Ego Rodriguez, Neptuno |
III - O MAR JAZ; GEMEM EM
SEGREDO OS VENTOS [1]
O mar jaz; gemem em segredo os ventos
Em
Éolo cativos;
Só com as pontas do tridente as vastas
Águas
franze Neptuno;
E a praia é alva e cheia de pequenos
Brilhos
sob o sol claro.
Inutilmente parecemos grandes.
Nada,
no alheio mundo,
Nossa vista grandeza reconhece
Ou
com razão nos serve.
Se aqui de um manso mar meu fundo indício
Três
ondas o apagam,
Que me fará o mar que na atra praia
Ecoa
de Saturno?
6-10-1914
Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa. (Notas de João Gaspar Simões
e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994).
- 50.
1ª publ. in Atena , nº 1. Lisboa: Out. 1924.
http://arquivopessoa.net/textos/2938
Esta ode é porventura uma das odes mais clássicas, em forma e conteúdo, de Ricardo Reis.
Aparentemente de difícil análise, deve ser lida cuidadosamente, revelando-se
então em toda a sua real simplicidade.
O tema desta ode é a grandeza do mundo face à pequenez do homem. Reis
aproveita este tema e desenha uma belíssima imagem poética (porventura ao nível
dos poemas mais belos e requintados de toda a obra de Fernando Pessoa). Como
faz veremos de seguida, tentando deslindar cuidadosamente o lindo rendilhado
que ele construiu.
Imaginemos um mar parado. “O mar jaz”, ou seja, o mar está quieto perante a
presença do poeta. Os ventos que normalmente sopram, “gemem em segredo (...) em
Eolos cativos”, ou seja, estão presos por Eolos (deus do vento) e não sopram.
Como o vento está calmo, quase não existe, a superfície da água está
quieta. Reis constrói uma metáfora para que melhor compreendamos essa quietude,
quando nos diz que apenas as “pontas do tridente” de Neptuno frazem “as vastas
águas” – Neptuno, rei dos mares não perturba as águas com o seu tridente.
Esta quietude é reforçada depois com a imagem da praia branca (alva) que
brilha ao sol claro. Passa também, embora
subrepticiamente, a noção de que ninguém está naquela praia, que a quietude
é sinónimo de solidão, de individualidade. O que está quieto e o que está só são
equiparados.
Para quê?
Para que Reis opere uma comparação posterior. É o quieto, só, que se
compara ao que não é quieto e só.
É ao definir um modelo fixo (neste caso de solidão) que Reis melhor passa a
hipérbole de exagerar essa solidão ao máximo – comparando-a com o seu extremo
oposto.
“Inutilmente parecemos grandes”, começa por dizer. É a ilusão da grandeza que
melhor caracteriza a atitude humana, num mundo que, por outro lado lhe parece
alheio. Este mundo alheio é o mundo que é estranho à vontade humana de mudança –
um mundo que não pode ser mudado ou
dominado pelo homem (é um mundo em que governa o Destino).
“Nada, no alheio mundo, / Nossa vista grandeza reconhece / Ou com razão nos
serve.” – Reis continua reforçando a atitude humana, de superioridade, mas que
é ao mesmo tempo uma atitude ilusória.
Qual é
verdadeiramente a realidade?
“Se aqui
de um manso mar meu fundo indício / Três ondas o apagam, / Que me fará o mar
que na atra praia / Ecoa de Saturno?” – a verdade é que os homens não deixam a
sua marca no mundo, por muito que pensem o contrário. O “fundo indício” deixado
por Reis, a sua marca, logo é apagada por três ondas breves. E se é assim, o
que acontecer| “na outra praia”?
Que outra
praia é esta?
É a praia
onde o “mar (...) ecoa de Saturno”. É o mar do tempo (ver a ode “Antes de nós
mesmos arvoredos…”), o mar de Cronos – o
deus do tempo que devora os seus
próprios filhos – a água que corre e que se escoa num relógio liquido, ampulheta
divina que conta as gotas que constituem as curtas vidas humanas.
Como
vemos, a complexidade escondia uma simples mensagem: de que o homem deve
assumir a sua pequenez, porque mesmo que acredite no contrário, a sua ilusão, como a sua presença,
desaparecerá com as ondas do mar do tempo.
À Distância de um
Horizonte. Uma análise das “odes” de Ricardo Reis, Nuno Hipólito, 2007-2010. URL: http://www.umfernandopessoa.com/uploads/1/6/1/3/16136746/a-distancia-de-um-horizonte.pdf
AEOLUS, https://jonathanvair.deviantart.com/art/Aeolus-290213323, 13-03-2012 |
O MAR JAZ. GEMEM EM SEGREDO OS VENTOS [2]
O mar jaz. Gemem em segredo os ventos
Em Éolo cativos,
Apenas com as pontas do tridente
Franze as águas Neptuno,
E a praia é alva e cheia de pequenos
Brilhos sob o sol claro.
Eu quisera, Neera, que o momento,
Que ora vemos, tivesse
O sentido preciso de uma frase
Visível nalgum livro.
Assim verias que certeza a minha
Quando sem te olhar digo
Que as cousas são o diálogo que os deuses
Brincam tendo connosco.
Se esta breve ciência te coubesse,
Nunca mais julgarias
Ou solene ou ligeira a clara vida,
Mas nem leve nem grave,
Nem falsa ou certa, mas assim, divina
E plácida, e mais nada.
6-10-1914
Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa. (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994).
- 186.
http://arquivopessoa.net/textos/435
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de Poesia, 17-05-2018.
Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html
“O mar jaz; gemem em segredo os ventos (Ricardo Reis)”
in Folha
de Poesia, José Carreiro. Portugal, 10-11-2017. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2017/11/o-mar-jaz-gemem-em-segredo-os-ventos.html
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