VIOLA CHINESA
Vai adormecendo a parlenda
Sem que amadornado eu atenda
A lengalenga fastidiosa.
Sem que o meu coração se prenda,
Enquanto, nasal, minuciosa,
Ao longo da viola morosa,
Vai adormecendo a parlenda.
Mas que cicatriz melindrosa
Há nele, que essa viola ofenda
E faz que as asitas distenda
Numa agitação dolorosa?
Ao longo da viola, morosa...
Ao longo da viola morosa
Camilo Pessanha
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Nota bibliográfica coligida por J.G. Elzenga:
Autógrafo pertencente ao espólio de Carlos Amaro, atualmente perdido. Fonte: cópia manuscrita do poema, enviada a Castro Osório por José Benedito de Almeida Pessanha.
Publicações anteriores à segunda edição de Clepsidra:
Recorte de jornal não identificado, no Caderno de Macau: o poema traz o título Rondel (riscado e substituído por Viola chineza), a dedicatória "(A Wenceslau de Moraes)", a menção de "inédito", a data "Macau, julho de 1898", e a assinatura.
O Mundo Português, (Janeiro de 1934), com o título Viola chinesa e a dedicatória;
Revista de Portugal, (Novembro de 1940), com a indicação de "Inédito".
QUESTIONÁRIO SOBRE O POEMA «VIOLA CHINESA»
1. Considerando as duas primeiras estrofes, percebemos que o poeta explora bastante certos fonemas, produzindo uma musicalidade que se espalha por todos esse versos. Explique esse trabalho de linguagem, apontando a ocorrência desse efeito sonoro.
2. Em que estado se encontra o eu lírico enquanto ouve a "viola morosa"?
3.O poeta simbolista está sempre aberto aos estímulos sensoriais, que lhe despertam sugestões, emoções indefinidas e vagas. repare que, à medida que a conversa morre, fica no ar apenas o som da viola. Em que versos da terceira estrofe revela o eu lírico a inquietação que o som da vida produz em seu interior?
4. O eu lírico define essa inquietação ou apenas a registra? Justifique.
5. Em resumo: que características tipicamente simbolistas você reconhece nesse texto?
http://anagabrielavieira.blogspot.pt/2009/09/simbolismo.html
AO LONGO DA VIOLA MOROSA
Nesta sugestão de rondel é subtil a transposição do eu de Pessanha ‑sucessivamente apresentado (eu atenda, meu coração, nele ‑ coração ‑) objetivado no passarito na gaiola (porque «as asitas distende» que se agita dolorosamente ao som da viola morosa e plangente (vejam-se as nasais e sons fechados a fazer-nos pensar nas cordas) e, porque o é, fá-lo sofrer ‑ eu / coração ‑ sede de sentimentos // passarito /gaiola → sofrimento para os dois limitados no espaço ‑ sugerido no som o e no arrastado do verso que abre e fecha a composição, mais arrastado ainda no fecho pela pausa e pelas reticências.
Lilás Carriço, Literatura Prática 11º Ano. Porto, Porto Editora, 1986 (4ª ed.) (1ª ed. 1977), PP. 353-354.
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CAMINHO
O poema evolui sob a captação onomatopaica do som desse instrumento — aqui recriado pela monótona insistência nos sons nasais. Em dois tempos recorta-se uma paisagem interior: a princípio, o sujeito “amadornado” diz-se insensível à música; mas, depois, já envolvido, a música vem a ofender uma “cicatriz melindrosa” a ponto de lhe provocar uma “agitação dolorosa”. Ou seja, num universo simbolista, impossível ficar alheio ao apelo da música, qualquer música.
Camilo Pessanha em dois tempos, Gilda Santos e Izabela Leal, Rio de Janeiro, 7Letras, 2007, p. 42.
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O “EU” REVELADO E AS MÁSCARAS DO “EU”
[…] Partindo-se dessa conclusão e da feita com a leitura de “Violoncelo”, vemos que os poemas que remetem a instrumentos musicais tendem a ser mais imprecisos na caracterização do “eu”. Vejamos, no entanto, um caso em que a sugestão gerada por um instrumento musical deixa entrever, de forma um pouco mais nítida (e só um pouco) como se faz esse “eu”.
Embora seja bastante rica a musicalidade do poema e o estado do sujeito também ser sugerido pelo som de um instrumento musical (caso dos dois últimos poemas analisados), o “eu” aparece explicitamente citado — já na primeira estrofe — pelo pronome pessoal (ao contrário dos dois poemas que o sujeito não vinha sequer aludido). Essa identificação do “eu” com a “viola morosa” é parecida com a do “eu” com a “flauta flébil” do poema anterior: “eu” e “mundo” são incompatíveis. Neste poema, no entanto, podemos não só adivinhar uma cena que se desenrola, mas observá-la bastante claramente.
A leitura desse poema permite que ele, na construção de sua imagem final, seja associado ao “Ao longe os barcos de flores”: outra vez podemos ler que, para o eu lírico camiliano, o contato que se faz com as coisas de mundo se dá via um sentimento de exílio e não pertencimento. O que interessa, no entanto, para a nossa leitura, é que o “eu” passa a ser explicitamente construído.
FERREIRA, José Eduardo. O processo de representação do eu na Clepsidra de Camilo Pessanha.
São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2011.
Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa, pp. 66-67.
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► Vida e obra de Camilo Pessanha: apresentação crítica, seleção, notas e linhas de leitura / análise literária de Clepsidra e outros poemas, por José Carreiro. In: Lusofonia – plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo, 2021 (3.ª edição).
[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2014/01/17/viola.chinesa.aspx]
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