Monumento ao Emigrante Açoriano, Ponta Delgada |
CARTA DE LONGE
Maria,
flor do meu coração,
é raro o momento do dia
em que não penso em ti e no nosso filho,
como o trouxesse pela mão
ou contigo pelo braço...
Juro-te que nunca vi nada que se pareça
com o calvário do emigrante!
O Sol nasce sem brilho,
frio e distante...
O corpo parece sem vida
e a Vida sem razão de ser ...
Acredita, minha querida,
por mais que te estremeça,
já não sei compreender
tudo o que me passa,
num prenúncio de desgraça,
por esta pobre cabeça...
O coração, escaldante como o lume,
o pensamento, vazio e incerto,
perdido em estranho ciúme,
nos espinhos de um remorso,
doloroso e encoberto...
Cuidados pela criança e receios de alguma doença,
longe da tua presença
cousas loucas, ideias negras, de morte,
a cada hora - tão longe e tão perto!
Mas, peço-te, minha santa,
não desesperes também
da tua triste sorte
e do meu negro destino...
Tudo, afinal, é o que tem de ser!...
Lembra-te que és mulher,
lembra-te que és Mãe,
põe os olhos no céu, reza e canta,
reza, cantando ao nosso menino!
Não leves a mal, mas juro-te, Maria,
que tudo daria
para outra vez cavar a nossa horta
contigo sentada no degrau da porta
e o menino à tua beira,
a engatinhar pela eira...
Nada melhor!
A nossa terra cavada, com tanto amor e suor,
de sacho em punho,
arregaçado, de chapéu de palha,
a bom cavar...
Depois, em junho,
a lida das searas,
a bom ceifar,
e a monda das vinhas,
na alegria do nosso cantar...
E o regresso, pela tardinha?
Tu descalça, leve e mimosa,
a blusa de chita cor de rosa,
a cintura fina e a saia rodada,
ao lado do peito a talha,
de volta da bica, cheia e fresquinha...
Vejo-te ainda,
como num espelho,
toda de vermelho,
tão pobre e tão rica,
tão pura e tão linda,
princesa e rainha
- e eu encantado...
Depois, a nossa ceia, ao canto da cozinha,
quente e perfumada ...
E o serão, junto ao tear,
com o menino a tagarelar?
Nada no mundo,
nada, podia pagar
o meu sono descansado,
junto ao teu corpo adorado,
doce e profundo...
Por ventura, já te acudiu ao pensamento,
ao embalares a criança,
no que seria este tormento,
se não fosse a confiança
que tenho em ti e no teu amor,
fiel e eterno?
Querida Maria:
Ninguém pode compreender
- só Deus Nosso Senhor -
toda a tortura deste inferno
noite e dia!
Pois, por mim, nos cardos da saudade,
só tudo te poderei descrever,
de todo o coração e ao natural,
nas suas cores e com o devido brilho,
se o céu, na sua vastidão e clara imensidade,
fosse o papel
e a tinta azul do mar,
num luzeiro de beijos, a voar,
para ti e nosso filho,
como sou, até à eternidade,
o sempre teu – MANUEL
flor do meu coração,
é raro o momento do dia
em que não penso em ti e no nosso filho,
como o trouxesse pela mão
ou contigo pelo braço...
Juro-te que nunca vi nada que se pareça
com o calvário do emigrante!
O Sol nasce sem brilho,
frio e distante...
O corpo parece sem vida
e a Vida sem razão de ser ...
Acredita, minha querida,
por mais que te estremeça,
já não sei compreender
tudo o que me passa,
num prenúncio de desgraça,
por esta pobre cabeça...
O coração, escaldante como o lume,
o pensamento, vazio e incerto,
perdido em estranho ciúme,
nos espinhos de um remorso,
doloroso e encoberto...
Cuidados pela criança e receios de alguma doença,
longe da tua presença
cousas loucas, ideias negras, de morte,
a cada hora - tão longe e tão perto!
Mas, peço-te, minha santa,
não desesperes também
da tua triste sorte
e do meu negro destino...
Tudo, afinal, é o que tem de ser!...
Lembra-te que és mulher,
lembra-te que és Mãe,
põe os olhos no céu, reza e canta,
reza, cantando ao nosso menino!
Não leves a mal, mas juro-te, Maria,
que tudo daria
para outra vez cavar a nossa horta
contigo sentada no degrau da porta
e o menino à tua beira,
a engatinhar pela eira...
Nada melhor!
A nossa terra cavada, com tanto amor e suor,
de sacho em punho,
arregaçado, de chapéu de palha,
a bom cavar...
Depois, em junho,
a lida das searas,
a bom ceifar,
e a monda das vinhas,
na alegria do nosso cantar...
E o regresso, pela tardinha?
Tu descalça, leve e mimosa,
a blusa de chita cor de rosa,
a cintura fina e a saia rodada,
ao lado do peito a talha,
de volta da bica, cheia e fresquinha...
Vejo-te ainda,
como num espelho,
toda de vermelho,
tão pobre e tão rica,
tão pura e tão linda,
princesa e rainha
- e eu encantado...
Depois, a nossa ceia, ao canto da cozinha,
quente e perfumada ...
E o serão, junto ao tear,
com o menino a tagarelar?
Nada no mundo,
nada, podia pagar
o meu sono descansado,
junto ao teu corpo adorado,
doce e profundo...
Por ventura, já te acudiu ao pensamento,
ao embalares a criança,
no que seria este tormento,
se não fosse a confiança
que tenho em ti e no teu amor,
fiel e eterno?
Querida Maria:
Ninguém pode compreender
- só Deus Nosso Senhor -
toda a tortura deste inferno
noite e dia!
Pois, por mim, nos cardos da saudade,
só tudo te poderei descrever,
de todo o coração e ao natural,
nas suas cores e com o devido brilho,
se o céu, na sua vastidão e clara imensidade,
fosse o papel
e a tinta azul do mar,
num luzeiro de beijos, a voar,
para ti e nosso filho,
como sou, até à eternidade,
o sempre teu – MANUEL
Manuel Ferreira, julho de 1956.
"(A)riscar o Património", Sofia Carolina Botelho, 2014-10-10. Ponta Delgada - Campo de São Francisco e Monumento ao Emigrante Açoriano. |
O Barco e o Sonho
Manuel Ferreira
Os dois, Victor e Evaristo, eram unha com carne, mais que irmãos, nados e gerados
no mesmo saco.
Vivendo paredes
meias, ombro com ombro, patinhando de manhã
ao anoitecer no lameira das valetas, de fralda esfarrapada, ou dividindo, mais tarde, o mesmo
banco, no soletrar da cartilha, assim cresceram e se
criaram, companheiros e amigos, ao correr
dos anos.
Filhos de gente pobre, sem eira nem beira,
mal gaguejado o pà-pá-San-ta-Jus-ta, cedo foram empurrados para a vida,
ao requerer das necessidades, no supreio
da côdea, a esfolar a negra, ao calhar da sorte
-·ambos em aprendizes de carpinteiro.
Mas, tirante a separação, na tenda, no lixa-lixa, de taco nas unhas, a burnir madeiramentos ou no transporte das cestas e aparas, de mis tura com as graçolas
e cachações da mestrança - verdadeiros carpinteiros do Calvário,
na arte e na alma - nada os afastava, nas horas livres, de folga, a caminho de casa ou da oficina,
a passo ou a correr, à compita.
Pegavam-se, por vezes,
é certo, na brincadeira, como dois cachorros arruçados, sacudindo-se e rostilhando-se, com arreganho, de vontade, quase sempre
por teimas e apostas. Contudo,
à semelhança das fitas americanas, na panc··adaria,
acabavam sempre amigos, cada vez mais amigos,
de mãos dadas - O. K.!
De cada um dos nomes, por combinação, tinham tirado o seu apelido
e, se, por acaso, de manhã se esmurravam, no jogo
da bilharda, ao meio-dia
já negociavam as pazes, para à tarde voltarem
lado a lado, numa escapada até à doca, a ver o barco da «carreira» ou a mergulhar como marraxos, à porfia,
nos domingos de verão,
com o mar calmo e tentador, no
feitiço das águas verde-azuladas, em chamariz embalado, sem pausas nem canseiras, abrindo sulcos
de espuma prateada,
à passagem dos grandes paquetes,
ao largo, felizes
e empenachados, a estremecer os ares e os corações,
na saudação a terra, num alvoroço de sonhos e de esperanças adormecidas.
- Vito!
- Varito!
- Que chatice! Hoje apanhei
por alma da caixa velha!
- Por quê?
- Virei a cesta do mestre, com o
almoço, e ficou tudo em papas...
- Amanha-te! Ontem, por menos, também
levei p'la medida grande... Ainda tenho os ossos a doer... Repara nestes
vergões…
- Má canalha, a mestrança... Só eles
podem rir e roubar... cães danados...
- Varito!
- Vito!
- Deixa lá! Um raio nos parta! Mas um
dia... um dia… ainda havemos de ser gente...
- Pois! De barba e bigode... como os
demais...
- Nada! Gente de bagaço e de nome...
- Dois cartolas... de luvas e charuto?
- Ainda havemos de construir um barco
que há de dar que falar…
- E que vamos fazer com o barco?
- Fugir... fugir a tudo isto... às
aparas... aos cachações... à pouca sorte…
- Ena que maravilha...
- Combinado?
-Oh laricas! Combinado...
E, assim, a ideia germinou, com raízes
fundas, na alma dos dois criançolas, dos doze aos quinze, dos dezoito aos
vinte, na alegria dos primeiros garetos, a ocultas; depois, já homens,
na flor da idade, na tortura dos escassos cobres roubados ao fumo e polidos nos
dedos, demoradamente, ao calor
de um grande sonho, em fornalha acesa.
Trabalhavam agora juntos, de sociedade,
para os lados de Santa Clara, ao canto da Vila Nova, mais perto do mar e da
pouca sorte. Era o destino e o sonho que os aproximava. Mas tudo ia de mal a
pior, com a crise e a pouca bossa, que tinham para a sujeição da porta aberta,
a aturar as impertinências e caturrices deste e daquele, de parentes e
aderentes, se é que a clientela, como vespa fora do enxame, chegasse e bastasse
- um, conservando-se solteiro, na retranca, a ver as modas, o outro, entalado
na esparrela, com mulher e filho a sustentar, já às trelas com a caspa das
dívidas, na desilusão dos bem-casados.
Apenas restava um recurso, somente,
como ao náufrago, a tábua da esperança, emergindo, num anseio alto e distante,
quase inacessível.
- Já temos coisa que chegue para a
madeira...
- Mãos à obra e boca calada... que pela
boca morre o peixe...
- Pois! É preciso que ninguém pense nem sonhe...
No telheiro esburacado, de esguelha
para o calhau, começou o trabalho, pela calada, numa decisão explosiva,
misteriosamente.
Temerosos e agigantados, pela tarefa,
poucas horas restavam para comer e dormir, num silêncio entrecortado, amiúde,
de suspiros, a traduzir os ímpetos e bramidos do Mar, em cachoeira solta,
subjugando a terra e as almas, num domínio absoluto. No entanto, o sonho
martelava-lhes o miolo, teimoso, persistente, a fogo.
Faltava-lhes tudo e tudo se tornava
preciso estudar e prever, tudo. Tirar e confrontar medidas, fazer e refazer
contas e cálculos, escolher e regatear madeiras, procurando do barato, fugindo
a um nó, revolvendo pranchas e vigas, pelos picadeiros rafados, tirando mo1des,
improvisando ferramentas, imaginando as coisas, resolvendo tudo pelo melhor...
Um e o outro molhavam o dedo, a meio
beiço, sequiosos, a tratos com folhas e rascunhos, excitados, passando das
tabelas aos preços, tanto por pé, tanto por chaprão, vivendo em silêncio o
gemido fundo da serra, puxada do peito, nas madeiras rijas, no recorte de
moldes e talas, sem um assobio, sem uma fala, sucintos, entre a ambição e a
realidade, num mundo imenso de esforços, canseiras e angústias, silenciosas e
recalcadas... Tudo tão difícil, tão caro, tão doloroso, e ao mesmo tempo, tão
belo, naquela singeleza, nascendo do nada, de meia dúzia de tábuas afeiçoadas,
na força do querer!
- O cavername - sua estrutura -
linha de flutuação - a estabilidade - condições de navegabilidade...
Um bico-de-obra, a resolver! Não havia
dinheiro para motores, nem para óleos, como o outro do jeep-anfíbio ou lá como
era a sua graça.
Gaita de vida! Apenas lhes restava,
como no tempo das índias, a vela e o vento, o vento e as estrelas…
Os de casa encolhiam os ombros, alheios
à maneia, com desprezo, na indiferença da pobreza pelo que não dá pão.
- Lenha p'ró lume! Cada doido com a sua
mania...
-Pois, alevá! Podia-lhes dar para pior…
- Gastos de dinheiro! Gastos de
dinheiro... Bem mal-empregado...
Somente o sonho porfiava teimoso,
superior às dificuldades, às fraquezas repentinas e aos esmorecimentos
passageiros, no impulso da vontade.
A princípio, entre tacos e amarrilhos,
aquilo não tinha forma definida. Tanto podia vir a ser, à primeira vista, um
berço sem pés como um caixão da Santa Casa, na crueza do refugo da caridade,
sem forra. E a mãe de um deles, assarapantada, dando de cara com o mostrengo,
de súbito, até ameaçou estourá-lo a golpes de machado, reduzindo o sonho a
cinzas, debaixo da panela, com todo o meu agouro. Cruzes, mafarrico, para o
ira-mar!
Mas, por fim, de serão para serão, de
semana para semana, a avantesma começou a crescer, jeitosa, a olhos vistos,
equilibrada, nem bicho de carne e osso, cheio de harmonia e graça, obra de
calafates feitos, da proa à popa, da quilha ao costado, do leme ao mastro…
Agora as marteladas eram mais vagarosas,
abafadas quase a medo, nos últimos trabalhos de aparelhamento, como quem receia
ferir alguém na alma, despertar de um sonho que apenas se sonha uma vez...
Podia-se ver, então, às vistas e às
claras! Um barco, sem lhe pôr nem tirar, lindo, lindo, belo, tão soberbo que seria pecado condená-lo à
babugem da pescaria, em tresanda de escamas, engodo, redes e guelras, cheirando
a podre...
- A pintura, Victor, tem que meter
verde e vermelho...
- Claro! A cor da nossa bandeira. Mesmo
longe não a podemos esquecer...
E, com as primeiras pinceladas, o sonho
foi subindo as escadas do delírio, no amassar das tintas, na escolha das cores,
do nome, do batismo. Uma enfiada de nomes, de cores, de ideias, em tropel, no
arco-íris das almas.
«Senhora de Fátima». «Santo Cristo».
«S. José». «Andorinha». «Aventureiros». «Mar Alto»...
- «Victor Manuel»! O teu nome: o nome
de um rei...
- Tolice! O barco é dos dois e não meu.
Outro... outro...
- Então «Senhora de Fátima». Bem
precisamos do seu auxílio...
- Começamos o barco a 19 de março... no
dia de S. José e «S. José» se há de chamar...
- Sei lá! Às vezes tudo depende apenas
do destino... da escolha de um nome...
Dias depois, com o lançamento do «S.
José» à água, entre receios e esperanças, de mistura com a curiosidade de uns e
os remoques de outros, voltava-se para os dois a primeira página de uma
história maravilhosa.
- Belo barco!
- E feito por dois badamecos...
- Não tarda vendido ou encalhado...
- Quanto custa o barco?
- O barco não se vende nem se aluga…
- E se calhar é por conta dos donos…
-
É questão d'ele cantar... que a
coisa muda com'ó tempo...
- Não há dinheiro que o pague...
- Pois, home'! Os rapazes parecem
atrevidos p'rá idade...
- Atrevido será você e de resto guarde
o seu dinheiro… que o dinheiro, só em si, nunca enriqueceu ninguém...
No meio dos despiques e despeitos, mais
que nunca, convinha não levantar suspeitas, a menor desconfiança. Boca calada e
olho aberto, ao correr do quarteirão - lua em pé, marinheiro deitado.
- Já agora pouco falta... Mais meia
dúzia de dias e pronto…
- Pschiu! Que o segredo é a alma do
negócio...
- Mas p'ra que diabo querem vocês o
barco, com tanta necessidade·à nossa volta?
- Sim! Que raio de negócio é este, que
nunca mais se desengata?
E a família, presa à ideia da venda,
via-os cada vez mais apegados ao barco, a bordejar e a pescar, renitentes ao
conselho. Desconsolados, no comer, esquecidos à hora da ceia, num esmorecimento
sombrio, tolo, sem fácil
compreensão. Um, agarrado às crianças apertando-as fora do costume, contra o
peito; o outro, sem fala seguida,
cismado, talvez nos primeiros embeiçamentos da idade, de cabeça no ar…
- Nada de pressas, filho... Vê onde te
enforcas e lembra-te que tens mãe viúva e duas irmãs solteiras, a sustentar…
Para mal, acrescia a tineta do barco,
com o enguiço da pesca, quase todas as madrugadas fincados no mar, a oficina de
porta fechada, ao abandono.
- Que vida vai ser a nossa, homem? Que
tristeza é esta... que não comes nem bebes?
- Já temos uma boa oferta para o barco…
sete contos… qualquer dia desata-se o negócio… e ficas descansada…
Naquela madrugada de ,fins de julho
saíram mais cedo do que o costume, movendo-se como bonecos, de corda emperrada,
olhando, à volta,
com o ar vago e idiota dos fracos de juízo. E a demora foi como nunca - a
manhã, a tarde, o dia inteiro...
Com o sobressalto das mulheres, não
adivinhando coisa boa, rápido, começou o alarido, na vizinhança, a quebrar a
sonolência do· domingo, em pasmaceira geral.
Nem um, nem outro e do barco nem sinal,
na amarra, nem rasto de vela, ao largo.
- P'la certa estão p’r’aí co’ bom
tempo... à, vida
airada...
- Com um mar destes não há riscos nem
desastres...
Chegou-se ao outro dia, entre prantos e
fanicos, e nada!
Na aflição, de corações arroxados, foi
dada busca às roupas, às gavetas, à papelosa de cada um, tudo a confirmar a
notícia, de boca em boca:
- Fugiram, os malucos! Alta noite...
nem aqueceram cama...
- Mas como? P'ra onde?
- Ora, como? No barco com malas e
passadio...
- A estas horas já vão longe. Ninguém
os finta...
- E ninguém maldou de nada?
- Qual maldou nem meio-maldou!
Souberam-na fazer bem feita e pela calada... Tudo de combinação...
- Loucos... loucos varridos! Tudo
resultado das fitas e dos cinemas...
- Mas diz que deixaram uma carta…um
bilhete... fazendo as despedidas…
- Qual carta, qual carapuça! Safaram-se
como dois melros sem pio... e só esta manhã é que apareceu a carta debaixo da
porta...
- O caso começa a cheirar a marosca, ..
- Claro! São cousas que não se fazem
debaixo de um cesto e sem a capa de alguém...
- Pobres famílias!
- Coitado de quem os tem...
O alarme chegou depressa às
autoridades, passou rápido pelos telefones, retiniu ligeiro por toda a linha da
costa, soltou lesto ao cabo submarino, à navegação do alto mar.
Fez-se o varejo a todos os portos, de
norte a sul, ouvindo a guarda fiscal, sondando os pescadores, avisando os
vigias das baleias.
Saiu a lancha da Capitania, num papejo
resfolgado, teimosa, da Nordela à Galera, a bater todos os quadrantes, em jogo
de escondidas, cá e lá.
Por fim, redobrado o enervamento, o
patrulha da Marinha, o «Santiago», recebeu ordem de largar a toda a força,
entre rolos de fumo negro, de mau agouro, no encalço dos melros, cruzando o
mar, a perder de vista, seguindo mil rumos, bêbado com tonturas, descaindo aqui
e ali, tombando além.
Escoou-se a semana a fio, inteirinha,
contada pelos dedos. Sete dias e sete noites de tortura - e nada! Nada que·
trouxesse um sinal de vida, nada que calasse a choradeira desabalada, sem
conforto possível, num remoer de recordações lastimosas e de presságios
amargos, no campo da dúvida, da incerteza, do mistério.
Mistério ou loucura, à má sina! Os dois
sempre andaram com a mania da emigração, encasquilhada ao casco; fosse para
onde fosse, tentando passaporte para a Venezuela, metendo papéis e empanhocas por
agências e agentes, no propósito de procurar o futuro na Africa ou no Brasil,
em Curaçau ou na América, no Novo Mundo...
- Boas cabeças, não resta dúvidas...
- A estas horas devem estar em boa
companhia… no fundo do mar...
- Às vezes é o destino que nasce com as
pessoas.
- Pois! O que tem de ser traz muita
força…
- Podem vestir-se de preto, minhas
filhas, e encomendar-lhes as almas...
E a carta, deixada: pelo Victor à mulher, corria de mão em mão, ensebada
e desvanecida, pelo orvalho das lágrimas:
«Querida Alexandrina.
Escrevo-te estas amargas notícias para
ti e para toda a família. É para ficarem descansadas com o meu desaparecimento.
Alexandrina, sabes que somos casados e que temos filhos e que é preciso ganhar
o sustento e o futuro deles e o nosso também. Por isso pensei em fazer junto
com o Evaristo este barco porque de contrário seria totalmente impossível ir
para qualquer parte do estrangeiro. Assim te embacei a ti e a toda a família
por que se fosse do teu conhecimento tu não me deixavas partir nestas
condições. Peço-te que não te aflijas porque tudo é o que Deus quer e com o seu
auxílio havemos de chegar à terra do destino.
Também te peço que digas ao meu
padrinho que, se tiver sorte de lá chegar, lhe pagarei o
que lhe devo. É por
isso que me sujeito a trabalhar com o auxílio de Deus.
Alexandrina, eu devo no Banco Português
do Atlântico a quantia de dois mil escudos que foi seiscentos para a fiança e
os 1.400$00 divididos por mim e pelo Evaristo.
Alexandrina, quando eu chegar a terra,
mandarei um telegrama, e se por acaso não tiveres notícias minhas dentro de
dois meses é porque o mundo se acabou para a gente.
Deste teu marido que parte com muitas
saudades tuas e dos nossos filhos e família - Victor Manuel Caetano.»
Mas, aparece-não-aparece, aos rebates
do coração, com o decorrer dos dias, as esperanças iam desfalecendo, entre
rezas e soluços num desfile de promessas sem consistência e de desenganos sem
remissão, no mesmo soletrar.
«Alexandrina: quando eu chegar a terra
mandarei um telegrama. E, se por acaso não tiveres notícias minhas dentro de
dois meses… é porque o mundo se acabou para a gente…»
Mais brilhantes que os reflexos da
estrela d'alva, em dealbar de abril, mais tentadoras que as cintilâncias do
sete-estrelo de ouro, num conto de fadas, em céu azul, listrado de branco, com
suas sete tiras vermelhas, brilhavam as quarenta e oito estrelas do sonho, em
fileiras cerradas, luminosas, atraindo, chamando, fascinando…
E, como em jogo infantil, a lápis de
cor, partindo do verde e do vermelho, entre quinas e castelos dourados, todo o
céu, na sua amplidão insondável, desdobrava-se e dividia-se em quartéis e
bandeiras, com renques de estrelas, em grupos seguidos, de 6 X 8, contínuos, cintilantes, sempre de 6
X 8, num quebra cabeças de entontecer…
A América! O Novo Mundo! Grandes
cidades, docas, estaleiros, barcos, aviões, arranha-céus; dólares... muitos
dólares! Um maná constante de dólares, como dobadoura de ouro, sem parar,
com uma chuva de estrelas, naquelas
noites de agosto, na imensidade da abóbada azul, sem mácula e sem nuvens.
- Oh, yes!
- E, depois, as dívidas pagas... a vida
direita...
- E ao cabo d'anos o regresso... a ilha
a chamar... a dizer adeus…
Agora, no embalo das ondas, a aventura
era uma realidade, incrível, pasmosa, a muitas milhas, a coberto da bruma, ao
rolar das vagas e dos dias, insistentes, num desdobrar de pensamentos e
sombras, na mesma moldura, no mesmo horizonte, igual e ilimitado.
A terra distante, a ilha esfumada, o
·nevoeiro da saudade e do remorso, o mar sem fim e sem descanso, o sol
escaldante e impiedoso, as estrelas cismadoras e silenciosas, o céu escuro, por
fim sem estrelas, sem azul, sem bandeiras, embaciado, negro, tão longe e tão perto...
O «S. José», no delírio da fome e da
sede, era de novo um sonho sem forma definida - um berço sem pés… um caixão sem
tampa, no abismo do Oceano, poderoso e esmagador,·semelhante a um realejo
vazio, movediço, estranho, sem alma nem corda, prestes a esfrangalhar-se nas
garras da Morte - um sonho de quem se mata pela primeira mulher, no
desconhecimento do fruto proibido.
De tudo apenas restava um desejo imenso
de paz e de perdão, a presença do céu, a lembrança da ilha, o fim - a ilha e
Deus, Deus e a terra perdida, o Novo Mundo…
- Vito!
- Varito!
- Que loucura, a nossa!
- Perdoa-me se fui o culpado...
- Afinal tudo é o que Deus quer…
Um mês volvido, no último de agosto,
quando menos. se esperava, a Emissora
sacudia as Ilhas e as almas, com a boa-nova, cruzada nos fios, nem repique de
sino, em dia de Aleluia.
Depois de vinte e sete dias de mar,
debaixo de forte temporal, já sem água e sem pão, no rumo da América e a Noroeste das Bermudas,
um cargueiro recolhia a bordo os dois tripulantes do pequeno barco, esmaltado a
verde e vermelho - as cores do sonho e do sangue, na loucura de quem tudo dá,
em desafio, à vida e à morte.
- Oh, yes!
- All rigth!
Os aventureiros estavam vivos e sãos, a
salvo! As lágrima, agora, em casa de Evaristo Gaspar e de Victor Manuel, com o
mulherio reunido, a ponta do avental ao canto dos olhos, eram lágrimas de
alegria, cálidas e confortantes como bálsamo, em ferida aberta.
«Alexandrina, quando eu chegar a terra
mandarei um telegrama...»
E no domingo, 2 de setembro, com o
telegrama prometido, aumentou a explosão e o alvoroço, em meia dúzia de
palavras, na confirmação:
«Orcharchapell - Lisboa Rádio
Estamos América bens- Victor»
De seguida começaram a acumular-se
maços de jornais e cartas, retratos e notícias, da viagem e da chegada, de
bandeira em arco, num estendal de miudezas e pormenores escrevinhados pelos repórteres
americanos e passados a linguagem de se entender:
«Trouxémos 45 quilos de batatas, mas
por infelicidade, apodreceram mais de metade e foi esta uma das razões porque
ficamos sem comida antes do tempo que prevíamos para chegar à América; 11
quilos de farinha, um fogareiro a petróleo, 20 latas de conserva, 100 litros de
água, 4 quilos de pão, um litro de azeite, um litro de vinagre, quilo e meio de
açúcar, um quilo de café e 20 litros de petróleo. O pão criou bolor e
estragou-se...»
- Tudo muito bem preparado e pensado, à socapa!
«Enquanto ao barco aguentou-se bem. Nós
tínhamos feito um lastro de 1000 quilos de pedras, razão porque resistiu sem
novidade... »
E os jornais corriam de casa em casa,
com empenho, no relato, com a história esmiuçada, pela boca dos próprios:
Depois de partirmos de S. Miguel,
estivemos 27 dias a bordo do
nosso barco; depois faltou-nos a comida e a água e tivemos de pedir socorro a
um vapor que passava a quem pedimos comidas. Mas quando a gente encostamos ao
vapor·partiu-se a roda da proa e rebentaram as espias. Desta maneira não
podíamos seguir viagem. Então o capitão mandou-nos subir e tivemos que
abandonar o nosso barco e metê-lo no fundo. Foi como quem nos cortasse o
coração, ver ir por água abaixo o fruto do nosso trabalho de tantos meses, mas
não havia nada a fazer. Só conseguimos salvar as malas da roupa e a bandeira
portuguesa. O calendário onde todos os dias apontávamos as nossas impressões de
viagem também foi para o fundo do mar…»
- Parece incrível!
- Que sorte, a dos felizardos!
- E que cabeças, tudo tão bem
arrematado e bem planeado...
- Pois! Quem havera de dizer...
E, como nas fitas, a América, grande e
acolhedora, à semelhança da sua estátua, recebeu os dois aventureiros, com uma
chuva de dólares num clamor - de facho aceso e de braços abertos!
Manuel
Ferreira, «O Barco e o Sonho», revista Açória n.º 1, 1958.
(Fonte
utilizada: Antologia Panorâmica do Conto
Açoriano – séculos XIX e XX,
João de
Melo, Lisboa, Vega Editora, julho de 1978)
AÇÓRIA. Fascículo de Cultura e Arte. Organização de Jacinto Soares de Albergaria.(Tipografia Insular, Lda.). Ponta Delgada. 1958-1959. 16x23,5 cm. 2 números. B
Publicação composta por apenas dois números, da qual destacamos alguns dos artigos: Antero e Mihail Eminescu, por Ruy Galvão de Carvalho; O Barco e o sonho, por Manuel Ferreira, Poema de Armando Côrtes-Rodrigues; Cinema — Linguagem Universal, por Fernando Lima, O Conceito de Tradição em Teófilo, por Jacinto Soares de Albergaria, etc.
Nela colaboraram ainda: Otília Frayão, José Enes, Dias de Melo, José Barbosa, Aníbal Cymbron Barbosa, Valério Florense, Eduíno de Jesus, Carneiro da Costa, entre outros.
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***
MANUEL
FERREIRA – O HOMEM E A OBRA
[…]
Manuel Ferreira o jornalista, Manuel Ferreira o poeta, Manuel Ferreira o
escritor, Manuel Ferreira o investigador histórico, Manuel Ferreira o
autonomista convicto.
Desde
muito cedo, ainda estudante no então Liceu de Ponta Delgada, Manuel Ferreira
manifestou um profundo interesse pela escrita, obtendo então, vários prémios nos
Jogos Florais. No ano lectivo de 1935-1936, foi um dos fundadores e chefe de redacção
do jornal académico Arco –Íris, onde prestou homenagem a diversos valores
nacionais e reacendeu uma entusiástica campanha em prol da construção de um monumento
ao poeta das Odes
Modernas,
em Ponta Delgada.
Após
concluir o curso geral do Liceu, Manuel Ferreira ingressou, no então, Serviços
Municipalizados de Abastecimento de Água da Câmara Municipal de Ponta Delgada,
chegando a chefe daqueles serviços. Mas, apesar das exigências da sua vida profissional,
assim como, da orientação de uma exploração agro-pecuária, Manuel Ferreira
nunca deixou de se interessar pelo jornalismo.
De
Novembro de 1937 a Setembro de 1943 foi redactor e chefe de redacção do Correio
dos Açores,
e colaborou durante anos no então semanário Açoriano Oriental, de que também foi
chefe de redacção, de Julho de 1963 a Outubro de 1965.
Reassumiu
a chefia da redacção do Correio dos Açores em Dezembro de 1965 e aí se manteve
até Maio de 1975, desenvolvendo e apoiando uma das mais acesas campanhas
daquela década, a nível insular, nomeadamente na defesa do regime autonómico e
dos interesses dos Açores, em particular da Ilha de S. Miguel, podendo considerar-se
o principal impulsionador do terceiro movimento autonomista, na década que antecedeu
o 25 de Abril e num período em que os próprios dirigentes e responsáveis administrativos
quase descriam dos princípios e ideais da autonomia.
Na
defesa da cultura e dos valores açorianos, numa persistente campanha jornalística,
conseguiu que os dezanove Municípios dos Açores atribuíssem o honroso galardão
de Cidadão Honorário dos Açores ao Cardeal Costa Nunes e ao cientista José Agostinho,
e obteve do Município de Ponta Delgada a construção de um mausoléu condigno no
Cemitério de S. Joaquim, para as cinzas do Padre Gaspar Frutuoso, há mais de
trinta anos esquecido num jazigo particular.
Mesmo
depois de abandonar o Correio dos Açores em 1975, o decano dos jornalistas
açorianos não deixou o jornalismo e passa a colaborar com frequência no Açoriano
Oriental continuando
a tratar de temas de interesse regional com a lucidez, com a tenacidade e com a
frontalidade que sempre o caracterizaram, seguindo sempre o lema que regeu e
rege toda a sua vida: alto como as estrelas e livre como o vento. O seu ex-libris
tem sido sempre a sua norma de vida, quer nos bons, quer nos maus momentos.
Senhor
Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, Senhora e Senhores Membros do
Governo as agruras da vida têm sido uma presença quase constante na vida de Manuel
Ferreira, as doenças, as 9 operações sucessivas, e pior que tudo, a morte do filho
na flor da idade. Mas nada disto o derrotou, nem o derrota. Diríamos que lhe
dão ainda mais força, mais força para investigar, mais força para escrever e
mais força para lutar. E foi após a morte de seu filho, após o maior desgosto
da sua vida que Manuel Ferreira, começou a sua grande actividade literária com
a publicação do seu primeiro livro O Barco e o Sonho, em 1979, que
representou um êxito sem precedentes no mundo ilhéu, com honras de autêntico best-seller
açoriano
- em dois meses foram vendidos cerca de 2 000 livros - e que serviu de tema ao
telefilme de Zeca Medeiros com o mesmo nome, na RTP/Açores.
Manuel
Ferreira, até à data, já publicou 32 livros, encontrando-se o 33.º livro já no prelo,
a ser publicado muito brevemente, e que vem completar a trilogia da Simbologia do
Açor, trilogia esta compostas pelas obras: A Simbologia do Açor na
Heráldica dos Municípios Açorianos, publicada em 1986; Açores –
Origens, Raízes e História, que foi publicada em 1999 e muito
brevemente o terceiro volume desta trilogia O Açor Eterno.
São
três obras que abordam a presença do Açor ao longo da nossa história açoriana, nos
diversos ramos de actividade, nomeadamente nas áreas da heráldica militar e dos
vários organismos corporativos, indústria, comércio, transportes e
comunicações, bancos e caixas
económicas, associações recreativas, humanitárias e desportivas, filatelia,
literatura, numismática, entre muitos outros, havendo também referências a sectores
relacionados com o continente português, assim como, com as nossas comunidades
de imigrantes dos Estados Unidos da América, do Canadá e do Brasil.
O
Açor só aparece como elemento mágico, verdadeiro ícone e constante arma de combate,
com a primeira e grande cruzada dos Autonomistas Micaelenses e com o triunfo da
Autonomia Administrativa em 1895.
Manteve-se
em lume
brando,
com uma ou outra erupção acidental, nas primeiras décadas do século passado,
tendo Manuel Ferreira tentado reacender a chama nos anos setenta, enquanto
chefe de redacção do Correio dos Açores.
Após
o 25 de Abril intensificou-se o culto do símbolo por todos os lados e sectores.
Nos últimos 30 anos surgiram cerca de 500 pequenas e grandes sociedades,
algumas tiveram curta duração, com o Açor nos seus logótipos ou integrado no
próprio nome empresarial.
O
primeiro volume da trilogia: A Simbologia do Açor na Heráldica
dos Municípios Açorianos, apresenta uma extensa e acidentada crónica sobre cada um dos
vinte e quatro Municípios Açorianos - hoje reduzidos a 19 Municípios – numa
luta heróica, de séculos de isolamento e incompreensão. Tendo sido criados
vinte e quatro concelhos, cinco acabaram por ser extintos, no rescaldo da
revolução liberal, nomeadamente a Vila de Água de Pau e a Vila das Capelas, em
S. Miguel (1853); a Vila de São Sebastião na Ilha Terceira (1855); a Vila do
Topo em S. Jorge (1855) e a Vila da Praia na ilha Graciosa (1867), tendo sido a
justificação a «falta dos recursos e elementos necessários para ter administração
regular».
A Simbologia do Açor constitui uma
simbiose entre o documento histórico e a prosa expositiva do autor, tornando-o
numa leitura agradável, coisa rara em livros de referência, como é o caso do
presente livro. A Simbologia do Açor, não é unicamente um livro de
palavras. É acima de tudo um livro de uma ideia. A ideia da identidade açoriana,
demonstrada através da história e vivida ao longo dos séculos. Não é por acaso que
a obra abre com a transcrição da carta de D. Afonso V a seu tio, o Infante D. Henrique,
datada de 2 de Julho de 1439, concedendo-lhe licença para povoar, as então, sete
ilhas dos Açores, o que significa que ainda as ilhas não eram conhecidas na sua
totalidade e nem tão pouco alguma delas povoada, e já a identificação da sua
unidade arquipelágica era feita através do nome Açores que, deste modo, as
nomeava a todas sem a nenhuma dar nome próprio. Os nomes, pelo menos os
actuais, viriam mais tarde, muitos deles mais ou menos fiéis às denominações
das antigas cartografias catalã e maiorquina do mestre Angelino Dulcert e seus
seguidores até Valseca.
Com
a chegada dos primeiros colonos, e com a consequente e inevitável constituição
de pequenos núcleos, criam-se os primeiros concelhos. É precisamente aqui que a
unidade das ilhas se estabelece com base não nas desigualdades evidentes, quer
de tamanho, quer de riqueza ou de importância existentes entre elas mas sim, na
equalização da dignidade municipal que a todos e a cada um dos seus concelhos é
concedida.
Manuel
Ferreira apresenta-nos, aqui nesta obra, uma pesquisa alargada dos diversos
símbolos heráldicos dos então, 24 Municípios Açorianos e a sua bizarra e curiosa
evolução até aos nossos dias.
O
segundo volume desta trilogia: Açores: Origens, Raízes e
História, contém
mais de 500 reproduções fotográficas, a maior parte delas encontram-se em cores
fidedignas, abrangendo os séculos XIX e XX. Nesta obra, podemos constatar que o
Açor aparece por tudo que é lado e em mil e uma estilizações. Aparece nas
acções e impressos de banco, montepios, caixas económicas; flutua nas bandeiras
de vários navios das marinhas de guerra, mercante, de pesca ou de recreio;
circula em dezenas de capas de livros, jornais, revistas e ex-libris;
estampa-se em cerca de 20 brasões e estandartes militares, quer sejam do
Exército, da Marinha ou da Aviação; enobrece-se no pincel de artistas como
Roque Gameiro, Alonso Campos, Jorge Colaço, Tomaz Borba Vieira ou Domingos
Rebelo, etc, etc.
O
terceiro volume da trilogia O Açor Eterno, aguardaremos mais um mês para podermos
ter o prazer de desfrutá-lo.
Senhor
Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, Senhora e Senhores Membros do
Governo, entre a publicação de O Barco e o Sonho, seu primeiro
livro e a de O
Açor Eterno, seu 33.º livro, Manuel Ferreira ofereceu aos leitores uma viagem
no tempo, dando-lhes a conhecer importantes pilares do nosso passado, como por
exemplo, no domínio da Política com as obras: Vitorino Nemésio e a Sapateia
Açoriana – Loucura ou Traição, Pedras para o Templo; no domínio da
História com: Açores – Armas e Barões Assinalados, Penhascos
Dourados, O Ilhéu da Vila, A Ilustre Marquesa de Ponta Delgada, Ponta
Delgada – a História e o Armorial, O Explorador Micaelense – Roberto Ivens, Galeria
Ressuscitada,
A
Simbologia do Açor na Heráldica dos Municípios Açorianos, Açores: Origens,
Raízes e História, Antero Imortal; da Arte com as obras: Pedras
que Falam – A Ermida de Nossa Senhora dos Remédios da Lagoa, Manuel António de
Vasconcelos – O Homem e o Artista, O Caricaturista Micaelense – Augusto
Cabral;
no domínio da Etnografia Regional com: A Viola dos dois Corações; do Social com a
obra: Ribeira
Chã – A Via Sacra de um Povo, de um Padre e de uma Igreja; no domínio da
Economia, do Comércio e da Indústria com as obras: Cultura
da /Vinha em Santa Maria e S. Miguel, Os Cem Anos da Melo Abreu, Açoriana
de Seguros – Cem Anos, Turismo em S. Miguel - Cem Anos; do Jornalismo: Manuel
António de Vasconcelos – O Primeiro Jornalista Micaelense e o Açoriano
Oriental;
no domínio da Literatura temos as obras: O Segredo das Almas Cativas, O Morro e
o Gigante e
O
Barco e o Sonho, entre outras. Estes dois últimos livros constituem uma
obra-prima, um retrato fiel dos costumes, do modo de ser, de estar e de sentir
do homem e da mulher açorianos, antes do desabrochar da democracia. Apesar das
diferenças formais existentes, os livros de Manuel Ferreira não deixam de
revelar uma notável unidade de pensamento, de objectivo e até mesmo de temática.
Todos eles têm como cenário estas ilhas e como intenção o louvor e a
valorização dos Açores, o dar a conhecer aos açorianos quem na realidade são,
mas também, o que não devem e o que devem querer.
É
de salientar que as capas de todos os livros de Manuel Ferreira são da autoria
do pintor Tomás Borba Vieira.
Manuel
Ferreira é também um poeta. Para além dos inúmeros poemas que escreveu mas que
nunca publicou, temos o poema Carta de Longe. Há semelhança de
Armando Côrtes-Rodrigues e de Carreiro da Costa, Manuel Ferreira quis também
nos presentear com uma Carta de Longe. Manuel Ferreira conseguiu transpor para
o papel todo o dramatismo, todo o sofrimento, toda a tristeza e toda a saudade
que sente um imigrante, em terras longínquas. […]
Maria José Duarte, Horta, Assembleia Legislativa dos Açores, 22-02-2006
http://base.alra.pt:82/Doc_Intervencao/I466.pdf
http://base.alra.pt:82/Diario/VIII32.pdf
http://base.alra.pt:82/Doc_Intervencao/I466.pdf
http://base.alra.pt:82/Diario/VIII32.pdf