Fotografia da Torre de Belém, situada onde outrora existiu a praia de Belém. © José Carreiro, 2019-05-04 |
Planta "Le chateau de Belem" in Description del reyno de Portugal y de los reynos de Castilla que confinan con su frontera / Delineada por D. Pedro Teixeira´Albernaz (ca 1595-1662). Disponível em: https://purl.pt/16992 |
A designação “praia das lágrimas” surgiu num texto de João de Barros (c.1496-c.1570). Corresponde ao local da partida dos nautas portugueses, localizado em Belém, no Restelo, nos séculos XV e XVI:
Praia de Lágrimas | por João de Barros
No qual
ato foi tanta a lágrima de todos, que neste dia tomou aquela praia posse das
muitas que nela se derramam na partida das armadas que cada ano vão a estas
partes que Vasco da Gama ia descobrir: de onde com razão lhe podemos chamar
praia de lágrimas para os que vão e terra de prazer aos que vêm. E quando veio
ao desfraldar das velas, que os mareantes, segundo seu uso, deram aquele alegre
princípio de caminho, dizendo “boa viagem!”, – todolos que estavam na vista
deles com uma piedosa humanidade dobraram estas lágrimas e começaram de os
encomendar a Deus, e lançar juízos segundo o que cada um sentia daquela
partida. Os navegantes, dado que com o fervor da obra e alvoroço daquela
empresa embarcaram contentes, também, passado o termo do desferir das velas,
vendo ficar em terra seus parentes e amigos e lembrando-lhe que sua viagem
estava posta em esperança, e não em tempo certo nem lugar sabido, assim os
acompanhavam em lágrimas como em o pensamento das cousas que em tam novos casos
se representam na memória dos homens. Assi que, uns olhando para a terra, e
outros para o mar, e juntamente todos ocupados em lágrimas e pensamento daquela
incerta viagem, tanto estiveram prontos nisso té que os navios se alongaram do
porto.
João de Barros, O descobrimento
da Índia: Ásia, Década I, livro IV (capítulo II). Lisboa: Seara Nova, 1947.
Linhas de leitura
- Justifica a designação “praia das lágrimas”.
- Procura, ainda, no texto o nome dado à mesma praia, quando a ela se chegava.
Partida de Vasco da Gama para a Índia, Vista Alegre, c. 1960 (pintura num prato). |
Praia das Lágrimas | por Luís de Camões
Camões inclui em Os Lusíadas um episódio conhecido como “Praia das Lágrimas” ou “Despedidas em Belém” (Canto IV, estâncias 84-93), que faz parte do plano da viagem e é narrado por Vasco da Gama ao rei de Melinde.
No episódio, é uma analepse que permite tomar conhecimento do sucedido na viagem dos marinheiros desde a partida de Lisboa até ao momento em que chegam ao canal de Moçambique (Canto I, est. 19 – recorde-se o conceito de narração in medias res).
1.ª parte: Os preparativos da viagem (est.
84-87)
Vasco da
Gama relata os preparativos para a partida. O papel de Gama como narrador deste
episódio fica explícito na utilização do pronome pessoal me («pera seguir-me» –
est. 84) e no recurso à primeira pessoa do singular («[eu] Certifico-te» – est.
87). O interlocutor de Vasco da Gama, o rei de Melinde, é também assinalado
através do pronome pessoal te («Certifico-te» – est. 87) e do vocativo («ó Rei»
– est. 87).
Neste
momento inicial, Vasco da Gama situa a ação «no porto da ínclita Ulisseia» (est.
84) e, de seguida, sublinha a coragem dos marinheiros e dos guerreiros que o
acompanham na longa viagem («não refreia / Temor nenhum o juvenil despejo, /
Porque a gente marítima e a de Marte / Estão pera seguir-me a toda a parte» –
est. 84) e a sua determinação («E não menos de esforço aparelhados / Pera
buscar do inundo novas partes» – est. 85).
Estando
aptos física e psicologicamente para a viagem, os marinheiros assistem a uma
cerimónia religiosa, de modo a preparar a «alma pera a morte» (est. 86), ouvindo
missa, comungando e pedindo a Deus proteção («Implorámos favor que nos guiasse,
/ E que nossos começos aspirasse» – est. 86).
No final
da descrição dos preparativos, Vasco da Gama relata a entrada nas embarcações, referindo-se
ao espaço físico que os marinheiros abandonam por meio de uma perífrase,
«Partimo-nos assim do santo templo / Que nas praias do mar está assentado, /
Que o nome tem da terra, pera exemplo, / Donde Deus foi em carne ao mundo dado»
(est. 87), que faz alusão ao topónimo Belém.
A sua
afirmação final, «se contemplo / Como fui destas praias apartado, / Cheio
dentro de dúvida e receio, / Que apenas nos meus olhos ponho o freio» (est.
87), permite estabelecer um contraste entre a determinação dos homens e os
medos que os assaltam no momento da partida. Os sentimentos evidenciados acabam
por contribuir para engrandecer os heróis portugueses, pois, para além de todos
os seus feitos, venceram também os medos e as dúvidas que poderiam tê-los
impedido de conquistar o mar e de chegar à Índia.
84
«E já no porto da ínclita Ulisseia1
Cum
alvoroço nobre e cum desejo
(Onde
o licor2 mistura e branca areia
Co
salgado Neptuno3 o doce Tejo)
As naus prestes4 estão; e não refreia
Temor nenhum o juvenil despejo5,
Porque
a gente marítima e a de Marte6
Estão
pera seguir-me a toda a parte.
Notas:
1 Lisboa (cidade de
Ulisses). 2 Água. 3 Oceano. 4 Prontas. 5 Juvenil desembaraço. 6 Os guerreiros,
a tropa que seguia na frota do Gama.
Paráfrase:
Já no porto
de Lisboa
Com entusiasmo e
vontade
(onde a água
doce do Tejo
se mistura com a
salgada do mar)
as
naus estão prontas a partir;
nenhum
medo consegue diminuir
a energia
dos jovens
porque os
marinheiros e os soldados
estão dispostos
a seguir-me para toda a parte.
OU
No porto de Lisboa, na praia do Restelo, em Belém, onde a água salgada
do oceano se mistura com a água doce do rio Tejo, as naus da armada de Vasco
da Gama estão prontas para a viagem em direção à Índia.
Perante este acontecimento, não há medo nenhum
que impeça os marinheiros de embarcarem, pois tanto estes como os guerreiros
que acompanhavam a armada seguirão Vasco da Gama para onde quer que ele vá.
85
«Pelas praias vestidos os soldados
De várias cores vêm e várias artes,
E não menos de esforço aparelhados7
Pera buscar do mundo novas partes.
Nas fortes naus os ventos
sossegados
Ondeiam os aéreos estandartes;
Elas8 prometem, vendo os
mares largos,
De ser no Olimpo estrelas, como a
de Argos9.
Notas:
7 Preparados. 8 As naus. 9
De serem colocadas no Olimpo (= tornadas imortais), como acontecera na
Antiguidade à nau de Argo, que Minerva pôs entre as constelações.
Paráfrase:
Soldados de diversas patentes e ofícios
estão preparados para descobrir novas partes do
mundo.
Um suave vento ondeia as bandeiras;
as naus, ao verem os mares largos,
prometem ser estrelas no
Olimpo (isto é, prometem fama aos navegadores portugueses).
86
«Despois de aparelhados, desta
sorte,
De quanto tal viagem pede e manda,
Aparelhámos a alma pera a morte10,
Que sempre aos nautas ante os olhos
anda.
Pera o sumo Poder, que a etérea
Corte
Sustenta só co a vista veneranda,
Implorámos favor que nos guiasse
E que nossos começos aspirasse11.
Notas:
10 Ouvimos missa,
comungámos, como convinha a bons cristãos que iriam expor-se a muitos perigos. 11
Favorecesse.
Paráfrase:
Os marinheiros preparam-se para a viagem e preparam
também a alma para a morte.
Rezaram a Deus para que
os ajudasse.
87
«Partimo-nos assi do santo templo12
Que nas praias do mar está
assentado,
Que o nome tem da terra, pera
exemplo,
Donde Deus foi em carne ao mundo
dado13.
Certifico-te, ó Rei, que, se
contemplo14
Como fui destas praias apartado,
Cheio dentro de dúvida e receio,
Que apenas nos meus olhos ponho o
freio15.
Notas:
12 Ermida de Nª Srª de
Belém. 13 Nestes primeiros quatro versos, indica-se que os tripulantes da armada
saíram de Belém para as naus. (= partimo-nos de Belém, na margem direita do Tejo).
Em Belém, na Palestina, nasceu Jesus – “Deus foi em carne ao mundo dado”. 14 Se
me lembro. 15 Dificilmente reprimo as lágrimas.
Paráfrase:
Nós partimos do templo situado na praia de Belém.
Quando recordo esses momentos da partida,
cheio de dúvidas e receio,
dificilmente contenho as
lágrimas.
2.ª parte: A despedida
(est. 88-92)
• 1.º momento – plano
geral (est. 88-89): o olhar do narrador centra-se nas pessoas que ficam
na praia, assistindo à partida dos nautas. Começa por referir -se a esta
multidão de forma generalista como «A gente da cidade» (est. 88), oferecendo um
plano geral sobre aqueles que assistem à partida. São amigos ou familiares,
embora lá se encontrem também meros curiosos que foram «por ver somente» (est.
88). Neste momento, todos partilham sentimentos de tristeza e de saudade, o que
se fica a dever à crença generalizada de que quem embarcava encaminhava-se
possivelmente para a morte:
«Em tão longo caminho e duvidoso / Por perdidos as gentes nos
julgavam» (est. 89). O narrador centra, de forma mais pormenorizada, o seu
olhar nas mulheres que sofrem com um «choro piadoso» (est. 89) e nos homens que
suspiram. Todavia, a atenção do narrador deter-se-á mais longamente nas «Mães,
Esposas, Irmãs» (est. 89), ligadas por laços estreitos aos nautas e unidas
pelos sentimentos de tristeza e de medo de não tornar a ver os seus familiares.
• 2.º momento – plano de
pormenor: a mãe (est. 90): o narrador centra-se, agora, em dois grandes
planos de pormenor: vai atentar numa mãe e numa esposa, deixando-nos ouvir as
suas palavras magoadas. Estas duas figuras, uma vez que representam todas as
esposas e mães que ficam na praia a ver os seus entes queridos partir, designam-se
personagens coletivas. O discurso da mãe é marcado pelas interrogações
retóricas, que sublinham a sua incapacidade de compreender a atitude do filho,
que era o único «emparo / Desta cansada já velhice». A sua perplexidade e
revolta ficam fortemente marcadas na última questão: «Porque de mi te vás, o
filho caro, / A fazer o funéreo encerramento, / Onde sejas de pexes
mantimento?», onde sublinha a injustiça da situação que leva o filho a uma
possível morte, deixando o amor de uma mãe sem resposta.
• 3.º momento – plano de
pormenor: a esposa (est. 91): a mesma mágoa está expressa nas palavras da
mulher. Recorrendo, igualmente, às interrogações retóricas, a esposa censura o
marido por ir para o mar, levando uma vida que não é dele mas dela. Esta
afirmação tem como base o forte amor que os une, e que faz deles um só ser.
Acusa-o ainda de colocar em risco de esquecimento o amor que os une: «Nosso
amor, nosso vão contentamento, / Quereis que com as velas leve o vento?» Note
-se, nesta frase final, a sonoridade conseguida pela aliteração do -v-, que
recorda o som do vento que leva o marido e com ele a vida da própria mulher.
• 4.º momento – plano
geral (est. 92): após este momento de maior lirismo, o narrador volta
a olhar a multidão de uma forma mais geral e destaca, de novo, os sentimentos de
«amor e de piadosa humanidade», referindo-se agora aos velhos e aos meninos que
também ficam na praia. Todos estes sentimentos influenciam a própria natureza
envolvente, que, personificada, entra em sintonia com o sofrimento que domina a
multidão: «Os montes de mais perto respondiam, / Quási movidos de alta piedade»
e a «branca areia» chora com quem fica na praia.
88
«A gente da cidade, aquele dia,
(Uns por amigos, outros por parentes,
Outros por ver somente) concorria,
Saüdosos na vista e descontentes.
E nós, co a virtuosa companhia
De mil Religiosos diligentes,
Em procissão solene, a Deus orando,
Pera os batéis16 viemos caminhando.
Nota: 16 Embarcações que conduziam os homens da terra para os navios.
Paráfrase:
Apareciam
amigos, parentes e curiosos da cidade,
Que
se mostravam saudosos e descontentes.
E
nós, acompanhados por muitos religiosos,
viemos
caminhando para os batéis,
orando a Deus, em procissão solene.
89
«Em tão longo caminho e duvidoso
Por perdidos as gentes nos julgavam,
As mulheres cum choro piadoso17,
Os homens com suspiros que arrancavam.
Mães, Esposas, Irmãs, que o temeroso
Amor mais desconfia18, acrecentavam19
A desesperação e frio medo
De já nos não tornar a ver tão cedo.
Notas: 17 Por piedoso. 18 Torna mais receosas. 19 Por acrescentavam (=
aumentavam).
Paráfrase:
Como
o caminho era longo e desconhecido
as
pessoas achavam que nos perderíamos,
as
mulheres choravam e os homens suspiravam.
Mães,
Esposas e Irmãs temiam
(desesperadas
e com medo)
não nos verem tão cedo.
90
«Qual20 vai dizendo: – «Ó filho, a quem eu tinha
Só para refrigério e doce emparo
Desta cansada já velhice minha,
Que em choro acabará, penoso e amaro,
Porque me deixas, mísera e mesquinha?
Porque de mi te vás, o filho caro,
A fazer o funéreo encerramento,
Onde sejas de pexes21 mantimento?»
Notas: 20 Uma. 21 Por peixes.
Paráfrase:
Uma
[mãe] vai dizendo:
“-
Ó filho, porque me deixas tão miserável e numa velhice penosa?
Eu
que te tinha para me cuidares na velhice.
Porque
te vais embora, meu querido filho,
Para
seres comida de peixe?”
OU
Uma
mulher diz:
-
Ó filho, que eu tinha só para conforto e doce amparo da minha cansada velhice,
que acabará em choro penoso.
Porque me deixas na miséria? Querido filho, porque
te vais embora para servires de mantimento para peixes?
91
«Qual22 em cabelo: – «Ó doce e amado esposo,
Sem quem não quis Amor que viver possa,
Porque is23 aventurar ao mar iroso
Essa vida que é minha e não é vossa?
Como, por um caminho duvidoso,
Vos esquece a afeição tão doce nossa?
Nosso amor, nosso vão contentamento,
Quereis que com as velas leve o vento?»
Notas: 22 Outra (mulher que na aflição da despedida nem teve tempo de tapar o
cabelo como era de esperar nas mulheres casadas e viúvas). 23 Ides.
Paráfrase:
Outra
mulher, com o cabelo solto (i.e., como se estivesse solteira):
“Ó
doce e amado esposo,
Que
o Amor não deixa viver sem ti,
Porque
arriscas a tua vida nesse mar perigoso?
Essa
vida que é minha e não é tua?
Como
é possível que por causa de uma viagem duvidosa
Possas
esquecer o nosso amor?
Queres
que o nosso amor seja levado pelo vento?”
92
«Nestas e outras palavras que diziam,
De amor e de piadosa humanidade,
Os velhos e os mininos os seguiam,
Em quem menos esforço põe a idade.
Os montes de mais perto respondiam,
Quási24 movidos de alta piedade;
A branca areia as lágrimas banhavam,
Que em multidão com elas se igualavam.
Nota: 24 Como.
Paráfrase:
A
estes lamentos juntavam-se
os
velhos e as crianças,
que
eram mais fracos por causa da sua idade.
Os
montes, como se estivessem comovidos,
respondiam
com o eco;
as lágrimas da multidão inundavam a areia.
3.ª parte: A partida
(est. 93)
O episódio termina centrado naqueles que partem. Vasco da Gama
decide que a partida se fará «Sem o despedimento costumado», como forma de
impedir o sofrimento («Por nos não magoarmos») ou a alteração da decisão tomada
(«ou mudarmos / Do propósito firme começado»).
93
«Nós outros sem a vista alevantarmos
Nem a mãe, nem a esposa, neste estado,
Por nos não magoarmos, ou mudarmos
Do propósito firme começado,
Determinei de assi nos embarcarmos
Sem o despedimento costumado,
Que, posto que é de amor usança boa,
A quem se aparta, ou fica, mais magoa.
Paráfrase:
Nós
não levantávamos os olhos
para
não ver mães e esposas naquele estado
e
para não sofrermos ou nos arrependermos de partir.
Então,
dei ordem para que embarcássemos
sem
as despedidas habituais
porque fazem sofrer quem fica e quem parte.
Fonte: Síntese e notas adaptadas de Letras & Companhia. Português 9.º Ano.
Carla Marques e Inês Silva. Edições Asa, 2013. Paráfrase adaptada de Os Lusíadas. Edição
organizada por António José Saraiva. Porto, Figueirinhas, 1978.
“Mar
Português” | de Fernando Pessoa
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Fernando Pessoa, Mensagem, 1934
Linhas de leitura:
Estamos
A
É uma
É
Ao
Os
As
vv. 1-2,
Note-se o facto de os
A
A
Esta
O
Note-se,
O
carácter
.
«
.
«
A
.
«Valeu a
.
«
(Adaptado de Fernando
Pessoa e Heterónimos - Propostas de Análise, Avelino Soares Cabral, Mem Martins,
Edições Sebenta, impress. 2007)
Proposta de trabalho:
- Relaciona o poema de Fernando Pessoa com o episódio da Praia das Lágrimas d'Os Lusíadas no que respeita às pessoas envolvidas e aos sentimentos expressos por quem fica.
Praia
das Lágrimas | por Carlos Tê
O tema da
partida da Praia das Lágrimas tem sido muito abordado tanto na literatura como
na música. Rui Veloso e Carlos Tê escreveram a canção intitulada “Praia das
Lágrimas”, que faz parte do álbum Auto da Pimenta, disco oficial das
comemorações do quinto centenário dos Descobrimentos Portugueses.
PRAIA DAS
LÁGRIMAS
Ó mar
salgado eu sou só mais uma
Das que
aqui choram e te salgam a espuma
Ó mar das
trevas que somes galés
Meu
pranto intenso engrossa as marés
Ó mar da
Índia lá nos teus confins
De chorar
tanto tenho dores nos rins
Choro
nesta areia salina será
Choro
toda a noite seco de manhã
Ai ó mar
roxo ó mar abafadiço
Poupa o
meu homem não lhe dês sumiço
Que sol é
o teu nesses céus vermelhos
Que eles
partem novos e retornam velhos
Ó mar da
calma ninho do tufão
Que é do
meu amor seis anos já lá vão
Não sei o
que os chama aos teus nevoeiros
Será
fortuna ou bichos-carpinteiros
Ó mar da
China Samatra e Ceilão
Não sei
que faça sou viúva ou não
Não sei
se case notícias não há
Será que
é morto ou se amigou por lá
Carlos Tê
e Rui Veloso, Auto da Pimenta, 1991
Comentário de texto:
Faz um pequeno comentário à letra
da música, tratando os seguintes tópicos:
a.
sujeito poético;
b.
interlocutor;
c.
intenção do sujeito poético ao dirigir-se ao interlocutor;
d.
relação entre o conteúdo do texto e o título.
Fonte: Letras
& Companhia. Português 9.º Ano. Carla Marques e Inês Silva. Edições
Asa, 2013.
Sugestão de resposta solicitada a ChatGPT:
A letra da música “Praia das Lágrimas” é bastante emotiva, retratando o sofrimento de uma mulher que chora a ausência do seu marido, que viajou para a Índia e nunca mais voltou. O sujeito poético é uma mulher desesperada e sofrida, que chora a ausência do marido e teme por sua vida, pois sabe que muitos navegadores foram tragados pelo mar e nunca mais voltaram.
O interlocutor do poema é o mar, que é personificado como um ser vivo, capaz de sumir galés e engrossar as marés com o pranto intenso da mulher. A intenção do sujeito poético ao dirigir-se ao interlocutor é suplicar que o mar poupe a vida do seu marido, pedindo-lhe que não o mate na viagem de regresso da Índia, mesmo sem ter notícias dele há muitos anos. A mulher busca uma resposta do mar, uma esperança de que seu marido esteja vivo e possa voltar para ela.
O título da música, “Praia das Lágrimas”, faz referência à praia onde a mulher está, chorando a ausência do marido. A praia é um local de muita dor e sofrimento para a mulher, que se encontra angustiada e preocupada com a vida do marido. O conteúdo do texto está intimamente relacionado com o título, pois a mulher chora na praia enquanto pede ao mar que poupe a vida do seu marido, e é esse sofrimento que dá origem ao nome “Praia das Lágrimas”.
No geral, a música retrata uma situação bastante comum nos Descobrimentos Portugueses, que foi a separação de famílias e a incerteza em relação ao destino dos navegadores que partiam em busca de novas terras. A letra transmite um sentimento de tristeza e saudade, mostrando a dor de uma mulher que espera pelo retorno do marido, e ao mesmo tempo revela a força e a coragem que essas mulheres precisavam ter para enfrentar a incerteza e a saudade, enquanto seus maridos arriscavam suas vidas nos mares desconhecidos.
ChatGPT Feb 13 Version, disponível em https://chat.openai.com/chat, 2023-02-15
O tema da partida da Praia das Lágrimas
(autor desconhecido), Mulheres – Nazaré, c. 1951
(fotografia) |
Embora
representativa de uma situação ocorrida em local e época diferentes, esta fotografia
de mulheres nazarenas, em pleno século XX, vestidas com o tradicional traje das
sete saias, na praia da Nazaré, pode ser associada à temática da partida aqui exposta,
porque também representa a tristeza, o desconsolo das mulheres e idosos
que veem os familiares partir rumo ao mar.
A praia
da Nazaré e os homens e mulheres que ali vivem em torno do mar atraíram escritores,
pintores, fotógrafos e cineastas.
Nas
palavras de Afonso Lopes Vieira ("Passeio nas Minhas Terras", 1940, in
Nova demanda do Graal, 1942), a Nazaré assumia-se como o modelo de um
mundo cândido que era preciso preservar face ao avanço da modernidade; uma
“tribu (…) tão impermeável à influência dos forasteiros burgueses que, vivendo
paredes meias com eles, guarda intacto o carácter e íntegra a fisionomia (…). O
Nazareno pescador é um dos tipos mais profundamente nacionais, caldeado na
costa do país a que arribou um dia (…)” (apud “Memória e representação do mar.
Guilherme Filipe e Lino António, os pintores das paisagens e gentes da
Nazaré” in Imaginários do Mar – volume 2. Uma antologia crítica, Carlos
F. Clamote Carreto e Luís Sousa Martins, Lisboa, IELT – NOVA FCSH, 2021).
A pesca
do bacalhau por homens e navios portugueses é uma saga humana lendária.
Drama épico por excelência, encerra uma densidade narrativa singular, composta
por memórias socialmente disputadas e muito diversas entre si. Aventura humana
exaltada pela ditadura do Estado Novo, a grande pesca conheceu nesse contexto a
sua expressão histórica mais saliente. Foi então que o Estado a apresentou à
sociedade e aos olhos de estrangeiros como uma obra nacional de fundas raízes
históricas, enquanto expressão eloquente do "regresso de Portugal ao
mar", o principal axioma da ideologia maritimista do regime. Nas suas
variadas iniciativas de propaganda, o Estado recobriu a frota bacalhoeira e os
seus protagonistas humanos com uma ideologia historicista cheia de sugestões épicas.
"Trazer
à pátria o pão dos mares", "reencontrar a nação com o mar" e
resgatar o espírito de Quinhentos através da bravura dos pescadores-marinheiros
que todos os anos embarcavam para o Atlântico Norte foram tópicos insistentes
da propaganda. Esse discurso oficial e oficioso, promovido pela organização
corporativa das pescas e pelo seu chefe-oligarca Henrique Tenreiro, depressa
alcançou uma dimensão popular, sobretudo graças à espetacular bênção dos bacalhoeiros,
um ritual nacionalista, religioso e profano, que teve lugar em Lisboa a partir
de 1936. A bênção anual dos veleiros e das tripulações no momento da largada
para a Terra Nova não só se alojou na memória coletiva como inibiu imagens e interpretações
menos estilizadas ou mesmo dissidentes sobre as campanhas do bacalhau.
De forma
paradoxal - ou significativa desse condicionamento cultural -, até hoje a
literatura e as artes pouco se interessaram por este universo narrativo
simultaneamente belo e cruel, humano e desumano, épico mas dramático. A
multiplicidade de interpretações que podemos atribuir à pesca do bacalhau e a
diversidade de sentidos que podemos conferir às suas peripécias humanas
traduzem bem a riqueza deste património narrativo. O excesso de real da
"faina maior" alimenta o mito e mantém vivas as disputas memoriais,
que são afinal lutas de significado.
As obras
de Bernardo Santareno sobre a pesca do bacalhau, O Lugre e
Nos
Mares do Fim do Mundo, ambas editadas pela Ática em 1959, continuam
a ser as mais fecundas representações literárias das viagens à Terra Nova e à
Gronelândia. […]
Álvaro
Garrido, “Prefácio” in Nos Mares do Fim do Mundo, Bernardo Santareno. E-primatur/Letras
Errantes, 2016
Nos
Mares do Fim do Mundo, Bernardo Santareno. Lisboa, Parque EXPO 98, 1997 (seleção de algumas crónicas de viagem) |
OS FOGUETES
- Os lugres. Vêm lá os lugres! Vêm lá!...
Num instante, juntou-se uma
multidão no cais, em S. Miguel: Mas quem mais gritava e corria, desfeitas as
longas tranças, o riso aguado de sol, nos olhos cavalos desenfreados, eram as
mulheres - as mulheres dos pescadores açorianos do bacalhau.
- Os lugres!
Já s'avistam os lugres!!...
E a Rosa Bailão, doidinha de todo,
a chorar e a rir, mordia as mãos de ansiedade:
- O fogo, o fogo! Atirem já os
foguetes!...
E atiraram: encheram o céu de
rosas de lume, barulhentas e garrulas ...
Era assim todos os anos.
Quando os primeiros
desembarcaram, a Rosa lançou-se para o meio deles, incontida, com todo o sal do
mar a morder-lhe na garganta:
- O meu Jorge?... O meu homem?...
Os pescadores, sucumbidos,
desviaram os olhos, os braços caíram-lhes inertes ... E passaram adiante.
- Qu'é
dele?... O meu Jorge... O meu homem?...
Os foguetes crepitavam mais vivos
que nunca. E gritos, abraços, choros... frenesins de gestos e de beijos.
- O meu Jorge... o meu.... ai, Santo
Deus!...
E a Rosa, geladas as linhas da
face pelo terror, deixou-se cair no chão...
- O meu
Jorge... o meu...
Não, o Jorge Bailão não vinha:
Bebera-o uma onda do mar bravo, em bancos da Terra Nova.
Pobre Rosa!: De entre todas as
mulheres de pescador, fora ela quem mais foguetes comprara, quem mais se
desentranhara em brados, risos e danças, mal a linha puríssima do horizonte oceânico
começou a levedar em pontos escuros, móveis e vivos, cada vez maiores, maiores!...
- O meu, Jorge?... Qu'é dele?... Onde
está o meu homem?!...
E o povo de S. Miguel, desde então,
nunca mais queimou foguetes, à chegada
dos lugres bacalhoeiros.
Bernardo
Santareno, Nos Mares do Fim do Mundo, 1959
Lugre Argus fundeado em Belém para a cerimónia de Bênção |
Análise textual do texto “Os Foguetes”
O texto
"Os Foguetes" de Bernardo Santareno, presente na obra Nos Mares do
Fim do Mundo, retrata uma cena emocionante que se desenrola num cais da
ilha de São Miguel, nos Açores, à espera da chegada dos lugres que trazem de
volta os pescadores que passaram meses pescando no Atlântico Norte. A multidão
ansiosa e alegre é composta principalmente pelas mulheres dos pescadores que,
com grande expectativa, aguardam o retorno de seus maridos, pais e irmãos.
A
protagonista, Rosa Bailão, representa todas as mulheres dos pescadores, cujas
vidas estão profundamente ligadas à pesca do bacalhau, importante no suporte económico
da região. A sua ansiedade é palpável quando se aproximam os navios, ela é a
primeira a ver e anunciar a chegada dos lugres. A ansiedade de Rosa é tão grande
que ela pede que atirem foguetes para celebrar o retorno dos pescadores, e o
céu é iluminado por "rosas de lume, barulhentas e garrulas".
A emoção
das mulheres transforma-se em angústia quando os pescadores finalmente
desembarcam e Rosa busca o seu marido, Jorge Bailão. No entanto, ela acaba por
perceber que ele foi perdido no mar, tornando-se uma das muitas vítimas da dura
vida dos pescadores açorianos. A descrição da cena em que Rosa se apercebe da
morte do marido é extremamente emocionante, e o narrador consegue transmitir
com grande sensibilidade a dor e a tristeza que acometem a personagem.
A
história de "Os Foguetes" é um exemplo poderoso da dureza da vida dos
pescadores açorianos, em particular, e dos pescadores portugueses, em geral, que
enfrentam os perigos do mar em busca do sustento das suas famílias. A narrativa
de Bernardo Santareno é marcada por um forte realismo e por uma abordagem
sensível das emoções humanas. A utilização de uma linguagem simples, porém
expressiva, permite que o leitor se identifique facilmente com as personagens e
com a sua luta pela sobrevivência.
Em suma,
"Os Foguetes" é uma história emocionante e comovente que retrata a
vida dos pescadores açorianos de maneira realista e sensível. A obra de
Bernardo Santareno consegue transmitir a dureza e a beleza da vida no mar, bem
como as emoções fortes e profundas que permeiam as relações humanas.
Análise textual solicitada
a ChatGPT (Feb 13 Version), disponível em https://chat.openai.com/chat,
2023-02-17 (resposta revista e adaptada)
CARREIRO, José. “Praia
das Lágrimas”. Portugal, Folha de Poesia, 09-05-2022 (última atualização: 17/02/2023). Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/05/praia-de-lagrimas.html
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