quarta-feira, 23 de novembro de 2022

E por vezes, David Mourão-Ferreira

“E por vezes” dito por Beatriz Batarda. Produções Fictícias, 2005

 

E por vezes

 

E por vezes as noites duram meses

E por vezes os meses oceanos

E por vezes os braços que apertamos

nunca mais são os mesmos        E por vezes

 

encontramos de nós em poucos meses

o que a noite nos fez em muitos anos

E por vezes fingimos que lembramos

E por vezes lembramos que por vezes

 

ao tomarmos o gosto aos oceanos

só o sarro das noites não dos meses

lá no fundo dos copos encontramos

 

E por vezes sorrimos ou choramos

E por vezes por vezes ah por vezes

num segundo se evolam tantos anos

 

David Mourão-Ferreira, Matura idade [1966-1972]. Lisboa, Arcádia, 1973



 

 

Questionário sobre o poema “E por vezes”, de David Mourão-Ferreira

1. Destaca a anáfora presente no poema.

1.1. Explicita os valores dessa anáfora.

2. Indica a ideia transmitida pelo sujeito poético neste poema.

3. Identifica o tempo verbal que predomina no poema.

3.1. Explicita o valor expressivo desse tempo verbal.

4. Identifica os recursos expressivos presentes nos versos seguintes.

a) "E por vezes sorrimos ou choramos"

b) "ao tomarmos o gosto aos oceanos"

5. Explica o sentido dos dois últimos versos do soneto.

6. Completa o texto lacunar acerca do poema "E por vezes".

choro   devagar,   espírito   experienciada   mudança   tempo

 

Neste poema, o sujeito poético reflete acerca da vivencia humana do ___. Assim, a passagem do tempo é ____ por cada pessoa consoante o seu estado de ____ - ora passa muito ____, ora passa depressa. Provocando em nós a ____ e o esquecimento. A consciência de que o tempo passa provoca em nós sentimentos fortes, que no levam ao ___ e ao riso.

 



Proposta de correção:

1. Repetição da expressão “E por vezes” no início de vários versos sucessivos.

1.1. A repetição da expressão "e por vezes" relaciona-se com a temática do poema: o tempo e a forma como o vivemos.

Por um lado, realça como ele nos surpreende e como parece extinguir-se ou prolongar-se, conforme o nosso estado de espírito; por outro, destaca a sucessão ininterrupta de vivencias que se convertem em memórias.

2. O sujeito poético transmite a ideia de que a perceção do tempo varia conforme o seu estado de espírito e o momento que está a viver.

3. O tempo verbal predominante é o presente do indicativo.

3.1. O presente do indicativo sublinha que essa ideia de que a perceção do tempo depende de cada indivíduo é uma verdade intemporal.

4. a) Antítese

b) Metáfora

5. Os dois últimos versos do soneto encerram-no transmitindo de forma muito clara a ideia que o atravessa.

De facto, o tempo é sentido psicologicamente, isto é, horas, minutos e segundos condensam-se ou diluem-se em função da importância e do significado de cada momento.

6. Neste poema, o sujeito poético reflete acerca da vivencia humana do tempo. Assim, a passagem do tempo é experienciada por cada pessoa consoante o seu estado de espírito - ora passa muito devagar, ora passa depressa. Provocando em nós a mudança e o esquecimento. A consciência de que o tempo passa provoca em nós sentimentos fortes, que no levam ao choro e ao riso.

 

Fonte: Projeto #EstudoEmCasa – Aula n.º 62 de Português dos 7.º e 8.º anos sobre os poemas "Impressão digital" (António Gedeão), "E por vezes" (David Mourão-Ferreira), 2021-06-25.

Assistir à aula da Professora Tereza Cadete Sampainho, em https://www.rtp.pt/play/estudoemcasa/p7828/e553778/portugues-7-e-8-anos - inicia ao minuto 14’29’’

 







 


CARREIRO, José. “E por vezes, David Mourão-Ferreira”. Portugal, Folha de Poesia, 23-11-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/11/e-por-vezes-david-mourao-ferreira.html



terça-feira, 22 de novembro de 2022

Impressão digital, António Gedeão


 

 Impressão digital


 

 

 

 

5

 

 

 

 

 

10

 

 

 

 

 

15

 

 

 

 

 

20

 

 

 

Os meus olhos são uns olhos.

E é com esses olhos uns

que eu vejo no mundo escolhos1

onde outros, com outros olhos,

não veem escolhos nenhuns.

 

Quem diz escolhos diz flores.

De tudo o mesmo se diz.

Onde uns veem luto e dores

uns outros descobrem cores

do mais formoso matiz2.

 

Nas ruas ou nas estradas

onde passa tanta gente,

uns veem pedras pisadas,

mas outros, gnomos e fadas

num halo3 resplandecente.

 

Inútil seguir vizinhos,

querer ser depois ou ser antes.

Cada um é seus caminhos.

Onde Sancho4 vê moinhos

D. Quixote vê gigantes.

 

Vê moinhos? São moinhos.

Vê gigantes? São gigantes.

 

António Gedeão, Obras Completas, 2.ª ed., Lisboa, Relógio D’Água Editores, 2007

_____________

NOTAS:

1 escolhos – simbolizam perigos ou obstáculos, uma vez que o seu significado objetivo é penhasco completamente escondido ou só à superfície do mar.

2 matiz – combinação de tons variados de uma mesma cor.

3 halo – zona ou círculo luminoso que envolve ou rodeia alguém ou alguma coisa.

4 Sancho – Sancho Pança e Dom Quixote são duas personagens da obra Dom Quixote de la Mancha, do escritor espanhol Miguel de Cervantes. Dom Quixote é um fidalgo sonhador e fantasioso, enquanto o seu escudeiro Sancho tem uma visão realista do mundo.

 

***

I – Conhece a opinião de Carminho sobre o poema “Impressão digital”, de António Gedeão:

 


Seleciona a opção correta para completares as afirmações.

1. A adaptação do poema a uma melodia foi

a) feita por um músico.

b) espontânea para Carminho.

 

2. Carminho considera que o poema aborda

a) a identidade do sujeito poético.

b) a pluralidade de opiniões.

 

Chave de correção: 1.b; 2.b.

Fonte: Projeto #EstudoEmCasa – Aula n.º 62 de Português dos 7.º e 8.º anos sobre os poemas "Impressão digital" (António Gedeão), "E por vezes" (David Mourão-Ferreira), 2021-06-25.

 

II - Esquema interpretativo do poema “Impressão digital”, de António Gedeão

 



Fonte: Projeto #EstudoEmCasa – Aula n.º 62 de Português dos 7.º e 8.º anos sobre os poemas "Impressão digital" (António Gedeão), "E por vezes" (David Mourão-Ferreira), 2021-06-25.

Assistir à aula da Professora Tereza Cadete Sampainho, em https://www.rtp.pt/play/estudoemcasa/p7828/e553778/portugues-7-e-8-anos

 

***

III - Questionário sobre o poema “Impressão digital”, de António Gedeão

1. Explicita o contraste que o sujeito poético estabelece entre ele e alguns ("uns") e "os outros".

2. Identifica os recursos expressivos que concretizam esse contraste.

3. Explicita o sentido do verso «Cada um é seus caminhos.» (v. 18), relacionando-o com o título do poema.

4. Justifica a alusão a D. Quixote e a Sancho.

5. Relê a terceira estrofe do poema.

5.1. Classifica-a quanto ao número de versos.

5.2. Divide o terceiro verso dessa estrofe de acordo com as sílabas métricas, numerando-as.

 

Explicitação de cenários de resposta:

1. O sujeito poético destaca as diferenças entre a sua forma de ver a realidade e a dos outros.

Enquanto ele vê "no mundo escolhos", isto é, dificuldades e obstáculos, os outros não tem a mesma opinião. A realidade pode de facto ser encarada com o otimismo que vê "cores do mais formoso matiz" ou com o pessimismo de quem vê " luto e dores".

2. Esse contraste concretiza-se através de antíteses que opõem o otimismo ao pessimismo de forma metafórica, tal como se verifica nos seguintes versos: "uns veem pedras pisadas,/mas outros, gnomos e fadas".

3. O verso «Cada um é seus caminhos» sugere a ideia de que os percursos e as experiências que cada pessoa vai acumulando ao longo da vida determinam a sua individualidade. Neste sentido, são esses «caminhos» que constituem a sua «impressão digital», isto é, a sua singularidade.

Relaciona o título do poema de António Gedeão com a sua temática.

O título deste poema, "Impressão digital", refere-se à identidade exclusiva de cada ser humano e consequentemente remete para o tema nele abordado.

Ao longo do poema, o sujeito poético transmite a ideia de que cada ser humano vê a realidade de forma muito própria e individual, em função das suas experiências e da sua identidade. Da mesma maneira que cada ser humano tem a sua impressão digital, tem também a sua visão do mundo e da realidade.

Assim, segundo este poema, a perspetiva de cada ser humano depende claramente da sua identidade, sendo a sua "impressão digital".

4. D. Quixote e Sancho (Pança) são as personagens principais do romance de cavalaria de Miguel Cervantes.

A alusão a ambas prende-se com o facto de D. Quixote ter uma visão fantasiosa da realidade, enquanto Sancho era objetivo e via a realidade nua e crua.

São exemplos do que o sujeito poético pretende realçar: a diversidade de perspetivas.

5.1. Quintilha (quinteto)

5.2. «uns/ ve/em/ pe/dras /pi/sa/(das)» (7 sílabas métricas).

 

Adaptado de: 

Projeto #EstudoEmCasa – Aula n.º 62 de Português dos 7.º e 8.º anos sobre os poemas "Impressão digital" (António Gedeão), "E por vezes" (David Mourão-Ferreira), 2021-06-25. 

Prova Final de Português n.º 91 - 3.º Ciclo do Ensino Básico (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho). Portugal, IAVE-Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2016, 2.ª Fase

 

GEDEÃO, António, pseud.
Impressão digital / [António Gedeão]. – 1955 Maio. 3. – [2] p. 1 f. ; 16,5 x 9,6 cm
Autógrafo a tinta azul, com emendas e acrecentos. – 1.º v.: «Os meus olhos s[ão] uns olhos.». Numerado com «15» e «[4]» nos cantos superiores direito e esquerdo. – Inclui, abaixo do título, a lápis, a nota de Natália Nunes: «[Public. em Movimento Perpétuo, 1956]». V. p. 11-12.
BN Esp. E40/cx. 13
Disponível em: https://purl.pt/12157/1/poesia/movimento-perpetuo/impressao-digital1.html



CARREIRO, José. “Impressão digital, António Gedeão”. Portugal, Folha de Poesia, 22-11-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/11/impressao-digital-antonio-gedeao.html


segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Casa deserta, Mário Dionísio



 

       Casa deserta

 

 

 

 

 

 

5

 

 

 

 

 

10

 

 

 

 

 

15

 

 

 

 

 

 

20

 

 

 

 

 

25

Ah nada pior que a casa deserta,

sozinha, sozinha.

 

O fogão apagado e tudo sem interesse.

O mundo lá longe, para lá da floresta.

E o vento soprando

a chuva caindo

a casa deserta...

 

Ah nada pior que estes dias e dias,

de cachimbo aceso, com as mãos inertes,

com todas as estradas inteiramente barradas,

ouvindo a floresta.

Com tudo lá longe, na casa deserta,

o vento soprando

e a chuva caindo, na noite caindo...

 

Há uma cancela que range nos gonzos

um velho cão de guarda que ladra sem motivo

– parece que é gente que vem a entrar...

 

E é só o vento soprando, soprando

e a chuva caindo...

 

Mudaram muita vez as folhas da floresta.

Os olhos do homem são olhos de doido.

Fogão apagado, aceso o cachimbo, o mundo lá longe.

 

E o vento soprando

a chuva caindo

a casa deserta...


Mário Dionísio, Poesia Incompleta, 2.ª ed., Europa-América, [1982], pp. 31-32

 

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. Refira os elementos que contribuem para a representação do espaço.

2. Os versos 5 a 7 são retomados, com algumas variações ou integralmente, ao longo do texto.

Analise dois dos efeitos expressivos produzidos por essa repetição.

3. Explicite, no contexto do poema, o valor simbólico do verso 20: «Mudaram muita vez as folhas da floresta.».

4. Caracterize o homem que habita a «casa deserta».

 

Explicitação de cenários de resposta:

1. Os elementos que, ao longo do poema, contribuem para a representação do espaço são, entre outros, os seguintes:

a casa num local ermo (v. 2), o que acentua a solidão do homem;

o «fogão apagado» (vv. 3 e 22), que marca o ambiente desconfortável e lúgubre da casa;

«O mundo lá longe, para lá da floresta» (v. 4) e «as estradas inteiramente barradas» (v. 10), que afastam o «homem» (v. 21) do «mundo» (vv. 4 e 22), cortando a comunicação com o exterior;

o «vento soprando» (vv. 5, 13, 18 e 23), «a chuva caindo» (vv. 6, 14, 19 e 24), a «cancela que range nos gonzos» (v. 15), compondo um cenário invernoso e inóspito.

2. Os versos «E o vento soprando / a chuva caindo / a casa deserta» (vv. 5-7) repetem-se, com algumas variações, nos versos 12-14 e 18-19 e, integralmente, nos versos 23-25. Eis, entre outros, alguns dos efeitos assim produzidos:

acentuar a temática do isolamento e da solidão;

reiterar o carácter persistente da chuva e do vento, sugerindo uma atmosfera opressiva;

amplificar a noção de confinamento do homem ao espaço da casa;

marcar o ritmo do poema.

3. O verso «Mudaram muita vez as folhas da floresta.» (v. 20) remete para a passagem cíclica das estações, acentuando que muitos anos foram passando sem que a situação do «homem» (v. 21) na inóspita «casa deserta» (v. 1) se alterasse. Logo, a imagem da sucessiva mudança das folhas nas árvores pode representar, simbolicamente, um tempo longo de isolamento e de espera.

4. O homem está sozinho na casa sentindo que «nada» é «pior que estes dias e dias» (v. 8), desinteressado de tudo, pois nem sequer acende o fogão (vv. 3 e 22). Apesar disso, com «mãos inertes» (v. 9) e de «cachimbo aceso» (vv. 9 e 22), fica à escuta dos sons da floresta (v. 11), parecendo-lhe, por vezes, pressentir a presença humana (v. 17), o que não passa de uma ilusão. Por isso, os «olhos do homem são olhos de doido» (v. 21), de alguém que está isolado do mundo, numa espera longa e vã. 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 734 - 11.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, de 26 de março). Prova Escrita de Literatura Portuguesa, Lisboa, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2015, Época Especial



Casa deserta, Mário Dionísio”, José Carreiro. Folha de Poesia, 2022-11-21. Disponível em https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/11/casa-deserta-mario-dionisio.html