terça-feira, 7 de julho de 2020

Sofro, Lídia, do medo do destino, Ricardo Reis



Sofro, Lídia, do medo do destino.
A leve pedra que um momento ergue
As lisas rodas do meu carro, aterra
        Meu coração.
Tudo quanto me ameace de mudar-me
Para melhor que seja, odeio e fujo.
Deixem-me os deuses minha vida sempre
        Sem renovar
Meus dias, mas que um passe e outro passe
Ficando eu sempre quási o mesmo, indo
Para a velhice como um dia entra
        No anoitecer.

Ricardo Reis, Poesia, edição de Manuela Parreira da Silva,
Lisboa, Assírio & Alvim, 2000, p. 181.


Apesar da referência a «Meu coração» (v. 4), que remete para o campo das emoções, Ricardo Reis assume uma atitude racional.
Tendo em conta os seis primeiros versos do poema, explicite em que consiste essa atitude racional, bem como o motivo que leva o sujeito poético a assumi-la.

Na resposta deve explicitar, adequadamente, quer em que consiste a atitude racional do sujeito poético, quer o motivo que o leva a assumi-la.
Devem ser abordados os tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:
o sujeito poético evidencia uma atitude racional ao intelectualizar as suas emoções/ao recusar (voluntariamente) a mudança/ao procurar a serenidade;
o sujeito poético assume essa atitude racional devido ao sentimento de terror face à mudança/ao destino, que lhe provoca sofrimento.

Transcreva a comparação presente no final do poema e interprete o seu sentido.
Na resposta transcreve a comparação presente no final do poema, delimitando-a de forma rigorosa, e interpreta, adequadamente, o seu sentido.
Devem ser abordados os tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:
transcrição da comparação – «indo / Para a velhice como um dia entra / No anoitecer»; interpretação da comparação – tal como o dia termina lenta e gradualmente, também o sujeito poético deseja que o tempo passe por ele de forma impercetível, encaminhando-o tranquilamente para a «velhice» (sem que isso lhe provoque sofrimento).

Fonte: itens 4 e 5 do grupo I do Exame Final Nacional de Português, Prova 639, 1.ª Fase, Ensino Secundário, 2020, 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho | Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho)

Nota:

Ricardo Reis é o poeta da razão, o poeta que, segundo Jacinto Prado Coelho (Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa), “é um homem de ressentimento e cálculo, um homem que se faz como faz laboriosamente o estilo”, e que, como “experimenta a dor da nossa miséria estrutural, sofre com as ameaças inelutáveis e permanentes do Fatum, da Velhice e da Morte”, pelo que “o seu fito é iludir (melhor: eludir) a dor construindo virilmente o próprio destino no restrito âmbito de liberdade que lhe é dado”. 
Onde está a atitude racional do sujeito poético neste poema? Precisamente na lúcida análise do que sente e do motivo da atitude que assume: tem consciência do desagrado (ódio) em relação à mudança e do que faz para a evitar (foge), tentando não ser afetado por ela. 
A comparação objeto de questionamento no item 5 do Grupo I não oferece nenhuma dúvida, estando este assunto em consonância com o indicado no programa de Português como tópico de estudo da poesia deste autor ("Ricardo Reis: a consciência e a encenação da mortalidade"). Com efeito, o sujeito poético exprime o desejo de que o tempo passe por ele de forma impercetível, encaminhando-o tranquilamente para a velhice como a lei natural do passar do tempo, que faz com que ao dia se siga a noite.

Fonte: Maria Regina Rocha, “A qualidade do exame de Português do 12.º ano”, https://www.publico.pt/2020/07/13/sociedade/opiniao/qualidade-exame-portugues-12-ano-1924161


 

Poderá também gostar de:

Fernando Pessoa - Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro. In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição) e Folha de Poesia, 17-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html

 




CARREIRO, José. “Sofro, Lídia, do medo do destino, Ricardo Reis”. Portugal, Folha de Poesia, 07-07-2020. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2020/07/sofro-lidia-do-medo-do-destino-ricardo.html



Sem comentários: