Intervenção artística em ambiente prisional.
“A Poesia não tem grades” existe
desde 2003 e é uma iniciativa coordenada por Filipe Lopes, apoiada pelo Grupo O
Contador de Histórias e pela CULTIV – Associação de Ideias para a Cultura e
Cidadania. Tem vindo a desenvolver sessões de promoção da leitura junto dos
reclusos com o objetivo de promover a experimentação artística e assim
contribuir para o desenvolvimento intelectual e pessoal daquela população. É
considerado de relevante interesse pela Direção Geral de Reinserção e dos
Serviços Prisionais e tem merecido a aceitação e a participação empenhada dos
reclusos. Foi apoiado financeiramente pela atual Direção Geral do Livro e das
Bibliotecas nas primeiras edições, sendo posteriormente um trabalho realizado
de forma inteiramente voluntária, com todos os custos suportados pela
estrutura. Em 2013, foi adicionada uma vertente formativa com o projeto “Palavra-Chave”
que procura formar e coordenar voluntários, motivando-os para a intervenção nos
Estabelecimentos Prisionais da sua área de residência. Neste âmbito já
decorreram ações em Bragança, Lamego, Grândola, Ponta Delgada e Lisboa.
Depoimento:
Omitindo alguns pormenores para
garantir a privacidade, reproduzimos um e-mail que nos chegou de um participante
numa das nossas ações.
"Já andava há algum tempo para
escrever, mas ainda não tinha tido capacidade para pôr em palavras o que queria
dizer. De certeza que não se lembra de mim, mas conheci o Filipe o ano passado
no EP (...) e eu nem queria ir. Estava muito revoltado, tinham-me dito para me
inscrever, mas eu no dia em que ia acontecer também fui informado que afinal já
não ia sair na data que estava a pensar. E eu disse para mim, que é que vale
andar a participar nas atividades todas, andar no ensino e portar-me bem se
depois não tenho nenhum benefício e não posso sair mais cedo?
Quando fui para a sala ia a pensar
nestas coisas e achar que ia apanhar mais uma valente seca. Nunca gostei de
poesia. E há muita gente que vai à prisão fazer a boa ação do dia: tratam o
recluso como se fosse um coitadinho, não percebem nada do que estamos a passar, mas gostam de se ouvir a dizer coisas bonitas e saem de lá satisfeitas com elas
mesmas, porque já vão para o céu.
Mas depois de ouvir o Filipe a falar
e de perceber que não estava ali como se fosse melhor que nenhum de nós, mas
estava porque a poesia lhe tinha salvado a vida e acreditava que podia
funcionar para nós, ficou tudo diferente. Foi uma hora e pouco que passou a
correr, eu não falei, mas alguns companheiros deram as suas opiniões e nenhum
esteve a ser julgado por dizer o que sentia. Acho que não devia dizer que é uma
aula de poesia, já estive com muitos psicólogos e acho que foi mais isso que
estivemos a fazer estivemos a pensar sobre nós mesmos, a olhar para o que somos
e queremos ser. Mas se calhar nas vezes que estive com psicólogos nunca
consegui perceber tanto de mim mesmo como naquela hora e no que levei de lá.
Gostei muito daquele poema da família
à mesa mas aquele que diz que lhe salvou a vida ficou guardado na minha cabeça
desde aquele dia. Uma das primeiras coisas que fiz quando sai foi tentar
encontrar o poema mas não sabia qual era autor mas agora já tenho o livro de
Charles Baudelaire! À minha filhota já não compro tantas vezes brinquedos
comecei a comprar livros e gosto muito de os ler com ela.
Descobri finalmente o site na
internet e queria dizer que nem sempre agradecemos como deve ser. Não sou muito
bom com as palavras mas o dia em que esteve connosco foi diferente de todos os
outros que lá passei por isso muito obrigado. Não faz ideia do bem que faz a
quem lá está assim. (...) E nunca mais me esqueci de encontrar os poemas dentro
das músicas e a poesia nas árvores ao vento. (...)"
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