sexta-feira, 8 de maio de 2020

La más bella niña, Góngora


La más bella niña
de nuestro lugar,
hoy vïuda y sola,
y ayer por casar,
viendo que sus ojos
a la guerra van,
a su madre dice,
que escucha su mal:
«Dejadme llorar
orillas del mar.

»Pues me distes, madre,
en tan tierna edad
tan corto el placer,
tan largo el pesar,
y me cautivastes
de quien hoy se va
y lleva las llaves
de mi libertad,
dejadme llorar
orillas del mar.

»En llorar conviertan,
mis ojos, de hoy más,
el sabroso oficio
del dulce mirar,
pues que no se pueden
mejor ocupar,
yéndose a la guerra
quien era mi paz.
Dejadme llorar
orillas del mar.

»No me pongáis freno
ni queráis culpar,
que lo uno es justo,
lo otro, por demás;
si me queréis bien,
no me hagáis mal:
harto peor fuera
morir y callar.
Dejadme llorar
orillas del mar.

»Dulce madre mía,
¿quién no llorará,
aunque tenga el pecho
como un pedernal,
y no dará voces,
viendo marchitar
los más verdes años
de mi mocedad?
Dejadme llorar
orillas del mar.

»Váyanse las noches,
pues ido se han
los ojos que hacían
los míos velar;
váyanse, y no vean
tanta soledad,
después que en mi lecho
sobra la mitad.
Dejadme llorar
orillas del mar».


Luis de Góngora, 1580



A mais bela moça
do nosso lugar,
hoje viúva e só,
e ontem por casar,
vendo que seus olhos
para a guerra partem,
diz à sua mãe,
que escuta seu mal:
Deixai-me chorar,
só à beira-mar.

              «Já que, mãe, me destes,
em tão tenra idade
  tão breve o prazer,
  tão longo o pesar,
              e me cativaste
de quem hoje parte
depois de fechar
minha liberdade,
deixai-me chorar,
só à beira-mar.

«Meus olhos convertam,
desde hoje, em chorar
            o gostoso ofício
            do doce fitar,
                        pois que não se podem
melhor ocupar,
            indo para a guerra
            o que me era paz:
              Deixai-me chorar,
              só à beira-mar.

«Não me ponhais freio
  nem queirais culpar;
  que se aquilo é justo,
é isto demais;
se me quereis bem,
não me façais mal;
muito pior fora
morrer e calar:
Deixai-me chorar,
              só à beira-mar.

              «Minha doce mãe,
quem não chorará
mesmo tendo o peito
como um pedernal,
e não dará gritos
ao ver a murchar
os mais verdes anos
desta mocidade?
Deixai-me chorar,
              só à beira-mar.

              «Passem breve as noites,
  pois partiram já
  os olhos que punham
  os meus a velar;
              passem e não vejam
tanta soledade,
desde que em meu leito
sobeja metade.
Deixai-me chorar,
              só à beira-mar».   

Luis de Góngora, Antologia Poética, Lisboa: Assírio & Alvim, 2011, p.33.


Tópicos de análise:
  • Sofrimento de amor;
  • Papel do confidente;
  • Perspetiva feminina da partida;
  • Relações intratextuais com a lírica trovadoresca;
  • Atualidade do tema.





Comentario a La más bella niña
Se trata de uno de los poemas más conocidos de Luis de Góngora escrito hacia el 1580, cuando no contaba ni tan solo con veinte años (Josa y Lambea 2000, 8). El poema explica la historia de una joven que ha perdido a su gran amor puesto que él debe marcharse a la guerra. El tópico literario que prima en el poema es, sin duda, el del vulnus amoris porque el autor trata de expresar a través de este romancillo el dolor que causa la marcha de un ser querido, la pérdida de un amor.

Análisis de La más bella niña, de Luis de Góngora
Ya desde la primera estrofa nos encontramos ante unos versos rompedores e incomprensibles. Ya el narrador nos rompe toda la armonía poética con la contraposición, la antítesis del tercer y cuarto verso. 
Hoy viuda y sola
Y ayer por casar
A pesar de que el narrador nos explica que la mujer está “hoy viuda y sola” sabemos que no es del todo cierto a través de la propia protagonista. Se trata de una exageración para mostrarnos el desgarro del corazón de la mujer que, emocionada porque iba a casarse ve truncada la ceremonia de boda por la celebración, probablemente, de un funeral. 
La segunda estrofa, saltando el célebre estribillo, es también doloroso aunque paradójicamente más narrativo. Es la dama quien dialoga y explica que ha perdido a su amante muy joven y que todavía le queda tiempo de vida por sufrir el acontecimiento. La dama entiende que sin el amante, ella no es libre.
Y lleva las llaves
De mi libertad.

La siguiente estrofa, ya la tercera, explica la razón por la que se marcha su amante. Nos cuenta que ha tenido que irse a la guerra pero que todavía no ha llegado a la batalla porque emplea el verbo en gerundio: Yéndose. A pesar de todo, ella está intranquila porque probablemente no vuelva a verlo más.
Yéndose a la guerra
Quien era mi paz.

Por todo ello, la dama llora y tal como nos explica en la siguiente estrofa es lo justo en estas ocasiones. Sus ojos y su mirar van a la guerra con su amante porque él es el único digno de la mirada de ella. La penúltima estrofa, también desgarradora, nos muestra una mujer absolutamente frágil que terminará por no entender el mundo y no querer estar en él. La reacción es, hasta cierto punto, un tanto pueril. Lo explica el hecho de que Góngora escribiera este poema a pronta edad y parece como si quisiera decir que la dama ha muerto con la marcha de su marido y que ya no tiene sentido velar su vuelta. Ahora sí, él ha muerto en batalla.
Váyanse las noches,
Pues ido se han 
Los ojos que hacían
Los míos velar;
Váyanse, y no vean
Tanta soledad,
Después que en mi lecho
Sobra la mitad.


 
 
 

CARREIRO, José. “La más bella niña, Góngora”. Portugal, Folha de Poesia, 08-05-2020. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/05/la-mas-bella-nina-gongora.html


 
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quinta-feira, 7 de maio de 2020

Variações sobre cantares de D. Dinis, por Jorge de Sena



VARIAÇÕES SOBRE CANTARES DE D. DINIS

Ramo verde florido,
florido de bela flor,
do meu amor tão querido,
onde está o meu amor?

Diz-me aonde ele está,
aonde está o meu amor,
p'ra que eu buscá-lo vá
florido de bela flor.

Ramo verde tão querido,
tão querido do meu amor,
de belas flores florido,
florido de bela flor...

...Diz-me aonde ele está,
florido de bela flor,
p'ra que eu buscá-lo vá
aonde ele está, o meu amor.

Ramo verde florido,
florido de bela flor,
do meu amor tão querido,
tão querido do meu amor.

17/5/1938

Jorge de Sena, 40 Anos de Servidão,
Lisboa: Moraes Editores, 1979;
2.ª edição, Lisboa: Edições 70, 1989, p. 21




Jorge de Sena — um Trovador da Modernidade
[…] um dos primeiros poemas de inspiração cancioneiril data de 1938, ou seja, antecede a estreia literária de Sena, ocorrida por altura dos seus 19 anos. É interessante salientar que este poema da juventude vai abrir uma obra póstuma, organizada por Mécia de Sena "como um raminho de flores de campo na porta duma casa senhorial, uma cantiga de amigo" (Picchio, 1984:226,227), inspirada nas do verde pinho" do rei trovador, intitulada "Variações sobre Cantares de D. Dinis".
Esta composição de estrutura paralelística recorre ao dobre e aos jogos quiasmáticos, à variação sinonímica, ao estrofismo popularizante da quadra aliada ao metro da redondilha maior. Além disso, a enunciação feminina, a voz da donzela que questiona o ancestral ramo verde florido/florido de bela de flor" pelo seu amor também aproxima o poema à cantiga de amigo dionisíaca. Porém, como vimos, Jorge de Sena não se limita a um decalque replicativo: inversamente, subverte o tom inocente da cantiga, numa exploração simbólica do erotismo e da virilidade, como salienta Luciana Stegnano Picchio: “que a Tradição popular em que ele saudosamente, ironicamente, se insertava, mais do que ao pino do amigo da tradição poética ilustre, com todas as suas implicações freudianamente eróticas, se cingiria ao correlato deste pinheiro longínquo, dentro da convenção do paralelismo galego-português: se cingiria ao ramo do amado. O pinheiro, solidariamente, orgulhosamente, olha para o céu com suas flores não desabrochadas." (Picchio, 1984: 230,231)


Un Chant Novel: A inspiração (neo)trovadoresca na poética de Jorge de Sena, Sílvia Marisa dos Santos Almeida CunhaUniversidade de Aveiro- Departamento de Línguas e Culturas, 2008.




Ligações externas com sugestões de leitura:


Cantigas medievais galego-portuguesas – projeto Litteraa presente base de dados disponibiliza, aos investigadores e ao público em geral, a totalidade das cantigas medievais presentes nos cancioneiros galego-portugueses, as respetivas imagens dos manuscritos e ainda a música (quer a medieval, quer as versões ou composições originais contemporâneas que tomam como ponto de partida os textos das cantigas medievais)






Un Chant Novel: A inspiração (neo)trovadoresca na poética de Jorge de Sena, Sílvia Marisa dos Santos Almeida CunhaUniversidade de Aveiro- Departamento de Línguas e Culturas, 2008.


Ler Jorge de Sena® 2010 Universidade Federal do Rio de Janeiro


O essencial sobre Jorge de Sena, Jorge Fazenda Lourenço. 2.ª edição revista e aumentada, INCM, 2019



LUSOFONIA Plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/



CARREIRO, José. “Variações sobre cantares de D. Dinis, por Jorge de Sena”. Portugal, Folha de Poesia, 07-05-2020. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/05/variacoes-sobre-cantares-de-d-dinis-por.html


terça-feira, 5 de maio de 2020

Às vezes era bom que tu viesses, elegia de Eugénio de Andrade




Elegia

Às vezes era bom que tu viesses.
Falavas de tudo com modos naturais:
em ti havia
a harmonia
dos frutos e dos animais.

Maio trouxe cravos como outrora,
cravos morenos, como tu dizias,
mas cada hora
passa e não se demora
na tristeza das nossas alegrias.

Ainda sabemos cantar,
só a nossa voz é que mudou:
somos agora mais lentos,
mais amargos,
um novo gesto é igual ao que passou.

Um verso já não é maravilha,
um corpo já não é a plenitude,
tu quebraste ritmo, o ardor,
ao partires um a um
os ramos todos da tua juventude.

Não estamos sós:
setembro traz ainda
um fruto em cada mão.
Mas os homens, as aves e os ventos
já não bebem em ti a direção.

Eugénio de Andrade, Amantes sem dinheiro, 1950

___________

1 Elegia: poema de assunto triste ou de lamentação.

 

Elabore um comentário do poema que integre o tratamento dos seguintes tópicos:

- importância das referências temporais;

- valor simbólico dos elementos da natureza;

- aspetos formais e recursos estilísticos relevantes;

- descrição do estado de espírito do «eu».

 

Observação: Relativamente ao terceiro tópico, são exigidos dois aspetos formais e dois recursos estilísticos.

 

Explicitação de cenários de resposta

Importância das referências temporais

A importância das marcas de tempo é visível no poema, na medida em que:

- o uso de formas verbais no pretérito imperfeito do indicativo («era», «Falavas», «havia», «dizias» - vv. 1, 2, 3 e 7), no pretérito perfeito do indicativo («trouxe», «mudou», «passou», «quebraste» - vv. 6, 12, 15 e 18) e, também, no presente do indicativo («passa», «não se demora», «sabemos», «somos», «é», «não é», «não é», «Não estamos», «traz», «não bebem»-w. 9, 11, 13, 15, 16, 17, 21, 22 e 25), marca a oposição passado/presente como um dos tópicos centrais do texto;

- as referências de tempo, ao longo do poema («Às vezes», «Maio [...] outrora»; «cada hora», «Ainda», «agora», «já não», «já não», «juventude», «setembro [...] ainda», «já não» - w. 1, 6, 8, 11, 13, 16, 17, 20, 22 e 25). sublinham, de modo sistemático, a consciência do sujeito de que a sua relação com o «tu» se encontra em progressiva degradação, evidente num «agora» marcado pelo envelhecimento, desprovida de encantamento e de fulgor. (De facto, a «harmonia» e a «plenitude» associadas ao tempo passado estão circunscritas, no presente, apenas aos sinais residuais dessa relação-vv.11-15 e w. 22-23);

- …

 

Valor simbólico dos elementos da natureza

No poema, a natureza é representada pelos seguintes elementos: «frutos», «animais», «cravos», «ramos», «fruto», «as aves e os ventos» (w. 5, 6, 20, 23 e 24). Assim se configura, simbolicamente, a presença de alguns dos elementos primordiais: Terra («frutos», «animais», «ramos», «fruto») e Ar («as aves e os ventos»); note-se que também o Fogo (sugerido por «cravos morenos» e «ardor» - w. 7 e 18) e a Água («bebem» -v. 25) convergem nesta figuração simbólica.

Por outro lado, os elementos da natureza estabelecem, ainda, uma oposição simbólica entre:

- a natureza que se renova («Maio trouxe cravos como outrora» -v. 6) e a plenitude da vida, que já não se recupera;

- a paixão inicial e plena (associada à «harmonia», à floração primaveril dos «cravos» e a «Maio») e a situação de perda atual (representada pelos «ramos partidos» e pelo «fruto» de «setembro», já outonal, indiciando o fim de um ciclo).

 

Aspetos formais e recursos estilísticos relevantes

De entre os recursos estilísticos presentes neste poema, salientam-se os seguintes:

- personificação do tempo («Maio trouxe», «cada hora / passa e não se demora», «setembro traz ainda / um fruto em cada mão» - vv. 6, 8-9, 22-23), associando o amor aos temas da mudança e do ritmo cíclico das estações;

- metáforas / imagens («cravos morenos», «ao partires um a um / os ramos todos da tua juventude», «os homens, as aves e os ventos / já não bebem em ti a direção» - vv. 7, 19-20, 24-25), contribuindo para a representação da perda;

- antítese («na tristeza das nossas alegrias» - v. 10) ou formulações antitéticas («um novo gesto é igual ao que passou» -v. 15), salientando o carácter paradoxal das emoções;

- estruturas paralelísticas, marcando ora uma ligação entre o tempo passado e o presente («Como outrora, / [...]como tu dizias»; «somos agora mais lentos,/ mais amargos» - vv. 6-7, 13-14), ora a associação entre poesia e erotismo («Um verso já não é a maravilha, I um corpo já não é a plenitude» - w. 16-17);

- adjetivação («modos naturais», «cravos morenos», «mais lentos,/ mais amargos,/ um novo gesto é igual» - vv. 2, 7, 13-15), descrevendo a perceção disfórica da mudança;

- uso reiterado do advérbio de negação («não» - com cinco ocorrências), o qual, conjugado com outras expressões adverbiais e conjuncionais de valor contrastivo ou restritivo («Só», «já», «Mas»), acentua a tendência disfórica geral;

- recurso aos dois pontos (w. 2, 12 e 21), reforçando a intenção explicativa do discurso (de tom evocativo e intimista);

- …

 

Relativamente a aspetos formais, temos, por exemplo:

- composição constituída por cinco quintilhas;

- esquema rimático variado, com presença de rima Interpolada, emparelhada e cruzada, e ainda de versos brancos;

- grande diversidade métrica, com versos que variam entre três e doze silabas;

- …

Nota - Para a atribuição da cotação referente ao conteúdo deste tópico, é considerada suficiente a apresentação de quatro elementos, sendo obrigatoriamente indicados dois recursos estilísticos e dois aspetos formais.

 

Descrição do estado de espírito do «eu»

O sujeito poético mostra-se:

- nostálgico, ao evocar um tempo de harmonia plena, associado ao «tu» e aos seus «modos», similares aos da natureza;

- amargamente consciente da perda do tempo edénico da relação, substituído por um tempo presente disfórico, ao inventariar os fatores que eliminaram a plenitude: a «tristeza» das próprias «alegrias», o passar inelutável de «cada hora», a adulteração das vozes e dos gestos, a rotina que toma «um novo gesto [...] igual ao que passou», a incapacidade de sentir a «maravilha» da poesia e a «plenitude» erótica, a perda da «juventude»;

- infeliz, ao realçar a sensação pessoal de perda, embora reconheça ainda os vestígios de uma relação que persiste (cf. 3.ª estrofe e vv. 21-23);

- lúcido, ao reconhecer a precariedade, a fragilidade do relacionamento, não se mostrando esperançoso, antes sugerindo que antevê a aproximação inevitável do fim (pois o «tu» deixou de ser o polo que irradia o fulgor necessário ao «eu»);

- …

(Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário. 12.º Ano de Escolaridade (Dec.-Lei nº 286/89, de 29 de agosto). Curso Geral – Agrupamento 4. Prova Escrita de Português A nº 138 e respetivos critérios de classificação. Portugal, GAVE [IAVE], 2003, 2.ª fase)

 

Eugénio de Andrade por Carlos Carneiro (1953)


Texto de apoio

Da obra Amantes sem dinheiro (1950), o poema “Elegia” é composto por cinco quintetos, de versos heterométricos, entre quatro e doze sílabas poéticas, sendo a maioria constituída por versos mais longos. Há algumas rimas emparelhadas, interpoladas (ABCCB/DEFFE), toantes e consoantes (havia/harmonia, plenitude/juventude).
Elegia é uma composição lírica por meio da qual se lamenta com profunda tristeza acontecimentos dolorosos; referindo-se sempre à temática melancólica. No texto em questão, o eu-lírico, num tom melancólico, recorda um tempo passado. A partir da segunda estrofe, a ideia de tristeza, gradativamente, ganha força. Esse sentimento articula-se à ideia de tempo que passa, reiterado pelos verbos, na sua maioria, no pretérito imperfeito e, no presente. Os substantivos que marcam as estações do ano “maio” e “setembro” e outros: hora, demora, agora, outrora também reforçam essa ideia da passagem temporal. Sob essa perspetiva, o poema se estrutura, retoricamente, em dois momentos distintos. Os sete primeiros versos remetem às lembranças passadas e significativas que relembram momentos de plenitude da vida: “Às vezes era bom que tu viesses/ Falavas de tudo com modos naturais: em ti havia/ a harmonia/ dos frutos e dos animais”. A ideia é reforçada pelos advérbios “às vezes” e “bom” e, reiterada pelos substantivos “harmonia” e “maio”, que por sua vez, remete à alegria, juventude da vida, à primavera que renova a natureza “cravos morenos”.
No entanto, a conjunção “mas” rompe com o passado harmônico. Do verso oitavo até o final do poema, o eu-lírico revela sua melancolia diante do tempo que passa. A rutura temática é reiterada pela introdução da adversativa (mas), e a mudança do tempo verbal. Assim, no segundo momento do texto, vislumbra-se um paradoxo que indica o conflito alegria/tristeza: “na tristeza das nossas alegrias”, mas o sentimento que se instala é a tristeza/melancolia, reforçada por adjetivos negativos intensificados por advérbios “mais lentos”, “mais amargos”, por paralelismos negativos “Um verso já não é a maravilha/ um corpo já não é a plenitude”.
A ideia de melancolia cresce, gradativamente, perante a construção linguística, que mostra mais um rompimento na sintaxe, na semântica e sonoridade do poema, com o verso “tu quebraste o ritmo, o ardor”. O tempo que passa é o responsável pela melancolia, uma vez que faz perder o “ardor”, os “ramos da juventude”, com a chegada da velhice, também anunciada pelo outono que chega (o mês de setembro). Nos versos finais, há uma oscilação entre a esperança e a melancolia: o outono ainda traz a vida simbolizada “um fruto em cada mão”. Porém, nos dois últimos versos, a adversativa “mas” em consonância à negativa “não” volta a reforçar a angústia do eu-lírico (metáfora de sua obra) diante da nova realidade da vida: “Mas os homens, as aves, e os ventos /já não bebem em ti a direção”.
A esperança que passa à melancolia e à angústia pode ser reiterada, no plano sonoro, pela aliteração das sibilantes e assonância das vogais “o” e “i”, lembrando um sussurro de lamento. Assim, a musicalidade se configura, nesse poema, a partir do plano fono-semântico, uma vez que a ideia de música inicia-se já com o título “Elegia”, ressaltada por outros vocábulos: cantar, voz e ritmo, e reverberada pelas repetições sonoras: rimas, aliterações, períodos longos que evidenciam um ritmo monótono e contínuo, como a própria elegia lembra num tom de desabafo.
Nota-se que o uso do pronome “tu” é, na verdade, um recurso estilístico usado pelo poeta (como fizera em outros poemas), que revela a proposta de um “voltar-se para si”, numa atitude reflexiva.
Os quatro elementos da natureza são constantes na poesia de Eugênio de Andrade, no “retrato” que faz do homem e da vida. É nesse sentido que em “Elegia” presentificam-se os elementos: a terra, simbolizada pelos vocábulos frutos, animais, cravos, ramos e mão; o ar, nas metáforas “aves” e “ventos”; o fogo, revelado pelo substantivo “ardor” e a água, subentendida pelo verbo “bebem”. A presença dos elementos na poesia reforça a ideia da busca da comunhão do homem com a natureza e seu ciclo (o tempo passa). A vida é revelada pelo poder da palavra poética eugeniana.
Observa-se que toda a construção poemática revela a melancolia do eu-lírico, mas em relação a quê? A resposta pauta-se em algumas leituras possíveis: a melancolia cantada pode ser em relação à consciência do tempo que passa e com ele, o homem envelhece, restando apenas os momentos lembrados. Ou, num plano mais metafórico, pode-se entender que a angústia do eu lírico advém da consciência de que como a vida e o homem, a palavra também passa; “Um verso já não é a maravilha/ Mas os homens, as aves e os vento/ já não bebem em ti a direção”.
No que diz respeito ao efeito de sentido causado pela leitura e pelas estruturas textuais, a sensação de desalento vislumbrada pelo leitor na escrita configura-se desde o título, confirmando-se na adjetivação expressiva, na sonoridade das vogais fechadas e no poder verbovisual das palavras.

Amanda Mantovani, A palavra-imagem em poemas de Eugênio de andrade: Uma leitura dos elementos míticos: o fogo, a água, o Ar e a terra como produção de sentido. Paraná, Universidade Estadual de Maringá - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, 2006

 

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CARREIRO, José. “Às vezes era bom que tu viesses, elegia de Eugénio de Andrade”. Portugal, Folha de Poesia, 05-05-2020. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/05/ainda-sabemos-cantar.html


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