José M. A. Carreiro. Quatro Fábricas da Luz, 24-08-2021 |
ESTOU À JANELA
Estou à janela e não passa ninguém
e é melhor que não passe ninguém
sei não sei porquê que ao longe a macieira é universo
uma vida simples acendida com poucas palavras
é o que vai é o que levo
a esperança do toque de finados
a arder e a beleza as flores que hão-de vir
com os seus pigmentos derramados na minha fronte
um ponto de astro
irei aqui e no éter
e duas ou três linhas hão-de chegar
dois ou três adágios bonitinhos
escritos a dedo com o pincel
com pigmento de musgo e de alga na terrina
e que ninguém ouvirá porque
a morada será silêncio
é quase isso por enquanto
a vida respira ainda
Abel Neves (1956)
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