val de Prados candeas3 queimar4,
nós, as meninas, punhemos5 d’ andar6
com nossas madres; e elas enton
queimem candeas por nós e por si,
e nós, meninas, bailaremos i7.

Nossos amigos todos lá iram8
por9 nos veer10, e andaremos nós
bailand’ ant’11 eles, fremosas, em cós12;
e nossas madres, pois que alá13 vam,
queimem candeas por nós e por si,
e nós, meninas, bailaremos i.

Nossos amigos iram por cousir14
como bailamos, e podem veer
bailar i moças de bom parecer;
e nossas madres, pois lá querem ir,
queimem candeas por nós e por si,
e nós, meninas, bailaremos i.

 

Pero de Viviães, CV 336, CBN 698

Stephen Reckert e Helder Macedo, Do Cancioneiro de Amigo, Lisboa, Assírio & Alvim, 1976 (texto com algumas atualizações ortográficas)

 

____________
1 pois (vv. 1, 10 e 16): já que.
2 vam (vv. 1 e 10): vão.
3 candeas (vv. 2, 5, 11 e 17): candeias; velas.
4 queimar (v. 2): acender.
5 punhemos d’ (v. 3): decidamo-nos a.
6 andar (v. 3): ir.
7 i (vv. 6, 12, 15 e 18): aí; lá.
8 iram (vv. 7 e 13): irão.
9 por (vv. 8 e 13): para.
10 veer (vv. 8 e 14): ver.
11 ant’ (v. 9): diante de.
12 em cós (v. 9): sem manto ou capa.
13 alá (v. 10): lá.
14 cousir (v. 13): apreciar.

 

I. Análise de uma composição trovadoresca galego-portuguesa:

Apresentação

Identificação: «Pois nossas madres vam a San Simon»,

Género: cantiga de amigo

Presença nos cancioneiros: CV 336, CBN 698

Autor: Pero de Viviães (jogral)

 

Paráfrase da cantiga

que nossas mães vão a S. Simião

de Vale dos Prados velas queimar,

nós, as meninas, deixemo-nos levar

com nossas mães, e elas então

queimem velas por nós e por si,

e nós, as meninas, bailaremos .

 

Os nossos amigos todos irão

para nos ver e andaremos nós

bailando diante deles, formosas, em cós (sem manto, em corpo bem feito);

as nossas mães, que vão,

queimem velas por nós e por si,

e nós, as meninas, bailaremos .

 

Os nossos amigos irão para ver (contemplar, apreciar)

como bailamos, e podem ver

bailar moças de mui bom parecer (formosas);

e as nossas mães, que vão (querem ir),

queimem velas por nós e por si,

e nós, as meninas, bailaremos

 

Paráfrase da cantiga adaptada de Aula Viva Português A 10.º Ano. João Guerra e José Vieira. Porto Editora, 1995, p.121

 

Estrutura externa (descrição dos processos formais de versificação)

Cantiga de refrão, constituída por três coplas singulares (uma combinação de rimas para cada estrofe; note-se que as rimas mudam de estrofe para estrofe, embora dentro da mesma fórmula rimática: abbaCC. Vários autores dizem ao contrário: que cada copla tem o seu próprio esquema rimático, por isso seriam coplas singulares).

Cada copla tem uma quadra com o tipo de rima emparelhada e interpolada de versos decassílabos agudos e o refrão em dísticos monorrimos de decassílabos agudos.

 

Tema

Convite ao amor, numa situação de romaria, enquanto as mães cumprem promessas.

 

Assunto

Nesta composição poética, cantiga de amigo e de romaria, o trovador, num discurso lírico e narrativo, através da boca das meninas, traquinas e matreiras, expressa a sua grande alegria e entusiasmo por irem a San Simon de Val de Prados: é que se vão encontrar com os seus amigos e bailar, elas; as mães podem bem rezar por todas elas e por si próprias, “pois que alá van”.

(In A lírica trovadoresca, Mª José Barbosa, Edições Sebenta, [1997])


Esquema interpretativo da cantiga “Pois nossas madres vam a San Simon”

(cf. Ser em Português, Português A, 10.º Ano, Artur Veríssimo et alii. Areal Editores, 1997, p. 89)


II - Apresente, de forma estruturada, as suas respostas ao questionário sobre a cantiga de Pero de Viviães, “Pois nossas madres vam a San Simon”.

1. Indique quatro características temáticas do poema que contribuem para a sua inserção no género das cantigas de amigo.

2. Analise as relações, formais e semânticas, existentes entre o conjunto de versos 7, 8, 9 e o conjunto de versos 13, 14, 15.

3. Compare, apoiando-se em elementos do poema, os objetivos das raparigas e os das suas mães, relativamente à romaria.

4. Neste género de cantigas é, muitas vezes, recriado um ambiente sensual, ainda que de forma mais ou menos discreta. Comente, desse ponto de vista, a cantiga de Pero de Viviães, explicitando três dos aspetos indiciadores do tipo de ambiente referido.

 

Explicitação de cenários de resposta

1. Na resposta, podem ser referidas, entre outras, as seguintes características:

– representação de um sujeito poético feminino («meninas»);

– alusão aos namorados ou pretendentes («amigos»);

– referência às figuras maternas («madres») como tendo um papel relevante na vida das «meninas»;

– expressão, por parte das «meninas», do desejo de encontros amorosos;

– autoelogio do sujeito poético feminino («fremosas, em cós»; «moças de bom parecer» – v. 9 e v. 15);

– duplo valor da romaria, com objetivos religiosos para as mães e amorosos para as jovens;

– menção a cenas da vida concreta do povo;

– ...

2. Na resposta, o examinando deverá referir o paralelismo existente entre os dois conjuntos de versos, construído pela repetição e pelas variações. Assim:

– através da repetição da referência aos «amigos», é enfatizada a importância da presença do elemento masculino com um intuito determinado («Nossos amigos todos lá iram / por»; «Nossos amigos iram por» – vv. 7-8 e v. 13);

– através das variações formais, ganham destaque os objetivos de cada um dos grupos: de sedução e de exibição consciente, por parte das «meninas»; de observação e de admiração, por parte dos «amigos», relativamente às jovens («por nos veer», «por cousir / como bailamos» – v. 8 e vv. 13-14; «fremosas, em cós», «moças de bom parecer» – v. 9 e v. 15).

3. Na resposta, para além de outros aspetos, o examinando deverá referir que:

– para as mães, a viagem apresenta características de peregrinação religiosa («Pois nossas madres vam a San Simom / de Val de Prados candeas queimar» – vv. 1-2);

– para as «meninas», essa peregrinação não é mais do que uma oportunidade para se divertirem, um pretexto para se exibirem perante namorados ou pretendentes («lá iram / por nos veer, e andaremos nós / bailand’ ant’ eles» – vv. 7-9), deixando às mães o cumprimento das devoções («queimem candeas por nós e por si» – vv. 5, 11 e 17).

4. Na resposta, para além de outros aspetos, poderão ser referidos como traços indiciadores de sensualidade na cantiga:

– a dança das donzelas diante dos namorados;

– os termos pelos quais as «meninas» se descrevem fisicamente, dando conta da beleza sensual das suas figuras («fremosas, em cós») e do efeito que essa beleza possa ter sobre os seus «amigos»;

– a vontade, manifestada pelas donzelas, de serem observadas e apreciadas pelos rapazes, enquanto bailam;

– a utilização, pelas donzelas, da peregrinação religiosa das mães, como pretexto para encontros de natureza amorosa, possíveis no contexto da festa profana de uma romaria, em que bailar tem particular relevo;

– ... 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 734 - 10.º/11.º ou 11.º/12.º anos de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março). Prova Escrita de Literatura Portuguesa, Lisboa, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2007, 1.ª Fase



     Poderá também gostar de:

 “Poesia trovadoresca galego-portuguesa”, José Carreiro. In: Folha de Poesia, 2018-05-18. Síntese didática disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/poesia-trovadoresca-galego-portuguesa.html


 


CARREIRO, José. “Pois nossas madres vam a San Simon (Cantiga de Amigo)”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 20-03-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/03/pois-nossas-madres-vam-san-simon.html


Sem comentários: