A ANCIÃ DE LUTO
Percorre devagar a passadeira,
mais velha que este burgo medievo.
Chega de muito além, toda de negro.
O sol que brilha, as belas raparigas,
as cores da gente, o trânsito,
os plátanos do hotel adormecidos
supõem-lhe o pesado encargo
de transportar aos ombros
recordações alegres.
Por isso, os passos lentos,
por isso, o luto, estranhos
ao sol nos vidros e ao bulício urbano.
Parece vir cobrar alguma dívida,
sem pressa e sem olhar
quem espera nos carros que atravesse.
Não a vi afastar-se,
escondeu-se em qualquer esquina.
Os sinos talvez dobrem na distância
e, se eu medir a erosão dos anos
no espelho do meu carro,
dobrarão de certeza e mais de perto,
e a velha voltará o rosto para mim.
DEPREDAÇÃO
1
Rochedo por rochedo, a aprendizagem,
o polvo de entre as pedras,
o mexilhão, o arroz de lapas,
e depois a sardinha, o sol no cais,
as brasas, os pimentos, as peixeiras na rua.
2.
País de pescadores sem trabalho,
não tardará que venha a grande máquina
sorver o mar da costa
e nesse chão caótico apareça
a evidência dos que ajudaram
ao saque das cidades e à devastação
dos campos e do mar.
Nuno Dempster, Variações
da Perda
Lajes do Pico, Companhia
das Ilhas, 2020
CARREIRO, José. “Variações
da perda, Nuno Dempster”. Portugal, Folha de Poesia, 30-06-2020.
Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/06/variacoes-da-perda.html
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