Quis saber quem sou O que faço aqui Quem me abandonou De quem me esqueci Perguntei por mim Quis saber de nós Mas o mar Não me traz Tua voz. Em silêncio, amor Em tristeza e fim Eu te sinto, em flor Eu te sofro, em mim Eu te lembro, assim Partir é morrer Como amar É ganhar E perder. Tu vieste em flor Eu te desfolhei Tu te deste em amor Eu nada te dei Em teu corpo, amor Eu adormeci Morri nele E ao morrer Renasci. E depois do amor E depois de nós O dizer adeus, o ficarmos sós Teu lugar a mais, tua ausência em mim Tua paz que perdi Minha dor que aprendi de novo vieste em flor Te desfolhei... E depois do amor e depois de nós O adeus O ficarmos sós.
Letra: José Niza Música: José Calvário Interpretação: Paulo de Carvalho, Festival da Canção, 1974
Ficha de abordagem do tema musical “E depois do Adeus”
1. A melodia apresenta uma dicotomia ao longo da canção.
a) Identifica-a.
b) Relaciona-a com o texto.
2. Identifica o interlocutor do poeta. Justifica.
3. Aponta a figura de estilo presente na expressão: “Tua ausência em mim”, verso 33. Destaca a sua expressividade.
4. Reportando-te à época em que foi interpretada a canção salienta a importância do desejo do poeta ao referir “…o ficarmos sós” (no último verso).
5. Identifica apersonagemdapeçaFreiLuísdeSousaquemelhorseajustaà mensagem expressa nos nove primeiros versos. Justifica.
José Manuel Cardoso Belo. Vila Real, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2010, p. 177.
Texto de apoio
Génese da canção
«A
cantiga nasceu com o José Niza, autor da letra, e o José Calvário, autor da
música, para concorrerem ao festival da canção. Entrelinhas tentava-se dar
alguns recados às pessoas daí o ´quis saber quem sou, o que faço aqui`.
Não era direta, tinha alguns recados, mas era essencialmente uma canção de
amor. A letra tem coisas muito bonitas que pouca gente sabe, conta Paulo de
Carvalho, em entrevista à Câmara Municipal de Lisboa, que pode ver na
íntegra nesta página.
O José Niza fez a tropa em Angola, durante a guerra do
Ultramar e este ´quis saber quem sou, o que faço aqui, quem me abandonou, de
quem me esqueci` são alguns escritos que ele fez para a Blo, a sua companheira,
a sua mulher, em cartas que era o que ele pensava, as questões que ele punha.
Depois, o José Calvário agarrou na música e ambos construíram
esta cantiga que venceu aquele festival da RTP e depois foi escolhida para o
que foi. Só anos depois é que eu soube porque é que foi, como foi, tudo
isso.»
A Simbiose Sinestésica Intertextual da Poesia Musicada em Sala de Aula: “E Depois do Adeus” (Letra de José Niza e música de José Calvário)
Ritmo ‑ Quaternário majestoso
Melodia ‑ Muito rica, elaborada à base de piano e orquestra. Verifica-se mudança de tom entre as estrofes e o refrão. Enquanto as primeiras quadras estão em tom menor, por sua vez, o refrão está em tom maior. De fácil memorização, a melodia revela emoção em crescendo e termina reforçada com o refrão em apoteose.
Harmonia ‑ Elaborada, com multi-acordes, entrelaçados com a orquestra e a voz.
Análise Semântica ‑ O poeta questiona-se sobre a sua própria identidade, desejando um paísdequemnãotemresposta:“quissaberdenósmasomarnão metraztuavoz”. Perante uma ausência prolongada, surge um sentimento nostálgico de sofrimento.
Odiscursometafóricoprosseguecomaimagemdeumpaísprojetadonuma flor desfolhada pelo poeta que adquiriu forças de uma Fénix renascida. Surge, após o amor, a ausência, a pena, a revolta colmatada com alembrança de um momento feliz – o reencontro.
O cantautor termina com a vontade de ficarem sós desfrutando da união, da “partilha amorosa” com o seu país.
De salientar a existência de alguns versos curtos, alguns trissilábicos, outros de cinco sílabas, em ritmo vivo, em frases que transparecem energia, vontade em atingir o seugrande objetivo através do grito: “oficarmos sós”, o reencontro com o país, testemunhadopelapartefinaldamúsicaemapoteose. Finalmente,odestaqueparaa utilizaçãodeumalinguagemmetafóricapara,destaforma,poderpassarpelo“lápis azul” da censura.
José Manuel Cardoso Belo. Vila Real, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2010, p. 130.
Duas canções, uma revolução: a história de "Grândola Vila Morena" e "E Depois do Adeus"
Há 40 anos, a operação militar que alteraria o curso da História de Portugal foi desencadeada por duas canções com origens e vozes diferentes. Porquê "Grândola Vila Morena" e "E Depois do Adeus" no 25 de Abril de 1974?
Otelo Saraiva de Carvalho revelou-se um estratega capaz dirigindo as operações militares que resultaram na revolução de 25 de Abril de 1974, mas não se pode dizer que a estratégia musical empregue na escolha das senhas da revolução tenha sido delineada de forma igualmente brilhante pelo militar.
Quarenta anos depois da revolução dos cravos, Paulo de Carvalho explica à BLITZ que "E Depois do Adeus", o tema com que venceu o Festival RTP da Canção realizado a 7 de março de 1974, esteve para não ser a primeira senha do 25 de Abril: "sei hoje que houve uma reunião no Apolo 70 entre o Otelo, o Costa Martins, que foi Ministro do Trabalho no tempo de Vasco Gonçalves, e o [radialista] João Paulo Diniz [que à altura trabalhava nos Emissores Associados de Lisboa e no Rádio Clube Português]. A ideia do Otelo era que a primeira senha fosse o "Venham Mais Cinco", do José Afonso, mas foi o João Paulo Diniz que o convenceu de que essa canção, de um autor proibido pelo regime, poderia levantar suspeitas. E foi ele também que sugeriu o "E Depois do Adeus", que poderia ser tocado sem fazer soar nenhum tipo de alarme".
Num documento secreto onde se explicava aos comandantes operacionais a estratégia para a madrugada de 25 de Abril, Otelo Saraiva de Carvalho indicava as duas senhas de transmissão radiofónica que espoletariam as operações militares da revolução que se seguiria: "Às vinte e duas horas e cinquenta e cinco minutos (22H55) do dia 24 Abr 74 será transmitida pelos "Emissores Associados de Lisboa" uma frase indicando que faltam cinco minutos para as vinte e três horas (23H00) e anunciado o disco de Paulo de Carvalho, "E Depois do Adeus"". O tema de José Afonso deveria ouvir-se mais tarde: "entre as zero horas (00H00) e a uma hora (01H00) do dia 25 Abr 74, através do programa da Rádio Renascença, será transmitida a seguinte sequência: Leitura da estrofe do poema "Grândola Vila Morena" "Grândola Vila Morena / Terra de fraternidade / O povo é quem mais ordena / Dentro de ti ó cidade"; Transmissão da canção do mesmo nome interpretada por José Afonso".
"E Depois do Adeus" é um tema com letra de José Niza e música de José Calvário. Paulo de Carvalho recorda hoje que a canção foi escrita por aquela dupla com a sua voz em mente. "Achei a cantiga muito bonita e aceitei logo cantá-la. O texto foi feito com a escolha de pequenas frases das cartas que o Niza enviava à sua mulher, Isabel, quando se encontrava estacionado em Angola: "Quis saber quem sou", "O que faço aqui?", "Quem me abandonou?", "De quem me esqueci?"".
Nessa altura, "costumávamos encontrar-nos no Penedo, em casa do [jornalista] António Rolo Duarte, e era aí que tomava conhecimento das canções que iam sendo escritas". Uma delas foi "E Depois do Adeus", tema que se revelou vencedor no XI Grande Prémio TV da Canção 1974 (vulgo Festival da Canção), mas que em Brighton, no Festival da Eurovisão, se quedou pelo último lugar da tabela: "a RTP nunca quis ganhar o Festival", lamenta o cantor. "Nem havia onde realizar o festival por cá. Não estou a ver um autocarro de 50 lugares a estacionar à frente do Coliseu para descarregar a delegação de Israel e toda a segurança que levava para todo o lado".
Outra vida e outra gestação teve "Grândola Vila Morena", tema que José Afonso escreveu a 17 de Maio de 1964, praticamente dez anos antes da revolução, quando conduzia um automóvel com que regressava a Lisboa, acompanhado pelos guitarristas Fernando Alvim e Carlos Paredes, de uma apresentação na inspiradora vila alentejana. O tema seria depois gravado em França, em 1971, como parte do álbum Cantigas do Maio, que contou com produção de José Mário Branco. Francisco Fanhais, que juntamente com o guitarrista Carlos Correia, José Afonso e José Mário Branco foi um dos quatro envolvidos na gravação da canção, recordou à BLITZ a história desse registo, no famoso estúdio do Chateau d'Hérouville: "aqueles passos que se ouvem no início não são de soldados, foram captados em estúdio numa espécie de encenação do tipo de ambiente criado pelos grupos corais alentejanos. Foi esse o ambiente que o Zé Mário quis reproduzir".
O tema passou incólume pelas malhas da censura, que se revelaram apertadas sobre outras obras de José Afonso, e obteve luz verde para ser interpretado no Primeiro Encontro da Canção Portuguesa, evento que contou com marca da Casa da Imprensa, acontecendo em finais de março de 1974 no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, quando já sopravam fortes os ventos revolucionários. Francisco Fanhais estava então em França e tomou conhecimento da revolução na manhã de 25 de Abril: "Fiquei na dúvida, tal como muita gente, se era um golpe da direita ou de democratas que queriam alterar o regime. As dúvidas desfizeram-se quando percebi o papel da "Grândola Vila Morena": nenhum fascista teria escolhido um tema assim para uma revolução".
►“José Niza: E Depois do Adeus?”, uma mini série de 3 programas dedicados ao músicoJosé Niza. Realização deArmando CarvalhêdaeAntónio Macedo.Primeira Emissão:2011-12-25. 3º programa disponível em: http://www.rtp.pt/play/p785/e67986/jose-niza-e-depois-do-adeus
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