quarta-feira, 27 de maio de 2020

Como fazer um poema visual



A poesia visual, para além de trabalhar a polissemia das palavras, explora também significados associados à disposição das palavras na folha.



POEMA VISUAL 0 – CALIGRAMA / WORD ART

O termo caligrama refere-se a um texto, habitualmente um poema, em que há uma associação entre a disposição gráfica das palavras e/ou letras e o seu conteúdo.

Por exemplo, no caso do poema de Ronaldo Azeredo, a repetição da letra -v- e a forma como esta preenche a página remetem para a ideia de velocidade, que corresponde à palavra que é trabalhada.



No caligrama «Escada», de Jaime Salazar Sampaio, a disposição das linhas e das palavras representa uma escada e o seu patamar. Através da metáfora utilizada na expressão «escada forrada de palavras» associa-se a realidade das palavras à realidade da escada através da representação de uma imagem em que as palavras acompanham os degraus. Quando se chega ao patamar, volta-se rapidamente ao ponto de partida.



Explora tua criatividade, desenhando caligramas com as tuas palavras ou utilizando formas pré-definidas que se relacionem com o tema que pretendes desenvolver:

  • Por exemplo, escolhe um objeto para ser o tema do teu poema. Boas sugestões para iniciantes podem ser animais ou comidas favoritas.

  • Desenha um contorno simples no papel ou no computador. Se estiveres a usar o papel, desenha com um lápis, não com uma caneta.

  • Escreve o teu poema normalmente. Tenta descrever como o assunto te faz sentir. As palavras serão encaixadas no teu desenho, portanto, não o tornes muito longo (entre 6 a 12 linhas é, provavelmente, um bom tamanho).

NÃO É OBRIGATÓRIO RIMAR!

  • Escreve (a lápis ou no computador) o teu poema dentro da forma. Não há problema se ainda não couber bem dentro dos limites, porque é aqui que descobres se precisas aumentar ou diminuir a escrita.

  • Decide se precisas aumentar ou diminuir a tua escrita em certas partes do desenho, então apaga o teu primeiro rascunho e escreve o poema novamente. Podes repetir este procedimento até ficares satisfeito com o resultado.

  • Por fim, apaga o contorno da tua forma, de modo que sejam apenas as palavras do teu poema que criam a imagem! Se estavas escrevendo a lápis, agora podes passar as palavras com a caneta!  (https://www.poetry4kids.com/lessons/how-to-write-a-concrete-poem)


Para criares o teu poema, à maneira dos poetas “concretistas”, podes também utilizar um gerador de poesia visual ("Wordcloud generator" ou "Nuvem de Palavras"disponível nas hiperligações a seguir:





POEMA VISUAL 1 – CORTAR PALAVRAS

Pega em algo que escreveste recentemente.
Pode ser uma nota ou uma mensagem de texto (sms).
Extrai um fragmento do texto.
Podes reescrevê-lo, imprimi-lo e recortá-lo.
Junta as palavras novamente para criar um poema.

Até que ponto a alteração das palavras te permite enfatizar as partes importantes do poema?

Os primeiros artistas que criaram poemas desta maneira quebraram muitas regras e conceitos pré-concebidos sobre a escrita poética. 

"Tipografia Bizzeffe", Ardengo Soffici


POEMA VISUAL 2 – APROPRIAÇÃO

Apropriação: a prática de incorporar elementos de um trabalho literário ou visual pré-existente com a finalidade de criar um novo objeto artístico.

Carrie Mae Weems, no exemplo que se segue, apropriou-se de fotografias de afro-americanos do séc. XIX.

"From Here I Saw Happened And I Cried" (1995)

A artista ampliou e reimprimiu as fotografias em vermelho, reenquadrando-as com as suas próprias palavras gravadas em vidro.
Weems justapõe o texto e a imagem para criar algo novo.
Por causa dessas mudanças, como experiencias o retrato de forma diferente?

Seleciona uma fotografia importante para ti e transforma-a, utilizando um editor de imagem (saturação da cor, luminosidade, contraste, nitidez…).
A seguir, sobrepõe as tuas próprias palavras à imagem, isto é, diz algo importante sobre a tua fotografia. (Que mistério estará oculto na frase poética que criaste?)





POEMA VISUAL 3 – COLAGEM

Recorta figura(s) ou objeto(s) de fotografia(s).
Combina as imagens de uma maneira que nunca verias na vida real.
Atribui um título ao trabalho, com as palavras selecionadas numa citação favorita, filme ou poema.


Como é que um título emprestado altera o significado de uma obra de arte?

Onde vês mais poesia visual?
Onde vês poesia visual na tua vida?


Fonte: «How to Make a Visual Poem», The J. Paul Getty Museum, 2013 (adaptado)




Poderás também gostar de:








CARREIRO, José. “Como fazer um poema visual”. Portugal, Folha de Poesia, 27-05-2020. Disponível em https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/05/como-fazer-um-poema-visual-getty-museum.html


terça-feira, 26 de maio de 2020

Balada Astral, Miguel Araújo




Miguel Araújo - Balada Astral

Quando Deus pôs o mundo
E o céu a girar
Bem lá no fundo
Sabia que por aquele andar
Eu te havia de encontrar

Minha mãe, no segundo
Em que aceitou dançar
Foi na cantiga
Dos astros a conspirar

Que do seu cósmico vagar
Mandaram o teu pai
Sorrir pra tua mãe
Para que tu
Existisses também

Era um dia bonito
E na altura, eu também
O infinito
Ainda se lembrava bem
Do seu cósmico refém

Eu que pensava
Que ia só comprar pão
Tu que pensavas
Que ias só passear o cão
A salvo da conspiração
Cruzámos caminhos,
Tropeçámos num olhar
E o pão nesse dia
Ficou por comprar

Ensarilharam-se
As trelas dos cães,
Os astros, os signos,
Os desígnios e as constelações
As estrelas, os trilhos
E as tralhas dos dois


Balada Astral
Letra e música: Miguel Araújo
Miguel Araújo: Voz e guitarra acústica
Inês Viterbo: Voz
Maria Vasquez: Acordeão
João Martins: Saxofone Alto e arranjo de sopros
Paulo Gravato: Saxofone Tenor
Rui Pedro Silva: Trompete
Paulo Perfeito: Trombone
David Lloyd: Violino
Pedro Romualdo: Guitarra acústica
Diogo Santos: Piano
Pedro Santos: Baixo Eléctrico
Mário Costa: Bateria
Bruno Ribeiro: percussões

Gravado, misturado e masterizado por João Bessa nos Boom Studios em Dezembro de 2013.
Produzido por João Bessa, João Martins e Miguel Araújo


E aqui está a primeira música a sair do lote das faixas que fazem parte das "Crónicas da Cidade Grande". Esta versão foi gravada mesmo assim, ao vivo nos Boom Studios, sem cortes nem edições. Aquele saravá do coração ao João Martins e ao João Bessa, que produziram o disco comigo, e a todos os músicos cujo talento e generosidade compõe este novo álbum
Obrigado ao grande André Tentugal pelo vídeo. Um grande beijinho à Inês Viterbo por cantá-lá tão bem. Obrigado à Rádio Comercial pela força, mais uma vez. E claro, aquele saravá ao Luis e à Maria, cujo casamento serviu de mote a esta Balada Astral e permitiu que eu conhecesse os talentos de uma tal Inês, que eu desconhecia até esse dia. Espero que gostem!" Foi assim que Miguel Araújo Jorge que apresentou o seu novo tema. Digam o que acharam de "Balada Astral".

Miguel Araújo - Crónicas da Cidade Grande




CARREIRO, José. “Balada Astral, Miguel Araújo”. Portugal, Folha de Poesia, 26-05-2020. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/05/balada-astral-miguel-araujo.html


domingo, 24 de maio de 2020

OVA ORTEGRAFIA, Maria Velho da Costa



UM TEXTO DE MARIA VELHO DA COSTA
Em Outubro de 1973, recebi no interior da Guiné mais uma daquelas encomendas que o meu querido amigo e poeta J. H. Santos Barros me ia fazendo chegar como contributo para a minha sanidade mental e sobrevivência no pântano. Era a manifestação possível de amizade por parte de quem já fizera a sua experiência de sobrevivência em Angola.
Essa encomenda incluía um precioso livrinho de Maria Velho da Costa, «Desescrita», editado nesse mesmo ano e que trazia um notável texto curto intitulado «Ova ortegrafia». Publicado anteriormente no jornal «República» em Junho de 1972, era um inteligente e sagaz exercício literário e linguístico sobre a censura, melhor dizendo, sobre os censores, os «cortadores» da palavra, da língua.
Convocando, em registo derrisório,  alguns chavões do discurso político dominante e também os preconceitos contra o experimentalismo literário, mimetizando  a «escrita do corte»  (a cortegrafia), «Ova Ortegrafia» constituía ainda assim uma manifestação de experimentalismo, instaurava no seu interior imprevistas e subtis derivas semânticas e constituía uma denúncia da instituição censória, jogando abertamente no terreno do inimigo, a quem o texto seria dado a  ler.
Deixo abaixo o texto, em dupla evocação:  da autora e  de J. H. Santos Barros, falecido abruptamente a 20 de Maio de 1983.
 Urbano Bettencourt, 2020-05-24



OVA ORTEGRAFIA
Maria Velho da Costa
Ecidi escrever ortado; poupo assim o rabalho a quem me orta. Orque quem me orta é pago para me ortar. Também é um alariado. Também ofre o usto de ida. Orque a iteratura deve dar sinal da ircunstância, e não tem ustificação oral. E ais deve ter em conta todos os ofrimentos, esmo e rincipalmente os daqueles ujo rabalho é zelar pela oralidade e ordem ública – os ortadores.
Eu acho que enho andado esavinda omigo e com a grei, com tanta iberdade de estilos e emas e xperimentalismos e rocadilhos  que os ríticos e  eitores dizem arrocos e os ortadores, pelo im pelo ão, ortam. A iteratura eve ser uma oisa éria e esponsável. Esta é a minha enúncia ública. (Eço esculpa de esitar nalguns ortes, mas é por pouco calhada neste bom modo de scrita usta ao empo e aos odos).
Izia eu que o ortuguês que ora, nesta ora de rudência e sforço, se não reduz à orma imples, não erve a vera íngua da Pátria. (Por enquanto só orto ao omeço, porque a arte de ortar não é fácil; rometo reinar-me até udo me aír aturalmente ortado e ao eio e ao im).
Outros jovens me eguirão o rilho. Odos não eremos emais para ervir na etaguarda os que, em árias frentes, por nós se mputam.
A issão do scritor é dar estemunho e efrigério aos e dos omentos raves da istória, ao erviço dos ideais da sua omunidade; ervir a oz do ovo, espeitar a oz dos overnantes egítimos.
Olegas, em ome da obrevivência da íngua, vos eço pois:
Reinai-vos a ortar-vos uns aos outros
como eu me ortei.
(«Desescritas». Afrontamento, 1973)
 
 

CARREIRO, José. “Ova Ortegrafia, Maria Velho da Costa”. Portugal, Folha de Poesia, 24-05-2020. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/05/ova-ortegrafia-maria-velho-da-costa.html


 
LUSOFONIA Plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/