Estamos agora em paz
sabendo simular o esquecimento
sentados
com os olhos no vento
lá de fora atirado para antes
de nós as mãos caídas
nos joelhos mas nada suplicantes
só esvaídas
conformados
com não nos conformarmos
resignados
a esperando não esperarmos
como se tudo fosse um imenso tanto faz
Mário Dionísio (1916-1993), Terceira
Idade. Mem-Martins: Publicações Europa-América, 1982. (Obras de Mário Dionísio;
10). Retrato de MD por Júlio Pomar (1950).
Leitura orientada do poema
1. Qual é o significado da expressão "simular o
esquecimento" no poema, e como ela se relaciona com o tema da paz?
2. Qual é o papel das imagens das "mãos caídas"
e dos "olhos no vento" na construção do significado do poema?
3. Como o poema reflete a maturidade e a perspectiva da
"terceira idade", conforme sugerido pela obra de Mário Dionísio?
índice
Ó lúcido fantasma a que fugi | 11 |
Obceco-me de ti que mesmo aqui vivias sempre na floresta | 13 |
Entre arbustos de outono | 15 |
Como era belo o barco | 16 |
Que centrípetas forças arrastamos | 17 |
Céu de espantosos gritos que ficaram nos ecos da memória | 18 |
Uivo rouco de apelo | 19 |
Voltado para o parque de velhas árvores sem folhas | 20 |
Uma folha? Passos? Restolhada | 21 |
Tanta gente sentada nesta sala deserta | 22 |
Esta mão que inconformada se conforma | 23 |
Onde te vi olhar | 24 |
Encostada à janela de guilhotina | 26 |
Assustado rufo de asas na floresta | 28 |
Quando as palavras abrem canais de transparência | 29 |
Vê-se agora melhor o mais distante | 30 |
No grande côncavo da noite a bicicleta | 31 |
Ele vem num silêncio de descalço | 32 |
E outros que chegavam trazendo pelo escuro | 33 |
Ter medo é próprio do homem | 34 |
Os pinhais não são hoje como esse de névoa | 35 |
Do que não volta mais desponta outro prazer | 36 |
Ó frescura | 37 |
Translúcida brandura | 38 |
Estamos agora em paz | 39 |
E de súbito | 40 |
A vida inteira com as unhas vorazmente abrimos | 41 |
Cartucheira de flores a tiracolo | 42 |
Vejo-o no fim dum túnel lá muito de onde em onde | 43 |
Trinta anos depois | 44 |
Pergunto as horas na rua para ver | 45 |
Os olhos São os olhos que mais estranho | 46 |
Pior que não cantar | 47 |
Quantos sabem | 48 |
Palavras de alcatrão escritas com luz no muro | 49 |
Esse olhar morno | 50 |
Que nojo São carcaças | 51 |
Oh que cheirinho a antigamente | 53 |
Foi hoje a enterrar | 55 |
A chuva escreve-lhe nos ombros | 56 |
Soldado ou eu fardado | 57 |
Depois da festa pois Se festa | 58 |
Ai de quem aprendeu | 59 |
Oh doce paz interior absurda | 60 |
Quem dera separar o que é e o que está | 61 |
Compreender-te é saber o outro lado | 62 |
Não digas para sempre | 63 |
Quanto ainda durarão | 64 |
Quando não se gastara ainda o azul das baías nos cartazes | 65 |
Um comboio que no campo ao longe passa | 68 |
De entre o tanto que esquece | 69 |
Em tempo e à margem | 70 |
Não há momentos banais | 71 |
Eis-me o Rembrandt hoje nas veias | 72 |
O amarelo da seara ao sol | 74 |
Toda a tarde jazz E que me rala imaginar | 75 |
Ela canta agarrada como que sensualmente ao microfone | 76 |
Jóia discreta | 77 |
Dão horas longe numa aldeia | 78 |
Mal se vêem os prédios | 79 |
País de azulejos partidos | 80 |
Jovem de riso ardente | 81 |
Retrato de frente e de perfil | 82 |
A floresta omnipresente | 84 |
Nós vivemos de mitos dentro de mitos para os mitos | 85 |
Imóveis imagens pardas | 86 |
Acender a lareira num dia quente lá fora | 87 |
Dê-se por acabado | 88 |
Há hoje outras respostas elas mesmas perguntando | 89 |
Quando dei por isso já era sempre tarde | 90 |
Alguém morre | 91 |
Uma alvorada onde relincham potros | 92 |
É hoje o primeiro dia | 93 |
Deixem-me alargar prolongar exagerar o passeio | 94 |
Venho atravessando a custo há milhares de anos | 95 |
Estás definitivamente tão cansado | 96 |
Num banco de jardim ao sol | 97 |
Assim se fazem as cousas | 98 |
O que em mim dorme | 99 |
Quando a terra se acaba | 100 |
E curioso | 101 |
Rosto como os detesto | 102 |
Oh sedução dos destinos ignorados | 103 |
Para que alheias paragens onde é difícil respirar | 104 |
Quem sabe que entre altos cedros aqui estás | 105 |
E então começou a dormitar | 106 |
Acaso interessa | 107 |
Saber ver dos bastidores | 108 |
Há um de prodígio alguns minutos antes do sol-pôr | 109 |
Quem vier | 110 |
Concha que se fecha devagar | 112 |
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