Leia o Texto
A. Se necessário, consulte as notas.
TEXTO A
Ai, dona fea,
fostes-vos queixar
que vos nunca
louv[o] em meu cantar;
mais ora quero
fazer um cantar
em que vos
loarei toda via;
e vedes como
vos quero loar:
dona fea,
velha e sandia!
Dona fea, se
Deus mi pardom,
pois avedes
[a]tam gram coraçom
que vos eu
loe, em esta razom
vos quero ja
loar toda via;
e vedes qual
sera a loaçom:
dona fea,
velha e sandia!
Dona fea,
nunca vos eu loei
em meu trobar,
pero muito trobei;
mais ora ja um
bom cantar farei,
em que vos
loarei toda via;
e direi-vos
como vos loarei:
dona fea,
velha e sandia!
Joam Garcia de Guilhade, in A Lírica
Galego-Portuguesa, edição de Elsa Gonçalves
e Maria Ana Ramos, 2.ª ed., Lisboa, Comunicação, 1985, p. 160.
notas
mais ora (verso 3) – mas
agora.
loarei (verso 4) –
louvarei; elogiarei.
toda via (verso 4) – de
qualquer modo.
sandia (verso 6) – louca;
insensata.
[a]tam gram coraçom (verso 8) – tão
grande desejo.
em esta razom (verso 9) – por este
motivo.
pero (verso 14) – ainda
que.
1.
Refira dois aspetos que evidenciam a atitude
satírica do trovador.
2.
Explicite de que modo a cantiga de Joam Garcia de
Guilhade assenta em processos de repetição e variação.
***
Leia o Texto
B. Se necessário, consulte as notas.
TEXTO B
Redação
Uma senhora
pediu-me
um poema de
amor.
Não de amor
por ela,
mas «de amor,
de amor».
À parte
aquelas
trivialidades
«minha rosa, lua
do meu céu interior»
que podia eu
dizer
para ela, a
não destinatária,
que não fosse
por ela?
Sem objeto, o
poema
é uma redação
dos 100
Modelos
de Cartas de
Amor.
Alexandre O’Neill, Poesias Completas &
Dispersos, edição de Maria Antónia Oliveira,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2017, p. 521.
notas
Redação (título) – ato ou
efeito de redigir; trabalho escolar que consiste no desenvolvimento, por
escrito, de um determinado tema.
100 Modelos / de
Cartas de Amor (versos 14-15) – referência a livros que ofereciam modelos de
cartas de amor, podendo estes ser adaptados para diferentes destinatários.
3.
Indique duas das razões que levam o poeta a
considerar que «Sem objeto, o poema / é uma redação / dos 100 Modelos / de
Cartas de Amor.» (versos 12-15).
4.
Releia os dois textos.
Explique a
importância que as ações das figuras femininas assumem em cada uma das
composições poéticas: «queixar» (Texto A, verso 1) e «pediu-me» (Texto B, verso
1).
CHAVE DE CORREÇÃO
1. Na resposta, devem
ser desenvolvidos dois dos tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes.
A atitude satírica
do trovador é evidenciada pelos aspetos seguintes:
− a caracterização
impiedosa da mulher;
− a subversão dos
códigos do amor cortês, nomeadamente no que se refere aos atributos da
destinatária;
− a paródia ao tema
central da cantiga de amor, o louvor da dama.
2. Na resposta, devem ser desenvolvidos dois dos tópicos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
Os processos de
repetição e variação na cantiga podem ser explicitados deste modo:
− a intenção do
trovador é reiterada, em cada estrofe, com palavras diferentes, mas com sentido
equivalente;
− o verbo «loar» (vv.
5 e 10), usado repetidamente ao longo do poema, surge conjugado em diversos tempos
e modos;
− o verso 6 é
repetido, na mesma posição (refrão), nas estrofes seguintes; o verso 4 é
repetido, integralmente, no verso 16 e, com uma variação, no verso 10.
3. Na resposta, devem ser desenvolvidos dois dos tópicos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
As razões que levam
o poeta a considerar que «Sem objeto, o poema / é uma redação / dos 100 Modelos
/ de Cartas de Amor.» (vv. 12-15) são as seguintes:
− o conceito de
«poema» (v. 12), enquanto criação artística, opõe-se ao conceito de «redação»
(v. 13), enquanto mero exercício de escrita;
− a ausência de
destinatário reduz o poema de amor a um texto que apenas reproduz «Modelos» (v.
14);
− o facto de o poema
não ter «objeto» (v. 12) faz com que redunde num repositório de lugares-comuns
e ideias banais («trivialidades» ‒ v. 6).
4. Na resposta, devem ser desenvolvidos os dois tópicos seguintes, ou
outros igualmente relevantes.
A importância que as
ações das figuras femininas assumem em cada uma das composições poéticas pode ser
explicada deste modo:
− no Texto A, as
queixas da «dona fea» (v. 1) levam o trovador a compor uma cantiga para
«louvar», ironicamente, os seus traços ‒ «fea, velha e sandia» (v. 6);
− no Texto B, o
pedido da «senhora» (v. 1) constitui o motivo para uma reflexão sobre a
impossibilidade de escrever um poema de amor por encomenda.
Fonte: Exame Final Nacional de Literatura
Portuguesa, Prova 734, 1.ª Fase, Ensino Secundário (11.º Ano de Escolaridade, Decreto-Lei
n.º 55/2018, de 6 de julho). IAVE, 2021. Prova disponível em: https://iave.pt/wp-content/uploads/2021/07/EX-LitP734-F1-2021_net.pdf
. Critérios de classificação disponíveis em https://iave.pt/wp-content/uploads/2021/07/EX-LitP734-F1-2021-CC-VT_net.pdf
CARREIRO, José. “Ai,
dona fea, fostes-vos queixar, Joam Garcia de Guilhade”. Portugal, Folha
de Poesia, 21-07-2021. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2021/07/ai-dona-fea-fostes-vos-queixar-joam.html
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