segunda-feira, 23 de junho de 2025

María Gómez Lara

María Gómez Lara © Daniel Mordzinski
https://www.blogfundacionloewe.es/2015/04/maria-gomez-lara-poetry-playing/

 

 

AMANHÃ

 

terás tempo de recuperar a cara que te pões

recolherás do chão os gestos cordiais bom dia obrigada
podias ser amável e passar-me o sal

e acomodá-los-ás onde sempre
por favor com muito gosto deixa-me ajudar-te está pesado
         hoje esquecê-los-ás
sem ter para onde correr carregas contigo com a tua sombra

dobram-se-te os joelhos
as tuas costas torcem-se

fogem-te as palavras
e é melhor calar fechar a porta

já amanhã
aprenderás de novo a falar
primeiro tartamudeando depois sílabas frases
bons dias muito obrigado que tal a noite
e outra vez
irás moldando as feições com as mãos
caminharás quase gatinhando se fosses tão amável não te apresses
irás sobrevivendo

hoje podes enrolar-te aninhar-te
falar sozinha com ele que já amanhã

 

María Gómez Lara, “I – Nó de sombras”. Nó das sombras, Lisboa, Glaciar, 2015. Tradução: Nuno Júdice.

 



 

MUDANÇA

 

Raras as vezes em que ajuda
nas tarefas pesadas
como mudar os móveis,
carregar as malas,
ou percorrer caminhos com sapatos apertados
WISLAWA SZYMBORSKA, «Algo sobre a alma»

 

Diz Szymborska que a alma
se aborrece com as azáfamas
não percorre armários
não empurra caixas

Oxalá seja esta vez a rara vez

Agora
que mudei cidades
e livros
e maletas

e atravessei a terra
carregada de bagagem

e cheguei a este país de estrangeiros

não seria demais
uma alma
que me deitasse uma mão
levando algumas coisas

A minha alma
             se a tenho
             se a tive

está perdida nestes ossos fracos
que não levantam
nem uma mesa         nem uma cadeira
está atolada neste corpo adoentado e distraído

que        pouco sabe
               pouco entende
pouco carrega

e até se leva a si mesmo com duras penas:

um dia
por exemplo
sobram-lhe as mãos
não vê onde pô-las

outro
em troca
tem uns pés
que acordam
estranhos à terra

crêem-se asas
mas não voam
tentam e tropeçam

e no outro
as costas deslocam-se
embora não levem nada
                                       talvez lhes pese o ar

talvez nesses dias
a alma apareça:

endireita-lhe as costas
cruza-lhe as mãos
empurra-lhe os pés para que avancem

Conviria
então
mudar-me
num dia desses

(não antes
nem depois)

quando possa caminhar
com os sapatos apertados

 

María Gómez Lara, “II – Mover cidades”. Nó das sombras, Lisboa, Glaciar, 2015. Tradução: Nuno Júdice.

 


 

FUGAS

 

para correr
escolhes ser de vento ser uma árvore talvez
fixar raízes
                             no ar

decides ancorar-te precisamente
longe da areia ao mar sem fundo a umas ondas que não deixem
           de cair
não se detêm

vejo no ar as tuas raízes
enquanto foges imóvel ainda

e invento uma maneira de ficar

 

María Gómez Lara, “II – Mover cidades”. Nó das sombras, Lisboa, Glaciar, 2015. Tradução: Nuno Júdice.

 

***

 

EMILY DICKINSON

 

Nasci no mesmo dia que Emily Dickinson
quase dois séculos depois
e as coisas mudaram um pouco
desde então

não tive
a sua integridade perante a dor
nem o seu ouvido subtil para as revelações

vivo num prédio alto
onde não chegam os pássaros
só um ruído de sirenes
que não canta

é uma cidade imensa
aqui todos somos Ninguém
mas não aprendemos
a guardar o segredo:

ao caminhar regamos
o nosso nada nas esquinas

Nasci com a pele escura
de um país do trópico
e vim procurá-la neste tumulto
tão distante da sua voz
que se enredava nos prados

imagino-a calando-se nos ladrilhos
vejo os seus manuscritos de letras estreitas

como ramos de tinta negra
que se quebram
em qualquer capa
na lista das compras
e se voltam a enlaçar
para inventar o mundo

Nasci num dez de dezembro como ela
e não trouxe esse silêncio

não obstante

graças ao esconjuro
de repetir os seus versos
enquanto mudam os semáforos

estou a flutuar

ainda

 

María Gómez Lara, “II – Mover cidades”. Nó das sombras, Lisboa, Glaciar, 2015. Tradução: Nuno Júdice.

 

***

 

PREOCUPAÇÕES

 

preocupa-me sempre a matéria:

a poesia que se completa aos pedacinhos

golpeando pedras
agarrando-se à terra
escrita com os ossos com o sangue

preocupam-me os cotovelos os joelhos
os lugares onde nos vamos quebrar
onde estamos

frágeis
             e inteiros

preocupa-me a dor e os calcanhares
caminhar em bicos dos pés não fazer ruído

e tapar a cabeça
ou desandar

preocupam-me os dedos sobretudo
quando ficam dormentes com o frio

 

María Gómez Lara, “II – Mover cidades”. Nó das sombras, Lisboa, Glaciar, 2015. Tradução: Nuno Júdice.

 

***

 

TRANSFORMAÇÕES

 

e a dor mudou-me outra vez
fiz-me forte pus velas rearmei a casa
a dor foi-me empurrando para a frente

agora cozinho verduras arrumo em prioridade os papéis
urgente apura-te apura-te pode esperar ainda mas corre
importante

importante foi curar-me com palavras
importante foi fugir de ti
ir ganhando com a pena as batalhas

ser logo pontual
entregar a tempo os ensaios ir ao banco
fazer café pela manhã

esquecer num passo hesitante com as mãos como se gatinhasse

trabalhar na biblioteca
sair tão tarde que vamos fechar menina

e não me deter a chorar
comer lentilhas cenouras reinventar-me

 

María Gómez Lara, “II – Mover cidades”. Nó das sombras, Lisboa, Glaciar, 2015. Tradução: Nuno Júdice.

 

***

 

LEMBRAS COMO ERAS QUANDO

TE PARECIAS COM O FOGO

 

então levava-te empurrava-te fazia-te cair

uma força enorme que não entendias como nem porquê nem até quando nem onde desembocava o precipício

 

logo aprendeste:

pouco a pouco estudaste as minúcias de como lançar raízes

para que não te tirassem da terra

 

ensinaste os teus ossos a converterem-se em ramos

fizeste-te sentir madeira

 

e que a pele remendada de tantas cicatrizes

se estirasse se alargasse se dobrasse mas não

 

nunca quebrar-te outra vez

agarrar-te à tua casca

 

não te desdizer             não ter

que afastar os teus passos não gritar

 

melhor

 

ficar-te quieta

e lembrar agora

 

quase de longe

quase olhando a outra

e não obstante tu

 

que estás a salvo no fim

 

embora arrastes ainda

o fogo nas cinzas

 

María Gómez Lara, “II – Mover cidades”. Nó das sombras, Lisboa, Glaciar, 2015. Tradução: Nuno Júdice.

 

***

 

AGORA A TEMPO

 

ia chorar por ele e por mim e por todos os que andamos perdidos sem retorno

mas desta vez não me· vou abaixo estou a tempo

desta vez já sei e ainda não é tarde embora pareça que ele vai correr que não está que nunca esteve que os seus passos são pegadas que foi que não pode ficar

porque não porque não porque não quer

 

embora sim queira embora às vezes mo diga e me olhe de certa maneira

como se eu carregasse o mundo para o ajudar por um instante com o seu peso com a sua própria sombra

 

como se eu também fosse um pouco tonta como da outra vez como antes com o outro ele que não era ele mas o mesmo sentido de estar a fugir perpetuamente a fugir como quem fica e não há quem possa perseguir atalhar rastrear semelhante              vontade de fuga

 

volto a ele que me olha às vezes como o outro ele como se eu fosse um pouco tonta outra vez retrocedendo sem ter aprendido nada da última queda de ter que derrubar-me e reerguer-me com cinzas e gritar e procurar-me entre o nada e reconstruir-me como pude enquanto o tempo lá fora não passava

 

como se eu fosse outra vez suspender-me para querer ficar nos seus braços para sempre

 

mas mas mas

 

aqui há um mas e três e quatro aqui salvo-me porque desta vez embora não pareça embora queira chorar por ele e por mim e por todos os que andamos perdidos sem retorno desta vez

 

não quebro não me engano estou alerta que se vá e não volte nunca mais

 

que se vá que se vá antes de me quebrar desta vez não quebro que se vá se a história é igual e já sabemos algo se aprende dos golpes já sabemos desde antes que não vai abrir a porta não me vai deixar chegar

 

María Gómez Lara, “II – Mover cidades”. Nó das sombras, Lisboa, Glaciar, 2015. Tradução: Nuno Júdice.

 


 

Las formas de lo que no es amor

 

FRONTERIZOS (4)

Néstor Mendoza

 

El lugar de las palabras asume una postura discursiva, la segunda persona, para señalar un mal que se ensaña, o se ensañó, contra la autora: «tú que conociste todas las formas de lo que no es amor». Un diagnóstico médico, el menos favorable posible, es usado como insumo para escribir estos textos deliberadamente descarnados. Un proyecto de escritura en el que el motivo es la persona y su fragilidad. Pero no es una fragilidad alegórica: quien escribe padece y ve su vida amenazada por una patología real y no imaginada. La imaginación llega como testimonio creador (al recrear el peligro en el poema), o como una manera de dar fe de aquel proceso. Allí está la radiografía y la descripción que hace María Gómez Lara (Bogotá, 1989). El lugar de las palabras es un epíteto para no decir el lugar del cerebro donde se procesa (¿se produce?) el lenguaje. El lugar de las palabras, como nombre, quiere sugerir o encubrir. Quiere ser elíptico. Pudiéramos decir también: El hogar de las palabras. Lo que se propone la poeta bogotana es uno de los tantos esfuerzos por nombrar de nuevo, nombrar después de la batalla; en este caso, la estrategia para suprimir el corazón que crece en una parte de su cerebro. La poeta descubre que la acción de los verbos (la conjugación), y no el simple nombrar, es el recurso que puede salvarla: «qué curioso que el lenguaje se mida con acciones / que hacer sea más fuerte que nombrar / yo pensaba que las palabras más palabras / eran los nombres de las cosas». El lugar de las palabras se construye con poemas sin puntuación, la sintaxis facilita la enumeración de frases asociadas al dolor y al miedo. El decir de María Gómez Lara es terso, líquido, con vocación de cascada. En algunos casos aparece el relato sencillo de lo que ocurre o va a ocurrir en la sala de operaciones. La poeta intenta comprender qué sucede en su cerebro, en esa cicatriz con forma de corazón, y qué sucederá luego del tejido cerebral inflamado y la anestesia. Ella teme por sus palabras. No quiere perder ninguna. Perder las palabras como si se perdiera la propia vida. «También la verdad se inventa», escribe Antonio Machado, y pareciera la misma motivación que se plantea María Gómez Lara. La verdad no en un sentido de objetividad periodística. Una verdad que sólo compete a la autora y su entorno familiar, pero que al salir de los informes médicos y tratamientos e intervenciones quirúrgicas, pasa al ámbito de lo público. La literatura nace cuando escribimos y convertimos los prejuicios en tema. Cuando se convierten los dolores en tema. Volver al cuerpo: esto lo hace María. Vuelve con elegancia pero sin concesiones a su cuerpo, al mal que le diagnostican. Un tumor. Brain tumor unit.

 

 

EL LUGAR DE LAS PALABRAS

 

Para el Doctor Javier Romero

que me encontró el lugar de las palabras

 

I

nunca había pensado

que las palabras       ocupan un espacio en el cerebro

 

un rincón preciso    justo irremplazable

hay un lugar en donde están almacenadas

 

tampoco había entendido

que todos los cerebros son distintos

que cada uno guarda el lenguaje donde puede

 

tú por ejemplo

dice el médico

lo debes tener en todas partes

 

vamos a buscar

exactamente

 

dónde aparece tu lenguaje dónde es que lo guardas

vamos a dar con el lugar de las palabras

 

para ver si está comprometido

 

el examen es una resonancia

(ya me han hecho tantas reconozco la cápsula cerrada y aún me

aturden los ruidos)

pero esta vez vas a pensar palabras piénsalas no las digas en voz

alta

vas a ver en la pantalla una palabra por ejemplo bicicleta

y piensas bicicleta pedales timón cadena

 

para rastrear tu lenguaje

lo más importante

es la generación de verbos

ves por ejemplo la palabra puerta

y piensas todos los verbos que puedas mientras más mejor

pienso abrir cerrar derrumbar deshacer levantar empujar jalar

portazo (no es un verbo pero es linda la palabra portazo

concéntrate maría piensa un verbo)

door

open close that’s about it

no olvides no mezclar los idiomas si ves la palabra en inglés

piensa en inglés mantenlos separados

vamos a hacerte un examen bilingüe

primero en español luego en inglés

you are going to see the first words in Spanish

en español se me ocurren más verbos

(puedo actuar con más ímpetu con más precisión

qué curioso que el lenguaje se mida con acciones

que hacer sea más fuerte que nombrar

yo pensaba que las palabras más palabras

eran los nombres de las cosas)

 

en todo caso el examen bilingüe

es porque tampoco sabía

que el cerebro guarda en un lugar la lengua materna

y en otro distinto los idiomas aprendidos

depende de la edad en que se aprendieron

(yo por ejemplo aprendí tarde y tengo acento en todos los idiomas)

el cerebro además procesa de manera diferente la información

que sabe y la que no sabe

(yo por ejemplo no sé cuántos jugadores tiene un equipo de

basketball: no sé en español no sé en inglés y quieren que

responda que piense algo que piense ahora la respuesta

pienso entonces          cualquier número

supongo que no me estarán midiendo lo que sepa de deportes

porque la verdad es que no sé nada así que al menos en eso

estoy tranquila: ahí no hay nada que perder)

quieren encontrar todas mis palabras

incluso las que uso para traducirme en esta tierra helada

can I think in Spanish?

le pregunto a la enfermera

me dice que sí afortunadamente

primero porque en inglés no conozco

el vocabulario específico de las bicicletas

ni sé nombrar las partes de una puerta

y sobre todo porque si hay que escoger

me quedo con mis palabras en español

de eso no cabe duda

prefiero salvarlas mil veces

 

II

por alguna razón

siempre pensé que las palabras

sólo sufrían de amenazas metafóricas

 

a diferencia del cuerpo o incluso el corazón

(porque ambos empezaban a romperse con el mundo)

y los oía quebrarse

sentía los huesos rotos

sentía la vida hecha polvo se anunciaba el dolor desde antes

cuando oía el golpe el estruendo el portazo la caída

por ejemplo

cuando llegaste tú

 

las palabras eran otra cosa

las palabras eran mías

y si se rompían yo podía repararlas

 

por ejemplo cuando no sabía

cómo nombrar la herida que dejaste

para empezar a cerrarla

 

escribí y escribí y escribí

tantos poemas

que no se parecían a tu nombre

que no eran suficientes

que no trazaban la forma de tu hueco

 

palabras y palabras y palabras que no bastaban para borrarte

pero ocupaban un espacio en la página

y al verlas dibujadas

comenzaba a sanar

al rodearte con ellas

empezaba a convertirte en cicatriz

 

III

en cambio ahora

hay una bomba de tiempo en mi cerebro

que quién sabe cuándo explota

quién sabe cuándo se transforma

puede ser nunca o mañana o en un año

 

quién sabe

cuándo

empieza

a crecer

 

y a invadir

el territorio

donde viven

mis palabras

 

a desplazarlas

a acorralarlas

a doblegarlas

a arrinconarlas

 

¿dónde las voy a poner

si están comprometidas?

 

¿existirá algún lugar en donde pueda guardarlas?

 

¿cómo las protejo

cómo las escondo?

 

¿en dónde me resguardo

si he perdido mi refugio?

 

¿dónde vivo yo si las palabras son mi casa?

 

https://www.revistaaltazor.cl/maria-gomez-lara-2/

ISSN 2452-5332, 1 ÉPOCA / AÑO 5 / JUNIO / 2025

 

 


 

María Gómez Lara, por Nuria Mendoza

María Gómez Lara: la poeta colombiana que da voz a los personajes de “Don Quijote”

Una de las poetas nacionales más reconocidas a nivel internacional, doctora en poesía y maestra de escritores en Madrid, habla de su nuevo libro “Don Quijote a voces”, publicado en España por la editorial Pre-Textos.

Nelson Fredy Padilla

31 de marzo de 2024 - 03:00 p. m.

 

¿Por qué Milán, Italia, para presentar tu nuevo libro, “Don Quijote a voces”?

Porque me invitaron al Instituto Cervantes de Milán, justamente para un seminario especializado en la literatura española del Siglo de Oro con perspectiva de género. También me invitaron a dar una clase y a hacer una lectura. Me pareció que era el escenario perfecto para hacer la primera presentación del libro.


Soy testigo de que te gozas la lectura de “Don Quijote de la Mancha”. En mi caso lo sufrí en el colegio como una tarea impuesta y solo en la universidad pude disfrutarlo. Explícame ese amor por la obra de Miguel de Cervantes y tu decisión de rendirle un homenaje poético.

El Quijote es uno de mis libros preferidos y me parece muy divertido. Es más, me echan de las bibliotecas porque no me puedo parar de reír mientras lo leo. Hay toda una literatura que nos imponen en el colegio o en las instituciones y nos dejan esa concepción de que puede ser algo difícil, antiguo, complicado. Pero a mí me parece muy divertido y también muy profundo, porque nos habla de cosas que todavía son vigentes, como el amor a los libros, la amistad, el poder de la literatura y, desde el contexto de los libros de caballerías, siglos después nos habla de la condición humana. Así la poesía y la literatura nos remueven valores universales. (Recomendamos: Videoentrevista de Nelson Fredy Padilla a Piedad Bonnett, sobre los diez años del libro a raíz del suicidio de su hijo).


Lo que me llamó la atención de este nuevo poemario es que le das vida poética a los personajes de “Don Quijote”, caso de Dulcinea.

Lo que pasa es que Don Quijote ya tiene mucha poesía adentro. Hice muchos seminarios sobre Cervantes y en uno de estos empecé a pensar en la función de la poesía en Don Quijote. Me interesó sacar las voces, poner a los personajes en situaciones en donde ya estaban, pero que eran poéticamente interesantes y convertirlas en voces poéticas. En el caso de Dulcinea, fue la que más me tuve que inventar, porque aunque sea la protagonista, no dice casi nada en el libro, no tiene voz. Entonces es un intento de pensar qué habría dicho ella.


Lee ese poema, por favor.

Se llama “Dulcinea encantada” y está basado en el episodio de la cueva de Montesinos, en que Don Quijote dice que vio a Dulcinea encantada y la iba a desencantar:

dice que me vio en una cueva

yo no sé de encantamientos dulcinea me grita al verme dulcinea del toboso

y habría que buscar un nombre

aldonza lorenzo me pusieron aldonza aldonza me llamaban mis padres como un eco de ellos: lorenzo corchuelo y aldonza nogales porque se aferraban a sus nombres de árboles y desde niña me inventaron un nombre para que fuera su extensión y no mi matiz exacto de follaje mi grosor de las ramas mi textura en la corteza y yo quiero galopar seguir andando subir rápido al burro y avanzar hacia adelante

él en cambio me dice la fermosa la soberana la excelentísima señora de mis pensamientos no se ha fijado en mi cara no me ha oído

y jura que unos gigantes van a venir a buscarme para contarme no sé qué de unas batallas de unos vencidos de unas armaduras

dice que me vio en una cueva

con una multitud de encantados errantes

que vivíamos todos en vigilia

que no era sueño ni era duermevela sino estar con los ojos siempre abiertos

y la mirada en otra parte

la mirada perdida

atascada en un lugar en donde al fin

olvidáramos los nombres repetidos

ni aldonza lorenzo ni dulcinea del toboso ni la señora de nadie ni la labradora simple

un lugar en donde yo fuera yo

sin la fantasía prestada

sin salir de un libro ajeno (todo el mundo me nombra y no aparezco cuándo se vio nunca escrita una protagonista tan volátil tan enclenque de relato así de impuesto)

ni de la vida prosaica esta vez

escribir mi historia

reconciliar mis realidades

construirlas más allá al otro lado

de las sílabas de mi nombre

ni el que escogieron mis padres

ni el que inventó él

sino yo abrir los ojos al fin abrirlos y no volver a cerrarlos

abrir la boca para gritar déjeme en paz señor para gritar soy yo o para convertirme en esa mujer que él inventaba esa que amaba tanto y defendía con su vida con su honra con la fuerza de su brazo esa por la que se estrellaba y se golpeaba y se daba a trancazos contra el mundo

o convertirme mejor en quien a mí me parezca

dibujarme a mí misma

imaginarme nombrarme

elegir mis palabras

ser mi propia narradora

yo en primera persona y no en tercera ausente en tercera silenciada

mirar para allá

hacia donde tenga voz

dice que me vio en una cueva y no sé si quedarme en esa cueva o si él estaba dormido

loco dentro de su locura

dice que me vio en una cueva y no sé de encantamientos

pero quiero desencantarme sola

que se vaya que se vaya él con su escudero llama ahora a sancho panza que se vaya con sus nombres y apodos y pronombres con sus frases enrevesadas que se busque otra señora que les busque a sus desvelos otra dueña que atraviese otro lugar que no me quiebre el camino para seguir andando

al fin descantarme que se vaya o escoger mi encantamiento

ir justamente a donde me lleve yo

que me guíe el mapa exacto que tracen mis palabras


Me gusta el ritmo y la musicalidad. Hablas de la importancia de buscar las palabras. Duro reto encontrar las precisas para un homenaje a “Don Quijote”. ¿Fue difícil?

Complicadísimo. Como ves, en el poema hay algunos arcaísmos. Hay palabras de Don Quijote como fermosa, que ya no se dice así y luego debía buscar la musicalidad del poema a través de la mía, del español bogotano que hablo yo. Tenía que encontrar un equilibrio que mostrara esa relación con el universo de Cervantes, pero al mismo tiempo que el poema estuviera vivo, claro, y para que el poema pueda estar vivo, hay que darle la musicalidad, que es más natural para mí. Si trataba de escribir un poema totalmente con el lenguaje de Cervantes, iba a salir como una cosa falsa, impostada.


¿Tu proceso creativo incluye escribir pensando en que el texto será declamado?

Para mí es fundamental la musicalidad, entonces toda la poesía que escribo tiene de fondo la voz. Cuando escribo un poema lo leo muchas veces en voz alta y mientras lo voy reescribiendo lo sigo leyendo en voz alta para asegurarme de que la musicalidad salga como yo quiero. En esta en particular era muy importante porque quería crear voces de distintos personajes. Eso viene de manera intuitiva, más cuando uno escribe un poema en verso libre. Cada poema encuentra su música y esa música solo existe para ese poema. Todos los poemas que escribimos son el primero que hemos hecho, en la medida en que en que hay que encontrarle la música.


¿En plena era multimedia, de muchos sonidos y de ruidos, por qué insistes en que las personas vuelvan a oír poesía declamada?

Justamente por eso, porque la poesía es el género literario que más se acerca a la voz. De hecho, la poesía empezó siendo cantada. La poesía es muy musical. La voz poética es lo que define a un autor o autora. Creo que en este momento en que hay tanto ruido en el mundo, la poesía puede ser un sonido que va más allá del ruido.


Desde que te conocí de niña, porque eres la hija de Patricia Lara, mi colega periodista y escritora, me llamó la atención tu pasión por la poesía. En tu colegio recitabas con propiedad y luego de graduaste en Literatura en la Universidad de los Andes. ¿Por qué estudiar literatura y ser poeta en el siglo XXI?

Mi mamá me cuenta que, Desde antes de tener memoria, yo estaba obsesionada con la poesía. Es decir, no me acuerdo de quién era yo o de quién podría ser yo sin la poesía. En eso también tuve mucha suerte, porque ella me estimuló desde chiquita y siempre estuve escribiendo, leyendo poesía. La poesía tiene que ver con lo que yo soy. Entonces, cuando escogí una carrera para estudiar, pues ni siquiera me lo pensé. Para mí no había otra posibilidad, porque la literatura es lo que más me hace feliz en el mundo y es lo que lo que sé hacer: leer y escribir. Y no sé hacer muchas otras cosas. En el siglo XXI o en cualquier otro siglo donde yo viviera me dedicaría a la literatura, no me imagino otra manera de estar en el mundo. Ahora, en este siglo, la literatura es muy importante porque la pandemia nos demostró que lo que nos salvó fue el arte. Qué habría hecho toda la humanidad encerrada en sus casas sin libros, películas, sin música. El arte nos hace humanos y la poesía representa el poder del lenguaje convertido en creación artística.


Cuando dices “estar en el mundo”, recuerdo un verso del poeta venezolano Eugenio Montejo (1938-2008) en “Terredad”, que fue un punto de referencia importante en la búsqueda de tu camino literario.

Sí. En mi tesis de doctorado en poesía uno de los capítulos es sobre Eugenio Montejo y escribí como 30 páginas sobre lo que podría ser ese estar en la tierra, nuestra condición de estar hechos a la a la vez de cuerpo y de tiempo, entre lo efímero y permanente, reconociendo nuestra finitud. Para mí, Eugenio Montejo fue importantísimo y sigue siendo importantísimo. En Pre-Textos, la editorial española que me publica el libro, acaban de sacar su obra completa. Te recuerdo que en Los Andes yo iba a hacer mi tesis de pregrado sobre la poesía en Don Quijote y me la iba a dirigir Amalia Iriarte, una gran profesora experta en Cervantes (mi libro está dedicado a ella y a Mary Gaylord, que fue la profesora que me dio Cervantes en la Universidad de Harvard), pero un día entré a una librería y me encontré con la obra de este poeta que no sabía que existía y me conmovió profundamente. Fui donde Amalia y le dije: sé que habíamos quedado en esto, pero ahora quiero escribir sobre un venezolano. ¿Me la diriges? Y Amalia me dijo que sí. Amo a Montejo, pero de todas maneras me quedé con la idea de trabajar la poesía en Don Quijote y en vez de hacerlo en forma de tesis o de ensayo académico, lo acabé haciendo en forma de libro de poemas.


Me haces acordar del escritor italiano Antonio Tabucchi, a quien le cambió la vida el día que descubrió la poesía de Fernando Pessoa, a través de “Tabaquería”, y terminó viviendo y muriendo en Portugal, hasta pidió ser sepultado cerca a él.

Yo también adoro “Tabaquería”. Me encanta, me gusta mucho Pessoa. Escribí un poema que se llama “Lisboa”, que es una especie de homenaje a “Tabaquería” y a Pessoa, porque a mí me pasa que cuando escribo lo hago sobre cosas que me importan mucho y me conmueven mucho. Cuando a mí la literatura me emociona, me siento en la necesidad de escribir también.


Aparte de esa pasión que te mueve, has tenido una gran perseverancia para aprender del oficio, porque después de estudiar literatura en los Andes hiciste maestrías en la Universidad de Nueva York y en Harvard y de esta última eres doctora en poesía. Por eso ahora también te dedicas a enseñar en la Escuela de Escritores de Madrid, donde estás radicada luego de trabajar en la Universidad Complutense. O sea, ¿se puede vivir de la poesía?

Vivir es un poco amplio. No sé si vivir, pero me dedico a eso porque es lo que más me gusta, lo que más tiene sentido para mí. La otra cosa que me gusta mucho es enseñar. Me encanta ser profesora, lo disfruto mucho, me llevo muy bien con los estudiantes y con las estudiantes y siento que aprendo un montón al dar clases.


¿En tu travesía fue clave el Premio Internacional Loewe de Poesía a la Creación Joven, que ganaste en 2015 por el poemario “Contratono”?

Por supuesto. Estoy muy muy agradecida con las personas de la Fundación Loewe. Haber ganado ese premio me abrió las posibilidades para seguir escribiendo. Precisamente a Manuel Borrás, de la editorial Pre-Textos, le interesó ese libro que salió publicado aquí en España en Visor y fue una manera de empezar a dedicarme del todo a esto.


¿En qué ha cambiado tu método de trabajo, tu mirada poética, desde ese primer poemario “Preguntas para el azar”, de 2007?

Bueno, ese tiendo a negarlo porque estaba tan chiquita, jajaja, pero fuera de chiste, el trabajo de hacer un libro es algo que se va aprendiendo haciendo libros, entonces va cambiando el método porque también cada libro es distinto.


Otra gran la influencia fue la poesía de la estadounidense Emily Dickinson (1830-1886), a quien le dedicaste un poema.

Es un poema corto sobre la casualidad de la vida de que yo nací el mismo día que Emily Dickinson, mi poeta preferida, un 10 de diciembre. Te lo leo:

Nací el mismo día que Emily Dickinson casi dos siglos después y las cosas han cambiado un poco desde entonces

no tuve su entereza ante el dolor ni su oído sutil para las revelaciones

vivo en un edificio alto donde no llegan los pájaros sólo un ruido de sirenas que no canta

es una ciudad inmensa aquí todos somos Nadie pero no hemos aprendido a guardar el secreto:

al caminar regamos nuestra nada en las esquinas

Nací con la piel oscura en un país del trópico

y vine a buscarla a este estruendo tan lejano de su voz que se enredaba en las praderas la imagino callando en los ladrillos veo sus manuscritos de letras apretadas

como ramas de tinta negra que se quiebran en cualquier envoltura en la lista de mercado y se enlazan otra vez para inventar el mundo

Nací un diez de diciembre como ella y no traje ese silencio

sin embargo

gracias al conjuro de repetir sus versos mientras cambian los semáforos

estoy a flote

todavía. (…)


Con Pre-Textos publicaste en 2020 “El lugar de las palabras”, donde convertiste en poesía esa experiencia durísima que tuviste con el tratamiento de un tumor cerebral, que describes como “mancha en forma de corazón perfecto, bien delimitada… lesión indeterminada en el lóbulo frontal izquierdo”. ¿Por qué llevar al verso ese tipo de temas?

Pasar por una cosa de esas hizo que me resultara inevitable escribir. Cada uno tiene su manera de lidiar con las heridas y lidiar con el miedo, y en mi caso es la escritura. Ahí me refiero al espacio físico del cerebro, donde está el lenguaje. Cuando estaba escribiendo los poemas no tenía ni idea de que iba a hacer un libro, simplemente necesitaba escribirlos en ese momento y volví sobre ellos después de mucho tiempo y distancia, cuando ya había pasado todo y no era un drama, porque mientras estás pasando por un trauma no lo puedes ver con perspectiva y no lo puedes transformar en arte. Volví a editar los poemas y me di cuenta de que ahí había un libro que representa que para mí escribir es una forma de vivir y una forma de sobrevivir, independientemente de que publique o no publique.


En Milán y en Madrid te invitan a hablar de literatura con perspectiva de género. ¿Cómo ha influido esa mirada en tu poesía y cómo la incorporas a tu metodología como maestra?

Es importantísima, sobre todo porque yo soy la que está mirando. Y también me importa mucho esta idea de darle voz a las mujeres, que por una historia infinitamente larga de patriarcado aún no han tenido suficiente derecho a la voz. La poesía entonces, que es fundamentalmente voz, es una herramienta poderosísima para oír a quienes no han sido oídas. Mi yo poético se parece a mí y yo soy muy feminista.


Qué opinas de la voz de las poetas colombianas actuales. Recomiéndame a algunas de ellas.

Es que hay muchísimas. A mí me parece que las poetas colombianas están haciendo cosas súper interesantes desde distintas generaciones: por ejemplo, Piedad Bonnett, que fue mi profesora en la universidad, pero también las poetas de mi generación, como Tania Ganitsky y Amalia Moreno, María Paz Guerrero, Eliana Hernández, Andrea Cote. Me da mucho miedo dar nombres y no decir el de todas las que están haciendo cosas maravillosas. Me disculpo de antemano por los nombres que se me han olvidado.


Para terminar, dale voz a Marcela, esa otra protagonista que en “Don Quijote” es de las voces más poderosas.

En el episodio que recreo de Marcela ella habla de defender su libertad, su derecho a corresponder o no, a escoger lo que quiere hacer con su vida. Ella no ha hecho nada y están hablando de ella y juzgándola. Es una pastora de la que otro pastor se enamora y ella no le corresponde y él se suicida, entonces la acusan de asesina. Por eso ella da ese discurso diciendo que tiene derecho a su libertad, que ella no lo mató, que simplemente no le correspondía y estaba en su derecho. Lo más bonito es que convence a Don Quijote y él se pone de su lado y la defiende. Este poema se llama “Marcela desamorada”:

a mí no me digan desdeñosa no me digan cruel no me digan ingrata ni basilisco ni fiera

yo nací libre y libre soy

pues no he prometido nada a los pastores que me siguen

ninguna falsa nunca les di esperanzas les dije la verdad:

el amor no se fuerza el deseo es peregrino y sólo llega cuando llega si es que un día aparece y coincidimos

nada me amarra a corresponder porque dicen que me aman que se lleven sus cadenas

yo tengo mi voz yo tengo mi palabra yo puedo pasear tranquila por los bosques solitarios conversar con los zagales con las cabras

no estaré enferma de ausencia ni de celos

ni perderé el ritmo exacto de mis pasos

cuando no me persiguen ni me cantan cuando camino en paz por la colina

si se quieren matar que se maten si se quieren morir de amor que se mueran

yo no hice nada yo no escogí esta hermosura que me pesa así ahora por tanto que me buscan tanto que me asustan me agobian me asedian

no puedo respirar

y ellos no saben quién soy yo:

marcela

marcela libre de este cuerpo que tanto se disputan

marcela libre de este cuerpo que los hace creerse dueños de mi forma de andar sin seguirles el rastro

yo habría sido marcela sin esta cara tan fermosa que persiguen

yo habría sido marcela sin rizos para comparar con el sol o con el oro

sin dientes de perlas

sin ojos como estrellas

apagadas

yo habría encendido mi fuego

por las palabras que traigo para salvarme

para decir libre soy y libre seré siempre

yo no maté a grisóstomo él se mató solito y que vaya a cantar si quiere a repetir sus versos de acento espantable decía en su poema

a repetir sus versos tristes que no saben de mí ni resuenan conmigo

ni fui yo la causante de esa herida

yo soy marcela por la voz

y las heridas las abren ellos al sólo querer apropiarse de esta piel que me cubre

sin detenerse

un momento

a mirar

mis cicatrices

 

“María Gómez Lara: la poeta colombiana que da voz a los personajes de Don Quijote”, Nelson Fredy Padilla. Disponível em https://www.elespectador.com/el-magazin-cultural/maria-gomez-lara-la-poeta-colombiana-que-da-voz-a-los-personajes-de-don-quijote/, 31-03-2024