A Luis Levy
imóvel sobre uma pedra de negro basalto quente
o teu corpo nu desfia a noite
no tormento vazio das minhas mãos
sem te tocar
soam instantes intensos na tibiez do encoberto mar
existe um corpo de homem cabeça tronco membros
despido
pelo cosmos desenhado em cores de lua percorrendo
num
voo o escarpado desejo de amar
vozes resvalam talvez esteja louco
oiço seivas falantes procurando pensamentos
obnubilados
é noite
já me perdi…
encontro sem do corpo desviar receios voltado para
os teus
olhos o grito dos galos que vai tecendo na ténue
luz a matéria
viva da tua face
a manhã insinua-se
curiosa
livre invoca com um sopro rouco o mundo que nos
alcança
somos duas vidas ansiosas deslizando ao ritmo das
águas
não ignoro o regato do teu jardim
sabes o que quero!
por ti jorra a dança do rubor alongado pelos dedos
rasgando
em desespero curvados desejos e segredos
ao longe marcha lento um canto
desvenda-se o
mistério esse eco de sonhos a cantar esperança
surge o amor atado aos navios como uma sombra na
firmeza
da areia percorrendo o olhar do tempo por onde
passo
para depois ao teu abraço me abandonar
conheço da noite o cheiro a pérola o rendilhar
quente
da escuridão que chega errante em sopro abre
ramagens
no teu torso e decide convocar sobre a pedra negra
de basalto
nesse altar
um sono a implorar por beijos prateados no rumor
do mar
cedes ao nosso voo
unidos acordam nus os corpos desmaiados
no fulgor das praias
vertendo as bocas
nas dunas envolvidas por ventos
beijos
agora que conheço a luz
já não me mata a vida!
Henrique Levy, Sensinatos, Ribeira
Grande, Confraria do Silêncio, setembro de 2019
O amor e a poesia são as “visões febris do quotidiano” (H. Levy), sendo o poema e o corpo metáforas da procura e da realização.
O caminho para o outro é o caminho para o conhecimento, “em todas as suas dimensões” (I. Mata).
Essa “pedra negra de basalto”, depositada no poema “Já não me mata a vida!”, é “altar” e leito do desejo e da vontade concertados entre duas pulsões vitais.
No texto, é visual a representação dessa concertação corpo a corpo: no “regato do teu jardim”, “jorra a dança do rubor alongado pelos dedos rasgando em desespero curvados desejos e segredos”.
E assim dois corpos, dois seres, por força da Vida, correm ao “ritmo das águas” num inteiro conhecimento um do outro.
José Carreiro
* * *
SENSINATOS: UMA AFECTIVA PROFUNDIDADE CULTURAL
O homem é, nesse conjunto, o elemento mais celebrado -
celebrado por sua vez, também em todas as
suas dimensões, como, aliás, o autor explicita em nota paratextual ao "Caríssimo leitor":
[E]stes poemas não são
fruto de um trabalho linguístico, mas, antes, de visões febris
do quotidiano dos elementos da Natureza, das
coisas, das sociedades humanas, das impossibilidades ou capacidades que o Homem e todas as coisas têm para
lançar um olhar de reconhecimento sobre a realidade invisível que os circunda, sobre
o amor ou a impossibilidade deste nas diversas etapas da vida e da morte (...)
Inocência Mata,
Lisboa, março de 2019
“Sensinatos, de Henrique
Levy” in Folha de Poesia, José Carreiro. Portugal, 20-09-2019.
Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2019/09/sensinatos-henrique-levy.html
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