quinta-feira, 23 de abril de 2020

SLAM E POESIA

O poetry slam é um fenómeno de escala global e de inscrição local que se alarga numa estrutura essencialmente horizontal na qual as comunidades têm a função de organizar, dinamizar e mobilizar as pessoas. É um fenómeno que, no contexto da performance e da poesia, permite o exercício identitário da própria comunidade e do slammer e, talvez, o exercício cívico de contestação. (Liliana Vasques)




O poetry slam pode ser descrito como um evento dedicado à leitura-performance de poesia que obedece a um formato de competição entre poetas-slammers. Teve o seu início nos E.U.A. e acontece, geralmente, em bares e associações ou cooperativas com vertente cultural. À exceção de eventos nacionais e internacionais, o poetry slam é criado e dinamizado a nível local, nas cidades, e é comum o nome da cidade designar o Poetry Slam que aí se organiza – Boston Poetry Slam, Poetry Slam Mainz, Poetry Slam Barcelona, Poetry Slam Coimbra. Em cada cidade é organizado com uma regularidade (semanal, mensal, etc.) variável, num espaço que acolhe organizadores e participantes todas as semanas, todos os meses.
Para que um poetry slam se realize tem que existir um local que o acolha, tem que se conjugar a presença de apresentador(a)/host, slammers, público e júri e utilizar o formato de competição. A competição só é possível com um número mínimo de slammers (3) e de membros do júri (normalmente um número ímpar, 3 ou 5). Durante a semana ou mês anterior, os slammers fazem a sua inscrição através das redes sociais podendo, também, fazê-lo no próprio evento desde que o n.º de inscritos assim o permita. Os bares e associações conjugam o poetry slam na programação daquela noite e, por essa razão, o n.º de slammers ultrapassa, na maioria dos casos, os 10/12 e evento em si tem uma duração média de 90/120 minutos. Em termos gerais, a competição organiza-se desta forma:
- cada slammer deve preparar 3 textos da sua autoria
- dependendo do n.º de inscritos, podem ser feitas 2 ou 3 rondas
- o apresentador identifica os participantes, constitui o júri que será composto por pessoas do público que se voluntariam para o efeito e que não são amigas e/ou conhecidas dos slammers e explica as regras da competição
. para cada ronda é sorteada a ordem de participação
. cada slammer tem um limite de tempo para a leitura/performance do texto de 3 minutos e não pode utilizar adereços para o efeito
- o júri vota cada performance numa escala de 0 a 10, com utilização de casas decimais
- no final de cada ronda o/a apresentador/a divulga o resultado das votações do júri (para cada performance é feita uma média, excluindo as pontuações mais alta e mais baixa) e anuncia os slammers apurados para a ronda seguinte
- o/a slammer vencedor recebe um prémio simbólico oferecido pelo bar ou resultante de patrocínios conseguidos pelos organizadores do Poetry Slam.
Qualquer pessoa se pode inscrever nesta competição e não existe seleção de participantes, à exceção da ordem de inscrição quando há um nº muito elevado de inscritos. Cada slammer deve preparar 3 textos para a 1ª ronda, meia-final e final. “3,2,1 SLAM!” é o mote dado pelo host para o início de cada performance e para a contagem do tempo.
As orientações gerais da competição são, geralmente, adaptadas pelas organizações, que introduzem alterações relacionadas com o contexto específico do seu Poetry Slam. Marc Smith (2009: 10) refere que “cada Poetry Slam e apresentador são autónomos e livres de tomar as suas decisões” sendo que a grande maioria “adere aos princípios estabelecidos por escolha própria, não porque são compelidos por uma autoridade superior”. Na coexistência de particularidades e adaptações, observamos, também, a circulação de informação e recursos, de slammers e de público entre as organizações e os eventos de poetry slam. Algo comum e transversal é o facto de os organizadores estarem previamente envolvidos na/com a poesia e serem poetas e slammers noutros eventos. Muitos começaram a organizar Poetry Slams depois de terem participado num. Depois do primeiro Poetry Slam em Chicago, foi assim que chegou a Nova Iorque com Bob Holman e a Boston com Patricia Smith.
No decorrer de um poetry slam, a participação e intervenção são fundamentais. Para além da ação dos/das slammers, o/a host/apresentador(a), as pessoas do júri e o público determinam o desenrolar do evento. Se quisermos descrever um slam no qual participámos, vamos certamente falar da reação do público, do “jeito” do/da apresentador/a, das pontuações que o júri atribuiu. O/A apresentador orienta o decorrer do slam, garante que todos/as os/as slammers participam pela ordem sorteada, que o júri se constitui e que todas as pontuações são efetuadas e registadas. Contudo, ele/ela também dá o ‘tom’ e o ‘ritmo’ ao slam. Quando apresenta os slammers, e interpela público e júri, fá-lo com uma forma e estilo próprio que cabem na informalidade e desinstitucionalização que este formato reclama para a poesia. Ele ou ela faz parte da identidade ‘daquele’ slam. No mesmo sentido, júri e público são incentivados à reação e à intervenção. Pelo host, que pede a reação tanto à performance como à pontuação. Pelo slammer, que mobiliza estratégias do teatro, da música, da performance: call and response, beatbox, pedido ao público para fazer sons ou dizer palavras, etc. Ao contrário de outros eventos de poesia, o poetry slam é barulhento, caótico e enérgico. A separação entre slammer e público diluise e este coloca-se perante uma audiência que dialoga com ele e que participa na própria performance.
Com a criação de mais eventos e o reforço de redes mais ou menos organizadas, a par do âmbito local, foram surgindo competições nacionais e internacionais organizadas por Associações, Ligas e Fundações, em diferentes países (Inglaterra, França, Alemanha, etc.). Refiram-se, por exemplo, a PSI (Poetry Slam Inc.), a Hammer & Tongue, a Ligue Slam de France. A Poetry Slam Inc. é uma organização sem fins lucrativos criada em 1997, sediada no Illinois (E.U.A.), que é responsável pela certificação de Poetry Slams do país e, segundo a própria, de qualquer país do Mundo. Os eventos certificados pela PSI seguem regras estabelecidas pelo Conselho Executivo que resumem a visão dos fundadores do poetry slam. Para além disso, a PSI toma como funções a criação e reforço da comunidade de poetas, o crescimento do poetry slam, a promoção da educação e da criatividade. Da mesma forma, a Hammer & Tongue, criada em 2003 por Steve Larkin, organiza eventos regulares em várias cidades de Inglaterra que culminam numa final anual. A grande maioria dos países onde se dinamiza o poetry slam tem um encontro anual de competição entre slammers de eventos locais em território nacional. Outras associações têm promovido competições de poetry slam europeias e internacionais, através da rede criada com as organizações de diferentes países. O circuito de participantes neste tipo de competição acontece, usualmente, desta forma: em cada país é realizado um evento nacional de poetry slam em que participam slammers apurados em eventos locais de diferentes cidades, os slammers que ganham os eventos nacionais “representam”, depois, o seu país numa competição europeia ou internacional organizada por uma associação e/ou organização de poetry slam no país de acolhimento. Em França, encontramos 3 organizações de competições publicamente divulgadas como europeias: a Ligue Slam de France (constituída em 2009) promove o poetry slam no território francês e organiza a Coupe de La Ligue Slam de France (http://coupe.ligueslamdefrance.fr/) ; a Federation Française de Slam Poésie (FFDSP) organiza, desde 2006, a Coupe du Monde de Slam Poésie (grandslam2015.com); a associação Slam Tribu organiza o Reims Slam D’Europe (http://www.slamtribu.com/slam-d-europe/).
O poetry slam tem uma natureza local. Uma competição nacional ou internacional acontece porque antes se cria uma rede de competições em diferentes cidades, locais ou regiões. Isso traduz-se numa variação que atravessa as dimensões local, nacional e internacional. Significa, também, que falamos de Poetry Slams com identidades múltiplas, com particularidades e características próprias – “em vez de ser um género homogéneo, o slam assume formas distintas em cada novo contexto para o qual é levado, à medida que é reconstruído em linha com estilos, tradições, convenções e questões locais (Gregory, 2009: 32). Mais, em cada Poetry Slam local confluem vários estilos de escrita e de performance, diferentes gostos e critérios de escolha e valoração de um texto, de um poema, de uma performance:
«O conteúdo do poetry slam é tão diverso quanto os poetas que atuam [e quanto o(s) público(s) que ouvem, veem, avaliam], deixando-nos frequentemente com uma imagem instantânea de um tempo, um sítio, uma cultura particulares» (Wiesenhofer, 2008: 1).
 Muitas organizações continuam a conjugar a competição com o microfone aberto – momento que acontece antes ou depois da competição entre slammers e que se caracteriza pela partilha livre de poemas e pela ausência de regras e condições. Outra variação relativa ao formato é o anti-slam que convida à inversão das regras do poetry slam: as performances devem exceder os 3 minutos, o slammer pode usar adereços e deve tentar fazer a pior performance que conseguir - ganha quem tiver a pontuação mais baixa. O regulamento do poetry slam, mantendo características nucleares, é também adaptado, por exemplo, na forma de calcular a pontuação2 de cada performance e na escolha dos jurados. Para além disso, quando analisamos a atividade de Slams locais durante o ano verificamos a presença frequente de convidados que, na sua grande maioria, são elementos ‘fortes’ da comunidade (poetas, slammers de outros Poetry Slams do mesmo país ou de outros países) ou que, de alguma forma, cruzam o seu trabalho com a poesia e com o poetry slam. Identificamos, também, a realização de slams temáticos (gothic slam, drama slam, etc.), de slams que exploram problemas da sociedade (violência, racismo, política, etc.), outros que se concentram, até, em meios diferentes da voz e da oralidade – como é o caso do vídeo slam/film slam – para trabalhar o poema, as palavras em conjugação com a imagem e o movimento.
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2 Esta pontuação está definida como o “Dewey Decimal Slam System of Scorification”, escala numérica de 10 pontos semelhante à utilizada nos desportos olímpicos.


Ler mais: 3, 2, 1! – O Poetry Slam em Portugal. Mapeamento e análise dos primeiros anos, Liliana Alexandra Ferreira Vasques. Dissertação de mestrado em Educação Artística apresentada na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, 2016.
 
 
 

CARREIRO, José. “Slam e Poesia”. Portugal, Folha de Poesia, 23-04-2020. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/04/slam-e-poesia.html


 
LUSOFONIA Plataforma de apoio ao estudo da língua portuguesa no mundo https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/

1 comentário:

Ilustre Comunicação disse...

Caro José Maria de Aguiar Carreiro, espero que estejas bem. Em 2014, você divulgou a historia da Shalla e do Raimundo em seu blog (http://folhadepoesia.blogspot.com/2014/05/o-condicionado.html ) e acho que vai gostar de saber as novidades.

Depois do Raimundo, ela teve mais duas experiências com pessoas em situação de rua e vai lançar um livro sobre a metodologia que ela criou intuitivamente. Mais detalhes sobre a campanha estão aqui:

https://www.kickante.com.br/campanhas/movimento-pessoas-em-situacao-rua

Agradecemos se puder colaborar e/ou nos ajudar a divulgar!

Um abraço ilustrado,

Pedro de Luna