El
ser empieza entre mis manos de hombre.
El
ser,
todas
las manos,
cualquier
palabra que se diga en el mundo,
el
trabajo de tu muerte,
Dios,
que no trabaja.
Pero
el no ser tambiém empieza entre mis manos de hombre.
El
no ser,
todas
las manos,
la
palabra que se dice afuera del mondo,
las
vacaciones de tu muerte,
la
fatiga de Dios,
la
madre que nunca tendrá hijo,
mi
no morir ayer.
Pero
mis manos de hombre donde empiezan?
Roberto Juarroz (Argentina, 1925-1995)
Poesia Vertical, 1958
*
O ser
começa entre as minhas mãos de homem.
O ser,
todas
as mãos,
qualquer
palavra que se diga no mundo,
o
trabalho da tua morte,
Deus
que não trabalha.
Mas o
não ser também começa entre as minhas mãos de homem.
O
não-ser,
todas
as mãos,
a
palavra que se diz fora do mundo,
as
férias da tua morte,
a
fadiga de Deus,
a mãe
que nunca terá filho,
meu não
morrer ontem.
Mas as
minhas mãos de homem onde começam?
Roberto
Juarroz, Poesia Vertical. Tradução de
Arnaldo Saraiva, 1998.
Desenha-se neste poema uma grande
metáfora: a do ser (que é vida, movimento para os outros ou doação, palavra,
morte, Deus) e a do seu contrário que é o não-ser (e que retoma o que o ser é
num registo negativo). Talvez nos ocorra, ao considerarmos esta oposição ou
esta diferença que também é semelhança, o poema de um dos pensadores da antiga
Grécia, Parménides, onde ele nos fala do “caminho da verdade” que há-de
conduzir à noção ou, melhor, ao pensamento de ser: “Necessariamente deve ser
dito que o ser é, porque é Ser. Quanto ao Não-Ser ele nada é”. O poema, aqui,
logo se converte em teoria ao estabelecer uma axiomática; como ocorre num
axioma, Parménides infere dele consequências que ao longo do poema são
explicitadas: o ser é uno, semelhante à curvatura de uma esfera, não provém do
não-ser, etc. Mas, prosseguindo, ele socorre-se da mitologia ‑ que tão louvada
foi por Schelling ‑, dizendo: “antes de todos os deuses criou Eros”. Ou, mudando
de registo, considera que o ser olha constantemente “os raios brilhantes do
sol”, como se, neste momento, passasse da teoria para a poesia!
Considerando o poema de Juarroz e o
de Parménides, podemos talvez medir melhor a distância que vai de um poema que
não é só filosofia a uma filosofia que não é só poema. O que quer isto dizer?
Um poema, não sendo obviamente uma construção teórica, pode ter uma
referencialidade que é a do pensamento, da reflexão, sempre que em relação a
eles, como diria Antero de Quental, “a poesia das cousas se insinua”. Da
poesia à filosofia e desta àquela pode estabelecer-se o mesmo “caminho da
verdade”. Neste caso é o que vai ou ascende do particular para o geral, da
palavra para a multiplicidade de sentidos.
A noção de ser, a qual vinda dos
pensadores gregos pré-socráticos corresponde à realidade última das coisas,
atinge um momento em que se torna contraditória em si mesma; é quando, já no
século XIX, Hegel na Ciência da Lógica considera que no ser a falta de
qualquer determinação faz com que ele acabe por se identificar com o nada. Ao
contrário de Parménides, para Hegel o ser puro e o puro nada – assim os designa
– são a mesma coisa, o que faz com que a sua verdade consista num ato de pensar
sempre que este vai de um para o outro. É o devir, o ponto de partida mesmo
para um método, a dialética que se torna no caminho que conduzirá a um
conhecimento total equivalente à realidade última das coisas – não o ar, a
água, o fogo, etc., dos pré-socráticos – mas, sim, ao pleno saber ou Sistema. O
Sistema é, pois, o pensamento considerado na sua totalidade, isto é, o
conhecimento absoluto…
Neste caso, o pensamento e, como
ocorre nos pré-socráticos, a realidade ficam circunscritos à sua
essencialidade. Mas a esta perspetiva essencialista pode contrapor-se, como
acontecerá no século seguinte àquele em que viveu Hegel, uma outra perspetiva
que, genericamente, poderíamos considerar como existencialista. O pensamento é
incarnado, refere-se à existência humana, é nosso. Como se dá a posse
por nós do conhecimento? Será mediante os múltiplos sentidos da linguagem,
não só naquela em que as palavras são os mediadores como acontece na poesia,
mas, por extensão, em todas as formas de simbolização. É esta convergência de
sentidos que vai ocorrer na criação artística, de modo que se passa da área do
lógico ou do ontológico para a do simbólico. É aí que, em arte, o conhecimento
se há-de realizar.
Criam-se referências ou disposições
verticais (ou paradigmáticas) de sentido, que já se não orientam diretamente
para as coisas reais ou indiretamente para conceitos que, como o de ser, se
configuram abstratamente. Será, então, o momento em que encontraremos uma
espécie de verticalidade que se assemelha à de uma árvore, com as suas
múltiplas raízes, múltiplos ramos, múltiplas folhas.
“Ser,
um problema filosófico-poético?”, Fernando Guimarães. Filosofia e Poesia - Congresso Internacional de Língua
Portuguesa, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2016.
Poderá
também gostar de:
O vazio como método exercícios espirituais na poesia de Roberto
Juarroz, Marco
Catalão. Campinas, Unicamp, 2013.
Sem comentários:
Enviar um comentário