segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Lamento (Pátria sem rumo), Miguel Torga

“Há uma coisa que nunca poderei perdoar aos políticos: é deixarem sistematicamente sem argumentos a minha esperança”.

Miguel Torga, Diário IV, 1985



Poema de Miguel Torga declamado pelo autor.
80 Poemas por Miguel Torga, Antena 1, 1987-12-04
Lisboa e São Martinho da Anta


Chaves, 11 de setembro de 1975

 

LAMENTO

 

Pátria sem rumo, minha voz parada

Diante do futuro!

Em que rosa-dos-ventos há um caminho

Português?

Um brumoso caminho

De inédita aventura,

Que o poeta, adivinho,

Veja com nitidez

Da gávea da loucura?

 

Ah, Camões, que não sou, afortunado!

Também desiludido

Mas ainda lembrado da epopeia!

Ah, meu povo traído,

Mansa colmeia

A que ninguém colhe o mel!...

Ah, meu pobre corcel

Impaciente,

Alado

E condenado

A choutar nesta praia do Ocidente...

 

Miguel Torga, Antologia Poética, Diário XII, 1977, Coimbra, pp. 447-448

 

 

Questionário sobre o poema "Lamento", de Miguel Torga.

1. Faça o levantamento dos vocábulos ligados à navegação marítima e justifique por que se lhe faz referência.

2. Justifique o título.

3. Tendo em atenção a data de produção do poema, explicite a razão para a ocorrência das frases exclamativa e interrogativas na primeira estrofe.

4. Explicite que conceito de poeta está expresso na primeira estrofe.

5. Refira o que se pretende significar com os símbolos “colmeia” e “corcel”.

6. De que precisa a Pátria?

 

 

Cenários de resposta:

1. Os vocábulos ligados à navegação marítima - rumorosa-dos-ventos, brumoso, nitidez, gávea, Camões, epopeia, praia do Ocidente – dão conta do estado anti-heroico e sem rumo que se vivia em Portugal, no pós-25 de abril de 1974.

 

2. O poeta explicita tristemente a dor, a amargura e desalento de o país não estar bem.

 

3. A exclamação inicial dá conta da sua perplexidade perante o estado de crise, decadência e indefinição do país, no pós-25 de abril. Por esta razão, o sujeito poético interroga-se sobre o rumo que Portugal deverá seguir.

 

4. A tónica de desalento faz com que Torga acredite mais na Literatura do que na sua literatura (“minha voz parada”). No texto, o sujeito poético menciona o poeta-adivinho, aquele que é clarividente (que “veja com nitidez”) num país decadente, em estado de insanidade (“loucura”). Portanto, temos um poeta empenhado civicamente, que tem uma missão a cumprir na inversão da situação que o preocupa.

 

5. Colmeia pode ser entendida como referência ao povo trabalhador; corcel, por sua vez, será o povo lutador.

 

6. Segundo a leitura do poema, a Pátria precisaria, por exemplo, de ser revitalizada através dos valores de trabalho e de luta associados ao povo. 

Nota: sabemos que em 1974, no primeiro congresso, Miguel Torga enviou uma mensagem ao PS: “Votos de que o povo português possa encontrar na realidade de um socialismo de feição própria a sua plenitude humana e a sua dignidade cívica não projetadas numa lonjura messiânica, mas inseridas num concreto futuro próximo”. Falou algumas vezes em ações políticas de esclarecimento e defendia umSocialismo comunitário de base anarquista”. (http://denunciacoimbra2.wordpress.com/2007/08/13/a-miguel-torga/).

 

 

Miguel torga - 80 Poemas. Portugal, EMI, 1987


    Texto de apoio

  

As malhas identitárias tecidas pela História

 

A revolução de Abril semeou inicialmente algumas breves ilusões em Torga (1999: 1297) mas depois diversos aspetos desencadearam a desilusão, a sensação de que os ideias de liberdade e igualdade pelos quais lutou foram traídos, através do seu pungente “lamento”: ”Pátria sem rumo, minha voz parada / Diante do futuro! / Em que rosa-dos-ventos há um caminho / Português?// […] Ah, meu povo traído, / Mansa colmeia / A que ninguém colhe o mel!.../ Ah, meu pobre corcel/ […] A choutar nesta praia do Ocidente” (1999:1311).

Neste caso, é com a voz da pátria que ninguém ouve que o poeta se identifica, perante a perspetiva de um futuro incerto e nebuloso face à inércia de um povo, incapaz de encontrar o caminho certo para desenvolver o país, como foi feito pelos antepassados. Por conseguinte, os portugueses, essa “mansa colmeia”, parecem condenados à mediocridade e ao abandono na cauda da Europa.

O diarista revela-nos a sua preocupação com a instabilidade do país, com a pobreza cultural, agravada pelo longo período ditatorial e pela inércia dos governantes que, de modo demagógico, prometem melhorar a situação, sem que tal suceda.

A mesma nostalgia e preocupação habitam o poema “Pátria”, escrito a 28/4/1977, que esboça o retrato do país, ao longo de oito séculos de existência, exaltando-lhe os êxitos e constatando o desmoronar do império:

 

Foste um mundo no mundo, / E és agora / O resto que de ti / Já não posso perder: / A terra, o mar e o céu / Que todo eu / Sei conhecer. // Foste um sonho redondo, / E és agora / Um palmo de amargura / Retornada. / Amargura que em mim / Também nunca tem fim, / Por ter sido comigo baptizada. // Foste um destino aberto, / E és agora / Um destino fechado. / Destino igual ao meu, amortalhado / Nesta luz de incerteza / E de certeza / Que vem do sol presente e do passado. (1999:1335).

 

Neste caso, a aliança entre a pátria e o poeta é de novo evidente, já que em ambos habita a amargura, uma espécie de antinomia entre um passado glorioso e um presente decadente e, além do mais, partilham o mesmo “destino amortalhado”. A mesma ideia de uma condenação eminente espelha-se, um mês depois, ao desabafar: “Á medida que o tempo passa mais agónicas são as horas. A saúde piora, a pátria desintegra-se, a solidão aumenta” (1999:1336).

Do ponto de vista cultural, constata-se a crítica à perda da autenticidade, à imitação do estrangeiro, sendo condenado na literatura o francesismo e a imitação de outros modelos estrangeiros. Além disso, essa tendência, paralela à mediocridade reflete-se também na arquitetura e em todas as artes em geral.

Por isso, inquieta-o a perda de genuinidade e a descaracterização que afetam algumas paisagens que a importação de modas estrangeiras adultera, substituindo a arquitetura rural tradicional. Tal facto é visível numa anotação datada de 22/12/1975, onde afirma que não resistimos à avalanche emigratória devido à falta de casticismo, segurança anímica e “imunidade cultural”, por isso “degradados na própria inocência, somos hoje um mostruário de tintas e a vergonha dos olhos” (1999:1314).

Por outro lado, num registo datado de 30/5/1982, Torga refere a proliferação de grupos culturais pelo país, que parecem norteados por uma certa ânsia de procurar as raízes. Todavia, este interesse, segundo o autor, reduz-se a um ilusório renascimento, visto que: “Perdido o sentido da História, toda a reidentificação coletiva não passa de um tropismo obstinado da memória” (1999:1461).

Por seu turno, o diarista revela alguma preocupação e desconfiança devido à entrada de Portugal para a Comunidade Económica Europeia, receando que o nosso país, como refere em 1991: “receba diariamente ordens alheias de cultura e cultivo, e seja obrigatoriamente transformado num eucaliptal” (1999:1718). É, então, ainda na sequência desta preocupação que o autor se opõe à regionalização que, segundo ele, provocaria uma desintegração da identidade nacional, mutilando-a. (1999:1722-1731).

É novamente o receio da perda da identidade, da liberdade, da individualidade histórica e cultural que emerge, quando o autor ergue a sua voz contra o tratado de Maastricht, afirmando:

 

Tenho por certo que Maastricht há-se ser uma nódoa indelével na memória da Europa, envergonhada de, no curso da sua gloriosa história, ter trocado neste triste momento o calor do seu génio criador pela febre usurária e, nas próprias assembleias onde prega a boa-nova das regras comunitárias, fintar de mil maneiras os parceiros. (1999:1740)

 

Esta posição é ainda reiterada no discurso de agradecimento do prémio “Figura do Ano” (8/7/92), onde considera Maastricht como uma irresponsabilidade da Europa e uma traição à nossa identidade (1999:1745); no discurso de agradecimento do Prémio Montaigne (1999:1752) e também quando o Tratado entra em vigor (1999:1778). A Europa é representada como um elemento cilindrador da nossa cultura e identidade, transparecendo o receio da alienação económica e cultural, movida pelos interesses económicos niveladores. Emerge a oposição entre um Portugal vulnerável, subserviente, e a Europa poderosa e dominadora.

Neste último volume (o XVI), constatamos que as notas motivadas pelas digressões ao ar livre, a desvendar novos horizontes, pelas estradas de Portugal e do mundo, são radicalmente substituídas pelo cenário do seu escritório. Condenado à imobilidade, Torga refugia-se numa mais profunda interioridade e reflexividade, perspetivando o mundo em constante mudança, entre quatro paredes. Porém, o seu interesse pelo exterior não diminui. Aliás, como já havia escrito: “O meu espaço de liberdade é o mapa de Portugal subentendido na folha de papel onde escrevo” (1999:1280). E, nesta esteira, surge-nos um outro conceito de “pátria” ainda não referido, e que ultrapassa a territorial. À semelhança do que já preconizara Fernando Pessoa, também Torga considera como sua pátria a Língua Portuguesa, como explicita numa passagem datada de 14/11/1966:

 

Pessoa sabia: a língua é uma pátria. A pátria dum escritor, pelo menos. Pátria que não herda passivamente de qualquer providencial Afonso Henriques, mas activa e penosamente constrói dia a dia, unindo no tempo o seu corpo disperso. [….]

Sim, a língua é uma pátria, e como consola lembrá-lo em certas horas! Enche o coração de paz a certeza de que nenhuma marginalidade margina os cultores da palavra, centros geográficos da nação, queiram ou não os imperadores do silêncio. (1999:1094-1095)

 

Deste modo, o amor à terra portuguesa expande-se à língua, materializando-se neste Diário através da escrita autêntica, mas depurada e, muito particularmente, da poesia. Será pois esta a última “pátria” onde a identidade se projeta.

Nesta esteira, no Diário, a análise do “eu” não se sobrepõe à análise da realidade circundante, ambas se fundem e se interpenetram. Isto porque a escrita de Torga, como acto primordial, ontológico que é, germina nas fragas profundas do seu ser, autêntica e única (pois quanto mais autêntica, mais universal). O seu vasto conhecimento da terra, da cultura da História, da literatura nacional e mundial é apenas um “meio” e nunca um fim.

 

Gago, Dora Nunes. “Avivo no teu rosto, o rosto que me deste”: espelhos da identidade nacional no Diário de Miguel Torga. Moderna Sprak, Upsala, Sweden 106(1).2012. pp. 65-84.

 

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  • A poética torguiana”, Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da poesia de Miguel Torga, por José Carreiro. In Folha de Poesia, 09-08-2013

 

 

 


CARREIRO, José. “Lamento (Pátria sem rumo), Miguel Torga”. Portugal, Folha de Poesia, 26-09-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/09/lamento-patria-sem-rumo-miguel-torga.html



domingo, 25 de setembro de 2022

Mar! Miguel Torga


 

MAR

 

Mar!

Tinhas um nome que ninguém temia:

Era um campo macio de lavrar

Ou qualquer sugestão que apetecia...

 

Mar!

Tinhas um choro de quem sofre tanto

Que não pode calar-se, nem gritar,

Nem aumentar nem sufocar o pranto...

 

Mar!

Fomos então a ti cheios de amor!

E o fingido lameiro1, a soluçar,

Afogava o arado2 e o lavrador!

 

Mar!

Enganosa sereia rouca e triste!

Foste tu quem nos veio namorar,

E foste tu depois que nos traíste!

 

Mar!

E quando terá fim o sofrimento!

E quando deixará de nos tentar

O teu encantamento!

 

Miguel Torga, Antologia Poética, 5.a ed., Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1999

_________

Vocabulário

1 lameiro – terreno húmido ou temporariamente alagado.

2 arado – instrumento agrícola utilizado para lavrar a terra.

 

 

Este poema mostra bem o desejo de regressar à terra, ao interior abandonado em busca de fama. Ê necessário e urgente regressar à nossa terra para descobrir as causas dos seus padecimentos: "esta toma de consciência sobre la amarga realidad de un país enfermo les lleva a procurar conocimiento profundo de las tierras y los hombres.", afirma Abellan em relação à Geração de 98 espanhola na sua "Antologia dei 98". Tudo é possível ainda se se aproveitarem as energias internas do país. Para transformar-se na essência da sua verdadeira dimensão ontológica o homem ibérico terá de assimilar a energia da Terra e deixar-se de "miragens" tentadoras e perigosas, sair daquele estado de "Espana que pasó y no ha sido".

(Paulo Carvalho, Miguel Torga & Espanha (Poemas Ibéricos). Faculdade de Letras da Universidade do Porto, dezembro 1997)

 

***

 

Responde, de forma completa e bem estruturada, aos itens que se seguem.

1. Identifica duas palavras diferentes, uma na primeira estrofe e a outra na última estrofe, que evidenciem a presença de um «tu» no poema.

2. Explicita dois motivos que podem ter contribuído para a decisão expressa em «Fomos então a ti cheios de amor!» (verso 10), considerando a primeira e a segunda estrofes.

3. Explica o sentido dos versos 11 e 12, referindo o que podem representar «o fingido lameiro», «o arado» e «o lavrador», no contexto em que ocorrem.

4. Indica a razão pela qual a expressão «Enganosa sereia» (verso 14) pode ser considerada metáfora de «Mar».

5. Lê os últimos versos do poema «Mar Português», de Fernando Pessoa, apresentados abaixo, e o comentário que se lhes segue.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa, Mensagem, edição de Fernando Cabral Martins, Lisboa, Assírio & Alvim, 1997

Tanto nestes versos de «Mar Português» como no poema de Miguel Torga, é possível identificar-se um contraste no modo como o mar é apresentado.

Defende este comentário, explicitando o contraste referido. Fundamenta a tua resposta com elementos textuais que evidenciem esse contraste.

 

Cenários de resposta

1. Identifica, por exemplo, «Tinhas» (verso 2) e «teu» (verso 20).

 

2. Explicita, por exemplo, que a sedução exercida pelo mar e a sua capacidade para comover podem ter contribuído para a decisão.

 

3. Explica o sentido dos versos, referindo que «o fingido lameiro» é o mar traiçoeiro, que faz naufragar a embarcação e o marinheiro, representados como «o arado» e «o lavrador», respetivamente.

 

4. Indica que a expressão «Enganosa sereia» pode ser considerada metáfora de «Mar», porque, tal como a sereia é perigosa, por seduzir e depois enganar, também o mar representa perigo, por atrair e depois atraiçoar.

 

5. Defende o comentário, explicitando que, no poema «Mar» e nos versos citados, o mar é apresentado, por um lado, como um elemento negativo e, por outro, como um elemento positivo e fundamenta, referindo, por exemplo, que, nos versos de «Mar Português», o mar representa «o abismo», mas, ao mesmo tempo, reflete «o céu» e que, no poema de Miguel Torga, o mar é associado, simultaneamente, a «sofrimento» (verso 18) e a «encantamento» (verso 20).

 

Fonte: Prova Final do 3.º Ciclo do Ensino Básico n.º 91| Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho | Prova Final de Português e critérios de classificação. Portugal, GAVE, 2013, 1.ª Chamada

 

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  • A poética torguiana”, Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da poesia de Miguel Torga, por José Carreiro. In Folha de Poesia, 09-08-2013

 




CARREIRO, José. “Mar!, Miguel Torga”. Portugal, Folha de Poesia, 25-09-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/09/mar-miguel-torga.html


 

sábado, 24 de setembro de 2022

Claro-escuro, Miguel Torga

Exemplo de efeito claro-escuro. David e Golias, Caravaggio.



CLARO-ESCURO

 

Dia da vida

Noite da morte ...

O verso

E o reverso

Da medalha.

E não há desespero que nos valha,

Nem crença,

Nem descrença,

Nem filosofia.

Esta brutalidade, e nada mais:

Sol e sombra - o binómio dos mortais.

 

Só que o sol vem primeiro

E a sombra depois...

E à luz do sol é tudo o que sabemos:

Juventude,

Beleza,

Poesia,

E amor

- Amargo fruto que na sepultura,

Em vez de apodrecer, ganha doçura.

 

Miguel Torga, Orfeu Rebelde, 1958

 

MIGUEL TORGA

     Pseudónimo literário do médico Adolfo Correia da Rocha, nascido em S. Martinho de Anta. Na sua poesia pode ler-se o Homem e as suas universais certezas e angústias: "Encosto o ouvido à concha do silêncio./ Oiço um rumor de angústia na lembrança./ É o mar humano do desassossego/ A ressoar... ". Os seus poemas abrem sempre clarividentes espaços de reflexão e questionamento. Certezas? A devolução do humilde corpo mortal ao espaço telúrico que tanto amou. A libertação do espírito pela órfica busca da poesia.

 

LER POR DENTRO

1. O poema constrói-se em torno da dicotomia Vida/Morte.

1.1. Releve outras dicotomias que metaforicamente se lhe refiram.

1.2. Explique, então, a escolha do título «Claro-escuro».

2. Mostre que o poema representa uma profunda reflexão sobre a condição humana, tendo em conta:

2.1. a enunciação da morte como uma certeza.

2.2. a enumeração das atitudes do homem perante essa certeza.

2.3. a reflexão sobre o tempo e a simbologia de "luz do sol".

2.4. o jogo antitético presente nos dois últimos versos.

3. Que efeito expressivo se tira, na primeira estrofe, da inexistência de adjetivos?

4. As palavras "juventude", "beleza", "poesia" e "amor" aparecem destacadas.

4.1. Qual a estratégia usada para lhes dar maior visibilidade no poema?

4.2. Construa uma frase em que utilize essas quatro palavras.

4.3. Com algumas dessas palavras crie uma metáfora.

 

VERÍSSIMO, Artur (coord.) (2004). Ser em Português 10 – Língua Portuguesa 10.º ano. Porto: Areal Editores. Disponível em: https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/6369/4/LIVRO.PDF

 

PROVA ESCRITA DE PORTUGUÊS

1. Explique a escolha do título "Claro-escuro".

2. No poema faz-se uma profunda reflexão sobre a condição humana. Explicite o pensamento do poeta sobre a enunciação da morte como uma certeza.

3. Que efeito expressivo se tira, na primeira estrofe, da inexistência de adjetivos.

4. Clarifique o jogo antitético presente nos dois últimos versos.

 

(Fonte: Exame de Português - Acesso ao Ensino Superior para os Maiores de 23 Anos, Faculdade De Direito Da Universidade De Coimbra, 2012-2013)

 

APONTAMENTO SOBRE O CONCEITO DE CLARO-ESCURO

O conceito de claro-escuro é usado no campo da pintura para nomear o contraste que ocorre entre sombras e luz em uma obra. É uma técnica que recorre a esses contrastes para destacar certos elementos do quadro e desenvolver efeitos visuais de modelagem e relevo.

O claro-escuro surgiu no século XVI, no contexto do período artístico conhecido como Cinquecento. Pintores italianos e flamengos começaram a ensaiar essa técnica que teve seu auge durante o barroco.

 

 

Caravaggio (1571-1610) foi um dos grandes artistas que usou o claro-escuro. “A Flagelação de Cristo” e “Morte da Virgem” estão entre suas obras que demonstram o uso dessa técnica. Rembrandt (1606-1669) também brilhou ao lidar com luz e sombra em pinturas como “O jovem Rembrandt”, “O filósofo em meditação” e outros.

A radicalização do claro-escuro foi denominada de tenebrismo. Nesse estilo, impulsionado por artistas como José de Ribera, El Greco e Caravaggio, o contraste entre luz e sombra é muito acentuado.

Além da pintura, o claro-escuro também chegou à xilografia. O seu desenvolvimento exigiu o uso de várias placas para colorir as imagens. Note-se que, com o passar dos anos, o claro-escuro invadiu o cinema.

https://conceito.de/claro-escuro, 2019-10-24

 

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  • A poética torguiana”, Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da poesia de Miguel Torga, por José Carreiro. In Folha de Poesia, 09-08-2013

 




CARREIRO, José. “Claro-escuro, Miguel Torga”. Portugal, Folha de Poesia, 24-09-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/09/claro-escuro-miguel-torga.html



sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Viagem: Aparelhei o barco da ilusão, Miguel Torga


 

VIAGEM

 

Aparelhei o barco da ilusão

E reforcei a fé de marinheiro,

Era longe o meu sonho, e traiçoeiro

O mar...

(Só nos é concedida

Esta vida

Que temos;

E é nela que é preciso

Procurar

O velho paraíso

Que perdemos.)

 

Prestes1, larguei a vela

E disse adeus ao cais, à paz tolhida,

Desmedida,

A revolta imensidão

Transforma dia a dia a embarcação

Numa errante2 e alada3 sepultura...

Mas corto as ondas sem desanimar.

Em qualquer aventura,

O que importa é partir, não é chegar.

 

Miguel Torga, Antologia Poética, 5.ª ed., Lisboa, Dom Quixote, 1999

 

__________

[1] Prestes: (adj.) pronto; preparado; (adv.) depressa.

[2] errante: que muda continuamente de lugar.

[3] alada: com asas.

 

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas ao questionário.

1. A «Viagem» representada no poema tem um carácter metafórico.

1.1. Identifique os diferentes momentos dessa «Viagem».

1.2. Interprete o valor simbólico que os elementos «barco» e «marinheiro» adquirem no texto.

2. Indique os traços caracterizadores do sujeito poético.

3. Analise os efeitos de sentido resultantes da utilização de parêntesis na primeira estrofe.

4. Comente a importância dos dois últimos versos na construção do sentido do poema.

 

 

Explicitação de cenários de resposta

1.1. A «Viagem» representa metaforicamente a vida do homem e constitui-se nos seguintes momentos:

- preparativos de embarque, com lançamento da «vela» e partida apressada do «cais» (cf. vv. 1-2 e 12-13), ou seja, tomada de decisão por parte do «eu» de enfrentar a «aventura» da vida;

- navegação em pleno mar (cf. vv. 14-18), enfrentando o sujeito as «ondas», ou seja, lutando com determinação pela concretização do seu percurso pessoal.

 

1.2. Os elementos «barco» e «marinheiro» representam simbolicamente o sujeito e metaforizam o seu pensamento sonhador («barco da ilusão»), a crença em si mesmo («fé de marinheiro») e a vontade de enfrentar a vida («Viagem», «mar», «aventura»), comandando o seu destino pessoal, isto é, traçando-lhe um rumo, tal como o «marinheiro» no comando do seu «barco».

    Este par simbólico representa, assim, a luta incessante do homem pela conquista da felicidade, única forma de enfrentar e ultrapassar a angústia existencial provocada pela certeza da morte (cf. vv. 14-17).

 

2. O sujeito poético caracteriza-se por ser:

- sonhador, acreditando no «sonho» de uma vida marcada pela busca da felicidade plena, na procura do «velho paraíso» perdido (cf. vv. 1-3 e 5-11);

- insatisfeito, rejeitando um modelo de vida limitado (cf. v. 13);

- determinado, persistindo na concretização do seu objetivo, apesar das adversidades a enfrentar (cf. v. 3 e vv. 15-18);

- lúcido, consciente de que nem mesmo a «ilusão» pode alterar a precariedade da existência humana (cf. vv. 14-17);

- aventureiro, enfrentando a incerteza e o risco próprios da «aventura» (cf. vv. 19-20).

Nota - A apresentação de quatro traços caracterizadores é considerada suficiente para a atribuição da totalidade da cotação referente aos aspetos de conteúdo.

 

3. A utilização de parêntesis introduz uma pausa discursiva que suspende o relato da «Viagem» e instaura um momento de reflexão em que o sujeito explicita (em cumplicidade com o leitor) os fundamentos da sua atitude, apresentando-os como uma regra de vida que propõe a toda a humanidade: o homem, no curto espaço da sua existência terrena a única que «nos» é «concedida» -, deve ter como ideal a busca e a (re)conquista da felicidade edénica. Os parêntesis evidenciam a importância desta tese no poema, isolando-a e conferindo-lhe unidade e autonomia.

 

4. Colocados no final do poema e apresentados sob a forma de uma máxima, estes versos ganham particular importância, pois neles se põe em evidência uma espécie de chave interpretativa. Na verdade, ao salientar a noção de que o princípio motor de «qualquer aventura» é a própria busca, e não o objetivo a alcançar, o sujeito clarifica o modo como encara a vida.

    Assim se justifica que o «eu», embora certo de que a morte é o destino inevitável do homem (cf. vv. 15-17), não abdique da sua capacidade de busca e persista na concretização do «sonho» que conferirá sentido à existência humana - o da procura da felicidade na única «vida» («Esta», a terrena) que aos homens «é concedida».

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário. 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de agosto). Cursos Gerais - Agrupamentos 1, 2 e 3 e Cursos Tecnológicos. Prova Escrita de Português B n.º 139. Portugal, GAVE, 2000, 1.ª fase, 1.ª chamada

 

 

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  • A poética torguiana”, Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da poesia de Miguel Torga, por José Carreiro. In Folha de Poesia, 09-08-2013

 

 



CARREIRO, José. “Viagem: Aparelhei o barco da ilusão, Miguel Torga”. Portugal, Folha de Poesia, 23-09-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/09/viagem-aparelhei-o-barco-da-ilusao.html


quinta-feira, 22 de setembro de 2022

A um Negrilho, Miguel Torga

Foto: in Árvores Monumentais de Portugal, Ernesto Goes(1984)

 

A UM NEGRILHO1

 

Na terra onde nasci há um só poeta.

Os meus versos são folhas dos seus ramos.

Quando chego de longe e conversamos,

É ele que me revela o mundo visitado.

Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,

E a luz do sol aceso ou apagado

É nos seus olhos que se vê pousada.

 

Esse poeta és tu, mestre da inquietação

Serena!

Tu, imortal avena2

Que harmonizas o vento e adormeces o imenso

Redil3 de estrelas ao luar maninho4.

Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso

Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!

 

Miguel Torga, Antologia Poética, 5.ª ed. Lisboa, Dom Quixote, 1999. Poema publicado inicialmente em Diário, VII, 1957

 

________

1 Negrilho: árvore de grande porte que dá madeira escura, também designada por olmo ou ulmeiro.

2 Avena: flauta pastoril; símbolo do estilo simples, próprio dos versos pastoris.

3 Redil: local cercado onde se recolhe o gado, especialmente cabras e ovelhas.

4 Maninho: que não é fecundo; estéril.



 

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas ao questionário.

1. Indique as características do «Negrilho» referidas no poema.

2. Explicite o efeito de sentido produzido pela mudança de pessoa verbal – «ele»/«tu» – da primeira para a segunda estrofe.

3. Refira as atitudes assumidas pelo «eu» no seu relacionamento com o «Negrilho».

4. Interprete o significado da metáfora «imenso/ Redil de estrelas» (vv. 11-12).

5. Caracterize o conceito de poesia simbolizado pelo «Negrilho».

 

Explicitação de cenários de resposta

1. De acordo com o poema, o «Negrilho» é:

- uma árvore («folhas dos seus ramos») imponente («gigante»), antiga (nela o «tempo» faz «ninho»), de copa abundante («bosque suspenso») e em cuja ramagem se refletem a «luz do sol» e a luminosidade noturna (cf. vv. 6-7);

- um espaço protetor, a que se acolhem o «eu», «os pássaros e o tempo»;

- um ser com estatuto humano, dotado quer de atributos físicos - a voz («conversamos») e os «olhos» -, quer de traços psicológicos, pois é definido como sábio («revela o mundo visitado») e sonhador;

- o único poeta da terra natal do «eu», e «mestre da inquietação/ Serena».

 

2. A alteração de pessoa verbal - de «ele» para «tu» - entre as duas estrofes faz ressaltar a proximidade entre o «eu» e o «Negrilho». Na primeira estrofe, o sujeito poético enfatiza o carácter excecional daquela árvore e da sua relação com ela, mas mantém. através do discurso de terceira pessoa, um tom contido de aparente distanciamento. Ao dirigir-se ao «Negrilho», na segunda estrofe, tratando-o por «tu», dá expressão dramática à sua relação com a árvore, revelando, em toda a sua intensidade, o envolvimento afetivo que a caracteriza.

 

3. No seu relacionamento com o «Negrilho», o sujeito poético assume atitudes de:

- identificação e respeito, tomando o «Negrilho» como origem dos seus próprios versos (cf. v. 2) e como «mestre» (cf. v. 8);

- aprendizagem («conversamos», «revela»), pois é o «Negrilho» quem decifra o «mundo», permitindo ao «eu» aceder ao sentido das coisas vistas;

- admiração, devido à capacidade suprema que o «Negrilho» tem de simbolizar a harmonia da natureza (cf. vv. 8-9 e 11-12).

 

4. Ao recorrer à metáfora «imenso/ Redil de estrelas», o sujeito poético estabelece uma analogia entre o gado miúdo e as «estrelas»: os minúsculos pontos luminosos distribuídos na imensidão do céu sugerem a imagem do gado que está reunido, para passar a noite, numa cerca (o «Redil»): assim, o sujeito poético expressa, por um lado, a valorização da realidade rural, terrena, que surge como que refletida no céu, e, por outro, uma vivência do Cosmos como uma realidade próxima e familiar.

 

5. O conceito de poesia simbolizado pelo «Negrilho» apresenta os seguintes traços:

- valorização da sabedoria da terra («É ele que me revela o mundo visitado»);

- simplicidade poética, inspirada na natureza («imortal avena»);

- ideal de harmonia e de serenidade («inquietação/ Serena»);

- valor da poesia como ordenadora mágica do Universo;

- expressão do sonho humano de elevação («gigante a sonhar») e de integração na ordem cósmica;

- …

Nota - A apresentação de três traços caracterizadores é considerada suficiente para a atribuição da totalidade da cotação referente aos aspetos de conteúdo.

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário. 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de agosto). Cursos Gerais e Cursos Tecnológicos. Prova Escrita de Português B n.º 139. Portugal, GAVE, 2001, 1.ª fase, 2.ª chamada


 


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  • A poética torguiana”, Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da poesia de Miguel Torga, por José Carreiro. In Folha de Poesia, 09-08-2013

 

 



CARREIRO, José. “A um Negrilho, Miguel Torga”. Portugal, Folha de Poesia, 22-09-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/09/a-um-negrilho-miguel-torga.html