ESCOLA
O
que significa o rio,
a
pedra, os lábios da terra
que
murmuram, de manhã,
o
acordar da respiração?
O
que significa a medida
das
margens, a cor que
desaparece
das folhas no
lodo
de um charco?
O
dourado dos ramos na
estação
seca, as gotas
de
água na ponta dos
cabelos,
os muros de hera?
A
linha envolve os objetos
com
a nitidez abstrata
dos
dedos; traça o sentido
que
a memória não guardou;
e
um fio de versos e verbos
canta,
no fundo do pátio,
no
coro de arbustos que
o
vento confunde com crianças.
A
chave das coisas está
no
equívoco da idade, na
sombria
abóbada dos meses,
no
rosto cego das nuvens.
Nuno Júdice, Meditação
sobre ruínas.
Lisboa, Quetzal Editores,
1999.
A sugestão de que
as etapas da vida ensinam e, o passar do tempo, traz um refinamento do olhar
com a experiência do aprender, pode ser notada no poema “Escola”. Considera-se
nesse título a multiplicidade de sentidos da palavra, uma vez que esta não se
refere somente ao espaço escolar, mas também a um determinado método, estilo ou
sistema, bem como remete a um tempo de conhecimento, de viver e aprender sobre
as coisas, misturando assim os elementos tempo e espaço – lugar físico e de
fala. Das seis estrofes que compõem o poema, as três primeiras são
questionamentos – aparentemente de aspecto infantil, pelo menos a princípio,
porém que se tornam difusos em sua objetividade [vv. 1 a 12]. […]
A
semelhança com o narrar não se apresenta de forma clara nas essas três primeiras
estrofes de “Escola”. Essas destoam um pouco da predominância do estilo narrativo
dos poemas judicianos, uma vez que não se sustentam em contar cenas, imagens
concretas ou em experiências. Até então o tempo, no poema “Escola”, somente se
marca por meio daquilo que escapa, fugidio, como o murmúrio dos lábios da terra
nas manhãs, ao acordar. Ou ainda o desaparecer da cor das folhas e do dourado
dos ramos, sugerindo um desgaste natural provocado pela ação do tempo. Contudo,
especialmente nas três últimas estrofes, esse estilo se destaca fortemente.
Mais do que a presença dos verbos no presente, o tempo é
marcado pelas coisas que parecem perder a nitidez ao longo de uma trajetória.
No espaço abstrato dos versos, há um desejo de que a poesia reflita sobre o que
se perdeu ou o que foi esquecido com o passar do tempo, “que a memória não
guardou”, mas que, contudo, não se compreende de uma só maneira, uma vez que “a
chave das coisas está / no equívoco da idade”. A percepção
sobre as coisas, os fatos, a vida, vai se modificando com a idade, com o curso
da vida, essa escola, que ensina, que faz aprender a partir das experiências.
“Marcas do tempo na poesia de Nuno Júdice”,
Ivana Gund. Terra roxa e outras terras – Revista de Estudos Literários. Volume
36 (dez. 2018) – 1-123 – ISSN 1678-2054. http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/terraroxa
CARREIRO, José. “A
chave das coisas está no equívoco da idade, Nuno Júdice”. Portugal, Folha
de Poesia, 13-06-2020. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/06/a-chave-das-coisas-esta-no-equivoco-da.html
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