Casa deserta
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Ah nada pior que a casa deserta, sozinha, sozinha.
O fogão apagado e tudo sem interesse. O mundo lá longe, para lá da floresta. E o vento soprando a chuva caindo a casa deserta...
Ah nada pior que estes dias e dias, de cachimbo aceso, com as mãos inertes, com todas as estradas inteiramente barradas, ouvindo a floresta. Com tudo lá longe, na casa deserta, o vento soprando e a chuva caindo, na noite caindo...
Há uma cancela que range nos gonzos um velho cão de guarda que ladra sem motivo – parece que é gente que vem a entrar...
E é só o vento soprando, soprando e a chuva caindo...
Mudaram muita vez as folhas da floresta. Os olhos do homem são olhos de doido. Fogão apagado, aceso o cachimbo, o mundo lá longe.
E o vento soprando a chuva caindo a casa deserta... |
Mário Dionísio, Poesia Incompleta,
2.ª ed., Europa-América, [1982], pp. 31-32
Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.
1. Refira os
elementos que contribuem para a representação do espaço.
2. Os versos 5 a
7 são retomados, com algumas variações ou integralmente, ao longo do texto.
Analise
dois dos efeitos expressivos produzidos por essa repetição.
3. Explicite, no
contexto do poema, o valor simbólico do verso 20: «Mudaram muita vez as folhas
da floresta.».
4. Caracterize o
homem que habita a «casa deserta».
Explicitação de cenários de
resposta:
1. Os elementos que, ao longo do poema, contribuem
para a representação do espaço são, entre outros, os seguintes:
−
a casa num local ermo (v. 2), o que acentua a solidão do homem;
−
o «fogão apagado» (vv. 3 e 22), que marca o ambiente desconfortável e lúgubre
da casa;
−
«O mundo lá longe, para lá da floresta» (v. 4) e «as estradas inteiramente
barradas» (v. 10), que afastam o «homem» (v. 21) do «mundo» (vv. 4 e 22),
cortando a comunicação com o exterior;
−
o «vento soprando» (vv. 5, 13, 18 e 23), «a chuva caindo» (vv. 6, 14, 19 e 24),
a «cancela que range nos gonzos» (v. 15), compondo um cenário invernoso e
inóspito.
2. Os versos «E o vento
soprando / a chuva caindo / a casa deserta» (vv. 5-7) repetem-se, com algumas variações,
nos versos 12-14 e 18-19 e, integralmente, nos versos 23-25. Eis, entre outros,
alguns dos efeitos assim produzidos:
−
acentuar a temática do isolamento e da solidão;
−
reiterar o carácter persistente da chuva e do vento, sugerindo uma atmosfera
opressiva;
−
amplificar a noção de confinamento do homem ao espaço da casa;
−
marcar o ritmo do poema.
3. O verso «Mudaram muita vez as folhas da
floresta.» (v. 20) remete para a passagem cíclica das estações, acentuando que
muitos anos foram passando sem que a situação do «homem» (v. 21) na inóspita
«casa deserta» (v. 1) se alterasse. Logo, a imagem da sucessiva mudança das
folhas nas árvores pode representar, simbolicamente, um tempo longo de
isolamento e de espera.
4. O homem está sozinho na casa sentindo que «nada» é «pior que estes dias e dias» (v. 8), desinteressado de tudo, pois nem sequer acende o fogão (vv. 3 e 22). Apesar disso, com «mãos inertes» (v. 9) e de «cachimbo aceso» (vv. 9 e 22), fica à escuta dos sons da floresta (v. 11), parecendo-lhe, por vezes, pressentir a presença humana (v. 17), o que não passa de uma ilusão. Por isso, os «olhos do homem são olhos de doido» (v. 21), de alguém que está isolado do mundo, numa espera longa e vã.
Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 734 - 11.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, de 26 de março). Prova Escrita de Literatura Portuguesa, Lisboa, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2015, Época Especial
“Casa deserta, Mário
Dionísio”, José Carreiro. Folha
de Poesia, 2022-11-21. Disponível em https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/11/casa-deserta-mario-dionisio.html
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