domingo, 28 de fevereiro de 2021

Escrever e publicar poesia (Bibliomundi)

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A Bibliomundi é uma plataforma gratuita de publicação e distribuição de livros digitais.

No âmbito da poesia, esta editora disponibilizou três apontamentos sobre escrita e (auto)publicação:

Não sei como escrever poesia…

Escrevendo um poema em 10 passos

Tudo sobre como escrever um livro de poesias

 



Não sei como escrever poesia…

 

Como escrever poesia? Ou como não escrever poesia? Hoje em dia, todos temos um pouco de poeta dentro de nós, mas expressar essa habilidade pode não ser tão simples quanto parece.

Em especial quando existem oportunidades como a autopublicação, definir a qualidade do próprio trabalho se torna uma tarefa essencial. Não precisamos mais de editoras para aprovar ou recusar nossas palavras.

A decisão de publicar livro é nossa, mas a responsabilidade pelo que publicamos também. E, com isso, as dúvidas e certezas, o compromisso com a nossa escrita.

Precisamos aprimorar nosso próprio trabalho. Não só escrever e reescrever, mas também editar até alcançar um nível profissional.

E como fazer tudo isso quando você nem tem certeza se sabe mesmo escrever poesia? Junto ao direito que todos temos à expressão, junto à capacidade que todos temos de escrever alguma coisa, vem também a insegurança.

Se todos tem um pouco de poeta, ao mesmo tempo parece que ninguém é. Então, como escrever poesia? Como aprender a fazer algo que parece tão natural? Como merecer o reconhecimento por nossas palavras?

1.     Entenda o que é poesia

Primeiro, o outro. Antes de escrever versos, é uma boa ideia tentar entender, de facto, o que é essa tal de poesia.

A resposta para essa dúvida já foi bem mais fácil de responder. Poesia era aquele tipo de texto em verso regulado por métrica e com rimas no final. Bem simples.

Hoje, por outro lado, poesia pode ser muito mais. Nem todo poema (a unidade da poesia), precisa de métrica ou rimas. Há muito mais liberdade para explorar outras estruturas e se livrar de amarras.

Na verdade, você pode até usar o formato da poesia para colocar suas palavras dentro de alguma caixinha, chama-se poesia concreta. Assim:

Eu sou um poema

Dentro de alguma

Caixa improvisada

O facto é que a poesia não é prosa. Prosa que vem em frases, em parágrafos, capítulos. A poesia vem em versos e estrofes. Tudo bem, ela pode ser longa ou curta, rimada ou livre, mas verso ela tem.

E, ainda que a poesia não precise ser regrada, ela tem diversos padrões e tendências. Por exemplo, podemos falar de poesia como linguagem condensada.

Enquanto a prosa usa longas frases para descrever algo ou transmitir uma mensagem, a poesia o faz com economia de palavras. Uma das consequências é a grande margem para interpretação que a poesia deixa, assim como um certo mistério de quem revela pouco.

Visando o lado mais tradicional, há também toda uma série de modelos de rima e métrica diferentes que podem ser usados e abusados na poesia.

2.     Encontre a sua poesia

Para escrever poesia, o caminho é descobrir o que é poesia para você. Existem diversas definições do que é poesia e, especialmente, do que é boa poesia, mas nenhum acordo universal quanto ao assunto. Nenhuma regra absoluta que sobreponha a sua própria criatividade.

A Bibliomundi acredita que todos têm o direito de se expressar. Nossa ideia é permitir a você publicar livros de todos para todos, e a sua poesia única cabe nisso.

Então, para começar bem, pense no conceito de poesia que mais agrada você, que melhor atende às suas expectativas. Pode ser poesia concreta das mais mirabolantes ou um perfeito parnasianismo, que usa a bela forma para falar sobre assuntos quaisquer.

3.     Escreva a sua mensagem

O próximo passo entra, novamente, nas grandes discussões sobre poesia. Nem todo poeta acredita que poesia precisa falar sobre algo em específico. Mas é sempre uma boa ideia ter algum tipo de musa inspiradora para se focar ao escrever. Assim, maior a garantia de que as suas ideias chegarão em algum lugar.

Assim como na prosa, e já explicamos isso no artigo “Iniciando o primeiro livro”, é uma boa ideia deixar as críticas e revisões para um momento posterior. Agora, dedique-se à fase mais solta do processo criativo. Deixe as palavras fluírem. Apenas deixe.

Recomendamos, inclusive, que ao menos nas primeiras poesias você foque um pouco mais na mensagem do que na forma. O motivo é simples: vai ser um grande trabalho para conquistar um resultado um pouco forçado.

Pense bem, não é chato quando alguém parece estar tentando impressionar com você usando palavras “difíceis” e conceitos hiper “intelectuais”? O esforço para tornar sua poesia uma obra “poética” costuma ter quase o mesmo efeito. Relaxe. Sua poesia já vai se poesia de qualquer forma.

4.     Revise o seu poema

E, como sugerimos anteriormente, a hora da revisão tem que chegar em algum momento. Na poesia, contudo, esse processo é um pouco diferente, pois poemas têm prioridades diferentes da prosa.

Além de evitar os erros gramaticais, você precisa se atentar a outras questões. E, sim, licenças poéticas são permitidas quando elas realmente fazem alguma diferença no poema.

Algumas dicas para aumentar a qualidade do seu poema:

Não seja redundante.

Por exemplo, todos sabemos que o céu é azul e a grama é verde. Se você tentar descrever poeticamente a linda cor azul do céu, por mais bonito que pareça na hora, o mais provável é que seu leitor acredite que seu poema é pura e simplesmente redundante.

Como fugir disso? Que tal falar o que não é óbvio? Há um exemplo muito interessante é a letra de Tempo Perdido, da banda Legião Urbana:

Veja o sol dessa manhã tão cinza

A tempestade que chega é da cor dos teus olhos

Castanhos

Além de atribuir cores a elementos abstratos, como a manhã, fazendo uma associação entre o céu cinza que existe neste período, o letrista subverte a expectativa do ouvinte. Tempestades não são castanhas, mas o sentimento transmitido pelos olhos castanhos da personagem é semelhante ao de uma tempestade, por assim dizer.

Não force originalidade.

Todo autor quer dicas para escrever um livro original em algum momento, mas a originalidade não é bem o que parece. De certa forma, tudo já foi feito e é quase impossível inovar e, sinceramente, isso não é algo ruim.

Podemos nos reinventar o tempo todo e, acima de tudo, você possui uma voz única que nunca pertenceu nem nunca pertencerá a mais ninguém. Essa dose de originalidade você já tem. E a qualidade do seu texto você pode se dedicar para conquistar, e é o que realmente importa.

Mas, entenda: mais do que dizer que alcançar a originalidade é impossível, estamos afirmando que, às vezes, é uma péssima ideia.

Tudo bem, rosas são vermelhas, violetas são azuis. Não vale a pena tentar subverter essa ideia com cores mirabolantes só para ser original. É uma questão de valorizar o que realmente importa: sua voz, suas ideias, seus sentimentos. Não um conceito utópico.

Reduza ao máximo e escolha bem as palavras.

Por fim, é importante se ater à ideia de poesia como linguagem condensada. Mesmo que o seu poema seja bem longo, no final das contas, a poesia continua se destacando da prosa por envolver uma escolha cuidadosa e precisa das palavras.

Menos é mais. E o “menos” que sobrevive aos cortes precisa expressar com exatidão a mensagem que você deseja transmitir.

Pense nas nuances entre uma palavra e outra. Nenhum termo é capaz de substituir completamente o outro, não existem sinônimos perfeitos. Embora ambas as palavras “menino” e “garoto” se refiram a jovens pessoas do gênero masculino, não se fala “menino de programa” e sim “garoto de programa”, por exemplo.

As palavras vão além do significado óbvio. Elas têm um peso social. Têm sonoridade. E, às vezes, têm mil possibilidades diferentes de significado que atravessam uma a outra, contribuindo para a complexidade do seu poema.

E agora, autor? Já sabe como escrever poesia? Deixe um comentário com a sua experiência!

Redação da Bibliomundi, 2017-12-27

https://bibliomundi.com/blog/nao-sei-como-escrever-poesia/

 

 

Escrevendo um poema em 10 passos

 

Se você acompanha o blog da Bibliomundi, já conhece nossas dicas de autopublicação para quem acha que não sabe como escrever poesia. Muito bem. Agora é hora de avançar mais uma vez com o nosso guia para escrever um poema passo a passo.

Saber como escrever um poema não é nenhum mistério, nem uma dádiva divina. Praticamente qualquer pessoa é capaz de escrever poesia, desde que se dedique à tarefa. Afinal, disciplina é importante para um autor profissional. Por isso, vamos dar dicas para você escrever um poema de maneira mais profissional, que ajudarão você a desenvolver uma técnica.

O objetivo é fazer uma transição de um autor que escreve somente para si a um autor que escreve para o leitor. Um autor que quer mais do que expressar seus próprios sentimentos, mas provocar emoção no outro. Um autor que sabe transmitir ideias e se comunicar por meio dessa linguagem condensada e enigmática que é a poesia.

Se você quer publicar ebook com suas poesias, siga as nossas dicas:

1.     Tenha um objetivo em mente

O primeiro passo para escrever um bom poema é ter um objetivo. Afinal, sem um destino, você não pode chegar a lugar algum.

A poesia é uma linguagem concisa e, como qualquer obra literária ou projeto em geral, é uma boa ideia você saber onde quer chegar. Caso contrário, suas palavras serão vagas.

Para ajudar nesta tarefa, pense no que você quer que o seu poema “faça”. Que tipo de reação você quer causar no leitor? Há algo em específico que você queira descrever? As respostas podem ser diversas. Por exemplo: “descrever uma experiência pessoal”, “protestar contra injustiças da sociedade”, “exaltar a beleza da natureza”, “provocar desconforto no leitor”.

Escolha um objetivo principal e guarde-o com você. Esse será o elemento central do seu poema.

2.     Expresse o seu tema

Muito bem, você tem um objetivo, um elemento principal. Já está próximo de ter um tema definido para o seu poema.

Um tema pode ser considerado a combinação de uma ideia com uma opinião. Por exemplo, o “amor” não é um tema por si só. “Amor é sofrimento”, por sua vez, já pode ser considerado um tema, ainda que um pouco pessimista.

O tema é uma afirmação. Uma ideia sobre um assunto. E, muitas vezes, podemos inclusive observar temas que persistem por movimentos literários inteiros. No romantismo britânico, por exemplo, havia o tema recorrente de como o homem se desconecta da natureza na vida adulta e que a literatura poderia ser o elo perdido.

Esse tema caracterizava o movimento e trazia beleza e significado para os poemas. Ele era uma expressão da angústia pessoal dos poetas que transpassava até os leitores. Em outras palavras, o tema torna a poesia mais tangível, fortalecendo a conexão com o leitor.

Torne o seu objetivo em um tema e expresse suas ideias. Valerá a pena.

3.     Não seja clichê

Todos têm o direito de se expressar como quiserem. A beleza dessa liberdade é justamente a grande diversidade de ideias que ela nos oferece. Logo, não tem graça se todo autor escrever de maneira igual aos outros, repetindo os mesmos clichês.

Claro, não estamos sugerindo que você tente escrever um livro original por completo. Pode-se dizer até mesmo que a originalidade não existe, considerando a quantidade de autores que existem e a baixa probabilidade de produzir algo que nunca foi feito antes.

Mas existem repetições e repetições. Algumas são saudáveis, outras são mais do que desnecessárias. O clichê pode ser considerado tudo aquilo que já foi tão utilizado que não contribui mais para a obra. Ele não causa impacto, não agrega valor, não traz significado.

Na poesia, os clichês muitas vezes se apresentam como frases ou expressões “prontas”. Um exemplo bastante clássico é “rosas são vermelhas, violetas são azuis” ou versos que começam com “amar é”.

Como fugir disso? Primeiro, pense se você já não ouviu diversas vezes essa mesma expressão que você pretende escrever. Se sim, ela deve ser um clichê. Então, reflita sobre o significado por trás dessas palavras batidas. Você pode transmitir essa mesma mensagem de outra forma. E pronto. Clichê evitado.

4.     Não seja melodramático

Ah, o melodrama. Sedutor e repulsivo ao mesmo tempo, ele atrai os autores para, então, afastar os leitores. Quando escrevemos, muitas vezes queremos transmitir e provocar sentimentos e, sendo esse o caso, é quase irresistível a chamada do melodrama. Saber como escrever um livro emocionante não é simples.

Queremos nos jogar nos sentimentos, expressar amor, paixão, ódio e indignação. Mas veja, a partir do momento que isso compromete a leitura, não vale a pena. E o facto é: quando um texto apela excessivamente para o emocional, o leitor tende a se rebelar contra as intenções do autor e sentir o oposto do que foi planejado.

Dizem por aí que, quando uma personagem chora, o leitor não precisa chorar por ela. Fique atento, pois isso pode se aplicar aos seus leitores.

5.     Estimule todos os sentidos

A poesia é muito mais do que texto, palavras. Ela deve estimular cada sentido do corpo humano. Visão, audição, olfato, toque, paladar e também o que vai além, como a nossa intuição e a maneira como absorvemos a realidade em constante movimento como um todo.

A beleza da literatura está justamente na capacidade de levar o leitor para outro lugar, onde cada sentido estará aguçado e nossa perceção estará voltada para os dilemas e conflitos levantados na obra.

Para provocar esse efeito no leitor, você deve escrever de maneira muito visual, imagética. Explore o cenário, explore os movimentos, explore os sons, os cheiros, cada elemento que leva o leitor até seu poema.

6.     Use figuras de linguagem

As figuras de linguagem existem para enriquecer o idioma e tornar a nossa comunicação ainda mais vívida. Nada melhor do que usá-las na poesia, não é mesmo?

Um destaque especial vai para as comparações e metáforas. Isto é, quando afirmamos que algo ou alguém é parecido com outro ou quando substituímos um termo por outro a fim de provocar essa comparação, respetivamente.

Por exemplo, “meu pensamento é um rio subterrâneo” é uma metáfora. No caso, o pensamento não pode ser um rio subterrâneo, mas há semelhanças, como o fluxo de consciência que se assemelha ao fluxo constante do rio e a individualidade dos pensamentos, que não podem ser ouvidos por mais ninguém, assim como o rio não pode ser visto.

Quando usadas sabiamente, as figuras de linguagem podem enriquecer o poema ao tornar tudo menos óbvio e instigar o pensamento crítico do leitor, que possivelmente precisará refletir para compreender as semelhanças que validam determinadas metáforas, por exemplo.

7.     Não use palavras abstratas

Sim, a poesia é linguagem condensada e, por isso, muitas vezes soa misteriosa. Isso não significa que, para saber como escrever um poema, você precise ser abstrato o tempo inteiro. Muito pelo contrário.

É uma boa ideia utilizar palavras concretas que descrevem elementos reais em vez de apelar para o abstrato. “Liberdade”, “sofrimento”, “felicidade” e “paixão” são ideias abstratas, por exemplo, que inclusive podem ter significados muito diferentes para cada pessoa.

Em vez disso, sempre que possível utilize palavras concretas, como “árvores”, “sorrisos”, “calor”, “gatos”. Dessa forma, o leitor poderá analisar o cenário que você criará e, a partir dessa imagem, desenvolver seus próprios sentimentos abstratos em relação à obra.

A princípio, pode parecer impossível substituir palavras abstratas por concretas, mas é mais simples do que você pensa. Basta seguir o preceito de “show, don’t tell”. Isto é, descrever de maneira imagética algo que represente um sentimento abstrato.

Não diga “Ela estava feliz”. Uma ideia melhor seria dizer “O seu sorriso se abriu como um lírio na primavera”.

8.     Saia da caixinha!

Por que se conformar a uma maneira padronizada de enxergar o mundo? Muitas vezes a graça da vida e a beleza da poesia é justamente a habilidade do poeta de enxergar a realidade de forma diferente, um pouco fora da caixinha.

Subverta as expectativas do leitor, revolucione sua visão de mundo. Mostre que é possível refletir de maneira diferente sobre elementos que fazem parte do nosso dia-a-dia. Escrever histórias surpreendentes na sua poesia é uma forma de marcar o mundo com a sua visão única da realidade.

9.     Tome cuidado com as rimas

Infelizmente, rimar com excelência não é tão fácil quanto parece. Se não tomarmos cuidado, nossas rimas parecerão dignas de uma música infantil. No geral, não é bem esse o efeito que os poetas querem causar.

Logo, apesar das aventuras com rimas serem necessárias para o desenvolvimento de um poeta, recomendamos que, pelo menos no começo, você evite usar rimas demais. Vá com calma. Experimente o verso livre e, aos poucos, implemente elementos formais complexos na sua poesia.

Nas mãos de um poeta iniciante, existem elementos mais importantes do que a rima e a métrica. Foque nas palavras que escolhe, na mensagem que transmite, nos temas. E, então, conforme ganhar experiência, experimente rimas novas.

10.Revise sua poesia

Como toda obra literária, a poesia também precisa ser revisada. Talvez até mais do que a prosa, afinal, na poesia, cada palavrinha deve cumprir um papel específico no texto. Cada elemento deve ser essencial, até a última vírgula.

Assim como ao editar o próprio livro, recomendamos que você tome certas medidas antes de revisar poesia. A primeira é deixar o poema de lado por uns tempos. Esqueça dele e, então, o revise com novos olhos e ouvidos, como se nunca o tivesse lido antes.

Leia em voz alta. Grave o poema e corrija. Mude sua experiência o máximo possível e não tenha medo de reescrever, mas sempre anotando as modificações sem descartar as versões anteriores.

E, é claro, é sempre válido pedir a opinião de outra pessoa. Especialmente se você tiver contato com pessoas que apreciam a poesia e tenham opiniões imparciais, com uma dose construtiva de crítica e sem medo de magoar o outro.

Aceitar essas críticas sem se desanimar é uma excelente maneira de evoluir. Aprenda com o que foi dito e siga melhorando seu poema até a hora de dar asas para sua pequena obra. E, então, escreva mais.

E aí, autor? Você tem um método para escrever poemas? Compartilhe suas experiências com a Bibliomundi!

Redação da Bibliomundi, 2018-01-03

https://bibliomundi.com/blog/escrevendo-um-poema-em-10-passos/

 


 


Tudo sobre como escrever um livro de poesias

 

Nas últimas semanas, falamos sobre como escrever poesia e ensinamos como escrever um poema em 10 passos. Se você acompanha o nosso blog, já sabe tudo sobre esta forma de escrita condensada que em tanto se diferencia da prosa… mas, agora que seus poemas já estão prontos, o que fazer com eles? Autopublicação, é claro!

Agora é hora de aprender tudo sobre como escrever um livro de poesias! Reunimos 9 dicas para você publicar ebook de poesias de maneira inteligente e que valorize ao máximo cada pequena obra como parte de uma grande unidade.

1.     Selecione o tema do seu livro de poesias

Quando falamos sobre como escrever um poema, os dois primeiros passos eram definir um objetivo e, em seguida, um tema. Isto é, a reação que você gostaria de causar no leitor e a “tese” defendida no poema, respetivamente.

O tema é mais do que simplesmente um assunto abordado no seu texto, ele é também a opinião que o autor ou eu lírico transmite com as palavras.

Assim como é importante definir um tema e um objetivo antes de escrever apenas um poema, no singular, é essencial para organizar uma boa coletânea de poesias definir um tema ou objetivo específico, que une os pequenos textos de maneira uniforme.

É o tema que fará com que o seu livro de poesias pareça, de facto, uma obra literária e não um conjunto disforme de várias. Por isso, comece por aí e, somente então, poderemos seguir para o próximo passo.

2.     Selecione os poemas sem medo de deixar algo de fora

Tendo o tema e o objetivo do seu ebook de poesias em mente, é hora de começar a selecionar os poemas que farão parte da obra. Essa seleção pode incluir poemas que você já publicou em blogs ou redes sociais, assim como poemas totalmente novos e desconhecidos pelo público.

O que mais importa nesta etapa é fazer uma seleção que funcione bem como unidade, cujos poemas se complementem de maneira fluida, sem repetir excessivamente as mesmas ideias ou variar drasticamente de assunto e tom.

Por exemplo, se você sente que dois dos seus poemas são apenas versões diferentes da mesma mensagem e que, ao incluir os dois, o seu livro se torna um pouco redundante… então, você já sabe a resposta. É necessário excluir pelo menos um deles.

Lembre-se que deixar um poema de fora do seu livro não significa rechaçá-lo para o resto da vida. Você terá outras oportunidades de aproveitar esses textos, apenas não neste ebook.

Da mesma forma, se você tem um poema que fala alegremente sobre os bigodes de um gatinho e outro que debate com profundidade a situação política do país, provavelmente esses dois não devem fazer parte do mesmo livro.

3.     Categorize seus poemas em tipos diferentes

Um bom exercício para selecionar e organizar os poemas que participarão do seu ebook é categorizar os poemas. Lembre-se que “poesia” é um conceito bastante vasto e muitas obras com estilos drasticamente diferentes podem ser categorizadas como tal.

Alguns dos tipos mais proeminentes de poesia são: verso livre, poesia rimada (formal) e até mesmo poesia em prosa (uma contradição em relação ao próprio limite que diferencia a poesia e a prosa em si, mas que vale ser lembrada na hora de categorizar poesias).

Pense nos seus poemas e como eles se encaixam nessas categorias e, então, como os estilos de cada um se comunicam um com o outro. Você pode optar por fazer um livro de poesias que contenha apenas poemas da mesma categoria ou ousar nas combinações, mantendo o tema como elo principal.

Sinta-se a vontade para explorar essas possibilidades, desde que a sua organização faça sentido. O bom senso é a sua melhor medida agora.

4.     Organize os poemas e use capítulos, tópicos e índices

Muito bem. Você já pensou em um tema, selecionou seus poemas e refletiu sobre como eles se comunicam um com o outro. Agora é hora de organizá-los de facto. É essa organização que transformará a sua mistura desorganizada de poemas em uma obra literária de verdade.

Para conseguir o melhor resultado possível, recomendamos o uso de capítulos, tópicos e até mesmo um índice no começo do ebook. Esses elementos serão a estrutura do seu livro de poesias e permitirão que você explore diferentes temas, ou diferentes facetas do mesmo tema, de maneira mais aprofundada.

5.     Escolha um título significativo para o seu livro de poesias

Você já tem o tema, as poesias, a organização… e qual o nome dessa obra? Em que o conjunto das suas poesias se torna? O título dá significado para algo.

Mais do que refletir o conteúdo do ebook, o título oferece uma expectativa ao leitor. Isso pode representar os sentimentos ou memórias do autor ao escrever esses poemas, o tema que eles carregam em comum, enfim, aquilo que parecer mais representativo para você.

Esse título pode ser uma única palavra que reflete o tema, pode ser autodescritivo (por exemplo, “Poemas de Amor – William Shakespeare”), ou ser o nome do poema mais representativo da coletânea.

Recomendamos que você pense no apelo ao público ao selecionar o título, mas, novamente, o bom senso é a sua melhor medida.

6.     Faça ou encomende uma capa para ebook

Todo ebook precisa de uma capa. Não é porque o livro é vendido online que as pessoas deixam de julgar pela capa, muito pelo contrário! O seu ebook será visualizado junto a incontáveis outras obras catalogadas, e as três primeiras informações que o leitor verá são: capa, título, preço.

Há uma relação muito próxima entre a comunicação visual e as vendas de ebook. Se você quiser que o seu livro de poesias seja mais do que uma obra esquecida no anonimato, é uma boa ideia pensar em uma capa interessante e sem excesso de informações, que atrai o interesse dos leitores.

A Bibliomundi disponibiliza capas gratuitas para todos os autores, com variações de acordo com o gênero do livro. Alguns de nossos best-sellers utilizam essa opção. Caso você queira investir em algo personalizado, você pode optar por ferramentas de design online, como o canva, ou contratar um designer profissional.

7.     Edite e peça segundas opiniões

Nem só de capa se sustenta um ebook. De nada adianta criar uma primeira impressão positiva se o seu conteúdo não passa profissionalismo. Por isso, você deve editar seu próprio livro e/ou contratar um editor profissional para elevar o seu ebook a outro nível.

Infelizmente, quando tentamos revisar nossos próprios textos, temos dificuldade para analisar de forma objetiva. Por isso, segundas opiniões são muito bem-vindas, especialmente quando vêm de profissionais. Caso não seja possível contratar alguém, até mesmo a opinião de amigos é válida, pois não virá dos seus olhos já acostumados com o texto.

Se você está preocupado com a formatação do ebook para o formato .epub, fique tranquilo. Nós disponibilizamos um editor online na nossa plataforma que converte o seu livro para .epub automaticamente, sem problemas.

8.     Dê um tempo e planeje o seu lançamento

Sim, sabemos que a ideia de lançar um ebook de poesias causa uma das duas sensações: medo ou empolgação. A vontade é desistir ou simplesmente publicar sem pensar em mais nada e pronto!

Mas, esse não é o melhor plano de ação. Que tal separar um tempinho para editar o seu ebook com calma, fazer um planejamento e, enfim, autopublicar no seu próprio tempo?

O planejamento é fundamental para que o lançamento de um livro seja um sucesso. Idealmente, ao lançar seu ebook, você já terá leitores esperando o novo título. Como conseguir isso? Criando uma estratégia de marketing de conteúdo.

Crie uma página de Facebook para você, comece um blog, publique seus poemas (mas não todos, deixe um certo mistério no ar), faça aparecer. E, então, quando finalmente publicar o ebook, anuncie-o nesses canais.

9.     Pensamento positivo e aceite críticas!

Por último, mas não menos importante, ao publicar livro, você deve se preparar emocionalmente para o que vier depois. Pense positivo, veja as críticas como uma oportunidade de crescimento e, depois disso, o que vier é lucro (literalmente!).

E aí, autor? Já está pronto para escrever um livro de poesia? Compartilhe suas experiências com a comunidade Bibliomundi de escritores!

Redação da Bibliomundi, 2018-01-10

https://bibliomundi.com/blog/tudo-sobre-como-escrever-um-livro-de-poesias/

 


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Retrato ardente, Eugénio de Andrade




RETRATO ARDENTE

 

Entre os teus lábios

é que a loucura acode,

desce à garganta,

invade a água.

 

No teu peito

é que o pólen do fogo

se junta à nascente,

alastra na sombra.

 

Nos teus flancos

é que a fonte começa

a ser rio de abelhas,

rumor de tigre.

 

Da cintura aos joelhos

é que a areia queima,

o sol é secreto,

cego o silêncio.

 

Deita-te comigo.

Ilumina meus vidros.

Entre lábios e lábios

toda a música é minha.

 

Eugénio de Andrade, Obscuro Domínio (1972)

 

 


POESIA DO CORPO

 

Na poesia de Eugénio de Andrade a importância do corpo constitui um dos mais divulgados lugares comuns do ponto de vista da receção da sua obra. O próprio poeta, em 1979, no livro Rosto Precário confirma esta perceção relativamente à sua poética, ao afirmar o seguinte: «na minha poesia o corpo insurge-se, diz coisas despropositadas, põe-se a blasfemar, chegando a pretender-se metáfora do universo».

 

Atenta nas seguintes linhas de leitura propostas por Paula Morão:

 

- Veja como este é o simultâneo «retrato» de um Eu e um Tu; um Tu retratado nas partes do corpo e nos efeitos que produz sobre o Eu; um Eu que não só enuncia o Tu mas se enuncia reagindo, por marcas aparentemente impessoalizadas que se resolvem na «música» do último verso, condensando a «loucura», o «rumor», o «queimar».

 

- Esta simultaneidade Eu/Tu é apenas um dos estigmas de excesso presentes no poema. Note outros, como a progressão «desce» - v. 3; «invade» - v. 4, «se junta» - v. 7, «alastra» - v. 8, e a anulação de diferenças (como em «... pólen do fogo/se junta à nascente...»·- fogo e água con-fundem-se).

 

- Note ainda que a progressão no desejo tem a ver com a série «lábios»-«garganta»-«peito»-«flancos» e «da cintura aos joelhos» que omite a zona que «queima», deixando-a como zona inter-dita, na atitude do voyeur; a sugestão é bem mais eficaz que a visão em termos de erotismo, como diz Roland Barthes: «o lugar mais erótico de um corpo não é o ponto em que o vestuário se entreabre? [...] é a intermitência [...] ... que é erótica: a da pele que cintila entre duas peças (as calças e a camisola), entre duas margens (a camisa entreaberta, a luva e a manga) [...]». (O Prazer do Texto, Lisboa, Edições 70, s/d; p. 44.)

 

- Veja que a última estrofe define melhor o desejo como produto da relação amorosa, mas dá ao «Retrato» a dimensão «Ardente»: «iluminar», ter a «música», é saber que o espaço «Entre lábios e lábios» é definido por «lábios teus» (v. 1) e «meus» - para te percorrer o corpo e para te dizer, para te possuir no corpo e no dizer o corpo, instituindo a palavra como potência (também) sexual, o poema como «Retrato Ardente», como «Corpo Habitado».

 

Poemas de Eugénio de Andrade - O Homem, a Terra, a Palavra. Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária de Paula Morão. Lisboa: Seara Nova/Editorial Comunicação, 1981


PODERÁ TAMBÉM GOSTAR DE:

 

 


CARREIRO, José. “Retrato ardente, Eugénio de Andrade”. Portugal, Folha de Poesia, 15-02-2021. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2021/02/retrato-ardente-eugenio-de-andrade.html


domingo, 14 de fevereiro de 2021

Espelho, Eugénio de Andrade


Fotografia de Eric Guichaoua Serra

 

ESPELHO

 

Que rompam as águas:

é de um corpo que falo.

Nunca tive outra pátria,

nem outro espelho;

nunca tive outra casa.

 

É de um rio que falo;

desta margem onde soam ainda,

leves

umas sandálias de oiro e de ternura.

 

Aqui moram as palavras;

as mais antigas,

as mais recentes:

mãe, árvore,

adro, amigo.

 

Aqui conheci o desejo

mais sombrio,

mais luminoso;

a boca

onde nasce o sol,

onde nasce a lua.

 

E sempre um corpo,

sempre um rio;

corpos ou ecos de colunas,

rios ou súbitas janelas

sobre dunas;

corpos:

dóceis, doirados montes de feno;

rios:

frágeis, frias flores de cristal.

 

E tudo era água,

água,

desejo só

de um pequeno charco de luz.

 

De luz?

Que sabemos nós

dessas nuvens altas,

dessas agulhas

nuas

onde o silêncio se esconde?

Desses olhos redondos,

agudos de verão,

e tão azuis

como se fossem beijos?

 

Um corpo amei;

um corpo, um rio;

um pequeno tigre de inocência

com lágrimas

esquecidas nos ombros,

gritos

adormecidos nas pernas,

com extensas, arrefecidas

primaveras nas mãos.

 

Quem não amou

assim? Quem não amou?

Quem?

Quem não amou

está morto.

 

Piedade,

também eu sou mortal.

Piedade

por um lenço de linho

debruado de feroz melancolia,

por uma haste de espinheiro

atirada contra o muro,

por uma voz que tropeça

e não alcança os ramos.

 

De um corpo falei:

que rompam as águas.

 

Eugénio de Andrade, Mar de Setembro, 1977



 

LINHAS DE LEITURA:

 

«Corpo» é neste poema reescrito por uma série de equivalentes: «pátria» (v. 3), «espelho» (v. 4), «casa» (v. 5), «rio» (vv. 6, 22, 24, 44), «tigre de inocência» (v. 45); estes elementos evocam já a infância e a mãe, que por sua vez atrai «palavras» que «moram» «aqui» (no poema, visto como casa): «mãe, árvore,/adro, amigo» (vv. 13-14), recobrindo a relação Mãe-Natureza-Aldeia-Outro. «Aqui» é pois lugar (casa, corpo?), como se confirma pelo advérbio «onde» (vv. 19 e 20), lugar «onde nasce o sol» e «a lua» (v. 20); nascer remete o leitor não só para os vv. 1 e 68, mas para a anulação de contrários já apontada: «sol» torna-se igual a «lua», «corpo» a «rio».

Faça o levantamento deste processo no poema; verá assim que o «Espelho» é o lugar de fixação do Passado, é o poema, é a tentativa de que o passado evocado («De um corpo falei», v. 67) se repita no futuro que o presente aponta («que rompam as águas», v. 68). Escrever o poema, ver-se no espelho, é pois tentar anular os contrários, estabelecer a igualdade inicial (iniciática?), eliminando a diferença, perturbadora do amor.

 

Poemas de Eugénio De Andrade - O Homem, a Terra, a Palavra. Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária de Paula Morão. Lisboa: Seara Nova/Editorial Comunicação, 1981

 



 

O ESPAÇO ELEMENTAR E A CONFIGURAÇÃO DO HOMEM NA POESIA DE EUGÊNIO DE ANDRADE

 

Espelho” é um poema longo, composto por versos brancos e livres, agrupados em doze estrofes de tamanhos variados, cuja temática já se revela a partir do título, espelho é aquilo que reflete algo; contudo, “o que” e “como” reflete são as discussões que esse poema suscita.

O poema é estruturado a partir de anáforas e antíteses de valor metafórico, que vislumbram dois momentos distintos. O primeiro (revelado pelas seis primeiras estrofes) apresenta o momento presente, no qual o eu-lírico propõe-se a falar de um corpo, enaltecendo suas características, dentre as quais a principal é refletir a vida. O segundo (sexta à décima segunda estrofe) volta-se a recordações passadas, fazendo questionamentos e reflexões acerca dessas vivências; e encerra-se com o fechamento de um ciclo.

Atentando para os recursos estilísticos, observa-se a principal metáfora do poema, o espelho, que, gradativamente e, sempre permeada pelos elementos da natureza, transfigura-se no corpo, na casa, no rio, em janelas sobre dunas, nos montes de feno, flores de cristal, charco de luz, pequeno tigre, e, sobretudo na palavra. Dessa maneira, os elementos naturais que estão intrínsecos à vida, aqui se revelam pelas imagens correspondidas: a terra é configurada pela pátria, casa, margem, árvore, colunas, dunas, montes de feno, pequeno tigre, muro e ramos; a água e tida pelo rio, frias flores de cristal e lágrimas; o ar é visto por “nuvens altas” e pelo adjetivo “leves” e o fogo, pelo sol, “olhos redondos agudos de verão”.

Sob essa perspectiva de leitura, a primeira transfiguração do espelho é em corpo/rio; “Que rompam as águas/é de um corpo que falo. Em seguida, por relação de contigüidade, pautada ora na anáfora, ora no paralelismo, o corpo é descrito como pátria, espelho, casa: “Nunca tive outra pátria,/nem outro espelho;/nunca tive outra casa”. Esse corpo é apresentado como um lugar, idéia justificada pela anáfora “aqui” e pelos substantivos a ele referentes: pátria, casa, desta margem. Ao longo do poema, figura-se em outras imagens, como o espelho, a água (a palavra) que tudo reflete, mas sempre volta a si: “Sempre um corpo/sempre um rio/corpos ou ecos de coluna/ E tudo era água”.

O corpo/espelho reúne em si características contraditórias (como a vida), pois ao mesmo tempo em que é figurado através de elementos concretos, como casa, pátria, rio, janelas sobre dunas, corpos doirados, flores de cristal, é um corpo que abarca em si sentimentos contraditórios (“Aqui conheci o desejo/mais sóbrio/mais luminoso/a boca/onde nasce o sol/onde nasce a lua”) e os reflete. A idéia de contrariedade também é observada pelos advérbios “nunca/sempre”.

Permeia o poema a descrição de um ciclo (do rio, da vida, da palavra/poesia). Revelando o início: “Que rompam as águas/é de um rio que falo”; “Aqui moram as palavras”; sua continuidade, reiterada pelo advérbio “sempre”: “E sempre um corpo/sempre um rio”; suas transformações: “Corpos ou ecos de colunas/rios ou súbitas janelas/sobre dunas/corpos;/dóceis, doirados, montes de feno/rios;/frágeis, frias flores de cristal” e o seu fim, que se reinicia: “De um corpo falei:/que rompam as águas”.

A corporeidade dada à palavra é vista por meio de uma linguagem plástica, que revela um movimento de metáfora pelo qual a palavra é corpo, é rio, é desejo, é boca, é flor, é luz, é olho agudo de verão, enfim, a palavra é espelho que reflete a vida (que cumpre o seu ciclo, com suas transformações), pois ela é o próprio corpo que vivencia tudo isso. Inúmeras imagens, pois, são refletidas nesse jogo de luzes e sombras, tidas pelas palavras que se repetem anaforicamente, se contradizem ou se transformam. Um exemplo dessa linguagem visual, no poema, é a imagem que se forma de um rio em movimento, claro, luminoso, fluido; sobrepondo-se à imagem de um corpo jovem, sensual, que vivencia o amor, mesclando-se à imagem da natureza, ao mesmo tempo expectadora e ativa, com a luz do verão a produção de frutos, flores na primavera; tudo isso num movimento sensual da vida, que se repete, se transforma, enfim, se reflete: “Aqui conheci o desejo”, “Desses olhos redondos/ agudos de verão/ e tão azuis/ como se fossem beijos?”, “Um corpo amei/ um corpo, um rio/um pequeno tigre de inocência”, “Aqui moram as palavras/as mais antigas/ as mais recentes”.

Na visualização das imagens emanadas pelo poema, o cromatismo é bastante importante, pois a luminosidade da vida se presentifica através das cores tidas pelos corpos que as reluzem: as sandálias de oiro às margens do rio, o desejo luminoso de um corpo, o nascimento do sol, os corpos doirados montes de feno, as flores de cristal, um pequeno charco de luz, os olhos agudos de verão e tão azuis.

A musicalidade faz-se presente nesse poema por meio das anáforas reiterativas dos mesmos sons, aliadas às aliterações das nasais /m, n/, sibilantes /f,s/ e palatais /l,lh/ proporcionam a sensação do som rumoroso, liquefeito e contínuo das águas de um rio.

Quanto à construção sintática, observa-se que o poema, numa atitude retórica, apresenta os mesmos versos no início e final do texto (com exceção do verbo final, no passado, revelando que o tempo cumpriu o seu ciclo e iniciará novamente). Contudo, os versos finais estão postos como se fossem reflexos num espelho, reiterando o plano semântico: “Que rompam as águas: é de um corpo que falo” x “De um corpo falei: que rompam as águas”. Assim, a idéia que fica é da poesia-espelho que tudo reflete, porque é a própria vida, na sua força natural da água, do amor, com suas contradições e súplicas. A palavra que no poema reflete o começo e o fim é a realidade da vida, no seu ciclo.

 

Amanda Mantovani, A palavra-imagem em poemas de Eugênio de Andrade: uma leitura dos elementos míticos: o fogo, a água, o ar e a terra como produção de sentido. Universidade Estadual de Maringá - Centro De Ciências Humanas, Letras e Artes, 2006.

 

William Pye, Narcissus (1969)

 

A POÉTICA DE EUGÊNIO DE ANDRADE E A SIGNIFICAÇÃO DO ESPAÇO

As afirmações acerca do espaço no universo poético revelam-se por meio da palavra, como no poema “Espelho”, que apresenta a primeira transfiguração do espelho, que sucede nas palavras “corpo” e “rio”, nos versos, “Que rompam as águas / é de um corpo que falo”. O corpo é descrito nas figuras da pátria, espelho e casa: “Nunca tive outra pátria, / nem outro espelho; / nunca tive outra casa”. Apresentado como um lugar (pátria, casa), ele se figura em outras imagens como o espelho, a água (a palavra) que tudo reflete, mas, na intenção de se encontrar, sempre volta a si própria: “Sempre um corpo / sempre um rio / corpos ou ecos de coluna / E tudo era água” (Mar de setembro, 2011, p. 132-134).

Fica evidente que a palavra adquire status de lugar, concretizado por elementos contidos nos versos, todos são o “lugar” onde a vida acontece com sua força natural e material e suas contradições, súplicas, lembranças, desejos, descobertas que, num ir e vir espelham esse ciclo de viver (começo e fim). Desvela ao homem a sua materialidade / humanidade, porque é a própria vida que faz viver: “Nunca tive outra pátria, / nem outro espelho / Aqui moram as palavras: / Aqui conheci o desejo / E sempre um corpo / sempre um rio. (Mar de setembro, 2011, p. 132-134). Conclui-se que o poema “Espelho” é o lugar reinventado pelo poeta. Para Santos e Oliveira (2001), a imagem e o cenário apresentam-se como forma efetiva de revelação lírica e, nesse caso, a poesia torna-se o espaço em constante mudança, representa a vida e o homem na sua dialética transformação.

A palavra ao refletir o começo e o fim, a vida, o homem e suas transformações é o “lugar” (espaço poemático ou imaginário) onde as mudanças acontecem e o homem se reinventa através desse jogo metafórico e retórico de imagens construídas. Conforme Blanchot (1987), o espaço cumpre seu papel transformador e transcendental, ao promover a interiorização dos elementos, possibilitando a formação de um espaço imaginário. Nesse espaço, está presente a revelação lírica, compreendida como a consciência da célere condição humana e dos inquietantes questionamentos diante das transformações contraditórias e perturbadoras, como nos versos: “Que sabemos nós, / dessas nuvens altas, / dessas agulhas / nuas / onde o silêncio se esconde / desses olhos redondos, / agudos de verão, / e tão azuis / como se fossem beijos?” (Mar de setembro, 2011, p. 132-134).

Nos versos desse poema, os “olhos redondos agudos de verão e azuis como beijos” avistam um exemplo do que Blanchot (1987) afirma sobre as imagens caladas pelo poeta, que ecoam no texto com um profundo significado ao leitor. Ratificam a relação do homem com o espaço, proposta por Heidegger (2004) pelo distanciamento e direcionalidade, segundo as quais o homem pode outorgar ou não, o valor de existência aos elementos espaciais que o circundam, atribuindo-lhes valores e interagindo com eles. Os olhos “agudos de verão” adquirem valor vivaz e envolvente como um beijo.

 

Amanda Rodrigueiro, A poética de Eugênio de Andrade: figurações do espaço. Universidade Estadual de Maringá - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, 2017.

 

YannAudino /MJ

 



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***

 


William Pye_Narcissus (1969)



Que reflete o espelho?

A verdade, a sinceridade, o conteúdo do coração e da consciência.


 

Ô miroir!

Eau froide par I 'ennui dans ton cadre gelée

Que de fois et pendant des heures, desolée

Des songes et cherchant mes souvenirs qui sont

Comme des feuilles sous ta glace au trou profond,

Je m 'apparus en toi comme une ombre lointaine,

Mais, horreur! des soirs, dans ta sévère fontaine

J'ai de mon rêve épars connu la nudité!

Mallarmé, Hérodiade, 1864-1867

 

Ó espelho!

Água fria pelo tédio no teu quadro gelada

Quantas vezes durante horas, desolada

Dos sonhos e procurando as minhas recordações que são

Como folhas sob o teu vidro no poço profundo,

Apareci-me em ti como uma sombra longínqua,

Mas, horror! certas noites, na tua severa fonte

Do meu sonhar disperso conheci a nudez!

Mallarmé, Hérodiade, 1864-1867

(Tradução de Cristina Rodriguez e Artur Guerra in “Espelho”, Dicionário dos Símbolos, Jean Chevalier e Alain Gheerbrant. Lisboa: Teorema, 1994.

 

***

 

Gaston Bachelard inicialmente apresenta o espelho como um simples reflexo, mostrando que a água é o “espelho das vozes”, de Narciso e do “espelho velado”. Mas em A poética do espaço e A poética do devaneio, o espelho está voltado para o interior do ser humano. O sonhador vai além da superfície, vai à profundeza do seu ser, mirando-se em sua obra poética. Eis por que a criação artística duplica a obra e o seu criador. 

(Agripina Ferreira, Dicionário de imagens, símbolos, mitos, termos e conceitos Bachelardianos [livro eletrónico] Londrina : Eduel, 2013)

 

 

 





CARREIRO, José. “Espelho, Eugénio de Andrade”. Portugal, Folha de Poesia, 14-02-2021. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2021/02/espelho-eugenio-de-andrade.html



sábado, 13 de fevereiro de 2021

Alba, Eugénio de Andrade


"O happy day",
Félix Frédéric d'Eon, 2021
 

 

ALBA

 

Como se não houvera

bosque mais secreto,

 

como se as nascentes

fossem só ardor,

 

como se o teu corpo

fora a vida toda -

 

o desejo hesita

em ser espada ou flor.

 

Eugénio de Andrade, "Alba; Tema e variações em tom menor". In: Revista Colóquio/Letras. Poesia, n.º 1, março de 1971, p. 68-69.



Por cima da pulsão lírica, o título programa a leitura do texto ao remeter para um género da literatura popular que descreve "o aproximar do amanhecer depois do encontro de dois amantes".

O que no texto é símbolo e metáfora, no título é chave de decifração.

As palavras "corpo" (v. 5) e "desejo" (v. 7) colocam-nos no âmago da poética eugeniana, isto é, na pulsão homoerótica perante o objeto de desejo designado como "bosque mais secreto" (v. 2) - Que imagens do corpo vos sugere esta expressão?

Depois de enumerar o seu "ardor" (v. 4) libidinoso nas três primeiras estrofes, o sujeito lírico revela o desejo versátil que "hesita / em ser espada ou flor" (vv. 7 e 8).  É evidente o homoerotismo dos símbolos em antítese (espada como símbolo fálico e flor como recetáculo deste), pois que remetem concretamente para a penetração ativa  ou passiva.

 

José Carreiro, “Alba (Eugénio de Andrade)”, Folha de Poesia 2021-02-13

<https://folhadepoesia.blogspot.com/2021/02/alba-eugenio-de-andrade.html> 

 

 

INTERTEXTUALIDADE     |    Novas Cartas Portuguesas



 


Alba

Como se não houvera

bosque mais secreto

(…)

Eugénio de Andrade

 

Maria atira para trás o lençol. devagar:

o calor do quarto empasta-lhe os cabelos num brando suor, às têmporas, ao pescoço, aos ombros, sobre a almofada; volta-se, consciente do silêncio da casa, do jardim imenso. O terrível silêncio do bosque:

«O bosque com as suas ledas sombras, as suas ternas saliências, o seu verde húmido de água; dunas As suas dunas de pássaros adormecidos. A sua dormência uterina, a sua voragem quase monstruosa onde mergulharia, se envolveria, despida de si por completo.»

— Mas que bosque, Maria, que loucura, que invenção? — diz ele enquanto a acaricia, lhe beija os peitos soltos sob o fato, não querendo ou podendo reparar-lhe no vazio dos olhos, no crispado dos lábios, na indiferença dos braços. No medo crescente, todos os dias maior, possessivo, envolvente, radical, por dentro das pupilas verdes, toldadas; um verde cinzento já sem transparências.

Uma manhã em que Ana se lhe demorou mais no colo, disse baixo, como se fosse um segredo entre as duas:

— «Anda minha filha, vamos para o bosque.»

Depois riu-se, baixo, e correu as mãos pelo rosto, indo encostara testa nos vidros momos da janela que dava para o jardim imenso com as suas dálias, os seus crisântemos, os seus alucinantes malmequeres amarelos, a perder de vista.

— Que bosque, Maria? Mas que bosque... que caminho? Ali é o portão, depois as casas, as pessoas, Maria; mas que bosque estás sempre a inventar, que domínio, que bosque, meu amor; que rio, que desatino?

Maria atira para trás o lençol de linho branco, devagar; o calor da tarde agarra-se-lhe à pele, ao sono mal desfeito ainda, ao corpo que a camisa de noite, de tom rosado, dormente, exibe mais do que se estivesse nu.

Maria sai da cama, escorrega para o chão as pernas altas, levanta os braços e despe-se, entontecida, numa leve, leve tontura ou náusea a tomar conta de si... De pé, espera um breve segundo antes de contornar a cama, afastar os cortinados brancos, na renda larga, trabalhada; os cortinados assim como os lençóis, de branda fragrância suspensa; os cortinados assim como a casa, de macia transparência a delinear a nudez, a delinear as ancas. As pernas longas, pálidas, tensas, vergam-se ao de leve, mas logo se firmam a aguentar do corpo o peso; as ilhargas quentes, secas, lentas; a cintura recurvada aos dedos. a toda a violência.

E brandos são os pés agora no lajedo aceso do terraço sob o sol. Brandos no passo incerto, breve. Sereno o movimento posto de vidro no gesto cauto, vigilante.

Largo o risco traçado pela sombra que o corpo projecta, remove, doma, cresce e floresce na própria sombra. Enquanto Maria agora desce novamente, transpõe o perigo dos outros e desce ainda, no bosque que tão bem conhece, embora lá nunca tenha na realidade ido. Que meigas folhas a roçar os lábios, os seios na terra onde pernoita o tempo, o corpo recolhido, acolhido na erva, à mistura com o sabor ácido do rio. Maria fecha os olhos e sabe que adormece, ali tão a resguardo, tão tranquila, tão esquecida de tudo, tão desarmada, os joelhos erguidos, junto à boca, como nela estivera já a filha.

 

Querida Mãe:

Mando-lhe a Ana que aqui não pode continuar. Tome conta dela, distraindo-a do que por cá se passou e ela viu.

Maria parece ter enlouquecido (poucas esperanças de curá-la nos dão os médicos) e o Francisco nega-se à verdade, os dias metido no quarto dela, onde se fica em silêncio a olhá-la como se a quisesse despertar para a vida.

Ralo-me por ele, no entanto não te preocupes de mais, que eu me encarregarei de o convencer (conheço meu irmão) a internar Maria numa clínica.

Não fales à Ana, da mãe, é preferível que comece já a esquecê-la, pois melhor seria não lembrá-la nunca como sempre foi, Bem sabes que jamais previ algo de bom deste casamento. Mas agora que aqui estou, tudo se arranjará e há-de voltar a dantes.

De volta espero levar-te o Francisco. Prometo-te. Entretanto vou dando notícias.

Beijo-te afectuosamente.

Tua filha dedicada

Mariana

9/4/71

 

"Sor Juana y La Virreina", Félix Frédéric d'Eon, 2020



ALBA

 

As cool as the pale wet leaves of lily-of-the-valley

She lay beside me in the dawn.

Ezra Pound

 

ALBA

 

Como se não houvera

bosque mais secreto,

 

Como se as nascentes

fossem só ardor,

 

Como se o teu corpo

fora a vida toda,

 

O desejo hesita

em ser espada ou flor.

 

Eugénio de Andrade

 

BEJA E VERONA AO MESMO MADRUGAR

 

— Volta à redoma farta onde redondos cantam os gerânios

vem à noite amarela que te faço no poço dos meus braços

 

— Vou que de nada dizes o que me consegues

vou porque me tomaste pelo lado manso

 

— Volta ao lado de dentro onde estão guardadas as palavras boas

volta ao rigor do riso

que eu te fiz silêncio

eu te guardei brava

eu te pintei solta

por um preço alto

 

— Vou pela vela acesa ao pinheiral novo

suspensão dos teres

ao lugar dos brados

que não demos antes

 

— Dança pelo teu segredo uma casa aberta

— Vem a contar-me as horas por dentro dos nomes

— Minha espada dada dorme à tua beira

— Rosa verde clara senhor do primeiro

— Casada de mim eu não sei quem sou

— És sobre o meu seio

— Dorme sossegada

     minha água lisa

     face onde me estou.

9/4/71

 

Novas Cartas Portuguesas, Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta. Lisboa: Estúdios Cor, 1972 (1.ª edição)

 


 

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CARREIRO, José. “Alba, Eugénio de Andrade”. Portugal, Folha de Poesia, 13-02-2021. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2021/02/alba-eugenio-de-andrade.html