sábado, 1 de abril de 2023

Camões dirige-se aos seus contemporâneos, Jorge de Sena

Camões, ao longo da sua obra, vai tendo vários interlocutores. No século XX, Jorge de Sena escreveu o seguinte poema em que o locutor é Camões e os interlocutores são os seus contemporâneos.

 


CAMÕES DIRIGE-SE AOS SEUS CONTEMPORÂNEOS

  





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Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
que um vosso esqueleto há de ser buscado,
para passar por meu. E para outros ladrões,
iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.

Assis, 11/6/1961

Jorge de Sena, Antologia Poética, edição de Jorge Fazenda Lourenço, Lisboa, Guimarães, 2010, p. 127.

 

1. Explicite duas das acusações que o sujeito poético faz aos seus contemporâneos, de acordo com o conteúdo dos versos de 1 a 11.

2. «Não importa nada: que o castigo / será terrível» (versos 12 e 13).

Explique o modo como o sujeito poético prevê a concretização do castigo.

3. Selecione a opção de resposta adequada para completar a afirmação abaixo apresentada.

Ao longo do poema, o sujeito poético exprime, entre outros, um sentimento de ____ que é evidenciado por artifícios como ____.

(A) autocomiseração … a repetição de vocábulos com sentido antitético

(B) autocomiseração … o recurso a enumerações

(C) revolta … o recurso a enumerações

(D) revolta … a repetição de vocábulos com sentido antitético

 

Explicitação de cenários de resposta:

1. Devem ser abordados dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

O sujeito poético acusa os seus contemporâneos:

de praticarem plágio, por se apropriarem de ideias, temas, motivos, palavras, imagens, metáforas e símbolos utilizados na sua poesia;

de lhe negarem a primazia e a ousadia, nomeadamente na inovação linguística (causadora de sofrimento), no «entendimento dos outros» e na «coragem de combater»;

de o votarem ao desprezo, na medida em que não o citam, rejeitam a sua poesia e aclamam outros.

2. Devem ser abordados os tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

o sujeito poético permanecerá na memória de todos, tal como a sua obra, enquanto os seus contemporâneos serão esquecidos (até pelos familiares mais próximos);

o sujeito poético não só recuperará a autoria da totalidade da obra roubada, mas também prevê que lhe venha a ser atribuída a autoria do «pouco e miserável» (v. 20) produzido pelos seus contemporâneos;

o sujeito poético será homenageado após a sua morte num túmulo onde repousarão os restos mortais de outrem.

3. Chave: (C)

 

Fonte: Exame Final Nacional de Português n.º 639 – Ensino Secundário, 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho). República Portuguesa – Educação / IAVE– Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2021, Época Especial

 

 


CARREIRO, José. “Camões dirige-se aos seus contemporâneos, Jorge de Sena”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 01-04-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/04/camoes-dirige-se-aos-seus.html


 

sexta-feira, 31 de março de 2023

Como quando do mar tempestuoso (Camões)


 







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Como quando do mar tempestuoso
o marinheiro, lasso1 e trabalhado,
d’ um naufrágio cruel já salvo a nado,
só ouvir falar nele o faz medroso;

e jura que em que2 veja bonançoso
o violento mar, e sossegado
não entre nele mais, mas vai, forçado
pelo muito interesse cobiçoso;

assi, Senhora, eu, que da tormenta
de vossa vista fujo, por3 salvar-me,
jurando de não mais em outra ver-me;

minh’ alma, que de vós nunca se ausenta,
dá-me por preço4 ver-vos, faz tornar-me
donde fugi tão perto de perder-me.

Luís de Camões, Rimas, edição de A. J. da Costa Pimpão, Coimbra, Almedina, 1994, p. 138.

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1 lasso – cansado; fatigado.
2 em que – ainda que.
3 por – para.
4 dá-me por preço – impõe-me; dá-me por destino.

 

Questionário sobre o poema “Como quando do mar tempestuoso”, de Camões.

1. Explicite a comparação que é desenvolvida ao longo do poema.

2. Interprete a antítese «salvar-me» (verso 10) / «perder-me» (verso 14), no contexto da relação amorosa que o sujeito poético estabelece com a «Senhora».

3. Relativamente ao soneto transcrito, apresente:

a) o esquema rimático;

b) a classificação das rimas.

 

Explicitação de cenários de resposta:

1. Devem ser abordados os tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

tal como o marinheiro receia fazer-se ao mar após ter sobrevivido a um naufrágio, também o sujeito poético evita ver a amada por recear o sofrimento provocado pelo amor/pela perdição;

tal como o marinheiro é incapaz de resistir ao apelo do mar e a ele acaba por regressar, também o sujeito poético acaba por se render ao sentimento amoroso.

2. Devem ser abordados os tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

expressão da ideia de salvação associada à vontade de fugir da amada;

expressão da ideia de perdição, dada a impossibilidade de viver sem a «Senhora».

3. Apresenta corretamente o esquema rimático e a classificação das rimas:

a) abba/abba/cde/cde;

b) rimas interpoladas e emparelhadas nas quadras e rimas interpoladas nos tercetos OU rimas interpoladas em a, em c, em d e em e; rimas emparelhadas em b.

 

Fonte: Exame Final Nacional de Português n.º 639 – Ensino Secundário, 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho). República Portuguesa – Educação / IAVE– Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2019, Época Especial

 

Poderá também gostar de:

Lição sobre o poema "Como quando do mar tempestuoso", de Camões:













Fonte: Projeto de parceria entre o Ministério da Educação e a RTP #ESTUDOEMCASA, aula 32 de Português – 10.º ano, sobre o tema do amor na lírica de Camões: "Como quando do mar tempestuoso" e "O céu, a terra, o vento sossegado...", 2021-03-17. Disponível em https://www.rtp.pt/play/estudoemcasa/p7884/e530880/portugues-10-ano 


 


CARREIRO, José. “Como quando do mar tempestuoso (Camões)”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 31-03-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/03/como-quando-do-mar-tempestuoso-camoes.html


quinta-feira, 30 de março de 2023

Oh! como se me alonga, de ano em ano, Camões


 

 






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Oh! como se me alonga, de ano em ano,
a peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
este meu breve e vão discurso1 humano!

Vai-se gastando a idade e cresce o dano;
perde-se-me um remédio, que inda tinha;
se por experiência se adivinha,
qualquer grande esperança é grande engano.

Corro após este bem que não se alcança;
no meio do caminho me falece,
mil vezes caio, e perco a confiança.

Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança,
se os olhos ergo a ver se inda parece2,
da vista se me perde e da esperança.

 

Luís de Camões, Rimas, edição de Álvaro J. da Costa Pimpão, Coimbra, Almedina, 2005, p. 129

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1 discurso (v. 4) – vida, decorrer do tempo.
2 parece (v. 13) – aparece.

 

I - Reflexão autobiográfica

O soneto de Camões, que começa com "Oh! como se me alonga, de ano em ano", é frequentemente interpretado como uma reflexão autobiográfica do poeta sobre sua própria vida. Existem vários motivos pelos quais esse soneto pode ser lido como uma reflexão pessoal de Camões.

Em primeiro lugar, a linguagem utilizada no soneto sugere uma sensação de desespero e desilusão que pode ser interpretada como a expressão dos próprios sentimentos de Camões. As imagens de uma "peregrinação cansada", de um "breve e vão discurso humano" e de uma "grande esperança" que se revela como um "grande engano" são consistentes com a ideia de que o poeta está refletindo sobre sua própria vida e sobre as deceções e frustrações que experimentou.

Além disso, o próprio Camões é conhecido por ter tido uma vida difícil e tumultuada, marcada por dificuldades financeiras, exílio e prisão. Ele também enfrentou perdas pessoais significativas, incluindo a morte de seus pais e de um grande amor. Esses eventos e circunstâncias podem ter alimentado a sensação de desespero e futilidade que é expressa no soneto.

Por fim, é importante notar que o soneto não é uma obra isolada, mas faz parte de um conjunto de poemas escritos por Camões que exploram temas semelhantes de amor, perda, desilusão e morte. Esses temas são frequentemente associados a experiências pessoais e podem, portanto, ser vistos como evidências adicionais de que Camões está refletindo sobre sua própria vida em seus escritos.

Em resumo, embora não haja evidências definitivas de que o soneto em questão seja uma reflexão autobiográfica de Camões, há vários elementos na linguagem, na biografia e no contexto literário do poeta que sugerem que essa é uma leitura plausível do poema.

Por outro lado, o soneto também pode ser interpretado como uma reflexão sobre a condição humana em geral, na medida em que muitos indivíduos enfrentam obstáculos e desafios semelhantes na vida, o que pode levar a sentimentos de desespero e desesperança.

 

Adaptado da conversação com o ChatGPT Mar 14 Version. Disponível em https://chat.openai.com/chat, 2023-03-24

 


II - Questionário sobre o soneto “Oh! como se me alonga, de ano em ano”, de Camões.

1. Nas duas quadras, o sujeito poético reflete sobre os efeitos da passagem do tempo na sua vida. Refira quatro dos aspetos que integram essa reflexão.

2. Relacione o sentido do verso «qualquer grande esperança é grande engano» (v. 8) com o conteúdo dos dois tercetos.

 

Explicitação de cenários de resposta:

1. De acordo com as duas quadras, o sujeito poético:

– entende a vida como uma experiência longa e cada vez mais penosa;

– toma consciência da aproximação do termo da sua vida;

– faz um balanço negativo da existência com base na experiência passada;

– toma consciência de que a vida vai perdendo qualidade;

– encara toda a esperança como mera ilusão.

2. O verso «qualquer grande esperança é grande engano» (v. 8) sugere que, para o sujeito poético, toda a esperança acaba por se revelar ilusória.

Esta ideia concretiza-se nos dois tercetos. O bem desejado é representado como um objetivo que se persegue, num caminho em que o sujeito cai e se levanta, até que o próprio bem desejado se perde de vista e o desânimo vence.

 

Fonte: Exame Final Nacional do Ensino Secundário n.º 639 - 1.ª Fase. Prova Escrita de Português - 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho). República Portuguesa – Educação / IAVE-Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2016-06-15


III - Confronta este soneto com a estrofe 9 do canto X de Os Lusíadas:

Vão os anos decendo, e já do Estio
Há pouco que passar até o Outono;
A fortuna me faz o engenho frio
Do qual já não me jato nem me abono;
Os desgostos me vão levando ao rio
Do negro esquecimento e eterno sono.

 

Sugestão de resposta:

Tanto o soneto "Oh! como se me alonga, de ano em ano" quanto a estrofe 9 do canto X de Os Lusíadas expressam um tom melancólico e pessimista do autor, que se sente desiludido com a vida.

No soneto de Camões, a imagem da "peregrinação cansada" e do "breve e vão discurso humano" sugere que a vida é uma jornada sem sentido e que as grandes esperanças e ambições das pessoas são frequentemente ilusórias.

Da mesma forma, a estrofe de Os Lusíadas destaca o facto de que o tempo está passando rapidamente e que a fortuna é responsável por enfraquecer o "engenho" do poeta. Isso sugere que a fortuna é vista como uma força caprichosa que pode afetar a capacidade criativa e intelectual das pessoas – no contexto do poema em questão, a palavra "fortuna" refere-se à sorte ou ao destino. Camões usa a palavra para descrever a influência do acaso e da mudança imprevisível nos assuntos humanos. A ideia é que a fortuna pode ser tanto benéfica quanto maléfica e que as pessoas não têm controle completo sobre o curso de suas vidas.


 

 


CARREIRO, José. “Oh! como se me alonga, de ano em ano, Camões”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 30-03-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/03/oh-como-se-me-alonga-de-ano-em-ano.html