sábado, 24 de agosto de 2013

MENTIDERO (Natália Correia)


A ação cívico-literária de Natália Correia no Portugal sob a égide da ditadura

               
 
               
“O poema atravessou o inferno e alguns dos seus sons ficaram queimados”
Natália Correia: 1959
         
                           
Em janeiro de 1970, Mário Cesariny, Luís Pacheco, Ary dos Santos e Natália Correia são acusados de “presumível delinquência” pela publicação (no final de 1965) do livro Antologia da poesia portuguesa erótica e satírica, a qual foi considerada um “abuso de liberdade de imprensa”. […]
Será durante a Primavera Marcelista que se publicam as Novas Cartas Portuguesas, da autoria daquelas que ficaram conhecidas como as três marias: Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta, esta última incluída neste estudo. Em 1972, por um curto período de tempo, o livro está disponível nas livrarias portuguesas uma vez que a DGS se encarrega de apreender os vários exemplares, juntando o livro à lista das obras proibidas. As autoras (e a editora Natália Correia) irão responder em tribunal à acusação de “ofensa à moral pública e abuso de liberdade de imprensa” num processo que se arrasta até 1974.
A emergência das Mulheres repórteres nas décadas de 60 e 70Dissertação de mestrado de Isabel Ventura, Universidade Aberta, 2007, pp. 39-40.
               
           
CORREIA (Natália).— ANTOLOGIA DE POESIA PORTUGUESA ERÓTICA E SATÍRICA. (Dos Cancioneiros Medievais à Actualidade).

           
                      
           
CENSURA – RELATÓRIO Nº 9462 (26 DE MAIO DE 1972) RELATIVO A “NOVAS CARTAS PORTUGUESAS” DE MARIA ISABEL BARRENO / MARIA TERESA HORTA / MARIA VELHO DA COSTA
           
           
CENSURA – RELATÓRIO Nº 7782 (6 DE JUNHO DE 1966)
RELATIVO A O VINHO E A LIRA DE NATÁLIA CORREIA

CENSURA – RELATÓRIO N.º 6395 (2 DE OUTUBRO DE 1959)
RELATIVO A “COMUNICAÇÃO” DE NATÁLIA CORREIA
                                
             
Natália Correia, uma dessas muitas vozes, salienta que “Poetizar as mais fundas aspirações humanas arrancando-as do peito dos homens distraídos é o que se deve entender por mensagem do poeta”1 e que “[Pertence] ao número dos que atribuem à poesia uma enorme responsabilidade: a de transformar o mundo”.[…]
Num país silenciado pelo regime, impossibilitado de exprimir livremente a sua opinião3, o uso do poder simbólico das palavras foi o único recurso que estava disponível para não compactuar com o falso rosto de Portugal que o regime procurava impor dentro e fora do país. Gastão Cruz considera, inclusivamente, que a poesia – que faz uso dessa capacidade metamorfoseadora das palavras ‑ foi “a mais moderna das armas. Ou seja, a mais obstinada nas suas buscas, a mais inquieta na organização do seu discurso.”4 Também Natália Correia encara a poesia como algo essencialmente moral, um “ramo mais florido da ética” que, através do uso de determinadas características formais e fónicas, transmite de modo mais “fascinante” e “eficaz” esses princípios inerentes a si própria. A poesia “ouve [ o ] apelo da sua química recôndita, sempre que na sua relação dialética com o mundo tem que se apresentar como uma antítese desse mundo hipermoralizado (ver a rigidez de um código moral asfixiante) ou desmoralizado (ver uma situação moral caótica em que a liberdade se fundamenta na irresponsabilidade e não o contrário).”5
A poesia assumiu, nessa altura, uma dupla função: o seu conteúdo continuava a permitir a expressão de emoções e experiências do foro pessoal, mas dado o seu impacto sobre a comunidade envolvente desenvolvia uma componente de intervenção social. […]
Decorrente desse procedimento, os escritores necessitaram de criar formas de manifestarem o seu repúdio pelos valores instituídos que pudessem iludir a máquina censória e viabilizar a publicação dos textos6. Sempre que o não fizeram, voluntariamente, as obras foram impedidas de ser publicadas, como foi o caso de Casa Sem Paz (1947) de Maria Archer, Comunicação (1959) de Natália CorreiaO Canto e As Armas (1967) e Praça da Canção (1968) de Manuel Alegre ou Novas Cartas Portuguesasde Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Hortas e Maria Velho da Costa (1972), Pátria, Lugar de Exílio (1972) de Daniel Filipe, entre muitos outros.
Os jornais enviavam as provas com antecedência para serem aprovadas pela censura. Por essa razão, na página de rosto aparecia a indicação de que tinham sido visados pela censura [ver a seguinte imagem de Domingo Ilustrado]. Os escritores que assumiam publicamente serem contra o regime, foram “mortos” pela comunicação social. Quer a atuação quer as obras de autores como Sophia de Mello Breyner, José-Augusto França, Natália Correia ou Alexandre Pinheiro Torres eram automaticamente silenciadas; outros conseguiam, por vezes, sair dessa morte imposta como foi o caso de Aquilino Ribeiro, José Rodrigues Miguéis ou Fernando Namora. Da perspetiva de Oliveira Marques, a censura foi o mecanismo repressivo mais eficaz do regime dado que “nenhuma palavra ou imagem podia ser publicada, pronunciada ou difundida sem prévia aprovação dos censores.” (Cf. MARQUES, A. H. de Oliveira - História de Portugal, vol. III, 3.ª ed., Lisboa: Palas Editores, 1986, pág. 426). […]
            

Cf. VIEIRA, Joaquim (dir.) - Portugal Século XX: Crónica em Imagens (1920-1930), s/l: Círculo de Leitores, 1999, pág. 205.
         
           
A atuação da censura e a forma nefasta como ela truncava os textos e cerceava a vontade criadora e libertadora do poeta é bem evidente nas palavras de Natália Correia(1959):
Tudo chegava pelo lado da sombra, do terror, da pegajosa ignomínia. Os esbirros amordaçavam a luz. Com as mãos mergulhadas nas estrelas que escondia nos bolsos o poeta assobiava uma pátria de brancura e paz. (...) O poema foi arrastado para a treva onde os estranguladores das palavras constroem o silêncio da sala de espelhos onde o tirano se masturba. O poema atravessou o inferno e alguns dos seus sons ficaram queimados7.
           
Este fragmento de prosa poética revela a capacidade que o poeta tem, enquanto ser criador, de intervir na sociedade que o rodeia e, neste caso, usando uma sátira corrosiva, apesar de camuflada, enfatizar todo o processo castrador que rodeava a criação poética, o uso da palavra. A incapacidade em nomear, em identificar a origem da opressão é, desde logo, notória no uso do pronome indefinido “Tudo” que, mais tarde será substituído pelo substantivo “tirano”, a origem da tensão e da negatividade. A própria atuação desse poder opressivo é visível na forma como ele se faz sentir sobre os seres: chega “pelo lado da sombra, do terror, da pegajosa ignomínia”. Porém esse “Tudo” acaba por ser segmentado e nomeado a partir da sua face visível: “os esbirros”. O sentido pejorativo inerente a este vocábulo é intensificado pelo seu poder destrutivo já que eles são capazes de amordaçar a luz. Devido a esse facto, o poeta – aquele que tem o poder da palavra – é forçado a esconder nos bolsos a fonte da luz – as “estrelas” – para que seja ainda possível sonhar “uma pátria de brancura e paz”. A esse sonho contrapõe-se a forma como “os esbirros” arrastam para a treva o poema e “os estranguladores das palavras constroem o silêncio”. A palavra do poeta é, neste contexto, submetida a uma lenta tortura que a consoante dupla presente no verbo “arrastar” permite visualizar, ato esse praticado na escuridão pelos “estranguladores”. O processo da censura é encarado como uma descida ao “inferno” da qual o poema não sai ileso: “alguns dos seus sons ficaram queimados”, no entanto, o poder castrador não atingiu o seu objetivo: remetê-lo ao silêncio.
O ambiente característico desse inferno, que equivale ao do próprio país, assemelha-se a uma alienação coletiva, construída pelo autocomprazimento do “tirano” perante essa realidade que ele próprio gerou. Os “estranguladores” levam o poema para “o silêncio da sala de espelhos” e a pluralidade do espelho, refletindo e distorcendo as imagens, sugere esse cenário diabólico em que não é possível descobrir qual é, de facto, a imagem real. Esta alienação advém não só da impossibilidade de identificar uma imagem una e fidedigna, mas do silêncio que é construído nesse local onde “o tirano se masturba”, onde sozinho festeja o resultado dessa opressão e censura que conduziram ao silenciamento das vontades, das iniciativas para o destronar. […]
Esse ato castrador, cerceador dos textos, que a todos procura controlar pelo uso imposto dos sentidos das palavras é realçado por Natália Correia em “É preciso avisar toda a gente”8. Nesse texto, a autora manifesta a urgência em alertar as pessoas para o facto de os textos não serem publicados de acordo com os originais; os textos impressos foram retalhados, cinzelados pela censura transmitindo, apenas, a sua interpretação daquele texto encarado, após a tortura a que foi sujeito, como inócuo:
É preciso avisar. Avisar o público contra os salteadores da prosa que, agachados nas moitas de certos suplementos literários (não sei se todos) saltam sobre a prosa alheia que querem depradar, reduzindo-a, com a ajuda da tesoura, ao texto que melhor se afeiçoa aos seus rancores que burilam em pateada crítica. (…)
Mas entremos nos factos, já que sem eles, poderão as ratazanas da tesoura continuar a ter o beneplácito do leitor cristalinamente ignorante das agulhas que fazem este croché das transcrições retalhadas pelo bisturi clandestino dos cirurgiões da deturpação programada.
          
Para referir esse ato corrosivo da censura, Natália Correia utiliza a metáfora dos salteadores, do croché e dos cirurgiões. À semelhança de um salteador, também os censores se apoderam da escrita alheia para a submeter aos seus caprichos. Contudo esse é um ato praticado na penumbra, eles estão “agachados nas moitas” como um qualquer salteador, só que a sua atividade é mais ignóbil na medida em que a vítima é a prosa alheia que eles querem “depradar” de acordo com os rancores que os dominam no momento da captura. Depois dessa depuração, o texto é novamente tricotado de forma a que o leitor não se aperceba das omissões, dos cortes efetuados pelo “bisturi” que o poder central usou para eliminar as palavras que não interessavam ao Estado. Esses salteadores iniciam, assim, um processo de animalização já que se tornam em “ratazanas da tesoura”, nessa metáfora tão violenta indiciando a perda de todas as capacidades humanas9. Consciente do poder da censura, que é feita na escuridão, no anonimato, a autora acusa o censor de ser uma espécie de “travesti”, continuamente sem imagem própria, que se limita a reproduzir os ideais do Estado mesmo que isso implique falsear os textos:
Do que o travesti não gostou foi de que eu dissesse que a máscara que transfigura o cortador da prosa alheia em beata de sacristia literária, comprou-a ele à custa dos manipuladores de fundos que se divertem muito com este Carnaval dos puritanos.
Aplausos e assobios chama o ocluso glutão da mesa censória à sua oficina de rapinagem. Mas não assina. Não dá a cara. Porque a não tem. Tem focinho de cão de guarda das informações comprometidas nas aspas com que assinala o beatério do seu “engagement”. Compreende-se que não queira exibi-lo.
Quem gostar de censores que vá à missa do rapinante. Frequente-lhe o mentidero. Mas não me venha dizer que é contra a censura, a outra, a visível que um dia há-de acabar. Porque esta é que não acaba.
           
É nesse “mentidero”, nessa “oficina de rapinagem” que esse ser sem rosto forja novos textos, deturpando, senão mesmo subvertendo, os originais para que eles funcionem como um discurso apologético do regime. Esse “glutão” continua a agir como se fosse um animal comandado, sem livre arbítrio, daí ter “focinho de cão de guarda” e o que lhe compete guardar ferozmente é a imagem difundida pelo Estado, mesmo que para tal tenha que se dedicar a engolir as palavras alheias. Neste fragmento, a autora repreende também aqueles que assumem ser contra a censura, mas que são coniventes com essa atuação; também eles devem frequentar o “mentidero” e assistir à “missa do rapinante” (nessa alusão à união entre a Igreja e o Estado).
                 
Portugal sob a égide da ditadura: o rosto metamorfoseado das palavrasTese de mestrado de Paula Fernanda da Silva Morais.
Universidade do Minho – Instituto de Letras e Ciências Humanas, j
ulho de 2005, pp. 26-27, 31, 37-38, 40-42
               
__________________________
NOTAS:
(1) Cf. SOUSA, António de et alii - Entrevistas a Natália Correia, Lisboa: Parceria A. M. Pereira, 2004, pág. 20 (esta entrevista foi concedida a Bruno da Ponte e publicada no Jornal de Letras e Artes a 22 de Novembro de 1961 com o título A minha poesia está ligada aos grandes momentos da vida colectiva).
(2) Cf. Ibidem, pág. 36 (entrevista concedida a Dórdio Guimarães e publicada no Correio do Ribatejo,Suplemento Portas do Sol, n.º 41 a 2 de fevereiro de 1963 com o título O signo do poeta é o da liberdade).
(3) No Dicionário da História de Portugal, António Barreto e Maria Filomena Mónica salientam que Salazar unificou-se a partir da junção da tríade Deus-Pátria-Família “concebidos dentro de uma cultura católica” e que aglomerou à sua volta um conjunto de personalidades a quem não foi permitido pensar em demasia para não interferirem na rota que o ditador traçara para Portugal (Cf. BARRETO, António e MÓNICA, Maria Filomena (coord.) - Dicionário de História de Portugal, vol. IX, suplemento P/Z, Lisboa: Livraria Figueirinhas, 2000, pág. 288). Também nas entrevistas efetuadas por António Ferro, Salazar explicita que a liberdade varia na proporção inversa à evolução do homem, que é ao Estado que compete administrar e defender essa liberdade; daí o papel necessário da censura enquanto meio para combater o discurso doutrinário “subversivo” que procura opor-se à vontade ideológica do Estado (Cf. FERRO, António – Salazar: O Homem e a Obra, s/l: Empresa Nacional de Publicidade, 1933, pp. 49-50).
(4) Cf. CRUZ, Gastão – A Poesia Portuguesa Hoje, 2.ª ed. corrigida e aumentada, Lisboa: Relógio de Água, 1999, pág. 212.
(5) Cf. CORREIA, Natália - A estrela de cada um, Lisboa: Parceria A. M. Pereira, 2004, pág. 258.
(6) Cândido de Azevedo menciona que também os jornalistas recorreram a uma linguagem de “fingimento, de disfarce, de fabulação” para conseguirem fornecer ao seu público ideias opostas às do regime de forma a desmontar a falsa imagem que o regime criara do país (Cf. AZEVEDO, Cândido de ‑Censura: de Salazar a Marcelo Caetano, Lisboa: Editorial Caminho, 1999, pág. 30).
(7) Cf. CORREIA, Natália - “Comunicação” (1959) in Poesia Completa, Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999, pág. 173.
(8) Cf. CORREIA, Natália – A estrela de cada um, Lisboa: Parceria A. M. Pereira, 2004, pp. 47 a 50.
(9) Também Miguel Torga, em A Criação do Mundo, salienta que esses agentes do Estado eram ainda mais prisioneiros do que o resto da população. A instituição que representavam sugara-lhes a personalidade, tornando-os em “Títeres de vontades alheias, a força que cuidavam encarnar vencera-os primeiro.” (Cf. TORGA, Miguel – A Criação do Mundo (1937-1981), 2.ª ed., Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999, pág. 412).
***    

            
         Há 50 anos, a indecência de Natália Correia libertou-nos


Passam 50 anos da edição da Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, escândalo literário apreendido e matéria de julgamento em Tribunal Plenário, acusada de ofender o “pudor geral”, a “decência”, a “moralidade pública” e os “bons costumes”. Passa meio século desse serviço que Natália Correia prestou à liberdade.
O projecto de reunir textos “dos cancioneiros medievais à actualidade” considerados malditos pelas regulamentações legais e sociais vigentes foi, segundo a investigadora Isabel Cadete Novais, o aprofundamento de uma empreitada iniciada por Manuel Cardoso Marta, amigo de Natália, a quem a escritora comprara uma generosa biblioteca. Terá sido o jornalista que a iniciara sob o título “O purgatório dos poetas” e após a sua morte o projecto fora recuperado, completado e publicado com outra designação, no ano de 1966, pelas edições Afrodite, de Ribeiro de Mello.

“Antologia de Poesia Erótica e Satírica”, seleção, prefácio e notas de Natália Correia

Juntam-se assim dois nomes subversivos nesta provocação bem preparada: o da extravagante açoriana e o do excêntrico portuense Fernando Ribeiro de Mello, o “Editor Contra”, para usar a expressão do título de um livro da autoria de Pedro Piedade Marques. Nesse volume, editado em 2015 pela Montag, descrevem-se assim, com citações do prefácio, as razões da pesquisa: “Esta antologia foi um trabalho de fundo da poetisa, visando ‘exumar do cemitério das obras malditas’ poesias que trouxessem à superfície (e à modorra dos anos finais de Salazar) as ‘recalcadas supurações do instinto’”. O prefácio, “O Cativeiro de Afrodite”, começa por aludir ao facto de Carolina Michaëlis de Vasconcelos, quando se ocupou das cantigas satíricas dos nosso Cancioneiros medievais, ter declarado que não evitaria as obscenidades típicas do “género Burlesco” dos Cancioneiros, sempre que estivesse em causa apurar a verdade.

Panteão do hedonismo

E que autores figuravam nesse pouco recomendável álbum de família? De jograis de corte e do Abade de Jazente a poetas na altura ainda na casa dos 30, como E.M. de Melo e Castro e Herberto Helder, que escreve em “Ciclo” os seguintes versos:
Escuto a fonte, meu misterioso desígniode cantar o amor.
Da tremenda alegria da carne
deve vir o espírito do canto, da vossa
deslumbrante alegria, ó intensas
criaturas solares (…)
De autores do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende até a um António Botto (com dois inéditos) ou a um Luiz Pacheco, cujo “Coro de Escárnio e Lamentação dos Cornudos em Volta de São Pedro tem um inequívoco “Finale, muito católico”:
Assim termina o lamento
pois recordar é sofrer.
Ama e fode. 
É bom sustento!
E por nós reza um pater

Mais ou menos no centro deste panteão nacional do hedonismo em forma de verso encontra-se, naturalmente, Manuel Maria Barbosa du Bocage. O texto que antecede o rol de poemas com os quais o bardo nascido em Setúbal em 1765 é representado tem o tom e o desenho próprios da autora de “A Ilha de Circe”: “É com Bocage que a poesia erótica portuguesa se preenche de maior complexidade e explora com a mais refinada ciência poética a versatilidade do Eros proteico”. A nota é rematada com uma referência à contradição que nele se sacudia: “E não é com menor brilho que o poeta celebra ou abomina os transes da luxúria do que aquele amor imaterial que ‘na terra quer imitar o do céu’”.
Daniel Pires, presidente da direcção do Centro de Estudos Bocageanos, vê nestes termos a importância da publicação da Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica. “Foi um marco relevante por divulgar inúmeros textos poéticos ditos imorais, por ser o corolário de uma ampla investigação, quer em arquivos, quer em bibliotecas, e ainda por revelar inéditos de vulto que se encontravam em colectâneas manuscritas antigas”. Chama a atenção para o prefácio “marcante, nos domínios conceptual e formal”. E para a circunstância decisiva de a iniciativa ter partido de uma mulher, contribuindo para o desmoronamento de um tabu sexista.
Segundo o autor de Bocage, a Imagem e o Verbo (Imprensa Nacional — Casa da Moeda, 2015), as opções de Natália Correia relativamente a Bocage reflectem o estádio da investigação da época. “A introdução é clara e abrangente e tem o mérito de afirmar que uma parte da poesia de carácter erótico ou pornográfico que lhe é atribuída não lhe pertence”. Considera pertinente a selecção de poemas, realçando a publicação de um excerto de “Cartas de Olinda e Alzira”, “eventualmente o primeiro manifesto feminista português, hino que exorta à insurreição dos sentidos e denuncia uma sociedade anémica e preconceituosa”.
É importante referir que o volume se distingue graficamente, como lembra Piedade Marques, pelas ilustrações de Cruzeiro Seixas e pelos poemas visuais de Ernesto de Melo e Castro e Mário Cesariny de Vasconcelos (reproduções facsimiladas dos poemas “Panasca” e “Praeludium”). Há escolhas, surpreendentes, de textos de Antero de QuentalCamilo Castelo Branco e Fernando Pessoa. E, no grupo dos autores mais recentes à época, estão nomes como João Rui de Sousa e Liberto Cruz. E, mais nova, Maria Teresa Horta.
Cruzeiro Seixas, Mário Henrique Leiria, Natália Correia e Mário Cesariny
(Mário Henrique leiria já bastante debilitado, com os amigos de sempre Cruzeiro seixas e Mário Cesariny e Natália Correia)
A autora de Amor Habitado, que aceitou, sem a questionar, a escolha de poema feita por Natália Correia, releva o facto de ser uma mulher a ter o desassombro de assinar a antologia, numa altura em que eram muito poucas as mulheres que assumiam posições de destaque nos assuntos literários. “Era inusitado”. Os escritores, sublinha, na altura muito unidos, colocaram-se todos do lado dela. Com destaque para David Mourão-Ferreira, que escreveu um texto para a badana no qual se podiam encontrar afirmações como esta: “Não ter medo das palavras e não recear as realidades que elas exprimem é, sobretudo, evitar o trânsito pelo consultório do psiquiatra”. Mourão-Ferreira categorizará ainda a “antologia” como “obra de erudição, de criação e de civismo” que haveria de constituir, para as gerações vindouras, um documento indispensável. Mas é provável, anotou, que o nome de Natália também suscitasse nalguns a “sádica nostalgia das fogueiras do Santo Ofício”.

Os “subalimentados do sonho”

Durante muito tempo, recorda Maria Teresa Horta, os censores não se importavam com o género poético. Mas tudo se alterou a partir do momento em que José Carlos Ary dos Santos começou a repetir que a poesia era uma arma. Tal como toda a gente previa – a começar pela própria Natália –, o livro foi apreendido pela PIDE e o julgamento teve lugar no Tribunal Plenário — e não, como aconteceu com o processo das “Três Marias”, num tribunal correcional.
Maria Velho da Costa, Maria Isabel Barreno e Maria Teresa Horta: as três marias
Em Editor Contra – Fernando Ribeiro de Mello e a Afrodite é lembrado o veredicto oficial sobre a “Antologia”: “Apesar do pretensioso prefácio da autora da selecção, eivado de tendências sartreanas e das intenções que daí derivam, não é possível admitir que seja viável a circulação deste livro em Portugal, dado o seu carácter pornográfico”. Foi apreendida e retirada do mercado. Houve buscas da PIDE em casa do editor, da organizadora e de colaboradores. Ribeiro de Mello decide então que deve ser posta a circular imediatamente nas livrarias uma edição pirata e Natália Correia concordou com a decisão. O livro seria apresentado como uma importação do Brasil e assim não teria de passar pela censura. “O autor dessa edição pirata terá sido o livreiro Luís Alves Dias, então a trabalhar no Centro do Livro Brasileiro em Lisboa, que pagou os direitos ao editor e à organizadora para uma edição de três mil exemplares”. Foi esta edição pirata que popularizou a obra e a espalhou.
A edição da obra aconteceu em 1966 mas o julgamento só terminou em 1970, acabando a obra por ser considerada ofensiva dos pudores referidos no início deste texto. A escritora escreveu um violento poema para ler durante a sessão judicial que terminava com os seguintes versos:
ó subalimentados do sonho!
a poesia é para comer
O seu advogado, Adelino da Palma Carlos, demoveu-a do gesto. Fernando Dacosta escreve em O Botequim da Liberdade (Casa das Letras, 2013) que o jurista terá feito o comentário entre próximos: “É doida varrida, se o tivesse feito levava uma talhada que não se endireitava!”.
Segundo o relato do Diário de Lisboa de 21 de Março desse ano, acabaram condenados, no julgamento que terminou a 21 de Março de 1970, Natália Correia, o editor Fernando Ribeiro de Mello, a 90 dias de prisão correccional, substituíveis por igual tempo de multa a 50$00 por dia e mais 15 dias de multa à mesma taxa. Também foram distribuídas penas de 45 dias de prisão – substituíveis por multas — para os escritores Luiz Pacheco (que foi dispensado de pagar por causa da sua situação económica), Mário Cesariny de Vasconcelos, José Carlos Ary dos Santos e Ernesto de Melo e Castro. As penas de Natália, Cesariny, Ary dos Santos e Melo e Castro foram suspensas pelo período de três anos. Os livros apreendidos foram declarados perdidos a favor do Estado para serem destruídos.
A terceira edição da “Antologia” surgiu em 1999 com o selo de uma associação entre a Antígona e a Frenesi, quando as editoras cumpriam 20 anos de existência. Luís de Oliveira e Paulo da Costa Domingos justificam-se: “Dois editores, a contrapelo de quem antes e de quem depois tentou disfarçar a festa do corpo, selam, aqui e em público, a sua inabalável amizade, dando, pois, expressão física a um tão forte conjunto de poemas eróticos e satíricos”. O livro fecha com espírito anárquico, apelando ao prazer: “Os editores dedicam o esforço posto nesta edição aos leitores que fazem do erotismo prática viva e satirizam os costumes e a ordem”. Uma dedicatória à altura de Natália.
    
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[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2013/08/24/mentidero.aspx]   [Atualização: 18-03-2018]             

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

UM HOMEM NA CIDADE (Ary dos Santos)



                
                
UM HOMEM NA CIDADE

Agarro a madrugada
como se fosse uma criança
uma roseira entrelaçada
uma videira de esperança
tal qual o corpo da cidade
que manhã cedo ensaia a dança
de quem por força da vontade
de trabalhar nunca se cansa.

Vou pela rua
desta lua
que no meu Tejo acende o cio
vou por Lisboa maré nua
que desagua no Rossio.

Eu sou um homem na cidade
que manhã cedo acorda e canta
e por amar a liberdade
com a cidade se levanta.

Vou pela estrada
deslumbrada
da lua cheia de Lisboa
até que a lua apaixonada
cresça na vela da canoa.

Sou a gaivota
que derrota
todo o mau tempo no mar alto
eu sou o homem que transporta
a maré povo em sobressalto.

E quando agarro a madrugada
colho a manhã como uma flor
à beira mágoa desfolhada
um malmequer azul na cor.

O malmequer da liberdade
que bem me quer como ninguém
o malmequer desta cidade
que me quer bem que me quer bem!

Nas minhas mãos a madrugada
abriu a flor de Abril também
a flor sem medo perfumada
com o aroma que o mar tem
flor de Lisboa bem amada
que mal me quis que me quer bem!
                
José Carlos Ary dos Santos (1937-1984)
                  
                 
Acreditamos ser este um dos poemas mais belos que já se compôs para um fado, mesmo entre os muitos que o próprio Ary dos Santos escreveu.




Antes de nos determos no poema propriamente dito, cabe aqui comentar sobre a ligação entre o poeta e o fado.
Poderia parecer uma incongruência que um poeta tão revolucionário e tão avesso ao regime salazarista como foi Ary dos Santos viesse a compor poemas para o fado, gênero conhecido por esse mesmo regime como a “canção nacional”.
No entanto, Ary dos Santos soube compreender, como muitos outros poetas, que o fado, embora utilizado pelo regime ditatorial como um dos seus símbolos máximos, nada mais era, na verdade, que a manifestação mais pura da alma lisboeta, do seu povo e da própria cidade de Lisboa enquanto locus cultural.
Só que enquanto outros poetas tiveram seus poemas adaptados ao fado, ou vieram a escrever para o fado, tendo o fado tradicional e amétrica que o rege como primordiais, Ary dos Santos escreveu para o fado quase sempre sem imaginar a música que iria moldar suas palavras. Dessa forma, fugindo à métrica tradicional do fado – a redondilha maior ou a menor – Ary dos Santos acabou por renovar o fado, trazendo para o gênero, não só novos temas, mas mesmo quando trabalhando com temas já firmados no gênero, fazendo-o de forma diversa, mas, também trazendo através de seus poemas a oportunidade de que se criassem novas músicas para o gênero.
Mas, voltemos ao poema em questão.
Aqui, Ary dos Santos traça de forma magistral o entrosamento entre o ser humano lisboeta (aqui na sua versão masculina), a madrugada e a liberdade, sendo esse um poema que foi composto depois do abril de 1974.
O poeta agarra “a madrugada como se fosse uma criança” e vê o “corpo da cidade” como se fosse “uma videira de esperança”, esperança essa que leva o “homem da cidade” a trabalhar sem cansaço, ainda que o faça “por força da vontade”, ou seja por não ter outro destino – tema quase que imprescindível para um fado.
O poeta – incorporado em “homem da cidade” – segue pela madrugada de Lisboa terminando por “desaguar no Rossio”, numa das melhores metáforas que já se fez da noite lisboeta, pois quer se venha do Bairro Alto, da Lapa, de Alcântara, de Alfama, ou da Avenida da Liberdade, passa-se pelo Rossio.
Além disso, o “homem da cidade” trabalha desde cedo, mas o faz com alguma alegria, pois agora tem liberdade.
E vão surgindo outros elementos do fado, embora Ary dos Santos os aborde de forma bem diversa da tradicional: “lua cheia de Lisboa”; “velada canoa”; “gaivota”, e; “maré”. A lua se deslumbra e só então reflete navela, enquanto que a gaivota derrota o mau tempo, reflexo do povo, que como se fosse a maré a subir, invade a cidade em sobressalto, metáfora incrível da liberdade trazida pela Revolução de 1974.
A partir daí assistimos a um ciclo metafórico através do qual amadrugada se converte em manhã, passando esta a flor, que vai ser “desfolhada” – provável evocação de um dos seus maiores êxitos como letrista – transformando-se em um malmequer azul. Mas não se trata de uma flor qualquer, e sim do “malmequer da liberdade”, da flor de Abril”, da “flor sem medo”. E o ciclo é fechado com a integração da liberdade – novo parâmetro do povo português – ao mar – parâmetro de sempre do povo português, transformando-se Lisboa de cidade que malquis o poeta (a Lisboa da ditadura) em cidade que o quer bem (a Lisboa da liberdade).
Possivelmente nenhum outro poeta da sua geração, em nenhum outro momento, tenha sabido colocar em palavras tão bem a integração entre um “Portugal que foi” e um “Portugal que vai ser” como Ary dos Santos o fez nesse poema. E o facto de ser um poema que foi composto para um fado consegue concretizar de forma ainda mais eficaz essa integração.
                   
in Bulletin of the Faculty of Foreign Studies, Sophia University, nº 40, 2005.
                    
                
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[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2013/08/23/um.homem.na.cidade-.aspx]

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

HÃO-DE CAIR EM ESTRONDO OS ALTOS MUROS (José Saramago)


«Resurrección», Pejac
                   
                      
OUVINDO BEETHOVEN

Venham leis e homens de balanças,
Mandamentos daquém e dalém mundo,
Venham ordens, decretos e vinganças,
Desça o juiz em nós até ao fundo.

Nos cruzamentos todos da cidade,
Brilhe, vermelha, a luz inquisidora,
Risquem no chão os dentes da vaidade
E mandem que os lavemos a vassoura.

A quantas mãos existam, peçam dedos,
Para sujar nas fichas dos arquivos,
Não respeitem mistérios nem segredos,
Que é natural nos homens serem esquivos.

Ponham livros de ponto em toda a parte,
Relógios a marcar a hora exacta,
Não aceitem nem votem noutra arte
Que a prosa de registo, o verso data.

Mas quando nos julgarem bem seguros,
Cercados de bastões e fortalezas,
Hão-de cair em estrondo os altos muros
E chegará o dia das surpresas.
                    
José Saramago, Poema a Boca Fechada, 1966
                 
               
               
QUEDA DO ESTADO NOVO
           
               
QUEDA DO MURO DE BERLIM
                 
               
               
O retrato do país dominado pelos princípios do Estado Novo é também veiculado no poema de José Saramago “Ouvindo Beethoven”.
O próprio título do poema remete para a busca da liberdade e a exaltação de um conjunto de princípios como a igualdade e fraternidade entre os povos. A mera referência à música de Beethoven cria, desde logo, a sugestão de um universo sonoro violento (dada a complexidade da música deste compositor e a profusão de instrumentos de sonoridades cheias e metálicas) que se perpetua no tempo em virtude da utilização do gerúndio “ouvindo”. Nada parece ter sido deixado ao acaso na obra destes escritores. Não é acidental o facto de o compositor escolhido ser Beethoven que, em termos musicais, é encarado como um revolucionário, um homem que impôs novos cânones e que cultivou um estilo heroico imbuído dos ideais posteriores à Revolução Francesa nas suas sinfonias. Elas têm como tema recorrente o percurso do Homem desde a sua criação mitológica por Prometeu (3.ª Sinfonia, Heroica), à simbiose Homem-Natureza, em que esta última controla o primeiro (6.ª Sinfonia, Pastoral) até ao encontro do Homem com a perfeição (9.ª Sinfonia, Sinfonia Coral). É, nesta última, que se encontra o célebre “Hino à Alegria” composto sobre um poema de Schiller que evoca e difunde esse grito lancinante de apelo à humanidade para que aja fraternalmente (Cf. MANN, William – A Música no Tempo, Cacém: Círculo de Leitores, 1983). O ambiente típico das sinfonias de Beethoven é, então, transportado para o corpo do poema. Essa sonoridade torna-se evidente pela seleção vocabular em que predominam os verbos, a sucessão contínua de ações, as sistemáticas aliterações de vibrantes, sibilantes e fricativas associadas a vogais abertas, bem como o predomínio de um ritmo binário entrecortado pelo ternário para intensificar a velocidade dos acontecimentos referidos numa contínua espiral que culminará na última quadra com a antevisão/anunciação do “dia das surpresas”. Esse “Venham”, verbo introdutor de uma situação hipotética, mas tão semelhante à real, encarna a referência a várias circunstâncias agressivas e típicas da sociedade do Estado Novo; a agressividade desses factos, que serão enunciados de seguida, está desde logo patente na cumulação sonora do recurso a vogais abertas ladeadas por consoantes profundamente sonoras: a fricatica -v, a palatal –nh e as nasais. Inicia-se, então, a enumeração de estereótipos do Estado Novo: a imposição de “leis” emanadas como mandamentos “daquém e dalém mundo” – nessa imbricação Deus (religião)/Chefe de Estado (política). Esse poder instituirá “ordens, decretos e vinganças” tendo, inclusivamente, capacidade para aceder ao íntimo dos homens e julgá-los uma vez que não há limites para os tentáculos dos agentes do Estado; num tempo em que se invade a privacidade de cada um – “Não respeitem mistérios nem segredos” -, o homem perde uma das suas apetências naturais: “ser esquivo”. Essa censura, que dilacera o interior dos homens, aparece também nas circunstâncias mais quotidianas: nos cruzamentos, brilha “vermelha, a luz inquisidora” (a que relembra a existência dos censores e da tortura por eles infligida). O facto de os homens viverem como objetos, de serem meras propriedades do Estado torna-se visível na catalogação a que todos são sujeitos: “A quantas mãos existam, peçam dedos,/Para sujar nas fichas dos arquivos”, no facto de tudo estar institucionalizado – como é realçado pela menção à necessidade de colocar “livros de ponto em toda a parte” bem como “Relógios a marcar a hora exacta”. Contudo esse clima controlador, limitador da vontade do homem vai ser ameaçado, como é desde logo indiciado pelo uso da conjunção coordenada adversativa “Mas” a introduzir a última quadra. Ao presente do conjuntivo associado às imposições do Estado vai suceder o uso da conjugação perifrástica no futuro e o próprio verbo “chegar” no futuro do indicativo. É num futuro algo distante que a música de Beethoven atingirá o seu clímax fazendo ruir “em estrondo os altos muros”1 – ato violento, tornado audível pela aliteração das sibilantes e das vibrantes líquidas -, no momento em que o Estado se considerar precavido contra todas as possibilidades de ataque já que cercou a população de “bastões”, para impor a ordem, e “fortalezas” para enclausurar os homens e as palavras.
Este poema, à semelhançdo de Sidónio Muralha, funciona como uma profecia, uma antevisão dos factos que ocorrerão oito anos após a publicação do poema.
Ao longo deste trajeto pelo Portugal da época da ditadura, torna-se notório que, de uma forma geral, os poetas calçaram os “mocassinos” do seu tempo e procuraram desmistificar os valores do Estado Novo assim como o conceito de Portugal difundido no estrangeiro através dos textos e palavras de outros autores que compactuaram com o regime e que, mesmo indiretamente, acabam por ser implicados na derrocada da pátria. De igual forma, não negam a importância das épocas passadas, mas constatam que não é possível edificar um país que vive estagnado nas memórias do passado; o Portugal desejado só será possível quando os portugueses recuperarem a visão, a voz, o entusiasmo que os dominou em momentos anteriores e fez com que ousassem construir um império.
                 
Portugal sob a égide da ditadura: o rosto metamorfoseado das palavrasTese de mestrado de Paula Fernanda da Silva Morais. Universidade do Minho – Instituto de Letras e Ciências Humanas, julho de 2005, pp. 98-100.
               
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(1) De notar que já Mário de Cesariny havia feito referência à muralha que existia entre os seres e as palavras e que urgia fazer implodir no seu poemaYou are welcome to Elsinore”.
                    
                
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