segunda-feira, 13 de março de 2023

Pescador da barca bela, Almeida Garrett


 

 

            BARCA BELA

 






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20

Pescador da barca bela,
Onde vás1 pescar com ela,
       Que é tão bela,
       Oh pescador?

Não vês que a última estrela
No céu nublado se vela2?
       Colhe3 a vela,
       Oh pescador!

Deita o lanço4 com cautela,
Que a sereia canta bela...
       Mas cautela,
       Oh pescador!

Não se enrede a rede nela,
Que perdido é remo e vela
       Só de vê-la,
       Oh pescador.

Pescador da barca bela,
Inda é tempo, foge dela,
       Foge dela
       Oh pescador!

 

Flores sem Fruto e Folhas Caídas de Almeida Garrett, edição de Paula Morão, 4.ª ed., Lisboa, Comunicação, 1987

 

__________

1 vás – vais.

2 vela – encobre; esconde.

3 Colhe – recolhe; baixa.

4 Deita o lanço – lança a rede.

 

I – Questionário sobre o poema “Barca Bela”, de Almeida Garrett.

1. Na primeira estrofe, o pescador é questionado sobre o rumo que dará à «barca bela».

De que modo a referência à «estrela», na segunda estrofe, reforça a ideia de que, ao partir para o mar, o pescador coloca a barca em perigo?

2. Relê os versos de 9 a 16.

2.1. Que situação pode conduzir à perda do «remo» e da «vela»?

2.2. Que consequência pode ter, para o pescador, a perda do «remo» e da «vela»?

3. Para responderes aos itens de 3.1. a 3.5., escreve o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.

3.1. No verso 13, usa-se um recurso expressivo para acentuar o perigo em que o pescador pode ver-se envolvido.

Esse recurso expressivo é uma

(A) enumeração.

(B) anáfora.

(C) aliteração.

(D) ironia.

3.2. Na expressão «foge dela» (verso 18), a palavra «dela» refere-se

(A) à estrela.

(B) à rede.

(C) à vela.

(D) à sereia.

3.3. Na última estrofe, o sujeito poético, interpretando a situação em que se encontra o pescador, considera que este

(A) escusa de ir pescar mais longe.

(B) está irremediavelmente perdido.

(C) é incapaz de enfrentar o mar.

(D) pode salvar-se do perigo.

3.4. Em cada estrofe, os quatro versos têm, respetivamente,

(A) 7, 7, 3 e 3 sílabas métricas.

(B) 7, 7, 3 e 4 sílabas métricas.

(C) 8, 8, 4 e 3 sílabas métricas.

(D) 8, 8, 5 e 4 sílabas métricas.

3.5. Todas as quadras do poema apresentam um esquema rimático que corresponde à sequência

(A) AAAB.

(B) AABC.

(C) ABAB.

(D) ABCC.

4. Seleciona todas as afirmações verdadeiras, de acordo com o poema.

Escreve o número do item e as letras que identificam as opções escolhidas.

(A) A rima em «ela» associa-se à importância que a figura feminina assume no poema.

(B) O refrão exprime a tranquilidade do sujeito poético em relação à situação do pescador.

(C) O canto da sereia pode salvar o pescador dos perigos que ele corre no mar.

(D) A musicalidade deste poema assenta, entre outros aspetos, na regularidade do ritmo e da rima.

(E) Este poema pode ser interpretado como um aviso a quem se deixa levar pela paixão.

5. Lê a afirmação.

Neste poema, o pescador representa alguém que se deixa atrair por um grande perigo, apesar dos avisos que lhe são dirigidos.

Explica por que razão esta afirmação é verdadeira, de acordo com o sentido global do poema.

Fundamenta a tua resposta com exemplos do texto.

 

Explicitação de cenários de resposta:

1. Explica, de forma completa, o modo como a referência à «estrela» reforça a ideia de que, ao partir para o mar, o pescador coloca a barca em perigo, mencionando os aspetos seguintes:

– o céu mais escuro / o agravamento do estado do tempo / a ausência de pontos de referência;

– o aumento do perigo para a navegação.

Exemplos:

  • O facto de a última estrela estar a ficar encoberta significa que o tempo está a piorar, o que faz com que o perigo seja maior.

  • Se a última estrela está a ficar encoberta, isso significa que o céu está a ficar cada vez mais escuro, aumentando o perigo para a navegação.

  • O pescador vai ficar sem pontos de referência, o que torna o perigo ainda maior.

2.1. Refere, de forma plausível e completa, a situação que pode conduzir à perda do «remo» e da «vela», mencionando a sereia enquanto elemento central dessa situação.

Exemplos:

  • Se o pescador não lançar a rede com cautela, a rede pode enredar-se na sereia, o que pode conduzir à perda do «remo» e da «vela».

  • Se o pescador se deixar atrair pela sereia, perderá o «remo» e a «vela».

2.2. Explicita, de forma plausível e completa, a consequência que a perda do «remo» e da «vela» pode ter para o pescador, associando essa perda à perdição do pescador.

Exemplos:

  • Se o pescador perder o «remo» e a «vela», não tem hipótese de se salvar.

  • Sem «remo» nem «vela», o pescador não pode navegar, logo está perdido.

3.1. C

3.2. D

3.3. D

3.4. B

3.5. A

4. A; D; E.

5. Explica, de forma plausível e completa, por que razão a afirmação é verdadeira, de acordo com o sentido do poema, fazendo referência à sereia enquanto motivo principal dos avisos feitos ao pescador e apresentando, pelo menos, um desses avisos.

Exemplos:

  • No poema, o pescador representa alguém que se deixa atrair pela sereia, apesar de lhe serem dirigidos avisos sobre o perigo que ela constitui. Por exemplo, o sujeito poético diz-lhe para fugir dela.

  • O sujeito poético faz repetidos avisos ao pescador relacionados com a sereia, que é perigosa, dizendo-lhe, por exemplo, que deite «o lanço com cautela». No entanto, o pescador parece ignorar esses avisos.

 

Fonte: Prova de Aferição de Português | 8.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 17/2016, de 4 de abril). República Portuguesa - Educação, IAVE-Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2017. Prova n.º 85 e critérios de classificação disponíveis em https://iave.pt/provas-e-exames/arquivo/arquivo-provas-de-afericao-eb/?ano=2017

 




II - Elabore um comentário deste poema, extraído das Folhas Caídas, que integre o tratamento dos seguintes aspetos:

- valor simbólico do espaço e dos objetos;

- representação do elemento feminino;

- efeitos de sonoridade mais importantes;

- traços característicos do Romantismo.

 

Explicitação de cenários de resposta:

Valor simbólico do espaço e dos objetos

Relativamente ao espaço, deve notar-se que a terra constitui o elemento de segurança por oposição ao mar, que representa o elemento de perigo. O «céu» aparece associado ao mar, já que é nele que se localiza a «estrela» que as nuvens vêm esconder.

No que respeita aos objetos, a «barca» e a «vela» conduzem o sujeito ao perigo da destruição.

O «lanço» e a «rede» concorrem igualmente para a demanda do objeto («sereia») pelo sujeito («pescador»), sugerindo igualmente maior proximidade e envolvimento físico entre ambos e, assim, a consumação da perda do segundo pelo primeiro. O «remo» representa a possibilidade de fuga do sujeito, mas também a inexorabilidade do perigo, já que o mesmo objeto poderá vir a perder a sua utilidade («perdido»).

Representação do elemento feminino

A «estrela» é uma primeira representação do feminino no seu fascínio sensual, que conduz o sujeito à perda. Depois, a «sereia» constitui um símbolo de beleza, de sensualidade e de sedução, segundo a dimensão literária que adquire nas obras da literatura universal. A «sereia» protagoniza o perigo da destruição do sujeito («pescador»), de aniquilamento de toda a sua proteção («barca», «remo», «vela»).

Efeitos de sonoridade maia importantes

- Efeito de eco dos sons das duas últimas sílabas das palavras finais dos três primeiros versos de cada estrofe («bela» / «ela» / «bela»... ), concorrendo para a sugestão de perigo que advém da presença da «sereia»;

- repetição Integral do verso «Oh pescador», que passa de uma entoação ascendente (frase interrogativa) a uma entoação descendente (frase exclamativa), o que reforça a emotividade do sujeito perante a ameaça da ação da «sereia» sobre o «pescador»;

- …

Traços característicos do Romantismo

Aspetos temáticos

- Ambiente e personagens do imaginário popular («pescador», «barca»), bem como o próprio motivo marinho, que se encontram, com algumas variações, nos romances populares;

- o amor enquanto sentimento que pode conduzir o homem à perdição;

- …

Aspetos formais

- Reutilização da redondilha maior nos dois versos monórrimos, que concorre para a construção do ritmo alternado e dançante, sendo o último verso de cada estrofe o refrão;

- …

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 637. Curso Complementar Licear Nocturno. Prova Escrita de Português (Índole Literária). Portugal, 1999, 1.ª Fase, 1.ª Chamada

 


 


III - Elabore um comentário global do texto transcrito, focando os seguintes aspetos:

- interrogações e recomendações do sujeito lírico;

- particularidades da estrutura externa;

- expressividade das repetições;

- enquadramento do poema na época e no movimento literário;

- ponto de vista pessoal sobre o texto (o que se diz e como se diz).

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 437. Disciplina Específica. Cursos Complementares Diurnos (11.º ano). Formação Geral – Área D. Prova Escrita de Português. Portugal, 1997, 1.ª Fase, 2.ª Chamada



 

 


CARREIRO, José. “Pescador da barca bela, Almeida Garrett”. Portugal, Folha de Poesia: artes, ideias e o sentimento de si, 13-03-2023. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2023/03/pescador-da-barca-bela-almeida-garrett.html


domingo, 12 de março de 2023

Ó retrato da Morte, ó Noite amiga, Bocage

 



Ó retrato da Morte, ó Noite amiga,
Por cuja escuridão suspiro há tanto!
Calada testemunha de meu pranto,
De meus desgostos secretária antiga!

Pois manda Amor que a ti somente os diga,
Dá-lhes pio1 agasalho no teu manto;
Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto
Dorme a cruel que a delirar me obriga.

E vós, ó cortesãos da escuridade,
Fantasmas vagos, mochos piadores,
Inimigos, como eu, da claridade!

Em bandos acudi aos meus clamores;
Quero a vossa medonha sociedade,
Quero fartar meu coração de horrores.

 

Bocage, Sonetos, Lisboa, Bertrand, s. d.

_________

1 pio: piedoso, compassivo.

 

 

Elabore um comentário do poema que integre o tratamento dos seguintes tópicos:

- modos de representação da Noite;

- relação entre a natureza representada e o estado emocional do sujeito poético;

- recursos estilísticos relevantes;

- traços característicos do Pré-Romantismo.

 

Explicitação de cenários de resposta:

Modos de representação da Noite

A Noite aparece como imagem («retrato») da Morte a que o «eu» aspira, como confidente («amiga», «testemunha», «secretária») e protetora («Dá-lhes pio agasalho no teu manto»), como rainha das trevas e dos seus habitantes (os «cortesãos da escuridade» ). Através da personificação, combinada com um conjunto de metáforas, a noite configura uma dupla alegoria: nas quadras, é a noite eterna e arquetípica, entidade maternal que envolve no seu piedoso «manto» os seres que sofrem; nos tercetos, é antes a noite terrível e infernal («horrores»), associada ao reino dos inimigos da claridade. Entre estas duas representações da Noite, ligadas pela omnipresença da Morte, estabelece-se uma relação de complementaridade.

 

Relação entre a natureza representada e o estado emocional do sujeito poético

A natureza é figurada como lugar de abrigo e de apaziguamento e também como locus horrendus, espelho do sofrimento amoroso do sujeito poético: uma paisagem noturna, tenebrosa, povoada de entidades hostis à luz do dia, com as quais o «eu» se identifica («Inimigos, como eu, da claridade»). Acompanha a expansão alegórica do simbolismo da Noite, atrás referida, um crescendo na expressão da dor. Essa expressão começa, em tom de lamento, pela metáfora inicial (vv. 1-2); transforma-se em súplica, quase numa prece (v. 6); irrompe em apelos aos «cortesãos da escuridade» (vv. 9-11 ); por fim, lança-se em invocações («Em bandos acudi aos meus clamores») dos «horrores» noturnos (vv. 12-14).

 

Recursos estilísticos relevantes

São relevantes, entre outros, os seguintes recursos estilísticos:

- metáfora: «retrato da Morte», «cortesãos da escuridade»;

- personificação: «Morte»; «Noite»; «Amor»;

- apóstrofe: «Ó retrato da Morte, ó Noite amiga»; «E vós, ó cortesãos da escuridade»;

- anáfora: «Quero» (v. 13) /«Quero» (v. 14);

- …

 

Traços característicos do Pré-Romantismo

- representação da natureza como locus horrendus;

- obsessão da morte;

- confessionalismo;

- veemência dos sentimentos;

- exacerbação passional;

- misticismo;

- …

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 637. Curso Complementar Licear Nocturno. Prova Escrita de Português (Índole Literária). Portugal, 2000, 1.ª Fase, 2.ª Chamada

 

 

ó Noite amiga, picsart.com 2023-03-08


 

Comentário do poema “Ó retrato da Morte, ó Noite amiga”, de Bocage

 

I- Introdução

 

O soneto «Ó retrato da Morte! Ó Noite amiga» é da autoria de Bocage, poeta pré-romântico do final do séc. XVIII.

II- Desenvolvimento:

tema e assunto

 

Nesta composição é abordado o tema do sofrimento por amor e, quanto ao assunto, comporta uma sucessão de apóstrofes a elementos noctívagos e medonhos, no sentido de só junto a estes o sujeito lírico conseguir algum alento para o seu desespero.

estrutura externa

Trata-se de um poema composto por duas quadras e dois tercetos, que se denomina soneto. Os versos são isométricos, sendo todos decassilábicos. O esquema rimático é o seguinte: abba/abba/cdc/dcd, havendo rima interpolada, emparelhada e cruzada, respectivamente, a, b, c e d. Todos os versos possuem rima grave e consoante. Apenas o grupo de versos 9, 11 e 13 contém rima completa; nos grupos de versos 2 e 3, 6 e 7, 10 e 12 a rima é rica, sendo pobre nos outros casos. Todas as rimas são perfeitas.

estrutura interna

e enunciado descritivo

 

As duas quadras pertencem à tentativa de contacto que o Eu estabelece com a noite, contendo a caracterização desta (amiga, escura, testemunha, confidente, protetora), assim como o pedido explícito que lhe é dirigido (compreensão, apoio, companhia); os tercetos correspondem igualmente a uma tentativa de contacto, sendo os recetores os «cortesãos da escuridade», seguindo-se a mesma estrutura: caracterização destes (assustadores, sombrios) e apelo que lhes é enviado (compreensão, companhia). Assim sendo, as estrofes pares, por serem apelativas, distinguem-se das ímpares, onde o poeta estabelece a identificação entre si e o ambiente noturno.

análise e interpretação:

importância do 1.º v. na mensagem do poema

 

O primeiro verso assume grande importância dentro da mensagem do poema, pois revela a presença de uma entidade abstrata («Noite») que adquire uma força concreta e humana, tendo papel de destaque dentro das relações do sujeito («amiga») – note-se a personificação – e fazendo a maiúscula inicial adivinhar o seu protagonismo. Conduz a uma identificação da noite com a morte – note-se a metáfora – o que deixa antever uma situação de sofrimento/desespero por parte do sujeito poético, pela invocação de duas entidades ligadas à escuridão, à solidão, à fuga; sugere o estado de pessimismo, dramatismo em que o Eu se encontra.

papel da noite

 

O facto de este ansiar pelo momento da noite deve-se à sua vontade de estar só, isolado e afastado daquela que perturba o seu estado de espírito («[] a cruel que a delirar me obriga», v. 8), à necessidade de encontrar a tranquilidade e a acalmia próprias da noite, propícias à introspeção, à intenção de pretender refletir e analisar os seus sentimentos («meu pranto», v. 3; «[] meus desgostos []», v. 4) e de desejar conviver com elementos noturnos («Fantasmas vagos, mochos piadores», v. 10) que, pelo seu aspeto assustador e sombrio, não convivem com elementos diurnos, o que os torna recetores para quem não deseja ver os seus sentimentos divulgados (v. 3).

função apelativa

 

Regista-se a função apelativa da linguagem nas estrofes pares na medida em que o sujeito lírico apela a alguém/algo, neste caso à «Noite amiga», por incumbência de «Amor», aqui também personificado, para que o ampare, deixando-o desabafar na sua presença («Dá-lhes pio agasalho[]», v. 6, «Ouve-os», «ouve», v. 7), bem como aos elementos da noite, pedindo-lhes que o deixem fazer parte do seu grupo para com eles exteriorizar a sua mágoa («Em bandos acudi aos meus clamores», v. 12). Usa, assim, num tom pesaroso, nesta situação, um discurso apelativo, cujas formas verbais estão no imperativo; o discurso é de 2ª pessoa, uma vez que é direcionado para o destinatário das palavras proferidas.

causa do sofrimento

 

Para além da repetição retórica do verbo ouvir no v. 7, o tom lamentoso é acentuado com o uso do vocábulo «pio» que vitimiza o sujeito perante «a cruel». A angústia do sujeito poético ocorre em simultâneo com a tranquilidade, despreocupação da amada («delirar» vs. «dorme»), aqui apresentada com o convencional traço da típica mulher fatal. Note-se a ambiguidade existente no verbo dormir que é sinónimo de sossego para um e desassossego para outro, surgindo reforçado pela expressão «me obriga» – não é voluntário, não é pacífico, não é indolor. Note-se, ainda, que a forma verbal «dorme» pode referir-se também à própria morte ou ausência da amada.

masoquismo

 

 

 


 

ultrarromantismo

 

Pode considerar-se masoquista o conteúdo dos dois últimos versos, nos quais o sujeito manifesta o desejo de se encontrar no meio de fantasmas e mochos, apesar de ter consciência do carácter horrível e mórbido que lhes é inerente: «Quero a vossa medonha sociedade» (v. 13). Na base deste masoquismo, está o desejo de se flagelar, talvez numa tentativa de exteriorizar a sua revolta, a sua angústia ou até de acabar com o sofrimento («Quero fartar meu coração de horrores», v. 14). O sujeito deseja castigar o seu coração, provavelmente por se ter deixado envolver numa relação que o desiludiu e arruinou psicologicamente ou que abruptamente foi quebrada (pela morte/ausência). Hernâni Cidade, a este propósito, afirma que «o último verso deste soneto ultrapassa as medidas românticas, chega aos excessos do ultrarromantismo, de cuja poesia podia ser adotado como legenda».

pré-romantismo

 

Bocage é um autor de transição, assumindo a sua obra e este texto também características neoclássicas e românticas: por um lado, a forma poética (o soneto); a presença da mitologia («Amor»); as alegorias maiusculadas que correspondem à personificação dos conceitos de «Morte» e «Noite»; o hipérbato e quiasmo («Calada testemunha de meu pranto/ De meus desgostos secretária antiga»); as repetições retóricas («Ouve-os, como costumas, ouve []»); a adjetivação e substantivação convencional («calada testemunha», «secretária antiga», «pio agasalho», «cruel»). Por outro lado, a predileção pelos elementos noctívagos, soturnos, fantasmagóricos e inspiradores de medo e horror («locus horrendus») está em clara evidência ao longo de quase todos os versos do soneto (por exemplo, vv. 9-14); o sofrimento advindo de desgosto amoroso é também uma temática frequente da produção desta corrente estética. Este conduz a estados de solidão, isolamento, os quais são propícios a reflexão, a introspeção, canalizando a atenção para si, para ao seu estado de espírito e sentimentos; note-se, por exemplo, a presença no poema de cinco formas verbais e seis pronomes/determinantes na 1.ª pessoa do singular («suspiro», v. 2; «diga», v. 5; «obriga», v. 8; «Quero», vv.13-14; «meu», v.3; «meus», v. 4; «me», v. 8; «eu», v. 11; «meus», v. 12; «meu», v. 14).

III - Conclusão

 

 

O sujeito poético encontra-se em estado de espírito de profunda angústia e desilusão, daí a obsessão pela morte, solução derradeira para os seus problemas.

(Adaptação de: Sugestões de análise com propostas de resolução de textos líricos, Dulce Teixeira e Lurdes Trilho, Porto Ed., 1999)

 


sábado, 11 de março de 2023

Olha, Marília, as flautas dos pastores, Bocage


Olha, Marília, as flautas dos pastores
Que bem que soam, como estão cadentes1!
Olha o Tejo a sorrir-se! Olha, não sentes
Os Zéfiros2 brincar por entre as flores?

Vê como ali, beijando-se, os Amores3
Incitam nossos ósculos4 ardentes;
Ei-las de planta em planta as inocentes,
As vagas borboletas de mil cores;

Naquele arbusto o rouxinol suspira,
Ora nas folhas a abelhinha para,
Ora nos ares, sussurrando, gira.

Que alegre campo! Que manhã tão clara!
Mas ah! Tudo o que vês, se eu te não vira
Mais tristeza que a noite me causara.

 

Bocage, Obra Completa – Volume I, edição de Daniel Pires, 2.ª ed., Porto, Caixotim, 2008, p. 37

 

__________

1 cadentes (verso 2) – harmoniosas.

2 Zéfiros (verso 4) – divindades gregas que correspondem aos ventos do ocidente; ventos suaves e agradáveis.

3 Amores (verso 5) – divindades subordinadas a Vénus e a Cupido.

4 ósculos (verso 6) – beijos.

 

I - Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. Identifique quatro dos traços caracterizadores da paisagem descrita no poema.

2. Refira dois dos sentidos através dos quais Marília perceciona o espaço físico envolvente, justificando a resposta com citações do texto.

3. Explicite dois dos valores expressivos produzidos pelo uso da personificação no terceiro verso.

4. Analise o efeito que a presença de Marília causa no estado de espírito do sujeito poético.

 

Explicitação de cenários de resposta:

1. Identifica, adequadamente, quatro dos traços caracterizadores da paisagem descrita no poema.

A paisagem, perfeita e idealizada, descrita no poema caracteriza-se, nomeadamente, como:

− bucólica («as flautas dos pastores» – v. 1);

− harmoniosa («Que bem que soam, como estão cadentes!» – v. 2);

− ribeirinha («o Tejo» – v. 3);

− florida («flores» – v. 4);

− colorida («borboletas de mil cores» – v. 8);

− animada pelo movimento dos seres da natureza («Ei-las de planta em planta as inocentes, / As vagas borboletas de mil cores» – vv. 7-8; «a abelhinha para, […] gira» – vv. 10-11) e pelos comportamentos quer das entidades mitológicas («Os Zéfiros brincar por entre as flores» – v. 4; «beijando-se, os Amores» – v. 5), quer do «rouxinol» que «suspira» (v. 9);

− campestre («campo» – v. 12);

− luminosa («Que manhã tão clara!» – v. 12);

− «alegre», refletindo a felicidade do «eu» («Que alegre campo!» – v. 12).

2. Refere dois dos sentidos através dos quais Marília perceciona o espaço físico envolvente, justificando, adequadamente, a resposta com citações do texto.

Os sentidos através dos quais a figura feminina perceciona o espaço físico envolvente são os seguintes:

− a visão, que se revela o modo de perceção predominante, permitindo a Marília captar a diversidade do «alegre campo» (v. 12): «Olha» (vv. 1 e 3); «Vê» (v. 5); «Tudo o que vês» (v. 13);

− a audição, tornando percetível a beleza e a variedade dos sons campestres: «as flautas dos pastores /Que bem que soam» (vv. 1-2); «o rouxinol suspira» (v. 9); «a abelhinha […] / sussurrando» (vv. 10-11);

− o tato, implícito na referência à brisa suave que sopra: «não sentes / Os Zéfiros brincar» (vv. 3-4).

3. Explicita, adequadamente, dois dos valores expressivos produzidos pelo uso da personificação no terceiro verso.

Os valores expressivos da personificação presente no verso 3 («o Tejo a sorrir-se») são, entre outros, os

seguintes:

− atribuir a um elemento da natureza uma emoção própria do ser humano;

− conferir ao rio Tejo o sentimento do «eu» enamorado, alegre pela presença da sua amada;

− representar a natureza como reflexo do estado de alma do sujeito poético, de acordo com os princípios do locus amoenus.

4. Analisa, adequadamente, o efeito que a presença de Marília causa no estado de espírito do sujeito poético.

O efeito que Marília causa no sujeito poético é muito intenso, dado que a presença dela determina o sentimento eufórico do «eu» e, consequentemente, o modo como ele visualiza a natureza. Na verdade, a beleza e a harmonia da paisagem descrita são valorizadas apenas quando o sujeito poético contempla a amada e se sente, por isso, feliz («Que alegre campo!» – v. 12). Ele, de resto, considera que na ausência dela tudo se desvaneceria, dando lugar à dor («Mas ah! Tudo o que vês, se eu te não vira / Mais tristeza que a noite me causara.» – vv. 13-14). A presença da figura feminina tem, pois, o poder de transformar o estado emocional do «eu».

 

Fonte: Exame Final Nacional do Ensino Secundário n.º 734 - 11.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho). Prova Escrita de Literatura Portuguesa, Lisboa, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2015, 2.ª Fase

 


 

II - Comentário de texto

Elabore um comentário do poema «Olha, Marília, as flautas dos pastores», de Bocage, que integre o tratamento dos seguintes tópicos:

- partes lógicas constitutivas do texto;

- processos usados na descrição da paisagem;

- relação entre a representação da natureza e o estado emocional do sujeito;

- marcas da estética arcádica.

 

Explicitação de cenários de resposta:

Partes lógicas constitutivas do texto

O poema divide-se em duas partes, correspondendo a primeira aos vv. 1 -12 e a segunda aos vv. 13-14, separadas pela conjunção adversativa «Mas», que introduz uma mudança no discurso.

Na primeira parte, o sujeito poético convida Marília a deleitar-se com os encantos da paisagem, que lhe descreve. Na segunda parte, ao imaginar a natureza na ausência hipotética de Marília, o sujeito é levado a desvalorizar a beleza do cenário: sem a presença da mulher amada, a visão da natureza causar-lhe-ia «mais tristeza que a morte».

 

Processos usados na descrição da paisagem

A descrição da paisagem é, toda ela, uma oferenda a Marília, chamada, por meio de imperativos («Olha», «Vê») e do vocativo inicial, a comprazer-se na sua contemplação.

Nos vv. 1-11, a descrição realiza-se pelo processo de enumeração dos elementos que compõem o cenário («flautas», «Tejo», «Zéfiros», «Amores», «borboletas», «rouxinol», «abelhinha»), caracterizados por verbos («soam», «sorrir-se», «brincar»... ) e por adjetivos («cadentes», «inocentes», «vagas»). Essa enumeração analítica dá lugar, no v. 12, à síntese («campo», «manhã») que contém, resumindo-os, os elementos antes especificados. A dupla conclusiva que encerra a descrição põe em evidência os atributos gerais da natureza: alegria e claridade.

Os elementos paisagísticos surgem quase todos dotados de vida. Para isso contribuem as prosopopeias («o Tejo a sorrir-se», «beijando-se, os Amores», «o rouxinol suspira»... ) e as sugestões luminosas («Que manhã tão clara!»), cromáticas («flores», «borboletas de mil cores»... ), sonoras («as flautas dos pastores», o sussurrar da «abelhinha»...) e de movimento (as borboletas «de planta em planta», a «abelhinha» que ora pára, ora gira…).

 

Relação entre a representação da natureza e o estado emocional do sujeito

A paisagem é descrita como locus amoenus, um ambiente bucólico, pastoril, em que tudo se combina de modo a criar um cenário propício ao deleite e à contemplação. Dos processos descritivos acima mencionados, resulta a evocação de uma natureza alegre e cheia de vida, que apela à fruição através dos sentidos: visão («Olha o Tejo a sorrir-se»... ), audição («as flautas», «o rouxinol», o sussurrar da «abelhinha»), tato («não sentes/ os Zéfiros brincar por entre as fl0res?»).

Os elementos naturais, plenos de força anímica e simbolicamente carregados de sensualidade, manifestam-se em toda a sua exuberância primaveril; a natureza enamorada torna-se alegoria do idílio amoroso. A euforia ambiente harmoniza-se com o estado emocional do sujeito, feliz graças à presença de Marília.

Na segunda parte do poema, sobre a felicidade do sujeito apaixonado perpassa, trazida pela imaginação, uma nuvem de adversidade que o leva a conceber a paisagem na ausência da mulher amada. Todavia, sendo essa ausência puramente retórica, a sombra da morte não é suficiente para obscurecer a luz clara da manhã nem a alegria do sujeito poético.

 

Marcas da estética arcádica

  •  temáticas

- locus amoenus

- idealização da mulher

- …

  •  formais

- soneto

- personificação alegórica da natureza

- léxico greco-latino

- …

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 637. Curso Complementar Licear Nocturno. Prova Escrita de Português (Índole Literária). Portugal, 1998, 1.ª Fase, 2.ª Chamada

 

 

sexta-feira, 10 de março de 2023

Camões, grande Camões, quão semelhante acho teu fado ao meu (Bocage)


 


Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo1!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar2 c'o sacrílego Gigante3;

Como tu, junto ao Ganges4 sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo,
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante;

Ludíbrio5, como tu, da Sorte dura,
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.

Modelo meu tu és, mas... oh tristeza!
Se te imito nos transes6 da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.

 

Bocage, Obra Completa. Sonetos, Porto, Edições Caixotim, 2004

 

____________

1 cotejo (v. 2): comparo.

2 Arrostar (v. 4): enfrentar, afrontar, suportar.

3 sacrílego Gigante (v. 4): gigante Adamastor.

4 Ganges (v. 5): rio da Índia.

5 Ludíbrio (v. 9): joguete, objeto de engano, ou de desprezo.

6 transes (v. 13): momentos difíceis e geradores de angústia.

 


Questionário sobre o poema “Camões, grande Camões, quão semelhante”, de Bocage.


1. Divida o poema nas partes lógicas que o compõem, justificando a sua resposta.

2. Analise o modo como, nas três primeiras estrofes, se estabelece a comparação entre o sujeito poético e Camões.

3. Indique os motivos que impedem a identificação total entre o «eu» e o modelo invocado.

4. Mencione dois dos recursos estilísticos presentes no texto e os efeitos de sentido por eles produzidos.

5. Identifique, no poema, dois traços característicos da estética arcádica.

 

Explicitação de cenários de resposta

1. O texto é constituído por duas partes lógicas. Na primeira, o sujeito poético faz a enumeração das semelhanças entre a sua vida e a de Luís de Camões, com a qual se identifica: «Camões, grande Camões […] Modelo meu tu és…» (vv. 1-12). Na segunda, conclui que só no infortúnio se assemelha ao seu modelo, pois em talento não pode comparar-se com ele: «Mas, oh tristeza!... […] nos dons da Natureza» (vv. 12-14). É a conjunção adversativa «Mas» que define uma oposição entre a relação de identidade expressa na primeira parte e a impossibilidade de imitação de Camões no plano poético, referida na segunda parte.

2. A comparação desenvolve-se em dois momentos. No primeiro (vv. 1-2), o sujeito poético declara julgar o seu destino («fado») idêntico ao de Camões. No segundo (vv. 3-11), enumera uma série de analogias biográficas que visam demonstrar a verdade dessa semelhança: um e outro, pelo mesmo motivo, tiveram de abandonar a pátria («perdendo o Tejo») e, enfrentando os perigos da viagem («o sacrílego gigante»), partir para a Índia, onde se viram na maior pobreza («penúria cruel»); ambos o sofrimento e os desgostos amorosos levaram a desejar a morte.

3. Ao processo de identificação desenvolvido nas quadras e no primeiro terceto, opõe-se, no segundo terceto, a verificação da diferença que separa o sujeito poético do modelo invocado: «Se te imito nos transes da Ventura / Não te imito nos dons da Natureza». Ao proclamar Camões como seu ideal - «Modelo meu tu és» -, o «eu» lamenta («oh tristeza!...») só ter em comum com ele a infelicidade («transe da Ventura»), pois em talento poético («dons da Natureza») não se lhe pode comparar.

4. Recursos estilísticos

- comparação: «quão semelhante», «igual causa», «Como tu»

- adjetivação: «grande Camões», «sacrílego gigante», «Ganges sussurrante»

- metáfora: «perdendo o Tejo», «arrostar co’o sacrílego gigante», «dons da Natureza»

- personificação: «Ganges sussurrante», «penúria cruel», «Sorte dura»

- antítese: «imito (v. 13) / «Não te imito» (v. 14)

- …

O examinando deverá referir-se aos dois efeitos de sentido produzidos pelos dois recursos estilísticos selecionados. Por exemplo:

- a antítese sublinha a oposição entre aquilo que liga o sujeito poético a Camões – o infortúnio («transes da Ventura») – e o que os separa – a diferença de talento poético («dons da Natureza»);

- a metáfora «perdendo o Tejo» expressa a tristeza, a saudade e a sensação de perda causadas pelo exílio.

5. Traços característicos da estética arcádica

- soneto, forma neoclássica

- hipérbato («Da penúria cruel no horror me vejo»)

- personificações e alegorias abstratas («Sorte», «Céu», «Ventura», «Natureza»)

- imitação de Camões

- …

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 537. Cursos Complementares Noturnos - Liceal e Técnicos. Prova Escrita de Português (Índole Científica). Portugal, 1998, 2.ª fase



 



Outro questionário sobre o poema “Camões, grande Camões, quão semelhante”, de Bocage.


Apresente, de forma bem estruturada, as respostas aos itens.

1. Proceda a uma divisão fundamentada do poema nas partes lógicas que o constituem.

2. Indique três traços comuns a Camões e ao sujeito poético, com base nas duas quadras e no

primeiro terceto.

3. Refira dois dos efeitos de sentido produzidos pela anáfora presente na segunda estrofe.

4. Analise a importância do último terceto na construção do sentido global do poema.

 

Explicitação de cenários de resposta

1. O poema pode dividir-se nas seguintes partes constitutivas:

– primeira parte (vv. 1-2) – exposição de uma afirmação geral: semelhança existente entre o «fado» do «eu» e o de Camões, quando comparados;

– segunda parte (vv. 3-4, segunda quadra e primeiro terceto) – desenvolvimento: fundamentação da ideia anterior, através do paralelismo existente entre a figura de Camões e o «eu»;

– terceira parte (segundo terceto) – conclusão: infelicidade do «eu», dada a impossibilidade de uma identificação total entre si e o modelo invocado, perante a superioridade do talento poético de Camões.

Nota – É considerada válida qualquer outra divisão do texto em partes lógicas, desde que devidamente fundamentada.

2. O sujeito poético considera o seu «fado» «semelhante» ao de Camões, dadas as coincidências de episódios e de circunstâncias vividos por ambos. Assim, são comuns aos dois sujeitos os seguintes aspetos:

– o abandono da pátria pelo mesmo motivo («Igual causa nos fez, perdendo o Tejo» – v. 3), levando-os a enfrentar o temível mundo desconhecido, simbolizado pelo mito camoniano do gigante Adamastor («Arrostar c’o sacrílego Gigante» – v. 4);

– o período relativo à vida na Índia, no Oriente («junto ao Ganges sussurrante» – v. 5), marcado pelo «horror» de uma pobreza extrema («Da penúria cruel» – v. 6);

– as paixões infelizes, resultantes de amores impossíveis, irrealizáveis e recordados à distância («gostos vãos, que em vão desejo» – v. 7);

– a condição de «saudoso amante» (v. 8), chorando («carpindo» – v. 8) a ausência do objeto amado;

– o sofrimento, como consequência dos enganos e das desditas provocados pelo destino cruel («Ludíbrio, como tu, da Sorte dura» – v. 9), conduzindo o «eu» ao desejo da morte e da «paz na sepultura» (v. 11).

3. A anáfora «Como tu» (v. 5 e v. 7) tem, entre outros, os seguintes efeitos de sentido:

– enfatizar o processo de comparação («cotejo») realizado pelo sujeito poético, como se enuncia nos versos 1 e 2;

– acentuar, pelo paralelismo formal, a proximidade biográfica existente entre o sujeito e a figura do «grande Camões»;

– intensificar a visão que o «eu» tem de Camões, como alguém a quem gostaria de imitar, ou seja, como seu modelo;

– …

4. O último terceto, chave do soneto, assume particular relevo na construção global do sentido do texto, na medida em que permite uma reinterpretação das estrofes anteriores e, em particular, da afirmação inicial do sujeito poético acerca da semelhança existente entre si e o «grande Camões» (vv. 1-2). Com efeito, no último terceto, restringe-se o paralelismo traçado pelo sujeito poético entre si e Camões («quão semelhante» – v. 1), já que:

– se sublinha a «tristeza» do «eu» perante a certeza de que a similitude com o seu «Modelo» se limita ao plano biográfico («Se te imito nos transes da Ventura» – v. 13);

– se demonstra que o sujeito poético está consciente da sua distância, em génio poético, relativamente a Camões («Não te imito nos dons da Natureza» – v. 14).

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 734 - 11.º e 12.º Anos de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março). Prova Escrita de Literatura Portuguesa, Lisboa, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2008, 2.ª Fase