FELICIDADE
A felicidade sentava-se todos os
dias no peitoril da janela.
Tinha feições de menino
inconsolável.
Um menino impúbere
ainda sem amor por ninguém,
gostando apenas de demorar as mãos
ou de roçar lentamente o cabelo
pelas faces humanas.
E, como menino que era,
achava um grande mistério
no seu próprio nome.
Jorge de Sena, 13-04-1941
(Perseguição, Lisboa, Cadernos de Poesia, 1942)
A discussão do poema foi engraçadíssima.
Em primeiro lugar as miúdas da turma, em especial Rute Elétrica, discordaram de que a
felicidade fosse um menino. Antes uma menina e o negócio estava arrumado. A
Carla Corações disse que podia ser um menino, se tivesse olhos verdes, uma moto
fabulosa e de preferência que andasse na Universidade Católica como o seu primo
Bernardo. Aí, o Telegoela disse que Bernardo era nome de cão e a Rute Elétrica,
para defender a sua amiga Carla, deu-lhe com o “dossier” na cabeça. A Maria Só
disse que o autor era um grande machista e o João Boião propôs que se lhe
escrevesse uma carta, a pedir que mudasse a palavra menino para rapaz, ou homenzinho.
Aí, a Maria Bonita disse que nem rapaz nem rapazinho, nem menino nem menina.
Para ela, a felicidade era uma mulher de vestido até aos pés e com muitas jóias
e um namorado rico. O Pedro Poças disse que não e que o avô dele achava que a
felicidade não é deste mundo, por isso a felicidade devia ser uma história de
mortos, boa para um filme de terror ou coisa assim. O Tó Provetas disse: a
felicidade é um substantivo feminino, não pode ser menino.
Alexandre Honrado, Uma
Chuvada na Careca,
Porto, Edinter Jovem, 1989
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