Camões,
ao longo da sua obra, vai tendo vários interlocutores. No século XX, Jorge de
Sena escreveu o seguinte poema em que o locutor é Camões e os interlocutores
são os seus contemporâneos.
CAMÕES DIRIGE-SE AOS SEUS CONTEMPORÂNEOS
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Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
que um vosso esqueleto há de ser buscado,
para passar por meu. E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.
Assis, 11/6/1961
Jorge
de Sena, Antologia Poética,
edição de Jorge Fazenda Lourenço, Lisboa, Guimarães, 2010, p. 127.
1. Explicite duas
das acusações que o sujeito poético faz aos seus contemporâneos, de acordo com
o conteúdo dos versos de 1 a 11.
2. «Não importa
nada: que o castigo / será terrível» (versos 12 e 13).
Explique o modo como
o sujeito poético prevê a concretização do castigo.
3. Selecione a
opção de resposta adequada para completar a afirmação abaixo apresentada.
Ao longo do poema, o sujeito poético exprime,
entre outros, um sentimento de ____ que é evidenciado por artifícios como ____.
(A)autocomiseração … a
repetição de vocábulos com sentido antitético
(B)autocomiseração … o
recurso a enumerações
(C)revolta … o recurso a
enumerações
(D)revolta … a repetição de vocábulos com sentido
antitético
1.
Devem
ser abordados dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
O sujeito poético acusa os seus
contemporâneos:
‒ de
praticarem plágio, por se apropriarem de ideias, temas, motivos, palavras,
imagens, metáforas e símbolos utilizados na sua poesia;
‒ de lhe
negarem a primazia e a ousadia, nomeadamente na inovação linguística (causadora
de sofrimento), no «entendimento dos outros» e na «coragem de combater»;
‒ de o
votarem ao desprezo, na medida em que não o citam, rejeitam a sua poesia e aclamam
outros.
2.
Devem
ser abordados os tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:
‒ o
sujeito poético permanecerá na memória de todos, tal como a sua obra, enquanto
os seus contemporâneos serão esquecidos (até pelos familiares mais próximos);
‒ o
sujeito poético não só recuperará a autoria da totalidade da obra roubada, mas
também prevê que lhe venha a ser atribuída a autoria do «pouco e miserável» (v.
20) produzido pelos seus contemporâneos;
‒ o
sujeito poético será homenageado após a sua morte num túmulo onde repousarão os
restos mortais de outrem.
CARREIRO, José. “Camões dirige-se aos seus contemporâneos,
Jorge de Sena”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento
de si, 01-04-2023.
Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/04/camoes-dirige-se-aos-seus.html
Como
quando do mar tempestuoso
o marinheiro, lasso1 e trabalhado,
d’ um naufrágio cruel já salvo a nado,
só ouvir falar nele o faz medroso;
e jura que em que2 veja bonançoso
o violento mar, e sossegado
não entre nele mais, mas vai, forçado
pelo muito interesse cobiçoso;
assi, Senhora, eu, que da tormenta
de vossa vista fujo, por3 salvar-me,
jurando de não mais em outra ver-me;
minh’ alma, que de vós nunca se ausenta,
dá-me por preço4 ver-vos, faz tornar-me
donde fugi tão perto de perder-me.
Luís de Camões, Rimas,
edição de A. J. da Costa Pimpão, Coimbra, Almedina, 1994, p. 138.
_________ 1 lasso – cansado;
fatigado. 2 em que – ainda que. 3 por – para. 4 dá-me por preço – impõe-me; dá-me por destino.
Questionário sobre o poema “Como quando
do mar tempestuoso”, de Camões.
1.Explicite a comparação que
é desenvolvida ao longo do poema.
2.Interprete a antítese
«salvar-me» (verso 10) / «perder-me» (verso 14), no contexto da relação amorosa
que o sujeito poético estabelece com a «Senhora».
1. Devem ser abordados os tópicos seguintes, ou
outros igualmente relevantes:
‒tal
como o marinheiro receia fazer-se ao mar após ter sobrevivido a um naufrágio,
também o sujeito poético evita ver a amada por recear o sofrimento provocado
pelo amor/pela perdição;
‒tal
como o marinheiro é incapaz de resistir ao apelo do mar e a ele acaba por
regressar, também o sujeito poético acaba por se render ao sentimento amoroso.
2. Devem ser abordados os tópicos seguintes, ou
outros igualmente relevantes:
‒ expressão da ideia de
salvação associada à vontade de fugir da amada;
‒expressão
da ideia de perdição, dada a impossibilidade de viver sem a «Senhora».
3. Apresenta corretamente o esquema rimático e a
classificação das rimas:
a) abba/abba/cde/cde;
b) rimas interpoladas e
emparelhadas nas quadras e rimas interpoladas nos tercetos OU rimas
interpoladas em a, em c, em d e em e; rimas emparelhadas em b.
Lição sobre o poema "Como quando do mar
tempestuoso", de Camões:
Fonte: Projeto de parceria entre o Ministério
da Educação e a RTP #ESTUDOEMCASA, aula 32 de Português – 10.º ano, sobre o
tema do amor na lírica de Camões: "Como quando do mar tempestuoso" e
"O céu, a terra, o vento sossegado...", 2021-03-17. Disponível em https://www.rtp.pt/play/estudoemcasa/p7884/e530880/portugues-10-ano
CARREIRO, José. “Como quando do mar tempestuoso (Camões)”.
Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 31-03-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/03/como-quando-do-mar-tempestuoso-camoes.html
Oh!
como se me alonga, de ano em ano,
a peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
este meu breve e vão discurso1 humano!
Vai-se gastando a idade e cresce o dano;
perde-se-me um remédio, que inda tinha;
se por experiência se adivinha,
qualquer grande esperança é grande engano.
Corro após este bem que não se alcança;
no meio do caminho me falece,
mil vezes caio, e perco a confiança.
Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança,
se os olhos ergo a ver se inda parece2,
da vista se me perde e da esperança.
Luís de Camões, Rimas, edição de Álvaro J. da Costa
Pimpão, Coimbra, Almedina, 2005, p. 129
O soneto de Camões, que
começa com "Oh! como se me alonga, de ano em ano", é
frequentemente interpretado como uma reflexão autobiográfica do poeta sobre sua
própria vida. Existem vários motivos pelos quais esse soneto pode ser lido como
uma reflexão pessoal de Camões.
Em primeiro lugar, a
linguagem utilizada no soneto sugere uma sensação de desespero e desilusão que
pode ser interpretada como a expressão dos próprios sentimentos de Camões. As
imagens de uma "peregrinação cansada", de um "breve e vão
discurso humano" e de uma "grande esperança" que se revela como
um "grande engano" são consistentes com a ideia de que o poeta está
refletindo sobre sua própria vida e sobre as deceções e frustrações que
experimentou.
Além disso, o próprio
Camões é conhecido por ter tido uma vida difícil e tumultuada, marcada por
dificuldades financeiras, exílio e prisão. Ele também enfrentou perdas pessoais
significativas, incluindo a morte de seus pais e de um grande amor. Esses
eventos e circunstâncias podem ter alimentado a sensação de desespero e
futilidade que é expressa no soneto.
Por fim, é importante
notar que o soneto não é uma obra isolada, mas faz parte de um conjunto de
poemas escritos por Camões que exploram temas semelhantes de amor, perda,
desilusão e morte. Esses temas são frequentemente associados a experiências
pessoais e podem, portanto, ser vistos como evidências adicionais de que Camões
está refletindo sobre sua própria vida em seus escritos.
Em resumo, embora não haja
evidências definitivas de que o soneto em questão seja uma reflexão
autobiográfica de Camões, há vários elementos na linguagem, na biografia e no
contexto literário do poeta que sugerem que essa é uma leitura plausível do
poema.
Por outro lado, o soneto
também pode ser interpretado como uma reflexão sobre a condição humana em
geral, na medida em que muitos indivíduos enfrentam obstáculos e desafios
semelhantes na vida, o que pode levar a sentimentos de desespero e
desesperança.
Adaptado da conversação
com o ChatGPT Mar 14 Version. Disponível em https://chat.openai.com/chat, 2023-03-24
II - Questionário sobre o soneto “Oh!
como se me alonga, de ano em ano”, de Camões.
1.Nas
duas quadras, o sujeito poético reflete sobre os efeitos da passagem do tempo
na sua vida. Refira quatro dos aspetos que integram essa reflexão.
2.Relacione
o sentido do verso «qualquer grande esperança é grande engano» (v. 8) com o
conteúdo dos dois tercetos.
1. De acordo com as duas
quadras, o sujeito poético:
– entende a vida como
uma experiência longa e cada vez mais penosa;
– toma consciência da
aproximação do termo da sua vida;
– faz um balanço
negativo da existência com base na experiência passada;
– toma consciência de
que a vida vai perdendo qualidade;
–
encara toda a esperança como mera ilusão.
2. O verso «qualquer
grande esperança é grande engano» (v. 8) sugere que, para o sujeito poético,
toda a esperança acaba por se revelar ilusória.
Esta ideia concretiza-se nos dois tercetos. O bem
desejado é representado como um objetivo que se persegue, num caminho em que o
sujeito cai e se levanta, até que o próprio bem desejado se perde de vista e o
desânimo vence.
III - Confronta este
soneto com a estrofe 9 do canto X de Os Lusíadas:
Vão os anos decendo, e já do
Estio
Há pouco que passar até o Outono;
A fortuna me faz o engenho frio
Do qual já não me jato nem me abono;
Os desgostos me vão levando ao rio
Do negro esquecimento e eterno sono.
Sugestão de resposta:
Tanto o
soneto "Oh! como se me alonga, de ano em ano" quanto a estrofe 9 do
canto X de Os Lusíadas expressam um tom melancólico e pessimista do
autor, que se sente desiludido com a vida.
No soneto
de Camões, a imagem da "peregrinação cansada" e do "breve e vão
discurso humano" sugere que a vida é uma jornada sem sentido e que as
grandes esperanças e ambições das pessoas são frequentemente ilusórias.
Da mesma
forma, a estrofe de Os Lusíadas destaca o facto de que o tempo está
passando rapidamente e que a fortuna é responsável por enfraquecer o
"engenho" do poeta. Isso sugere que a fortuna é vista como uma força
caprichosa que pode afetar a capacidade criativa e intelectual das pessoas – no
contexto do poema em questão, a palavra "fortuna" refere-se à sorte
ou ao destino. Camões usa a palavra para descrever a influência do acaso e da
mudança imprevisível nos assuntos humanos. A ideia é que a fortuna pode ser
tanto benéfica quanto maléfica e que as pessoas não têm controle completo sobre
o curso de suas vidas.
CARREIRO, José. “Oh! como se me alonga, de ano em ano, Camões”.
Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 30-03-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/03/oh-como-se-me-alonga-de-ano-em-ano.html