sábado, 13 de fevereiro de 2016

Amantes de Teruel






Como espectros de vida arrebatada
yacéis tras el final de la clausura.
Una luz inmortal, una luz pura
Flota sobre la tierra infortunada.

Vuestra pasión fue lumbre acumulada
En la cima total de la blancura,
indenida sed, loca ternura,
revuelo de paloma enamorada.

Dulce va por el viento hasta la arena
la fragante y eterna melodía
que disteis al clavel y a la azucena.

¡Cómo os vela el amor de noche y día,
dejando en las paredes de la pena
largos suspiros de melancolía!

Guillermo Gudel Marti, 1965
(Coscojuela de Fantova,1919 - Zaragoza, 2001-04-10)











De mão dada com os amantes


Rainha da arte mudéjar e reconhecida pela UNESCO, Teruel, capital de província menos povoada de Espanha, é uma cidade que inspira lendas e acolhe uma das mais belas histórias de amor, a de Diego e Isabel.
Um casal caminha de mãos dadas, subindo as escadas parcialmente banhadas pelos raios tímidos do sol matinal. Junto à fonte, carregada de sombra, detém-se e, indiferente a quem apressa o passo, prolonga abraços e beijos que prometem eternizar-se. Desvio o olhar da Escalinata de los Amantes, o resumo perfeito da imagem de Teruel, e dirijo-o para uma paragem onde está estacionado um autocarro cujo vidro traseiro publicita as novas instalações do “tanatório funerária Amantes”.
Em Teruel, cidade do amor, tudo está intimamente ligado à paixão, aos amantes, muitos são os espanhóis (mas nem só) que a procuram no dia de São Valentim ou num outro qualquer do ano, para uma escapada romântica — porque visitar Teruel, para quem namora, é algo que tem de se fazer pelo menos uma vez na vida.
Por isso, era uma vez, há muito tempo, num lugar remoto do interior de Espanha...
Teruel? También existe!
Pronuncie o nome e verá como tem grandes hipóteses de ouvir esta resposta, na região de Aragão e em muitas mais, mesmo distantes desta acolhedora cidade que também é famosa por, segundo a lenda, ter inventado a sopa de alho para curar Jaime I, o conquistador, de uma doença estranha. Teruel, com pouco mais de 35 mil habitantes, é a capital da província menos povoada de Espanha (desde 1950 perdeu mais de 100 mil residentes) e carece das infra-estruturas que caracterizam todas as outras, alegadamente por via de um esquecimento institucional que se arrasta há décadas.
Mas también existe.
Era uma vez...
Isabel de Segura e Diego de Marcilla apaixonaram-se ainda jovens, quase sem darem por isso, porque, na sua puerilidade, ao jogo das brincadeiras permitiram que se sucedesse o jogo do amor. Estávamos no século XIII.
Diego de Marcilla era um dos três filhos de Constanza Pérez Tízón e de donMartin de Marcilla, descendente de don Blasco de Marcilla, um proeminente capitão que, em 1171, com a permissão do rei Alfonso II, conquistou a então vila de Teruel aos muçulmanos. A família, muito respeitada (Martin de Marcilla foi juiz da comarca durante dois anos), era proprietária de uma grande fazenda — mas no espaço de pouco tempo viu-se arruinada por via de uma praga que assolou a região.
Os Marcilla viviam a meio da rua que é hoje a Calle de los Amantes e, apenas a uma dúzia de passos, num edifício conhecido como Sindicatos, abrigava-se a família de don Pedro de Segura, de menos linhagem e nobreza mas colocando no comércio tanta energia e tanta dedicação que não tardou a prosperar ao ponto de se tornar numa das mais ricas de Teruel.
Quando, após muitos anos de amizade, Diego de Marcilla, apaixonado e correspondido no amor por Isabel de Segura, decidiu pedir a sua mão ao pai,don Pedro de Segura, depois de reflectir um pouco, dando prioridade aos materialismos e ignorando os sentimentos, recusou a proposta do jovem.
O regresso do soldado
Consta que era a Primavera de 1212.
Resignado, Diego de Marcilla viu na guerra, lutando contra os infiéis, a possibilidade de enriquecer. Antes ainda de se dirigir a Saragoça, para se alistar no exército do rei de Aragão, Pedro II, prometeu a Isabel de Segura voltar exactamente cinco anos mais tarde.
O tempo foi passando.
Isabel de Segura aceitara o pacto mas a insistência do pai para que casasse com um ilustre e — mais importante ainda — rico homem de Teruel, don Pedro de Azagra, fê-la ceder, embora impondo como condição que não o faria antes que se esgotasse o prazo.
A jovem, de coração destroçado, ia escutando os relatos das gentes que vinham de Castela e que nada sabiam de Diego de Marcilla. Até que um dia alguém lhe deu a notícia de que este havia morrido em combate e, precisamente quando se completavam cinco anos desde a sua promessa, Isabel de Segura, resignada à sua sorte, decidiu casar-se com o homem que o pai escolhera.
Dizem que já passava do meio-dia.
Diego de Marcilla, montado no seu cavalo, carregando saudade, paixão e riqueza, subia a encosta de Andaquilla e, uma vez flanqueada a porta de Daroca, dirigiu-se à rua onde morava a sua amada, ouvindo um rumor que se ia exacerbando à medida que se aproximava da casa dos Segura. Escutando a notícia de uns jovens que por ali andavam, Diego de Marcilla quis certificar-se, insinuando-se por entre os convidados; Isabel de Segura, vendo o seu rosto entre a multidão, desmaiou e foi conduzida aos seus aposentos. O jovem apenas queria um último beijo e conseguiu entrar no quarto da noiva — mas esse desejo foi recusado por Isabel de Segura que, já recomposta, argumentou com o facto de ser uma mulher casada.
Passeio pela Calle de los Amantes e procuro imaginar a história.
Diego de Marcilla morreu nesse mesmo instante e só umas horas mais tarde, quando todos os convidados haviam partido, o marido de Isabel de Segura se prontificou a carregar o cadáver, deixando-o próximo da casa onde vivia a família, como se de um bêbado se tratasse, incapaz de chegar ao seu destino. 
Don Martin de Marcilla organizou o funeral na igreja de San Pedro e ali, sobre um cadafalso, ficou exposto o corpo do filho. Angustiada e cheia de remorsos, Isabel de Segura, com um manto que lhe cobria a cara, juntou-se ao cortejo fúnebre e, já no interior da igreja, atravessou em silêncio a nave para dar um beijo prolongado nos lábios do seu amado, o beijo que lhe recusara em vida.
E assim ficou, com a boca colada. Muitos julgaram-na desmaiada mas quando a tentaram retirar, permitindo que outros se despedissem de Diego de Marcilla, perceberam que estava morta — e logo depois, uma vez destapada a cara, que se tratava de Isabel de Segura.
Eternamente juntos
Uma neblina pouco espessa abate-se sobre a cidade ainda embrenhada no seu silêncio matinal e confere-lhe uma atmosfera misteriosa. Gosto de errar pelas suas ruas desertas, sem um percurso ou um destino definidos, limitando-me a aguardar o seu lento despertar. Aos poucos, abre-se como uma janela e convida o viandante a perscrutar a sua profunda relação com o amor, com o casal de amantes, de tal forma lhes está associada, em cada rua, em cada esquina, em cada beco, em múltiplos espaços comerciais. A poucos metros da praça que funciona como o coração da cidade, transpondo uma subida pouco pronunciada, encontro o Mausoleo de los Amantes, já com dois casais aguardando a abertura das portas ao lado da estátua de Diego e Isabel.
Não se sabe por ordem de quem, talvez de um familiar, mas os jovens foram enterrados juntos na mesma sepultura, na capela de San Cosme e San Damián da igreja de San Pedro, onde foram descobertos em 1555. Durante 23 anos, estiveram expostos ao público mas de novo foram enterrados por ordem do bispo e logo desenterrados por decisão do notário Yague de Salas, que redigiu um documento determinante para perpetuar esta história de amor.
O interior do mausoléu, inaugurado em 2005, impressiona e é um apelo constante ao amor: num sector fala-se do amor nos tempos difíceis, profundamente marcado pelo carácter político, social e cultural em que estava mergulhada Teruel nos primeiros anos do século XIII; noutro, da história dos amantes, noutro ainda, neste fenómeno que inspirou o mundo das artes — da literatura, do teatro, da pintura, da música e da escultura.
A morte de Isabel de Segura e  Diego de Marcilla foi ainda mais turbulenta do que a vida: de armário para panteão, de capela para sala de claustros, passando pelo sótão durante a Guerra Civil. Uma morte sem descanso até que, por fim, Juan de Ávalos, de visita a Teruel, horrorizado com o que viu, decidiu construir e oferecer o mausoléu em bronze e alabastro onde repousam hoje os corpos, sem que as mãos se toquem, como manifestação simbólica de um amor que nunca chegou a materializar-se.
Torres, torreões e touros
A igreja e a torre de San Pedro, a mais antiga das torres mudéjares turolenses (século XIII), tocam-se e dominam a Plaza de los Amantes, em contraste com o mausoléu modernista. Para um lado e para outro, duas torres, acompanhadas das igrejas homónimas, recortam-se contra o céu vestido de azul: a de San Martin e a del Salvador,  também associadas a uma lenda envolta num triângulo, com um final trágico e no contexto de uma cidade profundamente cicatrizada pela guerra.
No século XII, as tropas de Alfonso II invadem a província e conquistam, de forma gradual, cada vila. Mas, em Teruel, os muçulmanos são autorizados a permanecer (no início do século XVI foram obrigados a converter-se ao cristianismo e na mesma altura a última mesquita foi transformada em igreja) e a sua arte mudéjar é preservada. Omar e Abdullah, arquitectos a quem pediram a construção de duas torres, disputam Zoraida, proprietária de uma beleza sem paralelo. Um e outro, quase em simultâneo, pediram a mão ao pai e, este, percebendo que Zoraida tinha estima por ambos, definiu que o feliz contemplado seria o primeiro a terminar a obra. Omar e Abdullah trabalharam noite e dia,  o primeiro na de San Martin, o segundo na de El Salvador, tapando uma e outra com andaimes de forma a ocultarem a evolução que se ia registando. Omar foi o primeiro a concluir os trabalhos e o povo saiu à rua para admirar a elegância da estrutura; mas no mesmo momento Omar, vendo que a torre estava (ainda está) ligeiramente inclinada, lançou um grito e correu até ao topo, de onde se atirou para o vazio, preferindo a morte a uma vida sem amor e sem honra.
De volta à realidade, as duas torres são dos monumentos que mais turistas atraem a Teruel e integram o conjunto monumental mudéjar reconhecido desde 1986 pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade. Se a história e os números não mentem, a torre de San Martin foi terminada em 1316, há precisamente 700 anos, mas objecto de uma importante renovação, dirigida pelo conceituado Pierres Vedel, entre 1549 e 1551 — e uma vez mais já neste século, sob a responsabilidade de José María Sanz.
A torre de El Salvador, também restaurada pelo mesmo arquitecto, é um exemplo mais tardio do mudéjar turolense. Existem documentos assinados pelo bispo de Saragoça, de 1277, em que este autoriza a recolha de fundos para a igreja e o campanário, mas a torre está datada da segunda ou terceira décadas do século XIV. Tanto na sua estrutura como na arte decorativa, a torre é muito similar à de San Martin, com a diferença de que apresenta mais detalhes no seu exterior, bem como uma abóbada em cruzaria na passagem sob a mesma.
Não muito distante, um conjunto de grande complexidade, com oito séculos de existência: a bonita catedral de Santa Maria de Mediavilla, com o seu campanário mudéjar (1257-1258), o soberbo tecto em madeira decorado com elementos vegetais estilizados, geométricos e epigráficos de tradição islâmica, bem como o zimbório, assinado por Martín de Montalbán, também reconhecidos pela UNESCO já lá vão 30 anos.
À medida que a manhã avança, vai aumentando o número de turistas nas ruas até agora silenciosas. Passando sob a torre da catedral, desaguo na elegante Plaza Fray Anselmo Polanco, que acolhe a Casa de la Comunidad, agora transformada em Museo Provincial, e o Palacio de los Marqueses de Tosos; mais para lá, o Portal de San Miguel o La Traición (um dos dois sobreviventes — o outro é o de Daroca, associado à história dos amantes — da antiga cidade fortificada), e a muralha medieval (conserva ainda alguns torreões, entre eles o de Ambeles, com a sua planta em forma de estrela), de onde a vista se perde no horizonte antes de se fixar no Acueducto-viaducto de los Arcos, uma construção iniciada em 1537 (a obra mais emblemática de Pierres Vedel) para trazer a água desde a Peña del Macho, situada a quatro quilómetros, até à cidade.
Até essa altura, a recolha da água fazia-se através das cisternas medievais (duas delas abertas ao público) situadas no subsolo da Plaza Carlos Castel, na altura a Plaza del Mercado e nos dias de hoje vulgarmente conhecida como Plaza del Torico, onde agora me encontro, fitando o pequeno bovino que encima uma coluna e se projecta contra as casas de cores múltiplas perfiladas sobre arcadas que testemunham um passado glorioso. Todos os anos, em Julho, a praça acolhe uma multidão em clima festivo para viver intensamente a Vaquilla de Santo Ángel, o patrono da cidade, com largadas de touros, bailes, cortejos e o momento mais esperado, quando um vaqueiro coloca, com a ajuda da sua peña, um pano vermelho sobre o torico. Aquela que é considerada a festa mais popular de Teruel e que consagra a fundação da cidade, encerra, também ela, uma lenda que se perde na noite dos tempos: durante a Reconquista, e já depois de haver conquistado algumas praças importantes, Alfonso II dividiu o seu exército, levando com ele soldados para combater rebeldes nas montanhas de Prades e deixando outro grupo em Cella, próximo de Teruel, na defensiva. Desobedecendo ao soberano, as tropas seguiram um touro bravo que era acompanhado por uma estrela no firmamento, um touro que haviam visto em sonhos premonitórios e que era um sinal para estabelecer uma nova povoação. E assim se lançaram ao assalto da fortaleza, plantando o estandarte na praça conquistada.
Nascia a cidade do amor, dos amantes e das lendas.
Mas Teruel también existe




GUIA PRÁTICO
Como ir
Teruel tem um aeroporto, a poucos quilómetros do centro da cidade, mas destinado apenas a manutenção e carga. Para quem prefere utilizar transporte aéreo, a melhor forma para chegar a esta urbe da região de Aragão passa por  Valência ou Saragoça. A TAP viaja entre Lisboa e Valência (voos operados pela Portugália) por pouco mais de 200 euros (ida e volta). Há comboios desde Valencia e desde Saragoça (mais ou menos três horas e preços entre os 15 e os 20 euros por trajecto), bem como autocarros (se utilizar os directos pode chegar a Teruel em apenas duas horas), com tarifas mais baratas.
Quando ir
Teruel goza de um clima mediterrâneo continental montanhoso, com temperaturas agradáveis no Verão, mas com grande variação ao longo do dia (a média flutua entre os 20 e os 25 graus mas os termómetros também se podem aproximar dos 40). No Inverno, pode contar com dias frios (por vezes com mínimas de dez graus negativos) mas, ao contrário do que sucede um pouco em todo o país, com escassa precipitação, mais acentuada no final da Primavera. Uma das melhores alturas para visitar a cidade é durante o mês de Fevereiro (Páscoa também é uma opção a ter em conta), que coincide com as festividades das Bodas de Isabel de Segura (este ano entre 18 e 21), quando a cidade revive a tragédia dos amantes e as suas ruas recriam a atmosfera medieval da época. As festas de Santo Ángel têm lugar, este ano, entre 1 e 11 de Julho (os dias mais importantes são 9 e 10); Setembro recebe também a Festa do Presunto.
Onde comer
Um dos melhores restaurantes em Teruel, com uma comida tradicional acompanhada de um toque de modernidade, é o Yain (www.yain.es), na Plaza de la Judería, 9. Yain é uma palavra hebraica que significa vinho e o espaço contempla, de facto, uma boa garrafeira, situada sete metros abaixo da cota do solo, numa antiga adega judaica do século XIV e gerida pelo conceituadosommelier espanhol Raúl Igual, com participações em campeonatos da Europa e do Mundo na especialidade e uma experiência de dois anos no famoso El Bulli. Contando apenas com 30 lugares, o Yain, encerrado às segundas e também aos domingos e terças à noite, proporciona menus a preços acessíveis (17 euros durante a semana e 23 aos fins-de-semana).
Caso tenha dificuldade em reservar, experimente o Rufino (www.rufinorestaurante.com), na Ronda Ambeles, 36, com pratos saborosos, um serviço excelente que revela paixão pelo trabalho e uma atmosfera acolhedora. Todos os anos, em Fevereiro, o Rufino (fechado às segundas e aos domingos para jantares) organiza as Jornadas Gastronómicas da Trufa Negra de Teruel (a trufa está presente em muitos do pratos da carta, tanto em mariscos como em carnes). 
Onde dormir
Se desejar um pouco de luxo (duplos entre os 80 e os 115 euros), recomenda-se o Parador de Teruel, localizado na Carretera Sagunto-Burgos (N-234), ao km 122,5, a menos de cinco minutos do centro. Trata-se de uma mansão cuja construção foi fortemente influenciada pelo estilo mudéjar, com quartos espaçosos em tons de pastel, um restaurante que serve algumas das delícias tradicionais e um amplo jardim com piscina e campos de ténis. Teruel oferece uma vasta gama de alojamentos, para todos os preços e gostos, mas se viajar com um orçamento reduzido uma das melhores opções (duplos a partir de 30 euros) passa pelo Hostal Serruchi (www.hostalserruchi.es), na calle Ollerias del Calvario, 4, no Bairro del Arrabal, a dez minutos do centro histórico.
A visitar
Se viajar com crianças, aconselha-se vivamente uma visita ao Territorio Dinópolis (www.parquesocioaragon.es), um parque paleontológico que é o mais extenso de toda a Europa e proporciona distintas actividades para todas as idades, tanto na sua sede principal, próxima do centro de Teruel, como noutras localidades vizinhas, como Riodeva (tem uma réplica do maior dinossauro da Europa) ou Galve (com uma reprodução de uma família de Aragosaurus de tamanho natural).
Informações
Os cidadãos portugueses apenas necessitam de um documento de identificação (passaporte, cartão de cidadão ou bilhete de identidade) para visitar o país.




Los amantes de Teruel, historia y leyenda


Isabel de Segura y Diego de Marcilla. Los amantes de Teruel. No hay dos personas que hayan exportado con más efectividad el nombre de la ciudad turolense. Su historia de amor sin medida, radical, traspasa las fronteras de la preciosa localidad aragonesa. Realidad o ficción, el cuento de Diego e Isabel es ejemplo de pasión sin límites. Amores que matan.
Aunque para muchos, desgraciadamente, Teruel sólo sea sus amantes, realmente es mucho más. Dicen que “las mejores esencias vienen en frasco pequeño”. En el caso de Teruel la frase se convierte en verdad absoluta. Visitar esta localidad es altamente recomendable. Y no sólo por sus amantes.


Los amantes de Teruel
Ríos de tinta y de teclas se han desbordado contando la leyenda de los amantes de Teruel. Pocos son los que aún no conocen su historia. Para ellos, la repito una vez más. Aunque, pensándolo bien, nunca es mal momento para recordar este cuento de amor y sufrimiento. De pasión y tortura.
Regresamos al pasado, concretamente al siglo XIII, para dar inicio a la leyenda de los amantes de Teruel. Él, Diego de Marcilla, segundo hijo varón del matrimonio entre don Martín de Marcilla y Constanza Pérez Tizón. Una familia otrora rica, tornada en humilde. Ella, Isabel de Segura, la única descendiente de una de las estirpes más potentadas del pueblo.
La amistad inocente que surgió entre ellos cuando eran pequeños se tornó en amor apasionado con el paso de los años. Absolutamente decidido, Diego pidió la mano de su hija a don Pedro de Segura. Éste rechazó la propuesta y marcó un reto a Diego de Marcilla: le dio cinco años para que consiguiera una cantidad de dinero suficiente que le hiciera ameritar el amor de su hija.
Para tal fin, el segundo hijo de Martín de Marcilla se enroló como soldado en las tropas cristianas en la primavera de 1212. El tiempo pasaba y Diego no volvía. Poco a poco, las esperanzas de Isabel se fueron disipando. Cuando ya habían pasado cuatro años desde la marcha de Diego, con la ilusión de Isabel por los suelos, su padre comenzó a plantearle que se casara con un joven rico turolense como Pedro de Azagra.
Isabel se negó en rotundo, pero, poco tiempo después, decidió aceptar la proposición paterna, siempre y cuando, respetara por completo el plazo dado a Diego. El mismo día en el que finalizaban los cinco años, Isabel de Segura contrajo matrimonio.
Sólo unas horas después de que Pedro e Isabel se convirtieran en marido y mujer, Diego, lleno de riquezas, entró en Teruel a lomos de su caballo. Sin dilación se dirigió a la casa de su amada para comprobar, entre lágrimas, que ésta ya estaba casada. Haciendo de tripas corazón, logró acceder hasta los aposentos de su amada y le pidió un último beso. Pero Isabel, ya esposa, se lo negó. Su apasionado galán no pudo soportar la pena y cayó muerto.
Al día siguiente, en el funeral de Diego de Marcilla, Isabel “le dio en muerte el beso que le había negado en vida”. Acto seguido, falleció al lado del cuerpo sin vida de su verdadero amor.
Esta es la trágica historia de los amantes de Teruel. Muertos por amor. Por pasión. Sus momias pueden verse en el Mausoleo de los Amantes de Teruel, junto a la preciosa iglesia mudéjar de San Pedro.



Múmias dos Amantes de Teruel



    terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

    Há livros que nos podem fazer mal?


    Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica: dos Cancioneiros Medievais à Actualidade.
    Organização de Natália Correia e  ilustrações de Cruzeiro Seixas


    Há um movimento de estudantes universitários norte-americanos a pedir que os protejam dos conteúdos de alguns livros que consideram perigosos. Em causa estão sobretudo clássicos da literatura grega e romana. A psiquiatra Manuela Correia fala em “infantilização” da sociedade.

    Em Lisístrata, comédia do ano 411 a.C., o dramaturgo grego Aristófanes põe na voz de uma mulher um apelo à paz: enquanto durar a guerra entre Atenas e Esparta, as atenienses recusam ter sexo com os seus maridos. O livro seria pouco depois proibido naquela que é uma das primeiras censuras literárias do Ocidente. Perigoso por propor uma alteração à norma de comportamento.
    Muitos séculos depois, noutro país também do Ocidente, um grupo de estudantes universitários pede para que alguns clássicos da literatura, sobretudo da antiguidade grega e romana, que fazem parte dos programas curriculares, surjam com uma advertência na capa, chamando a atenção para o “perigo” para o “bem-estar mental” que representam os seus conteúdos, potencialmente causadores de sofrimento, trauma ou angústia.
    Metamorfoses, do poeta latino Ovídio, é uma das obras que esses estudantes consideram conter “matéria perigosa”. O poema dividido em 15 livros é tido como um dos livros mais influentes da cultura e civilização ocidentais e narra a transformação exercida pelo tempo no homem e na sua história, cruzando ficção e realidade, e apresentando os mitos como essenciais na evolução humana. Deuses, homens, plantas, animais, elementos convivem fantasiosamente em histórias de amor, traição, incesto, punição, violência, morte, redenção, sem qualquer tipo de apreciação moral. Entre estes “interditos, está a descrição do rapto de Prosérpina, mulher de Plutão e filha de Deméter, que Ovídio começa a narrar assim: “Um dia colhia violetas e brancos lírios, e ia enchendo, com entusiasmo juvenil, cestas e o regaço, à compita com as amigas a ver quem colhia mais, quando Dite a viu e, quase em simultâneo, se enamora e rapta-a: tão precipitado era o seu amor. Aterrada, desata a deusa a chamar, com voz desolada, pela mãe e as companheiras, sobretudo pela mãe. Rasgando a parte de cima do vestido, a túnica soltou-se e as flores colhidas caíram por terra. E tal era a candura que presidia aos seus anos de menina, que até também a perda das flores consternou a rapariga.” (Cotovia, 2007)
    O pedido aconteceu no início do Verão passado, veio dos estudantes da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, uma das mais prestigiadas do país, e foi rejeitado pela direcção, mas é simbólico em relação ao que se está a passar em muitas universidades nos Estados Unidos. Em Setembro do ano passado, a revista Atlantic publicava um artigo com o título O afago da mente americana, escrevendo que, “em nome do bem-estar emocional, os estudantes universitários exigem uma protecção cada vez maior em relação a palavras e ideias de que não gostam”, o que está, dizem os autores do texto, “a ser desastroso para a educação e para a saúde mental”. E dão mais exemplos. Os estudantes de Direito de Harvard pediram que não fosse ensinada a lei sobre violação. O problema, diziam, estava na palavraviolação (rape), que podia reacender o trauma em estudantes que pudessem ter sido vítimas desse tipo de abuso.
    Absurdo? Os pedidos de protecção “literária” sucedem-se. Pouco tempo depois, a Aeon publicava um ensaio, partindo do facto de que a ideia de que os livros são perigosos é tão antiga como a literatura. “Não se fala tanto de ‘perigo’ político, mas moral ou mental. O romance de Chinua Achebe Quando Tudo se Desmorona (1958) está também entre os problemáticos por poder despertar instintos racistas ou reavivar o sofrimento de quem foi alvo de racismo; O Grande Gatsby, por estimular violência doméstica; Mrs Dalloway, de Virginia Woolf, por poder levar ao suicídio, assim como A Piada Infinita, de David Foster Wallace, por narrar os sintomas da depressão crónica experimentada pelo autor e que o levaria a suicidar-se em 2006, dez anos após a publicação do livro. Fala de uma sensação que “é o motivo pelo qual quero morrer”. E define-a assim: “É como se não fosse capaz de encontrar nada fora dessa sensação e por isso não sei que nome lhe posso dar. É mais horror que tristeza. É mais horror. É como se uma coisa horrorosa estivesse prestes a acontecer, a coisa mais horrível que se possa imaginar, não, pior do que se possa imaginar porque há também a sensação de que é preciso fazer qualquer coisa de imediato para se deter aquilo mas não se sabe o que se deve fazer e de repente está a acontecer, durante o tempo todo, está prestes a acontecer e ao mesmo tempo está a acontecer.” (Quetzal, 2012)
    Os campus universitários americanos parecem viver no pânico do trauma, na obsessão da linguagem politicamente correcta, de tal forma que — e lembra ainda o artigo da Atlantic — humoristas como Jerry Seinfeld estão a recusar dar espectáculos nas universidades, alegando que os estudantes “não são capazes de suportar uma piada”.

    “Infantilização” da sociedade

    “Estamos perante uma excessiva psiquiatrização da sociedade”, afirma Manuela Correia, psiquiatra, psicoterapeuta, com um vasto trabalho e investigação desenvolvidos na área do suicídio na adolescência e juventude, e uma leitora voraz. Conhece todas as obras aqui apontadas como “perigosas” e tenta responder a uma questão muito simples: há livros que nos fazem mal? Ou — recuperando a terminologia usada por quem pede protecção — há livros “perigosos”? E a outra pergunta que pode precisar de resposta mais complexa: o que é que este medo pode representar, não apenas para quem dele padece, mas para a sociedade que o alimenta e dele parece alimentar-se?
    “Pode falar-se em três categorias de interditos: o político, o religioso e o moral. E no moral está o uso de drogas, o apelo à violência, a sexualidade, o incesto, a prostituição, os termos impróprios. E parece ser aqui que estamos neste momento”, diz, remetendo para um termo que vem da sociologia, e que no seu entender está a regressar: anomia social.
    O conceito desenvolvido por Émile Durkheim no final do século XIX no livro O Suicídio (1897) refere-se à ausência ou falta de normas ou regras numa estrutura ou grupo social. “Foi criado numa altura em que por diminuição do impacto religioso e dos valores das sociedades conservadoras, com a pulverização de valores através do desenvolvimento de uma economia capitalista e da razão, houve um aumento dessa regulação. Houve uma anomia social. É um conceito que tem a ver com a perda da identidade nas sociedades e dos seus objectivos. A religião, bem ou mal, dá um fim, um sentido”, contextualiza.





    A psiquiatrização excessiva do comportamento humano é a forma que as sociedades capitalistas — porque formalmente são laicas — têm para controlar a tal anomia social. Antes, ela era controlada pela religião e por um poder político muito vertical. Hoje, nas democracias, o poder político é mais transversal, e aí, como já aconteceu há uns anos, patologiza-se o comportamento e patologiza-se uma pessoa que saia da norma. É uma forma de controlar a sociedade. O movimento dos anos 1960 da antipsiquiatria tinha que ver com isso. A psiquiatria funcionava como polícia da sociedade.”
    Esse controlo pela psiquiatria está a voltar através de uma tentativa de normalizar os comportamentos. “Para mim, os casos mais graves, nem são os adolescentes, mas as crianças”, afirma. Leva a que, por exemplo, “se confunda muitas vezes uma criança irrequieta como hiperactiva” e lhe seja “medicada Ritalina”; ou a temer-se que contos clássicos como os dos Irmãos Grimm ou de Andersen possam ser traumáticos.
    Uma das primeiras vezes em que se associou uma obra literária à prática do suicídio e isso deu lugar a uma investigação do tipo causa-efeito foi com A Paixão do Jovem Werther, de Goethe (1774, obra do romantismo que faz parte do Plano Nacional de Leitura). Ao longo do romance, o desespero toma conta do protagonista nas cartas que faz chegar ao narrador. “Ah!, por mais de cem vezes já peguei uma faca para dar vazão a este coração amargurado. Fala-se de uma raça de cavalos nobres que, quando são terrivelmente perseguidos e encurralados, arrebatam eles mesmos, por instinto, uma veia para facilitar a respiração. Sinto-me assim muitas vezes e gostaria de abrir uma veia que me desse a liberdade eterna…”
    Manuela Correia refere-a como iniciática no estudo da relação entre literatura e suicídio. “Foi a partir daí que se começou a estudar o efeito de contaminação. O livro foi retirado em alguns países, mas voltou. Nunca ficou cientificamente provado que potenciasse esse efeito”, refere, salientando que essa ideia de contaminação está directamente associada à adolescência. “É a fase da formação, ainda não há um código de valores. Na adolescência temos várias tarefas, que passam pela alteração da relação com os pais, com os pares e a aquisição de uma identidade, onde está também a identidade sexual. Quem sou eu? O que quero ser? Qual o meu código de valores? A maior parte dos adolescentes são saudáveis, mas há umas franjas, mínimas em termos percentuais. E há um facto: esses jovens quando têm sofrimento psicológico, nomeadamente depressão, podem cometer suicídio. Em 90% dos casos de suicídio, há doença psiquiátrica por detrás, um sofrimento mantido: depressão, esquizofrenia, mania. Não há nunca uma causa única”, muito menos um livro.
    “Nos adolescentes acontece muito mudarem de comportamento”, afirma. “Ou se isolam, ou mudam de grupo, ou têm vários comportamentos de risco mantidos no tempo, mudam os hábitos de vestuário, começam a ler livros e a ouvir músicas ligadas à temática da morte. São sinais de alerta”, explica, enquanto chama a atenção para o perigo de se achar que toda a sociedade é potencialmente composta por suicidas, deprimidos, traumatizados a quem um livro ou uma palavra num livro pode desencadear a acção limite.
    “Os livros em si não são perigosos, eles fazem parte de uma constelação de comportamentos”, conclui, antes de voltar a exemplos que podem determinar uma incapacidade de lidar com o real que vem da infância e de uma sobreprotecção ligada ao medo dos pais de que a criança sofra.
    Daí a preocupação de alguns educadores com os contos de Andersen ou do Grimm. “Falam de temas que as pessoas acham que não se deve falar às crianças, como a morte ou a bruxa má, e também em transgressões. Há nas crianças, naturalmente, uma ideia de liberdade ligada à transgressão. Mas varia de cultura para cultura. Por exemplo, na China, Alice no Pais das Maravilhas, de Lewis Carroll, está proibido, porque os animais têm equiparação aos humanos. As sociedades sempre controlaram e é importante que o colectivo tenha um autocontrolo. Mas…”
    É neste “mas” que reside a resposta, que, no entender de Manuela Correia, não deve passar pela restrição da leitura, muitos menos desses contos que, entre outras coisas, ensinam o medo. “Os pais têm medo que as crianças tenham medo, mas é muito importante a aprendizagem do medo. Não faz mal que a criança chore e é bom que tenha medo.”



    O que é o medo? “O medo é qualquer coisa que está ligada ao desconhecido e ao perigo e quando aprendemos isso adquirimos capacidades de lidar com ele. Há muitos estudos sobre os contos infantis. Os meninos que vão pelos caminhos à aventura, pelo desconhecido, deixam lá os sinais, mas depois acontece qualquer coisa e a marca desaparece e eles ficam perdidos. A criança chora. Não tem mal. O problema é quando a criança tem essa vivência sozinha. Antigamente, essas vivências eram acompanhadas pela família. Hoje a criança está muito sozinha. Está com os pais de forma muito instrumental, vestir, pequeno-almoço, ir para a escola, e à noite, despir, banho, trabalhos de casa, jantar, deitar. Há um estilo de vida que põe as crianças em frente à televisão, aos smartphones, no Facebook, sem o contacto olho a olho.” Estão ocupados. Este vocábulo, no entender de Manuela Correia, é o contrário de outro essencial para o desenvolvimento: o ócio, o tédio. “Os jovens hoje não têm tempo para ter tédio. O bom tédio, o bom ócio. Têm o tédio de ‘não sei o que é que hei-de fazer’. No bom tédio, uma pessoa pode estar sentada no jardim ou no sofá, uma hora, a cabeça a divagar. Isto é o ócio. Não há tempo para isto, para elaborar.”
    Grupos como os dos universitários norte-americanos ou as associações de pais de muitas escolas surgem com este tipo de solicitação proteccionista em substituição de um papel que antes pertencia a um estado autoritário ou à religião. Segundo Manuela Correia, são o reflexo — no caso dos estudantes — e a origem — nos casos das gerações mais velhas (pais e avós) — de uma “infantilização” da sociedade; a sociedade que não consegue lidar com o medo ou com a pluralidade da linguagem.
    Mas há também factores económicos determinantes, defende. “A própria austeridade reforça a anomia social, ou seja, a desagregação do tecido social. Mas o bom de tudo isto é que quando há muito movimento num sentido há tendência para haver um outro no sentido contrário para que essa anomia não seja excessiva e a sociedade possa estar autocontrolada, auto-regulada. Porque a sociedade como um todo também se auto-regula. É viva”, contém o problema e a sua solução.
    Mas nunca se assistiu, reforça, ao pedido de protecção contra a liberdade de expressão por parte de uma comunidade de estudantes de elite, como está a acontecer nos Estados Unidos.

    Os “transgressores”

    A História tem casos de livros proscritos, na filosofia, na política, na ciência, os livros-ameaça ao estipulado. O Bom Selvagem, de Rousseau, Cândido, de Voltaire. “Eram indivíduos de uma elite que tinha conhecimento. E eram vistos como perigosos porque pensar é muito perigoso. Pensar dá poder. E por que é que normalmente são os grandes clássicos que agora são questionados por estes estudantes? Porque são os grandes clássicos que tratam os grandes temas, são os temas da filosofia. O que é que trata o James Joyce? Ou o Homero? Tratam a ideia de liberdade, e a liberdade é muito perigosa. A partir do século XIX, quando surge o romance, os interditos deixam de ser tanto os cientistas e os filósofos — com excepções como a de Charles Darwin [contestado pelo Criacionismo que rejeita a ideia de o homem e o universo terem sido criados por uma entidade que não sobrenatural].
    A Origem das Espécies, de Darwin, foi retirado do programa oficial das escolas norte-americanas porque “a força do movimento Criacionista no país é muito grande”, lembra a psiquiatra, sublinhando “que nem a intenção do Presidente Obama em repor o livro como básico escolar conseguiu mudar as coisas”.


    Um exemplo diferente é o que decorre do uso de linguagem considerada imprópria e um perigo em si mesma. “No Brasil, chegou a ser publicada uma versão light de O Alienista [1882], de Machado de Assis. Ele fala da mulher da vida airada, que é uma prostituta. Há livros que foram proibidos porque havia a palavra ‘puta’. Também aconteceu nos EUA. É a linguagem que ou ofende a religião ou o poder político, ou os costumes. E depois há a ideia de que as crianças não compreendem, o que é perigoso porque a linguagem e o pensamento estão ligados. Por isso a questão da língua é muito importante. Os adolescentes em todas as gerações têm códigos próprios e quando acaba a adolescência ficam com a linguagem de um adulto. Mas agora esses estereótipos estão a generalizar-se a todas as faixas etárias. Desenvolvemos a linguagem se pensarmos e, se tivermos uma linguagem rica, também pensamos melhor. Há um empobrecimento do vocabulário e um empobrecimento do pensamento.”
    E há os livros “tabu” pela temática, periodicamente mais ou menos sensíveis conforme a geografia e a sensibilidade da comunidade. “Agitam as mentes”, comenta Manuela Correia.
    Virginia Woolf está entre as escritoras mais visadas. “Ele — pois não poderia haver dúvidas quanto ao seu sexo, embora a moda da época contribuísse até certo ponto para o dissimular — estava a golpear uma cabeça de mouro suspensa das vigas do telhado”, primeira frase de Orlando, romance de 1928 que “pode entrar na construção social do género”, exemplifica a psiquiatra que vai à biografia da escritora, que “tinha relações amorosas com a Vita Sackeville-West, uma grande amiga e uma grande paixão. Teve uma depressão grave, o diagnóstico não está bem definido, mas havia uma esquizofrenia, porque às vezes ouvia vozes”.
    Há mais. Anna Karenina, de Tolstoi, O Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, as obras de Kafka, Ulisses, de James Joyce. Todas são apontadas como exemplos de conterem “elementos perturbantes”. “Todos os grandes autores pegam nas questões existenciais: o quem sou eu, o que eu quero ser, como é que eu gostaria de ser visto pelos outros, como gostaria de me ver, ter um lugar. Por exemplo, o lugar de Fernando Pessoa era completamente conceptual, interior e feito de vivências que expressava através da língua. Foster Wallace descreve a depressão tal como ela é, de forma crua, dorida. Mas, do ponto de vista clínico, estes livros nunca são perigosos. Podem é fazer parte da tal constelação de comportamentos de um jovem já em sofrimento. Impedir os livros da grande literatura, desde a infância, é infantilizar. A infantilização traz um grande perigo: o de haver outra vez sociedades concentracionárias e com um poder vertical.”
    A literatura “ajuda a construir a identidade. É fundamental. Se eu pensar que a ideia de democracia, a cultura humanista, a valorização da ciência, a relação com o outro, se regem por um determinado código de ética e de valores, tenho de defender o acesso aos bens culturais, um direito na Declaração Universal dos Direitos do Homem. E tenho de aceder aos cânones dessa cultura. Desde o Homero, desde a Epopeia de Gilgamesh [poema da antiga Mesopotâmia, actual Iraque] que trata da condição humana, da relação interpessoal e a ideia da viagem, que é a ideia de conhecer, ir para o desconhecido, ir para o medo. E depois os interditos: o suicídio, o incesto, a sexualidade, os valores. Todos os livros canónicos são uma preparação para a vida. E, se pudermos, ler os clássicos das várias culturas. Porque somos isso tudo.”



    domingo, 7 de fevereiro de 2016

    Quem me leva os meus fantasmas (Pedro Abrunhosa)




    Aquele era o tempo em que as mãos se fechavam
    E nas noites brilhantes as palavras voavam
    E eu via que o céu me nascia dos dedos
    E a Ursa Maior eram ferros acessos
    Marinheiros perdidos em portos distantes
    Em bares escondidos em sonhos gigantes
    E a cidade vazia da cor do asfalto
    E alguém me pedia que cantasse mais alto

    Quem me leva os meus fantasmas
    Quem me salva desta espada
    Quem me diz onde é a estrada
    Quem me leva os meus fantasmas
    Quem me leva os meus fantasmas
    Quem me salva desta espada
    E me diz onde é a estrada

    Aquele era o tempo em que as sombras se abriam
    Em que homens negavam o que outros erguiam
    Eu bebia da vida em goles pequenos
    Tropeçava no riso abraçava venenos
    De costas voltadas não se vê o futuro
    Nem o rumo da bala nem a falha no muro
    E alguém me gritava com voz de profeta
    Que o caminho se faz entre o alvo e a seta

    (refrão)

    De que serve ter o mapa se o fim está traçado
    De que serve a terra à vista se o barco está parado
    De que serve ter a chave se a porta está aberta
    De que servem as palavras se a casa está deserta

    Pedro Abrunhosa, Luz, 2007





     






    sábado, 6 de fevereiro de 2016

    Poetry and verse from The New Yorker magazine.

    Ash

    BY 

    Strange house we must keep and fill.
    House that eats and pleads and kills.
    House on legs. House on fire. House infested
    With desire. Haunted house. Lonely house.
    House of trick and suck and shrug.
    Give-it-to-me house. I-need-you-baby house.
    House whose rooms are pooled with blood.
    House with hands. House of guilt. House
    That other houses built. House of lies
    And pride and bone. House afraid to be alone.
    House like an engine that churns and stalls.
    House with skin and hair for walls.
    House the seasons singe and douse.
    House that believes it is not a house.