À VIRGEM SANTÍSSIMA
Cheia de Graça, Mãe de Misericórdia.
Num sonho todo feito de incerteza,
De nocturna e indizível ansiedade,
É que eu vi teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza...
Não era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade...
Era outra luz, era outra suavidade,
Que até nem sei se as há na natureza...
Um místico sofrer... uma ventura
Feita só do perdão, só ternura
E da paz da nossa hora derradeira...
Ó visão, visão triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa.
E deixa-me sonhar a vida inteira!
Cheia de Graça, Mãe de Misericórdia.
Num sonho todo feito de incerteza,
De nocturna e indizível ansiedade,
É que eu vi teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza...
Não era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade...
Era outra luz, era outra suavidade,
Que até nem sei se as há na natureza...
Um místico sofrer... uma ventura
Feita só do perdão, só ternura
E da paz da nossa hora derradeira...
Ó visão, visão triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa.
E deixa-me sonhar a vida inteira!
Antero de Quental
LINHAS DE LEITURA
• Mostrar que muito mais do que retratar a Virgem Santíssima o poeta reconstrói uma visão.
• Confrontar os atributos apresentados com os atributos tradicionalmente indicados aNossa Senhora.
• O sonho e a realidade são duas realidades antinómicas que perpassam muitos dos sonetos de Antero. Apontar causas dessa antinomia.
• Mostrar como o sentido dos 1º e 2º versos está repetido, embora de outra forma, no último verso.
• Salientar a importância do verbo ver e dos olhos.
• Inserir o texto na evolução poética e psicológica do poeta.
João Guerra e José Vieira, Aula Viva – Português A. 12º Ano, 1º vol, Porto Editora, 1999.
A REAÇÃO AO PESSIMISMO
Passaram anos em que não vi Antero, instalado então em Vila do Conde. Sabia que o meu amigo estava quase são, quase sereno. Mas foi uma preciosa surpresa, quando, ao fim dessa separação, chegando ao Porto e correndo com Oliveira Martins a Vila do Conde, avistei na estação um Antero gordo, róseo, reflorido, com as lapelas do casaco de alpaca atiradas para trás galhardamente, e meneando na mão a grossa bengala da índia que em Lisboa eu lhe dera para amparar a tristeza e a fadiga. Era uma regressão, quase o antigo Antero coimbrão, mais amadurecido, mais doce: ‑ apenas, no lugar da fulva grenha flamejante e romântica, alvejava um sereno começo de calva socrática. Era sobretudo uma restauração moral, à velha maneira de Lázaro uma miraculosa saída do túmulo pessimista e das sombras da negação. Findara a luta implacável, o seu grande coração, enfim, descansava em paz!
Como chegara Antero a esse repouso apetecido? Escutando com uma atenção mais grave, mais crente, aquela voz da Consciência, que tanto tempo desconhecera, eque apesar de todos os desenganos e sempre em segredo protesta e afirma o Bem.
Fora atendendo reverentemente essa doce voz; e conseguindo, por um desesperado esforço do pensamento, penetrar a sua significação; e refazendo, guiado por ela, a sua educação filosófica; e procurando depois a sua confirmação na história, nas doutrinas dos moralistas, nas confissões dos místicos, que ele chegara a descobrir, acompreender bem o fim último e verdadeiro de tudo, não só do homem moral, mas de toda a Natureza, mesmo na sua modalidade física. E essa descoberta é de inefável beleza e contentamento ‑ pois que o fim de tudo é o Bem! O Universo tem por fim osupremo Bem ‑ o Bem é o momento final e augusto de toda a evolução do Universo.
Possuía pois Antero, enfim, a "sua filosofia", essa filosofia que ele tantos anos perseguira como deusa esquiva entre selvas duvidosas. […] E a lei moral dessa filosofia […] consistia em renunciar a tudo quanto limita e escraviza o espírito ‑ egoísmo, paixões, vaidades, ambições, contingências, materialidades do mundo, ‑e em procurar a união do espírito, assim libertado e limpo de todo o pesado lodo terreno, com o seu tipo de perfeição que usualmente se chama "Deus".
Eça de Queirós, "Um Génio Que Era Um Santo",
in Notas Contemporâneas, pp. 273-274, Edição "Livros do Brasil"
in Notas Contemporâneas, pp. 273-274, Edição "Livros do Brasil"
SUGESTÃO DE LEITURA:
à Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões
para análise literária de textos de Antero de Quental, por José Carreiro. In:
Lusofonia – plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo, 2021
(3.ª edição) <https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/Lit-Acoriana/antero-de-quental>
[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2013/06/13/a.virgem.santissima.aspx]
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