sábado, 19 de novembro de 2022

O Amor – poema de Vladimir Mayakovsky adaptado por Caetano Veloso


 

A canção de Caetano Veloso

 

O Amor

 

Talvez quem sabe, um dia
por uma alameda do zoológico
ela também chegará
ela que também amava os animais
entrará sorridente assim como está
na foto sobre a mesa
ela é tão bonita
ela é tão bonita que na certa eles a ressuscitarão
o século trinta vencerá
o coração destroçado já
pelas mesquinharias
agora vamos alcançar tudo o que não podemos amar na vida
com o estrelar das noites inumeráveis
ressuscita-me
ainda que mais não seja
porque sou poeta
e ansiava o futuro
ressuscita-me
lutando contra as misérias do quotidiano
ressuscita-me por isso
ressuscita-me
quero acabar de viver o que me cabe
minha vida para que não mais existam amores servis
ressuscita-me
para que a partir de hoje a partir de hoje
a família se transforme e o pai seja pelo menos o universo
e a mãe seja
No mínimo a terra
a terra
a terra

 

“O Amor” - Letra e música: Caetano Veloso, Ney Costa Santos, Vladimir Mayakovsky.

Intérprete: Gal Costa. LP Fantasia. Brasil, Polygram/Philips, 15-11-1981

 

 

Fantasia - álbum de estúdio de Gal Costa. Brasil, Polygram/Philips, 15-11-1981

 

O poema de Vladmir Mayakovsky

 

O Amor

 

Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
         numa alameda do zoo,
sorridente,
                   tal como agora está
                       no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela,
         que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século
                                ultrapassará o enxame
de mil nadas,
                         que dilaceravam o coração.
Então,
          de todo amor não terminado
seremos pagos
                          em inumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
                         nem que seja só porque te esperava como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me,
                           nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
                           Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos,
         concupiscência,
                                   salários.
Para que, maldizendo os leitos,
                                        saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
                             que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:
                                             - Camaradas!
atenta se volte a terra inteira.
Para viver
                  livre dos nichos das casas.
Para que
                  doravante
                               a família
                                            seja
o pai,
        pelo menos o Universo;
a mãe,
        pelo menos a Terra.

 

Vladimir Mayacovski, A Propósito Disto, 1923

Traduzido por Emílio C. Guerra, in Antologia poética, Mayacovsky. São Paulo, Editora Max Limonad Ltda., 1987 (1.ª edição: Editora Leitura S.A., 1963)

 

Lilya Brik no jardim zoológico de Berlim


[LILYA BRIK]

No período de 1914 a 1916, registam-se decisivos acontecimentos na vida de Mayacovsky. Desde a expulsão da Escola de Belas-Artes, entrega-se às andanças e turbulências da pregação futurista, sem um vintém no bolso, faminto, sem teto, dormindo muitas vezes na rua. Sobrevinda a guerra, é mobilizado, pouco depois de ter conhecido Lilya Brik e por ela, irremediavelmente, se apaixonar. Se ao front consegue furtar-se, passando graças à interferência de amigos, entre os quais Gorki, a trabalhar na oficina de um engenheiro; se à guerra dá combate, escrevendo toda uma série de poemas, tais como: A Tarde grita sem pernas nem braços, ó fechai os olhos dos jornais, Ó como choravam os olhos dourados das fogueiras! e, principalmente, o longo poema Guerra e Paz; se contra a fome inventara o engenhoso "sistema dos sete dias", assim:

... procuro seis conhecidos com quem almoçar. A os domingos comia com os Iucovski. Às segundas-feiras com os Efréimov, etc. Às quintas, quase não comia. Para um futurista de quase dois metros de altura, não era coisa fácil…

Contra a paixão de Lilya Brik nada pode o poeta, outra coisa não lhe restou senão render-se. O acontecimento tem a "data radiante" de julho·de 1915. A Flauta Vertebrada, Guerra e Paz, obras-primas daquele ano, lhe são dedicadas e, daí por diante, praticamente tudo que o poeta escreveria.

Tomaste
arrancaste-me o coração
e simplesmente foste com ele jogar
como uma menina com sua bola.
………………………………….
E eu de júbilo
esqueci o jugo.
Louco de alegria
saltava
como em casamento de índio
tão leve
tão bem me sentia.

Lilya era casada com o editor Oto Brik, quem primeiro comprou as produções do poeta, a 50 copeques por linha. Era formosa, corpo diminuto, frágil e sensual, olhos escuros e profundos. Mulher de personalidade múltipla e cambiante; de grande intuição e versatilidade artística, capaz de escrever, pintar, modelar, dançar e representar. Era "triste, alegre, feminina, caprichosa, vazia, inconsciente, inteligente, trabalhadora quando trabalhava, enamorada sempre. Mas era pequeno-burguesa; queria só mimos, comodidades. E o poeta não tinha senão seu génio" (Chklóvski). Disso tinha consciência o apaixonado poeta:

Sei. Todos pagam pela mulher.
Não importa
se por ora
em vez do luxo de um vestido parisiense
visto-te apenas com a fumaça de meu cigarro.

Elsa Triolet traça o seguinte retrato da irmã:

... a cabeça ruiva jogada para trás, mostrava todos os dentes esplêndidos, sólidos, na boca grande, pintada, os olhos castanhos muito redondos, iluminados, num rosto com esse excesso de expressão quase indecente de intensidade, que faz com que, jovem ou velha., com sua tez miraculosa, ou toda enrugada, os transeuntes sempre se voltem à sua passagem.

É um instantâneo de julho de 1918, flagrante do momento em que se despediam, no cais de Leningrado, Elsa e a mãe exilando-se voluntariamente, fugindo da guerra e da peste, Lilya ficando.

Naquele então, Lilya e Mayacovsky moravam juntos nos arredores da cidade assolada pela cólera. Juntos ainda haviam de passar outros períodos, tal como, em Sokolniki, subúrbio de Mascovo, por volta de 1925, numa datcha da qual Elsa Triolet nos conta:

Na peça principal havia um bilhar. Não sei como esse bilhar fora parar ali, não fora feito para aquela sala de dimensão ordinária e onde já havia um piano de cauda, um grande divã, etc. No verão comia-se no terraço e havia o jardim. Os jogadores podiam rodar em torno do bilhar sem grande incómodo. Mas, no inverno, e no domingo, quando chegava uma verdadeira multidão de amigos, não sobrava estritamente espaço entre a sopeira e o jogador dobrado em dois, sobretudo quando esse jogador era Mayacovsky!... Todos os bichos tinham um lugar de honra na casa de Lili e Mayacovsky.

Entretanto, a "casa de Lilya e Mayacovsky" não se consolidaria. Fatores diversos o impediriam: a vida duríssima daqueles tempos, a guerra, a peste, ou a NEP, a falta de dinheiro, as viagens ou as batalhas políticas, mas, sobretudo, o temperamento de ambos, o do poeta, especialmente, que sabia em consciência não ser "um, homem cómodo".

Quando este corpanzil se punha a uivar
as donas

disparando
pelo pó, pelo barro ou pela neve,
como um foguete fugiam de mim.
- Para nós, algo um tanto menor,
algo assim como um tango
...

A desmedida sensibilidade de Mayacovskiy - tão bem espelhada nas hipérboles que lhe recheiam os versos - o estado de tensão criadora em que permanentemente vivia, fazendo-o taciturno, sombrio, excessivamente concentrado, a alternância de profundas depressões com alegrias ruidosas, produziam não poucas dificuldades ao seu convívio social. Por contraste, a força que singularizava esse temperamento íngreme e arrebentado, manifestava-se numa fome de amor de igual intensidade. Com o ardor que punha em tudo, buscava ser feliz e desejava que todos o fossem. Em meio às tremendas lutas que travava, não abria mão do ideal de um amor novo, de conceção mais elevada, entre o homem e a mulher. E então, ao lado da poesia política, de combate duro, ou mesmo dentro dela, confessava-se, desabafava, sonhava ou penitenciava-se, em poemas de amor. Mas, na vida quotidiana, ainda praticava a "desgraçada infidelidade":

Não temas
que em meu pescoço de touro
tenham subido mulheres húmidas
de ventre suarento.
É que, através da vida,
arrasto milhares de enormes e puros amores
e milhares de milhares
de amorzinhos pequeninos e sujos.
Não temas
que de novo na desgraçada infidelidade
me aproxime de mil caras bonitas
amantes de Mayacovsky.

Em 1923, escrevia o poema A Propósito Disto, que é, ao mesmo tempo, o seu mais dilacerante grito de amor e um hino de esperança num futuro mais feliz, no qual se imagina ressuscitado para reaver o seu quinhão de afeto.

Não vivi até o fim o meu bocado terrestre.
Sobre a terra
não vivi o meu bocado de amor.

Apesar do fracasso das tentativas de vida em comum, Lilya continuaria a ser, até o fim, a bem-amada, a amiga, a confidente, a musa do poeta.

É verdade que houve também Polonskaia, - por sinal que também com outro casada - mas parece que em segundo lugar na hierarquia do coração do poeta. Lilya Brik era seu melhor ancoradouro, seu verdadeiro porto-seguro. Com um só gesto, ela apaziguava qualquer de suas tempestades.

 

Emílio C. Guerra, in Antologia poética, Mayacovsky. São Paulo, Editora Max Limonad Ltda., 1987 (1.ª edição: Editora Leitura S.A., 1963)

 

A 19 de fevereiro, Mayakovsky enviou a Lilya uma carta com o endereço do remetente "Moscovo". Reading Gaol" - uma referência direta ao poema de Oscar Wilde. A carta foi assinada: "O teu Shen, aliás Oscar wilde, aliás o prisioneiro de Chillon" - uma alusão ao poema de Lord Byron "O Prisioneiro de Chillon”, de 1816. No balão de fala do desenho lê-se: "Eu amo!" (Bengt Jangfeldt, Mayakovsk: a biography, 2007)

 


A PROPÓSITO DISTO

A ideia de um poema sobre o amor estava na mente de Mayakovsky desde pelo menos o verão de 1922, quando ele escreveu na sua breve autobiografia Eu próprio ("I Myself") (pretendida como um prefácio para uma edição de quatro volumes das suas obras que nunca apareceu): "Planeado: sobre o amor. Um poema enorme. Será concluído no ano que vem." Não sabemos o "plano" deste poema, mas que deve ter sido diferente daquele que resultou da separação de Lilya é óbvio, pois a base temática de A propósito disto (About This) é precisamente essa separação. Dada a homogeneidade das imagens e do simbolismo de Mayakovsky, não podemos excluir a possibilidade de que algumas de suas ideias e imagens possam estar presentes em rascunhos anteriores; no entanto, foi a separação de Lilya que desencadeou sua criatividade e o fez colocar a caneta no papel. […]

A referência a Raskolnikov não é coincidência – A propósito disto está repleto de referências a Dostoiévski, que era o autor favorito de Mayakovsky. Isso vale também para o próprio título, A propósito disto (Pro eto), que é emprestado de Crime e Castigo. Raskolnikov usa consistentemente as palavras a propósito disto (em itálico) para descrever o que ele fez - o assassinato do agiota e sua irmã. Mayakovsky reconheceu-se em Raskolnikov: a paixão superaquecida por uma ideia, a obsessão por realizar atos que mudarão o mundo, a recusa de ser arrastado para a miséria e a rotina da vida quotidiana. […]

A última secção do poema está na forma de uma petição a um químico desconhecido no século trinta. Ele olha para a Terra da perspetiva do Grande Carro, a Ursa Maior! O seu manifesto contra "a tirania do quotidiano" é uma obra-prima retórica. […]

Mayakovsky quer outra vida e pondera diferentes alternativas. Se ele acreditasse em uma vida após esta, não haveria problema, mas os seus adversários não devem ter o prazer de ver "como, silenciado por seus tiros, eu caio". O ataque a ele foi um fracasso, embora apenas alguns "esfarrapados de poeta" tenham permanecido. Ele também rejeita o suicídio […]. Assim, quando, sob o título "Fé", ele pede ao químico para reanimá-lo, é uma questão de ressurreição em carne e osso. Influenciado pelas ideias do filósofo russo Nikolay Fyodorov sobre "ressuscitar os mortos" e pela teoria da relatividade de Einstein - que ele discutiu entusiasticamente com Roman Jakobson na primavera de 1920 - Mayakovsky acreditava num mundo futuro onde todos os mortos seriam ressuscitados na forma física.

Ele desenvolve o conceito sob o título "A Esperança", onde pede ao químico que implante um novo coração nele, que lhe dê transfusões de sangue e martele ideias em seu crânio: " Não vivi até o fim o meu bocado terrestre,/ sobre a terra/ não vivi o meu bocado de amor." Se for difícil encontrar trabalho para ele, ele sempre pode trabalhar num jardim zoológico, pois gosta muito de animais.

Com isso, chegamos à secção final, "Amor", que é um resumo de todo o poema. Numa visão de poder extraordinariamente lírico, Mayakovsky vê-se reunido com Lilya numa nova vida, livre do "lixo quotidiano", em um amor que não é mais eros, mas ágape, onde a estreita solidariedade familiar foi substituída pela comunhão entre toda a humanidade.

 

Mayakovsky: a biography, Bengt Jangfeldt; translated in English from Swedish by Harry D. Watson. Chicago and London, The University of Chicago Press, 2014, pp. 242-252


Quando A propósito disto foi publicado como livro no verão de 1923, incluiu "foto montagens" de Alexander Rodchenko. Aqui está a ilustração a secção sobre "o Homem na Ponte". 
(Bengt Jangfeldt, Mayakovsk: a biography, 2007)



[O BARCO DO AMOR QUEBROU-SE NA VIDA DO DIA A DIA]

Se Eliot foi atormentado pelo retorno do passado, pela presença do passado no presente e pela tradição, Mayakovsky foi devorado pela revolução e pelo futuro ("Arruinado pelo futuro", diz Pasternak). Para Eliot, o presente não pode existir sem o passado. Para Mayakovsky o presente não tem sentido e não se sustenta sem o futuro. O futuro era tudo para Mayakovsky: nova humanidade, integração de todas as esferas da vida que a opressão secular e a hipocrisia burguesa separaram. O bolchevismo e o Cubo-Futurismo tinham de ser uma coisa única, forma substancial e substância formal da nova cultura soviética.

A obra e a vida de Mayakovsky são um ciclone no qual nada pode entrar se não for em virtude de um dinamismo excecional, o da sua personalidade e dos anos revolucionários em que viveu: desde quando, adolescente, deixou a escola para se tornar revolucionário, até o dia de seu suicídio, aos trinta e seis anos, em 1930 (um tiro de pistola no coração, após uma briga com a jovem atriz Veronika Polonskaia). Mayakovsky trabalha para a sua arte revolucionária como um titã incansável, como uma criança que não aprendeu a controlar a medida dos seus próprios gestos e que se move imaginando que ao seu redor existe um espaço sem limites. Excessivo, grotesco, terno, impiedosamente satírico, escreve e desenha poemas, vinhetas, slogans, manifestos, peças de teatro. O que sempre teve diante dos olhos, vivendo e escrevendo, era uma visão excessiva, um jogo pirotécnico de dimensões cósmicas. Ou era a espera pela ressurreição, uma ressurreição terrestre, física, que os omnipotentes cientistas do futuro lhe dariam. Fá-lo-ão calar a agonia da revolução, a agonia do amor e um espaço social e político que para ele e para os artistas momentaneamente parecia enorme, mas que foi reduzido, no decorrer dos anos 1920, a uma prisão burocrática.

No poema A propósito disto (que conclui com a secção "Amor", aqui transcrita), escrito em 1922-1923, Mayakovsky dirige-se ao cientista do futuro que finalmente terá o poder de trazer os mortos de volta à vida. Ele implora para ela não o esquecer, não o esquecer quando encontrar o seu nome: "Faz-me ressuscitar!". É uma oração apaixonada, infantil, cheia de amor por ela (Lilya Brik), cheia de amor por si mesmo (Volodya Mayakovsky). O futuro devorou o presente e o presente tornou-se cada vez mais estreito. O último ano da sua vida será um ano de deceções, de fracassos, de cansaço. Amores infelizes, dificuldades com a cultura oficial e o eterno refrão, cada vez mais insistente: "As massas não te entendem". Numa manhã de segunda-feira de março de 1930, Mayakovsky queria que Veronika Polonskaia ficasse com ele, mas ela teve de correr para o teatro: “Quando se consegue um emprego interessante como o do Teatro da Arte, não se pode tornar-se esposa de um marido, mesmo que seja um grande homem como Mayakovsky […]. Saí. Eu estava a alguns passos do portão. Ouvi um tiro. As minhas pernas cederam, comecei a gritar”. Dois dias antes, o homem a quem Estaline chamaria "o maior poeta da nossa época soviética" tinha escrito na sua última carta: "Se eu morrer, não culpe ninguém. E, por favor, nada de mexericos. O falecido não poderia suportar [...] O barco do amor quebrou-se na vida do dia a dia [...] Vocês que ainda estão vivos, sejam felizes". A conclusão que ele queria era esta.

Alfonso Berardinelli, Cento poeti. Milano, Mondadori 1991


As fotografias para as colagens em A propósito disto não foram tiradas por Rodchenko mas por Avraam Sterenberg, caldo do pai David Sterenberg, com cuja família Mayakovsky e os Briks partilharam o apartamento em Poluektov Lane em 1919-1920. Esta fotografia foi utilizada na colagem onde Mayakovsky está à espera do telefonema de Lilya. 
(Bengt Jangfeldt, Mayakovsk: a biography, 2007)



Outras traduções do poema "O Amor", de Mayakovsky 

 

Tal vez,
                quizá,
                             alguna vez,
por el camino de una alameda del zoológico,
entrará también ella.
Ella,
           ella también amaba a los animales,
y sonriendo llegará,
                                          así como está,
                                                                       en la foto de la mesa.
Ella es tan hermosa,
a ella con seguridad la resucitarán.
Vuestro siglo XXX
                                     vencerá,
al corazón destrozado por las pequeñeces.
Ahora,
               trataremos de terminar,
todo lo que no hemos podido amar en la vida,
en innumerables noches estrelladas.

¡Resucitádme,
                              aunque más no sea,
                                                                      porque soy poeta,
y esperaba el futuro,
luchando contra las mezquindades de la vida cotidiana!
¡Resucitádme,
                            aunque más no sea por eso!
¡Resucitádme!
                              Quiero acabar de vivir lo mío,
                                                                                            mi vida
para que no exista un amor sirviente,
ni matrimonios, sucios,
                                                concuspiscentes,
Maldiciendo la cama,
                                            dejando el sofá,
alzaré por el mundo,
                                          un amor universal.
Para que un día,
                                 que el dolor degrada,
cambie,
y no implorar más,
                                       mendigando,
y al primer llamado de:
                                                ¡Camarada!
se dé vuelta toda la tierra.
Para no vivir,
sacrificándose por una casa, por un agujero.
Para que la familia,
                                       desde hoy,
                                                              cambie,
el padre,
                 sea por lo menos el Universo,
y la madre
                      sea por lo menos la Tierra.

 

Lila Guerrero, http://amediavoz.com/maiacovski.htm#AMOR%203


Lilya Brik com um exemplar de A propósito disto
Fotografia de Alexander Rodchenko, 1924 
(Bengt Jangfeldt, Mayakovsk: a biography, 2007)

 


Un jour, peut-être,
elle qui aussi aimait les bêtes,
elle réapparaîtra dans une allée du zoo,
souriante,
tout à fait comme sur la photo là, sur la table.
Elle est si jolie.
C’est sûr qu'on la ressuscitera !

Votre trentième siècle devancera
le lot des mesquineries
qui déchiraient nos cœurs.
Nous retrouverons
notre part d'amour inachevé
dans d'innombrables nuits étoilées.

Ressuscite-moi,
ne fût-ce que parce que je t'attendais,
en repoussant les mirages quotidiens.
Ressuscite-moi,
ne fût-ce que pour cela !
Ressuscite-moi !
Je veux vivre pleinement ce qui me revient !

Pour que l’amour ne soit plus esclave
d’un mariage,
de la luxure ou d’un salaire.
Pour que l’amour,
ayant maudit les lits et déserté enfin les couches,
s’élève partout dans le monde !
Pour ne plus avoir à supplier en mendiant,
quelques jours de plus à vieillir.
Pour que la terre entière se lève
au premier cri de « Camarade ! ».

Pour ne plus avoir à sacrifier sa vie
au nom d’une maison, d'un trou !
Pour qu’à partir de maintenant la famille se transforme,
et le père devienne pour le moins l’univers,
la mère, simplement la Terre...

Vladimir Maïakovski, “Requête”, in Anthologie de la Poésie Russe du XVIIème siècle à nos jours. Traduction: E. RAIS et J. ROBERT. Adaptation par Eduardo REIS. <https://www.babelio.com/auteur/Vladimir-Maiakovski/15517/citations/2229835>, 23-12-2020

 

 

A propósito disto, capa de Alexander Rodchenko


Perhaps,
      one day
             perhaps, along the walkways of the zoo,
she will come
-
       for she loved animals too
-
             wandering through the park,
like in the photo
            in my drawer,
                        smiling.
They will certainly resurrect her
-
            She is so pretty.
     …
Resurrect me
            at least
                       because I
                              as a poet,
waited for you,
freed myself from all the everyday muck.
Resurrect me
             at least for that!
Resurrect me
-
             I want to live out the rest of my life!
So that love is not changed into a lackey
      to marriage,
           bread
                      and lechery.
So that love with a curse
            climbs up out of its bed
to wander through the universe's infinity.
So that the day
           doesn't have to go begging for food,
grizzled and ragged in the highway's dust.
So that
      with the first cry:
           
-Comrade! -
the earth turns round and is changed.
So that we avoid living
      fettered to the household hearth.
So that
from now on
           we are like brother and sister,
so that
      our father at least
          might be the world
and the earth our mother.

 

Mayakovsky: a biography, Bengt Jangfeldt; translated in English from Swedish by Harry D. Watson. Chicago and London, The University of Chicago Press, 2014


Mayakovsky: a biography, Bengt Jangfeldt, 2007

 

Maiakowski, Autobiografia e poemas. Ed. Presença, 1974.
Coleção Forma #2. Tradução: Carlos Grifo



“O Amor – poema de Vladimir Mayakovsky adaptado por Caetano Veloso”, José Carreiro. Folha de Poesia, 2022-11-19. Disponível em https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/11/o-amor-poema-de-vladimir-mayakovsky.html



sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Lettera Amorosa, Eugénio de Andrade

Poemas de Eugénio de Andrade Lidos Pelo Autor, 1972

 

LETTERA AMOROSA

 

Respiro o teu corpo:

sabe a lua-d’água

ao amanhecer,

sabe a cal molhada,

sabe a luz mordida,

sabe a brisa nua,

sabe ao sol dos rios,

sabe a rosa-louca,

ao cair da noite

sabe a pedra amarga,

sabe à minha boca.

 

Eugénio de Andrade, Mar de setembro, 1977 (1.ª edição)
Edição utilizada: Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 2017


 ***

Adentrando pelo título, observa-se em “Lettera Amorosa” a configuração de uma carta de amor que, de certa forma, é o próprio corpo lido pelo poeta que o sabe de cor e que o colore para o leitor usando o branco (lua, cal, luz) e o rubro (sangue, cair da noite).

A construção em redondilhas é responsável pela simetria do poema que sugere a perfeição do corpo físico evocado. Tal construção, de fácil assimilação, envolve o leitor num movimento rápido e ritmado, fazendo-o se sentir, também, sabedor do corpo/poema. Às vogais fechadas do primeiro verso (Respiro o teu corpo), sucedem, ao longo do poema, vogais abertas (sabe, d’água, molhada, nua, rosa-louca, pedra amarga) que funcionam como a entrega do corpo físico/textual ao poeta/leitor.

A repetição do verbo “sabe” no início dos versos 2/4/5/6/8/10/11 promove um anelo graças ao ritmo dado ao poema. A recorrência é um “modo tático pelo qual a linguagem procura recuperar a sensação de simultaneidade” e demonstra que “se está a caminho e que se insiste em prosseguir” (BOSI, 2000, p. 41). Assim, por meio da reiteração do som/palavra materializa-se a vertigem do ato de exploração/leitura amorosa do corpo/poema.

A cada “sabe” o significado se condensa em saber e sabor que o poeta degusta, sinestesicamente, com os olhos e a inteligência. Na tradição filosófica do haiku, o sentir “é alguma coisa que está entre o pensamento e a sensação, o sentimento e a idéia” (PAZ, 1991, p. 197). Essa disposição oriental encontra-se no primeiro verso, no qual há a integração do poeta/leitor com o corpo/texto assim que ele o “respira”, ou seja, a sensação olfativa é distribuída ao paladar (sabor) e ao intelecto (saber).

As imagens elementares da terra (cal), da luz, do vento (brisa), da água (rio) são evocadas para compor uma pluralidade na unidade harmônica do corpo/natureza/texto. Diz Eugénio que “a terra e a água, a luz e o vento consubstanciaram-se para dar corpo a todo o amor de que minha poesia é capaz. As minhas raízes mergulharam desde a infância no mundo mais elemental” (1990, p. 288). Assim, as metáforas elementares são, nesta poesia, imagensgeratrizes, pois geram uma nova imagem adjetivada, muitas vezes dissonante racionalmente, mas sensivelmente harmônica.

É exemplar a imagem “luz mordida” que funde a abstração da claridade ao ato concreto de morder, o qual contém o escuro da boca fechada e a fome, imagem erótica do desejo. Já “brisa nua” humaniza a natureza à medida que torna visual o elemento “ar” por meio da sensação táctil: ao associar o frescor da brisa ao descritivo nua, o poeta potencializa a sensação ao máximo, gerando a imagem de um arrepio. A normalidade sofre um abalo com a cópula da imagem arrepio (imagem-gerada pelas imagens-geratrizes) ao sabor, gerando uma imagem virtual da língua sobre o corpo. Lembrando Bosi: “A realidade da imagem está no ícone. A verdade da imagem está no símbolo” (2000, p. 46).

A imagem do nenúfar “lua d’água ao amanhecer” recria, a partir dos elementos luz (contido em lua) e água, uma reação quase química no poema, dando-lhe claridade (no branco da flor) e umidade (no orvalho do amanhecer). Não se pode esquecer que na filosofia oriental “o orvalho, a névoa, as nuvens e outros vapores estão associados ao fluido feminino” (PAZ, 1979, p. 94). Nessa fusão surge o corpo desejado transfigurado pelo corpo poemático: branco e molhado, acordando para o poeta/leitor. Essa imagem é reiterada na seguinte: “cal molhada” é a parede branca das construções portuguesas escorrendo a água da chuva, como o corpo fluindo e sugado no poema.

Mas, a tela eugeniana recebe, ainda, pinceladas de um vermelho vivo, dos “sangue dos rios” e “rosa-louca”. Na primeira imagem, o sangue como essência da vida potencializa a água doce dos rios, símbolo da vida para Bachelard, que pulsa/corre nas veias humanas como o rio no seu leito. Nessa recriação, todo o sabor sensível e intelectual do movimento erotizado da vida. Já em rosa-louca, a efemeridade conferida ao termo rosa junta-se ao adjetivo que representa o desespero da paixão, materializado na passagem do dia para a noite, do branco para o vermelho da flor. E, passagem, também, do doce para o “amargo” da “pedra” que representa a frieza do fim e a possibilidade do sabor e concretude em sua boca.

 

Geruza Almeida, “Eugénio de Andrade: um duplo erótico”. Labirintos (UEFS), v. 2 , p. 1 - 16 , 2007. ISSN: 19808895.

 

 

Poderá também gostar de:

 



“Lettera Amorosa, Eugénio de Andrade”, José Carreiro. Folha de Poesia, 2022-11-18. Disponível em https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/11/lettera-amorosa-eugenio-de-andrade.html



quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Urgentemente, Eugénio de Andrade

Ilustração do poema “Urgentemente”, por Sónia Oliveira.
(in Letras & Companhia 9, C. Marques e I. Silva. Lisboa, Edições Asa, 2013)

 

URGENTEMENTE

 

É urgente o amor.

É urgente um barco no mar.

 

É urgente destruir certas palavras,

ódio, solidão e crueldade,

alguns lamentos,

muitas espadas.

 

É urgente inventar alegria,

multiplicar os beijos, as searas,

é urgente descobrir rosas e rios

e manhãs claras.

 

Cai o silêncio nos ombros e a luz

impura, até doer.

É urgente o amor, é urgente

permanecer.

 

Eugénio de Andrade, Até amanhã, 1956 (1.ª edição)
Edição utilizada: Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 2017



 


I - Linhas de leitura do poema “Urgentemente”, de Eugénio de Andrade

 

Este poema é uma mensagem da urgente construção do amor, da permanência na unidade, imperativa em todos os tempos e lugares e, por isso, meta-histórica e universal.

 

Os elementos do discurso que a nível morfológico revelam a intensidade do apelo:

«É urgente» (vv. 1,2,3,7,9,13);

A utilização dos verbos «inventar», «multiplicar» e «descobrir» reforçam não só a ideia de urgência, mas também da necessidade de construção e de multiplicação desse amor...

 

Os elementos que recriam o amor:

«Um barco no mar» (que pode simbolizar a salvação);

«inventar alegria»;

«multiplicar os beijos, as searas» (aumentando a amizade, a felicidade e a fraternidade para que frutifiquem como as searas);

«descobrir rosas e rios e manhãs claras» (a beleza das rosas, a presença do outro, a alegria da claridade da manhã);

«permanecer» (não desistindo da construção desse ambiente de fraternidade e de amizade):.

 

Os conceitos que se opõem ao amor:

É necessário destruir (por serem contrárias ao amor): «certas palavras»; «ódio, solidão e crueldade»; «alguns lamentos»; «muitas espadas»;

É preciso acabar com o «silêncio» e com a «luz impura».


Valor semântico-simbólico de alguns vocábulos:

barco: a viagem, a salvação;

espadas: guerra, ódio, violência;

silêncio: solidão, falta de comunicação;

rosas: beleza, pureza, amizade;

manhãs claras: alegria, pureza, paz.

 

Divisão em partes e assunto de cada parte:

O poema pode dividir-se em quatro momentos, de acordo com a organização estrófica e com os verbos utilizados.

 

A primeira estrofe surge como apelo geral à urgência (da descoberta das «rosas e rios / e manhãs claras») pois só ele pode salvar (ser «um barco no mar»);

 

na segunda estrofe, o apelo liga-se à necessidade de «destruir» tudo o que impede a construção desse amor – dessa liberdade (portanto, a urgência da destruição de «certas palavras» como «ódio, solidão e crueldade, / alguns lamentos, / muitas espadas»);

 

na terceira parte, surge a necessidade de «inventar», «multiplicar» e «descobrir» o que é belo e dá sentido à vida – alegria, beijos, searas, rosas e risos e manhãs claras – e que permite construir ou reconstruir um mundo mais autêntico e fraterno (em síntese, a 3ª estrofe marca a necessidade da invenção da «alegria» e do amor – «multiplicar os beijos, as searas»);

 

a última estrofe justifica, de modo mais explícito, a postura ética assumida, já que a imagem simbólica do silêncio abafa a mensagem das palavras («cai o silêncio nos ombros») e a luz perde o seu carácter benfazejo para se tornar impura, causando a dor. Portanto, na última estrofe, em forma de conclusão, o poeta volta a referir o que impede o amor e faz «doer», para dizer que não se pode desistir, perder a esperança, que é forçoso «permanecer».

 

Linguagem:

Linguagem rica, variada e sugestiva;

Funções apelativa e emotiva;

Vocabulário utilizado (É urgente, amor, barco, inventar alegria, multiplicar os beijos, rosas e rios, permanecer...) transmitindo a ideia de busca do amor, de construção de paz e de liberdade;

Objetivo a atingir: convencer da urgência do amor...

 

Recursos estilísticos:

anáfora (vv. l, 2,3)

repetições

metáfora (v. 2)

hipérbole (vv. 3-6) (vv. 11-12)

aliterações /s/ (vv. 3-6)

aliterações/r/(vv. 7-10)

antíteses (destruir / inventar) (amor / ódio)

personificação (v. 12)

sinestesia («descobrir rosas e rios»)

 

O poema à luz do título da obra (Até Amanhã).

Sem amor não há futuro...

Até Amanhã garante essa margem de esperança e reafirma a persistência na invenção do amor...

 

(adaptado de: Português A e B: acesso ao ensino superior 2000, Vasco Moreira, Hilário Pimenta. Porto, Porto Editora, 2000. Coleção: Acesso ao ensino superior: preparação para a prova de exame nacional - 12º ano, pp. 187, 406, 407; Para uma leitura de sete poetas contemporâneos, António Moniz, Ed. Presença, 1997, pp. 127-128)

 

 

II - Lê atentamente o poema “Urgentemente”, de Eugénio de Andrade, e responde, de modo estruturado, às perguntas abaixo apresentadas.

 

1. Este é um poema que com certeza já conhecerás. Revisita-o através desta análise.

1.1. Propõe uma interpretação simbólica para o elemento “barco no mar”.

 

2. Explica o sentido do verso “É urgente destruir certas palavras”, clarificando o que “É urgente destruir”.

3. Interpreta a terceira estrofe, tendo em conta o valor simbólico e metafórico das palavras.

4. Relê a quarta estrofe.

4.1. Explicita o significado dos dois primeiros versos “Cai o silêncio nos ombros,/ e a luz impura até doer”, relacionando-os com o conteúdo da estrofe anterior.

4.2. Mostra como estes dois versos se poderão articular com a linha de leitura “Representações do contemporâneo”.

 

Fonte: Projeto #ESTUDOEMCASA, aula 36 de Português – 12.º ano, sobre os poemas "Green God" e "Canção", de Eugénio de Andrade, 2021-04-1. Atividade e Recurso Complementar disponível em https://estudoemcasa.dge.mec.pt/2020-2021/12o/portugues/36


III – Comentário de texto

Elabore um comentário global do poema que integre o tratamento dos seguintes tópicos:

- tema e sua relação com o eufórico/disfórico;

- expressividade das formas verbais;

- simbologia dos nomes;

- recursos estilísticos relevantes.

 

Proposta de correção do comentário de texto:

Neste poema de Eugénio de Andrade ressalta um tom apelativo e são vários os elementos discursivos que revelam a sua intensidade.

Tendo como tema fundamental o apelo que lança a toda a humanidade, não será de estranhar que se percecione, desde o título, um grito que reclama a harmonia. Além do mais, é visível a oposição entre os aspetos negativos e os positivos, contrapondo-se, deste modo, os elementos eufóricos e disfóricos.

Além da repetição sistemática do vocábulo "urgente", os verbos "inventar", "multiplicar" e "descobrir" sugerem, também, a necessidade de expandir o amor e contribuem para reforçar a ideia que defende desde o início: espalhar a harmonia no mundo, começando pelos homens.

Há, ainda, outras expressões que remetem para a necessidade de fazer prevalecer o amor sobre a humanidade. É o caso da expressão "um barco no mar", a sugerir a salvação, uma vez que esse sentimento também pode salvar o Homem da destruição iminente; o mesmo é sugerido pelas expressões "inventar alegria", "multiplicar os beijos, as searas", "descobrir rosas e risos / e manhãs claras" que, para além de simbolizarem o eufórico, servem igualmente para despertar a vontade de aumentar a amizade, a felicidade e a fraternidade.

A última expressão simboliza ainda a beleza, a alegria e a presença do outro.

O verbo "permanecer" conota a insistência e a necessidade de se construir um ambiente fraterno e amigável.

Todavia, há muitos elementos que sugerem a oposição ao amor e que, por isso, é preciso destruir, destacando-se o "ódio / solidão e crueldade / alguns lamentos / muitas espadas", o "silêncio", a "luz impura". De facto, a negatividade ou disforia que envolve este vocabulário serve para destacar, novamente, a vantagem da sobreposição do amor, em detrimento destes aspetos negativos que pairam no mundo.

E se os vocábulos usados sugerem o disfórico, os verbos também adquirem valores opostos. Assim, “inventar" e "permanecer" remetem, respetivamente, para a necessidade de voltar a construir a amizade e a fraternidade, partindo dei nada para ai não existir impureza, e para a ideia de persistência, de luta constante, para que a esperança não se apague e "a luz impura" se imponha "até doer". Já o verbo "destruir" encerra uma conotação negativa, embora no contexto se reporte à destruição de todos os aspetos impeditivos à implantação desse amor, assumindo, deste modo, um valor positivo.

Há outros termos que convém descodificar, dado que o seu valor semântico se associa à mensagem que se pretende transmitir. Destaque-se, por exemplo, o substantivo "barco" como símbolo da viagem que permitirá a fuga e a consequente salvação, enquanto "espadas" Indicia sentimentos contrários e sugere a guerra, o ódio, a violência; a palavra "silêncio" remete para o isolamento, a solidão, a falta de comunicação; já "rosas" conotam beleza, harmonia, amor, pureza e os "risos" e as "manhãs claras" apontam para a felicidade, a alegria e a paz.

Sendo Eugénio de Andrade considerado o artista da palavra, não é de estranhar que utilize uma linguagem rica e variada, selecionando o vocabulário que lhe permita transmitir o seu apelo e as razões por que o faz. Além do mais, serve-se de um conjunto de recursos de estilo que servem a sua intencionalidade: a anáfora e as repetições, a traduzir a insistência do apelo; as antíteses, para apresentar duas realidades distintas e permitir a opção pela mais benéfica para a humanidade; as aliterações em "s" e em "r", a sugerirem a reflexão e a preocupação; as hipérboles, usadas primeiramente como forma de acentuar a destruição e depois para acentuar a urgência do amor; a metáfora, que serve para imprimir o valor simbólico à mensagem.

Em conclusão, poder-se-á afirmar que todos os processos usados pelo autor concorrem para clarificar a mensagem que o poema encerra: sem amor não há futuro nem harmonia no mundo. O próprio título da obra "Até amanhã" conota a esperança e a persistência da necessidade de inventar e construir o amor.

 

Dossier Exame ‑ Português A, 12º ano, Maria José Peixoto, Célia Fonseca, Edições ASA, 2003. ISBN: 972-41-3415-6

 



 IV - Oficina de escrita criativa 

O seguinte fragmento trata-se de uma transcrição incompleta do poema de Eugénio de Andrade.  Completa-o de forma expressiva. 


É urgente o Amor,

É urgente ……….…….

 

É urgente destruir certas palavras

……….……,

alguns ……….……,

muitas ……….…….

 

É urgente ……….……,

multiplicar ……….……,

é urgente ……….……

e ……….…….

 

……….……

……….…….

É urgente o amor,

É urgente ……….…….

 

 

Poderá também gostar de:



Urgentemente, Eugénio de Andrade”, José Carreiro. Folha de Poesia, 2022-11-17. Disponível em https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/11/urgentemente-eugenio-de-andrade.html