sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

pOEsIA VISUAL

               
Há poemas que foram escritos para serem vistos e lidos simultaneamente.
         
                
 Marinetti - Cangiullo - Govoni und Buzzi, Paolo.
Parole in Libertà. Consonanti Vocali Numeri. Milano, Direzzione del Movimento Futurista. 11.2.1915. 29,2 x 23 cm.
       
                                          
         
         
                  
Poesia experimental
         
Frequentemente "o fenómeno poético reduz-se, voluntariamente, ao grafismo do poema, como se o seu conteúdo se restringisse a uma forma (arquitectónica, escultórica) oferecida ao olhar, não ao ouvido: o poema destina-se menos a ser lido que a ser visto, à semelhança dum objecto plástico. A espacialização externa, física, material, tipográfica que constitui, na verdade, reificação, uma vez que o poema se torna objecto, ser físico, à semelhança das coisas que integram o mundo da Natureza. A criação do espaço corresponde, nesse caso, à criação de um objecto estético, análogo à tela, à escultura, à cerâmica, e assim por diante: realiza-se, em tal conjuntura, a ideia de que o fundo é a forma, uma vez que o objecto especializado se despe de significações para ser, como as artes plásticas, sobretudo um tecido significante.”
         
Maussaud Moisés, A Criação Literária; Poesia, Ed. Cultrix
         
  
      
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O experimentalismo literário apresenta-se ciclicamente ao longo da história da literatura, correspondendo a uma prática, mais do que um período literário específico. Na segunda metade do século XX, o experimentalismo poético português, marcado pela descoberta da poesia visual e concreta internacional, levou um grupo de poetas a escolherem a designação de Poesia Experimental para catalogar as suas actividades. A origem deste nome encontra-se nos dois Cadernos antológicos da Poesia Experimental, publicados em 1964 e 1966.
         
         
    
     
    

           
         
         
         
    
     
Da poesia visual à poesia concreta
         
poesia visual, podendo ser considerada resultante, como foi dito, duma intersecção entre a poesia e a experimentação visual, pode igualmente ser vista como o resultado duma sobreposição entre a escrita e o desenho, uma vez que toda a escrita tem origem no desenho (a escrita poderá ser entendida como um desenho de palavras). Porque é possível pensar simplesmente em imagens, tal como se pode pensar simplesmente em palavras. Portanto, se a escrita e o desenho são meios de comunicação mental, será na mente onde a poesia e o traço primeiro se encontrarão.
         
in Poesia visualJorge Bacelar, Universidade da Beira Interior, 2001
         
         
     
    
     

                                     
                     
         
                   
Almada Negreiros, Colófon do Manifesto Anti-Dantas.
Edição facsimilada, Lisboa, Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 1993.
         
         
    
    
    
    
    
Assim, se já foi estabelecido por alguns historiadores que os poemas visuais surgem a partir do princípio do século XX com os futuristas – com as suas ‘palavras em liberdade’ e a sua ‘revolução tipográfica’ – a que se seguem todas as experiências dos dadaístas, surrealistas e letristas, até chegarmos ao poema concreto, teremos de sustentar essa cronologia em séculos de experiência de textos-imagens, que compreendem hieróglifos, ideogramas, criptogramas, diagramas, mandalas, além de todos os outros textos e objectos identificáveis como ‘poéticos’.(BACELAR:2001)
         
      
      
      
      
      
     
         

     
    
    
    
Mário de Sá-Carneiro, “Manucure”
in ORPHEU 3, Lisboa, Março de 1915
             
                
          
                    
     
Algumas características do poema concreto
         
a) espaço gráfico é um dos agentes estruturais do poema, isto é, o branco da folha de papel adquire valor expressivo.
         
b) Procura-se criar o "poema-objecto" em que a estrutura é o próprio conteúdo.
         
c) Ocorre a ruptura com a sintaxe tradicional e a disjunção de palavras, principalmente da palavra-chave do texto. Assim, consegue-se que ela fique espalhada em toda a composição.
         
d) O verso é abolido. Decorre aí que há várias leituras possíveis: horizontal, vertical, e, às vezes, até leitura diagonal. Por isso, diante de um poema concreto é preciso manuseá-lo para alcançar todas as suas possibilidades expressivas.
         
e) O poema estrutura-se sobre a linguagem da comunicação verbal mais a linguagem da comunicação visual.
         
f) Para obter todos estes efeitos, o poeta utiliza os aspectos concretos do significante: sonoridade, forma, sinais, e, às vezes, recursos tipográficos. Portanto, o Concretismo explora as várias possibilidades significativas do significante.
         
Carlos Faraco e F. Moura,  Língua & Literatura, Ed. Ática
         
  
     
     
     
     
         Como ler Poesia Concreta
            Se é pela primeira vez que a vê, não tente lê-la como poesia, melhor, nem sequer tente lê-la de todo: olhe simplesmente para ela. Examine os espaços entre as letras, as variações tipográficas, os espaços à volta das palavras. Considere-a como uma imagem. Depois veja que ideias surgem dessa imagem associadas com as letras e as palavras que há nela.
             
Extracto de um texto da revista inglesa LINK, de 1964, cit. por Ana Hatherly  e E. M. Melo e Castro,PO-EX: textos teóricos  e documentos da poesia experimental portuguesa, Lisboa, Moraes Editores, 1981, p.146.
    
     
         
Guillaume Apollinaire, Il pleut, Paris,1914
Guillaume ApollinaireIl pleut, Paris,1914
         
         
Este poema visual é um dos exemplos mais celebrados desta forma de comunicação. Confirmam-se neste trabalho os pressupostos operacionais para a sua ‘leitura’: o poema terá de ser lido e visto para produzir sentido.
         
Quanto ao que se segue, é exemplo da fusão do ikon e do logos, bem como do carácter ‘somático’ que a escrita demonstra, e que pode ser integrado com sucesso na experimentação visual (BACELAR:2001).   O trabalho de Ana Hatherly é dos mais paradigmáticos em Portugal na assunção dessa síntese trazida à imagem entre a escrita e o desenho. A sua poesia visual ou os seus desenhos escritos são apropriações plenas da palavra como linha, do eco e da repetição como preenchimento e fluência, e o espírito da palavra define a natureza das formas, a sua deriva (NAZARÉ:2009).
      
      
      
      
      
        

         
Ana Hatherly, Escuta o conto profano, tinta da china s/ papel, 1998. Catálogo da exposição Hand Made,
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2000.
         
         
         
         
  
                
No poema “Opressão”, da autoria de Alexandre O’Neill, observa-se a ideia de esmagamento, de violência, sugerida pela palavra que vai sendo comprimida, mas também a ideia de libertação, expressa pela palavra opção, que se liberta do jugo, da tirania daopressão.
                   
O tema do poema seguinte – a ambição – é sublinhado pelo número crescente de sílabas dos versos: de uma a doze sílabas. Daí resulta a forma do poema, que sugere o desejo de querer sempre mais. (COSTA: 2003)
         
           

                  
Guilherme de Almeida, Meus Versos Mais Queridos,São Paulo, Ed. Ediouro, 1984
          
          
     
     
     
     
     
     
   
          
Salette Tavares, “Aranha”. Tipografia, 40cm x 40 cm.
in “Brin Cadeiras”, Poesia Experimental-1, 1964.
          
             
    
A forma da aranha é desenhada com as palavras “arre” (nas patas da aranha) e “arrranha” (no corpo da aranha), além de “arrranhisso” e “arranh / aço”. Este poema é paradigmático por sintetizar duas preocupações de Salette Tavares: a escrita e a forma; a utilização do corpo como ferramenta da caligrafia e a escultura do conteúdo na forma.(TORRES: 2008)
            
    
     
           
 
    
“Pêndulo”, E.M. de Melo e Castro
    
    
    
    
    
    
    
    
Mas a poesia concreta não se resume a exercícios de manipulação das formas visuais de que o texto se possa revestir: o seu objecto centra-se na reflexão, no exercício intelectual desencadeado pela interrogação sobre o significado de uma frase ou de uma palavra. Talvez o trabalho mais vezes citado, apresentado como exemplo da mecânica que constitui a poesia concreta, seja este "Silencio", de Eugen Gomringer, um dos pioneiros da poesia concreta na década de 1950.
     
     
  
    
      
       
O que nos surge neste poema, além da multiplicação de uma única palavra sobre uma grelha ortogonal, implícita no campo visual? Apenas um vazio, uma descontinuidade na textura do objecto. Um silêncio, portanto. É este o jogo que a poesia concreta nos propõe. (BACELAR:2001)
     
    
     
     
     
plano-piloto para poesia concreta
          
poesia concreta: produto de uma evolução crítica de formas. dando por encerrado o ciclo histórico do verso (unidade rítmico-formal), a poesia concreta começa por tomar conhecimento do espaço gráfico como agente estrutural. espaço qualificado: estrutura espácio-temporal, em vez de desenvolvimento (...) meramente temporístico-linear. daí a importância da idéia de ideograma, desde o seu sentido geral de sintaxe espacial ou visual, até o seu sentido específico (...) de método de compor baseado na justaposição direta-analógica, não lógico-discursiva - de elementos: “il faut que notre intelligence s’habitue à comprende synthético idéographiquement au lieu de analytico-discursivemente” (appollinaire). (...) precursores: mallarmé( un coup de dés, 1897) : o primeiro salto qualitativo: “subddivisions prismatiques de l’idée”; espaço (“blancs”) e recursos tipográficos como elementos substantivos da composição.(...) tipografia fisiognômica: valorização expressionista do espaço, apollinaire (calligrammes) : como visão, mais do que como realização. futurismo, dadaísmo: contribuições para a vida do problema. (...)
     
poesia concreta: tensão de palavras-coisas no espaço-tempo, estrutura dinâmica: multiplicidade de movimentos concomitantes. (...)
   
ideograma: apelo à comunicação não-verbal. o poema concreto comunica a sua própria estrutura: estrutura-conteúdo. o poema concreto é um objeto em e por si mesmo, não um intérprete de objetos exteriores e/ou sensações mais ou menos subjetivas. seu material: a palavra (som, forma visual, carga semântica). seu problema: um problema de funções-relações desse material. fatores de proximidade e semelhança, psicologia de gestalt. ritmo: força relacional. o poema concreto, usando o sistema fonético (dígitos) e uma sintaxe analógica, cria uma àrea lingüística específica  - “verbivocovisual”- que participa das vantagens da comunicação não-verbal, sem abdicar das virtualidades da palavra, com o poema concreto ocorre o fenômeno da metacomunicação: coincidência e simultaneidade da comunicação verbal e não-verbal, com a nota de que se trata de uma comunicação de formas, de uma estrutura-conteúdo, não da usual comunicação de mensagens.
     
a poesia concreta visa ao mínimo múltiplo comum da linguagem, daí a sua tendência à substantivação e à verbificação (...)
     
renunciando à disputa do “absoluto”, a poesia concreta permanece no campo magnético do relativo perene. (...) cibernética. o poema como um mecanismo, regulando-se a si próprio: “feedback”. a comunicação mais rápida (implícito um problema de funcionalidade e de estrutura) confere ao poema um valor positivo e guia a sua própria confecção.
   
poesia concreta: uma responsabilidade integral perante a linguagem. realismo total. contra uma poesia de expressão, subjetiva e hedonística. criar problemas exatos e resolvê-los em termos de linguagem sensível. uma arte geral da palavra. o poema-produto:
    
augusto de campos
décio pignatari
haroldo de campos
        
           
             
Os autores do “Plano-Piloto”, texto publicado em  noigandresnº 4 (São Paulo, 1958), optaram por não utilizar as maiúsculas e utilizaram o tipo de letra sans-sarif, porque viam neste desenho de letra e nesta sintaxe minimalista, uma proximidade estrutural com os objectivos da sua poesia. Ou seja, tal como nos poemas concretos, a estrutura da letra e do texto apresenta-se (na sua perspectiva, entenda-se) sem os maneirismos ‘clássicos’.
          
           
              
             
     
    
   
Poema Concreto Digital – Poesia electronica -Tecnopoesia
              
            
            

"A.ndando.SCII"
    
       
                
                        
               
Na segunda metade do Século XX, ocorreu a fusão das linguagens artísticas, trazendo novos elementos como o rádio, o cinema e o vídeo proporcionando associações parciais destas linguagens não verbais que se transformam em linguagens verbo-visuais, verbo sonoras e visual sonoras. Com o cinema, a televisão e o vídeo e, depois, o computador, foi possível unir palavra, imagem estática e animada e som num mesmo meio.
                  
Para procurar entender a tecnopoesia, apropriamo-nos do conceito de operadores da poesia experimental  (semântico, fônico, morfogênico e visual ou icônico) (PADIN, 2000, p. 209-223), que se baseou nos operadores semânticos e fônicos da poesia verbal (J. COHEN, 1974), para considerá-lo como operadores tecnopoéticos, ou seja, trocas, relações, inter-relações, contribuições, conversões, transposições, migrações, mediações, adaptações, configurações, transmutações e intervenções realizadas entre as linguagens poéticas, artísticas e  tecnológicas, sob o enfoque predominante da (tecno)poesia.
              
Ler uma tecnopoesia em qualquer meio é uma atividade semelhante à de abrir um livro e ler uma poesia verbal, ver uma poesia visual, ouvir uma poesia sonora, assistir a uma poesia perfomática, visitar uma instalação poética, acessar poesia eletrônica. Em todos esses procedimentos predomina uma atividade comum: a poesia. Independentemente do suporte, há a leitura da poesia, não importa qual o tipo que seja. A palavra poética está presente em toda a tecnopoesia e determina uma configuração espacial, básica, formadora. (ANTONIO:2008)
                  
Segundo Fátima Finizola, «surgem, assim, novos “poetas digitais”, não necessariamente literários, que trabalham com a arte da palavra. São eles jovens designers e programadores que trabalham com experimentações visuais repletas de animações, cores e sons, porém sem uma reflexão poética mais profunda. Assim, também notamos uma supervalorização da imagem animada, em detrimento da valorização da construção fonética ou sonora do poema. O “ciberpoema” está no limite entre a animação e o jogo […]»(FINIZOLA: 2002).
   
   
   
   


        
Instalações de Neons de Silvestre Pestana
Leia uma entrevista a Silvestre Pestana aqui
     
       
   
          
              
[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2010/12/10/verbivocovisual.aspx]

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

POESIA LÚDICA BARROCA

     Poemas ilustrativos da dimensão engenhosa e lúdica da poesia barroca.
    
    
      
ÀS POESIAS QUE SE FIZERAM
A UMA QUEIMADURA DA MÃO DE UMA SENHORA
    
Ó mão não de cristal, não mão nevada,
Mão de relógio sim, pois que pudeste
Nesta mísera terra em que nasceste
Fazer dar tanta infinda badalada.
     
Que mão de almofariz enxovalhada
Foi tal, como tu foste, ó mão celeste,
Pois foste, quando mais resplandeceste,
Em tantas de papel tão mal louvada.
    
Nem de Cévola a mão negra e grosseira,
Queimada entre morrões publicamente,
Merecia tão míseras poesias.
    
Mas louvo-as de subtis em grã maneira,
Pois que para apagar a flama ardente
Se fizeram de indústria assi tão frias
    
    
D. Tomás de Noronha, Fénix Renascida, V
    
    
    
   
    
             [AO DESEMBARGADOR BELCHIOR DA CUNHA BROCHADO]
        

       
       
    
                                                                                                                                Gregório de Matos
    
    
    
    
    

    
    
    
      
   
       
    
   labirinto - Maria Sophia 
    
    
     
    
    
     
     
      
    
    
     
     
     
   
    
   
    

                                                                                
         
     
     
     
          
         
  
O Cardo e a Rosa, Poesia do Barroco AlemãoLisboa, Assírio & Alvim, 2002, pp. 105-104
Selecção e prefácio de João Barrento.
  
  
  
      
              
  
  
      
            SOBRE O CARÁCTER LÚDICO DOS TEXTOS VISUAIS DO BARROCO PORTUGUÊS
      
O caráter lúdico da arquitetura labiríntica tem o seu equivalente literário nos textos visuais do barroco português, em que a pluralidade de leituras é obtida pela disposição espacial das palavras e linhas e pelo emprego de recursos como o emblema, o acróstico, o anagrama, a “escrita diabólica” (texto redigido ao contrário, para  ser lido no espelho), a figuração  textual mimética  de cálices, crucifixos, mapas   celestes ou hieróglifos.  Os labirintos poéticos, como esse gênero passou a ser conhecido, desenvolveram  “um novo modo de ler os textos, as imagens e tudo o que historicamente se nos oferece como leitura” (HATHERLY, 1995a: 12), subvertendo o “percurso horizontal da esquerda para a direita, de cima para baixo. Desse processo de subversão e de liberação de energias, a visão da escrita saiu revigorada, reanimada, reinventada” (idem, 38).
     
O labirinto poético demanda não apenas o pensamento , mas sobretudo o olhar de quem o observa: “já não se trata de acompanhar um texto por uma imagem ou vice-versa, trata-se  de produzir um  texto  que  seja simultaneamente   texto e  imagem,  numa  só consistência, como acontecera na Antiguidade” (idem, 45).
     
Comentando os textos visuais do poeta latino Públio Optaciano Porfírio, do século IV, que inaugurou no Ocidente a tradição do labirinto, Ana Hatherly diz que, nesses poemas, “forma, cor, metro, signos constituem um tecido de relações tão interdependentes quanto vitais para a construção global do texto que, através da comunicação icônica, é concebido para funcionar a partir de um primeiro impacto visual” (idem, 74).
     
Esta definição poderia ser aplicada a um poema de 1743, como o Soneto acróstico esférico, de frei Francisco da Cunha, dedicado à rainha Maria Thereza da Áustria, cujo nome “determina a composição e a colocação dos versos” (idem, 48). Nesse labirinto, o centro é ocupado pela letra A maiúscula, e à sua volta são dispostos, de maneira circular,  formas  visuais, palavras e  frases compostas  a  partir  das letras  do nome da soberana, que devem ser lidos da circunferência para o centro, num procedimento que incorpora o movimento rotatório ao ato da leitura.


     





A  fusão híbrida de texto e imagem e a diversidade de vias interpretativas que verificamos  nos textos  visuais barrocos  já se encontravam  na escrita  hieroglífica,  nos pictogramas sumérios, nos ideogramas orientais, nos labirintos poéticos de Porfírio, nas technopaigniae  gregas, nas  carmina figurata medievais, nas composições renascentistas, mas é no barroco que alcançariam seu fulgor maior, quando, segundo Affonso Ávila, a forma artística “se abre em indeterminação de limites e imprecisão de contornos”, apelando para “os recursos da impressão sensorial”,  não desejando apenas “conter a informação estética” (ÁVILA, 1994: 58). O poeta barroco visava comunicar a mensagem artística sob um grau de tensão que levasse o espectador  “da simples esfera da plenitude intelectual e contemplativa para uma estesia mais franca  e envolvente — mais do  que isso, para um êxtase dos sentidos sugestionadamente acesos e livres” (idem).
   
Para obter esse efeito encantatório, diz Ávila, o poeta barroco adotou um “processo lúdico de encadeamento seja de formas plásticas, seja de palavras” (idem, 95). O caráter altamente sensorial do labirinto poético está presente não apenas em sua configuração visual, mas também na estrutura sonora: a repetição de uma frase, palavra ou mesmo de um fonema era “um elemento altamente significativo (...), reinserindo-se pelo menos em parte, na categoria  dos  mantras, das ladainhas, das litanias  e  das outras formas de oração encantatória” (HATHERLY, 1995a: 108-09).
   
A forte sugestão sonora e visual dos labirintos poéticos  relacionava-se com uma visão mágica do mundo, resultante da “fusão do paganismo, do cabalismo e do hermetismo em geral, que estão na base dum complexo sincretismo filosófico e estético” (idem, 109), tendência cultural heterodoxa que atravessou  a  Idade Média e  o  Renascimento para desembarcar na cultura miscigenada do barroco, em que conviviam a ascese mística da fé católica,  a  herança  de  antigas heresias  e religiões  pagãs e  a luxúria das formas  de representação estética. A visão mágica do  mundo é traduzida no labirinto poético pelo “simbolismo místico de sons, letras, números, formas geométricas” (idem), de onde podem ser extraídos “níveis de significação neles ocultos e sobrepostos (...) quer a sua intenção seja mágica, mística, laudatória ou simplesmente lúdica” (idem, 108).
  
São Paulo, Universidade de São Paulo, 2009.


   
PROPOSTA DE ESCRITA RECREATIVA, EXPRESSIVA E LÚDICA
SOBRE A FRAGILIDADE DA VIDA HUMANA

Os sonetos que se seguem são da autoria de dois poetas da época barroca e versam o tema da efemeridade da vida – que constitui, como é sabido, um lugar-comum desta literatura. Este tema, aliás, é intemporal e universal, unindo poetas de todos os tempos e escolas literárias.
Ambos os textos encontram-se truncados. Completa-os de forma lógica, mantendo o tom poético (linguagem conotativa) e respeitando as seguintes características:
As construções paralelísticas em que os sonetos se apoiam, jogos de palavras, antonímias, sinonímias;
Os versos decassilábicos;
O esquema rimático ABAB ABBA CDE CDE (soneto de Francisco de Vasconcelos) e ABBA ABBA CDC DCD (soneto de Gregório de Matos)

……………………. nas praias derrotado
Foi nas ondas …………………….;
Esse farol …………………….
……………………. gala do prado.

…………………….em cinzas desatado
Foi vistoso pavão …………………….
Esse estio …………………….
……………………. em doce agrado.

Se a nau, o sol, a rosa, a primavera
Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel
Sentem nos auges de um alento vago,

Olha, cego mortal, e considera
Que és rosa, primavera, sol, baixel,
Para ser …………,…………,…………,………….

Francisco de Vasconcelos


Esse farol do céu, …………………….
……………………. pompa inchada,
Essa flor da manhã, …………………….
……………………., galha florida,

……………………. da noite escurecida,
É destroço …………………….
……………………. da tarde abreviada,
É despojo …………………….

Se o sol, se a nau, se a flor, se a planta toda
A ruína maior nunca se veda;
Se em seu mal a fortuna sempre roda;

Se alguém das vaidades não se arreda,
Há-de ver (se nas pompas mais se engoda),
Do sol, da nau, da flor, da planta, …………………….

Gregório de Matos



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[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2010/11/04/barrocoludico.aspx]