EM DEFESA DA LÍNGUA
[…]
Lede, que é tempo, os Clássicos honrados,
herdai seus bens, herdai essas conquistas,
que em reinos dos romanos e dos gregos
com indefesso estudo conseguiram.
Vereis então que garbo, que facúndia
orna o verso gentil, quando, sem eles,
é delambido e peco o pobre verso.
Lede, que é grã cegueira esse descuido,
antes bruteza! Mal se ganha o prémio
do alto saber sem ímproba fadiga.
O meditado estudo aço é, que rijo
Fere do nosso engenho a aguda escarpa;
e os pensamentos de subtil arrojo
faíscas são brilhantes, que ressaltam
do batido fuzil aporfiado.
Se usamos escrever, destas centelhas
ordenadas com próvido artifício
se compõe formosíssimo luzeiro
ou astro, que nos rudes olhos fere
do vulgo, e que a prudentes muito agrada.
Como pois esperais compor luzeiros,
se os bons não estudais, se da memória
os cofres não proveis com abastadas
jóias, que os livros bons doar só podem?
Eles dão, co’a louça, valente frase
preço à sentença aberta e pura,
e ao subtil quadro da ficção ditosa
dão a cor, dão a luz com que realça.
O verdadeiro toque que, árduo, abona
a força, a veia do escritor prestante,
é quando entorna, como em pronto vaso,
com suco e com calor na alma do ouvinte
inteiro o néctar das ideias suas,
tão suave e no gosto tão activo
como ele o preparou no alto conceito,
tal que ao leitor colore e embeba a mente,
tão fundo e vivo qual no autor nascera.
[…]
Abra-se a antiga, veneranda fonte
Dos genuínos clássicos e soltem-se
As correntes da antiga, sã linguagem.
Rompam-se as minas gregas e latinas
(Não cesso de o dizer, porque é urgente);
Cavemos a facúndia, que abasteça
Nossa prosa eloquente e culto verso.
Sacudamos das falas, dos escritos
Toda a frase estrangeira e frandulagem
Dessa tinha, que comichona afeia
O gesto airoso do idioma luso.
Quero dar, que em francês haja formosas
Expressões, curtas frases elegantes;
Mas índoles dif' rentes têm as línguas;
Nem toda a frase em toda a língua ajusta.
Ponde um belo nariz, alvo de neve,
Numa formosa cara trigueirinha
(Trigueiras há, que às louras se avantajam):
O nariz alvo, no moreno rosto,
Tanto não é beleza, que é defeito.
Nunca nariz francês na lusa cara,
Que é filha da latina, e só latinas
Feições lhe quadram. São feições parentas.
[…]
Lede, que é tempo, os Clássicos honrados,
herdai seus bens, herdai essas conquistas,
que em reinos dos romanos e dos gregos
com indefesso estudo conseguiram.
Vereis então que garbo, que facúndia
orna o verso gentil, quando, sem eles,
é delambido e peco o pobre verso.
Lede, que é grã cegueira esse descuido,
antes bruteza! Mal se ganha o prémio
do alto saber sem ímproba fadiga.
O meditado estudo aço é, que rijo
Fere do nosso engenho a aguda escarpa;
e os pensamentos de subtil arrojo
faíscas são brilhantes, que ressaltam
do batido fuzil aporfiado.
Se usamos escrever, destas centelhas
ordenadas com próvido artifício
se compõe formosíssimo luzeiro
ou astro, que nos rudes olhos fere
do vulgo, e que a prudentes muito agrada.
Como pois esperais compor luzeiros,
se os bons não estudais, se da memória
os cofres não proveis com abastadas
jóias, que os livros bons doar só podem?
Eles dão, co’a louça, valente frase
preço à sentença aberta e pura,
e ao subtil quadro da ficção ditosa
dão a cor, dão a luz com que realça.
O verdadeiro toque que, árduo, abona
a força, a veia do escritor prestante,
é quando entorna, como em pronto vaso,
com suco e com calor na alma do ouvinte
inteiro o néctar das ideias suas,
tão suave e no gosto tão activo
como ele o preparou no alto conceito,
tal que ao leitor colore e embeba a mente,
tão fundo e vivo qual no autor nascera.
[…]
Abra-se a antiga, veneranda fonte
Dos genuínos clássicos e soltem-se
As correntes da antiga, sã linguagem.
Rompam-se as minas gregas e latinas
(Não cesso de o dizer, porque é urgente);
Cavemos a facúndia, que abasteça
Nossa prosa eloquente e culto verso.
Sacudamos das falas, dos escritos
Toda a frase estrangeira e frandulagem
Dessa tinha, que comichona afeia
O gesto airoso do idioma luso.
Quero dar, que em francês haja formosas
Expressões, curtas frases elegantes;
Mas índoles dif' rentes têm as línguas;
Nem toda a frase em toda a língua ajusta.
Ponde um belo nariz, alvo de neve,
Numa formosa cara trigueirinha
(Trigueiras há, que às louras se avantajam):
O nariz alvo, no moreno rosto,
Tanto não é beleza, que é defeito.
Nunca nariz francês na lusa cara,
Que é filha da latina, e só latinas
Feições lhe quadram. São feições parentas.
[…]
(“Carta a um amigo” in Poesias. Filinto Elísio. Lisboa: Livraria Sá da Costa-Editora, 1941)
*
O ESTILO
O estilo é o sol da escrita. Dá-lhe eterna palpitação, eterna vida. Cada palavra é como que um tecido do organismo do período. No estilo há todas as gradações da luz, toda a escala dos sons.
O escritor é psicólogo, é miniaturista, é pintor - gradua a luz, tonaliza, esbate e esfuminha os longes da paisagem.
O princípio fundamental da Arte vem da Natureza, porque um artista faz-se da Natureza. Toda a força e toda a profundidade do estilo está em saber apertar a frase no pulso, domá-la, não a deixar disparar pelos meandros da escrita.
O vocábulo pode ser música ou pode ser trovão, conforme o caso. A palavra tem a sua anatomia; e é preciso uma rara percepção estética, uma nitidez visual, olfativa, palatal e acústica, apuradíssima, para a exatidão da cor, da forma e para a sensação do som e do sabor da palavra.
(ln: CRUZ E SOUSA. Obra completa. Outras evocações. Rio de Janeiro: Aguilar, 1961, p. 677-8.)
*
TÉCNICAS
A técnica artística, incluindo a literatura, se constitui, de começo, de um conjunto de normas objetivas, extraídas da longa experiência, do trato milenário com os materiais mais diversos. Depois que se integra na consciência e no instinto, na inteligência e nos nervos do artista, sofre profunda transfiguração. O artista "assimilou-a" totalmente, o que significa que a transformou, a essa técnica, em si mesmo. Quase se poderia dizer que substituiu essa técnica por outra que, tendo nascido embora da primeira, é a técnica personalíssima, seu instrumento de comunicação e de transfiguração da matéria. Só aí adquiriu seu gesto criador a autonomia necessária, a força imperativa com que ele se assenhoreia do mistério da beleza para transfundi-lo em formas no mármore, na linha, no colorido, na linguagem.
A técnica de cada artista fica sendo, desta maneira, não um "processo", um elemento exterior, mas a substância mesma de sua originalidade. Inútil lembrar que tal personalíssima técnica se gera do encontro da luta do artista com o material que trabalha.
(ln: SILVEIRA, Tasso da. Diálogo com as raízes (jornal de fim de caminhada). Salvador: Edições GRD-INL, 1971, p, 23.)
A questão a seguir toma por base um fragmento do poema Em Defesa da Língua, do poeta neoclássico português Filinto Elísio (1734-1819), uma passagem de um texto em prosa do poeta simbolista brasileiro Cruz e Sousa (1861-1898) e uma passagem de um texto em prosa do poeta modernista brasileiro Tasso da Silveira (1895-1968).
Ao abordar o estilo em literatura, Cruz e Sousa acaba conceituando-o com base em alguns pressupostos da própria poética do Simbolismo. Com base nesta observação,
a) aponte um fundamento do movimento simbolista presente na argumentação do poeta;
b) interprete, em função do contexto, o que quer dizer o poeta com a frase: "O escritor é psicólogo, é miniaturista, é pintor - gradua a luz, tonaliza, esbate e esfuminha os longes da paisagem."
(Vunesp-2001)
[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2013/12/23/lede.os.classicos.aspx]
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