Grande
parte da obra do poeta italiano Francesco Petrarca (1304-1374) é dedicada a
Laura, uma jovem casada por quem se apaixonou e amou à distância.
Soneto 132
Se amor não é, qual é meu sentimento?
mas se é amor, por Deus, que cousa e qual?
se boa, que é do efeito ásp’ro e mortal?
se é má, o que é que adoça tal tormento?
Se ardo a bom grado1, onde é pranto e lamento?
e se a mau grado2, o lamentar que val’?
Ó viva morte, ó deleitoso3 mal,
tanto em mim podes sem consentimento?
E em sem razão me queixo, se o tolero.
E em tão contrários ventos, frágil barca
me leva em alto mar e sem governo,
tão cheia de erros, de saber tão parca4,
que eu mesmo nem sequer sei o que quero,
e a tremer no estio5, ardo de inverno.
As Rimas
de Petrarca, trad. Vasco Graça Moura, Lisboa, Bertrand, 2003,
p. 397
NOTAS:
1 Bom
grado: por vontade. 2 Mau
grado: contra vontade. 3
Deleitoso: aprazível. 4 Parca:
escassa, modesta, pouco abundante. 5 Estio: verão.
1. Associa
cada afirmação (coluna B) a uma passagem do poema que a exemplifique (coluna
A).
COLUNA A
a)
«Se
amor não é, qual é meu sentimento?» (v. 1)
b)
Versos
2 a 6.
c)
«tanto
em mim podes sem consentimento?/ E em sem razão me queixo, se o tolero.» (vv.
8-9)
d)
«E
em tão contrários ventos, frágil barca / me leva em alto mar e sem governo,/
tão cheia de erros, de saber tão parca». (vv. 10-12)
e) «que eu mesmo nem sequer sei o que quero, / e a tremer no estio, ardo de inverno.». /vv. 13-14)
COLUNA B
- O sujeito poético não consegue controlar racionalmente os efeitos do amor.
- O sujeito poético não sabe se quer sentir-se assim perdido, limitando-se a reconhecer a contradição dos seus sentimentos, que lhe provocam frio no verão e calor no inverno.
- O sujeito poético mostra-se perplexo perante os sentimentos contraditórios, bons e maus, provocados pelo amor.
- Incapaz de perceber o que sente, o sujeito poético vê-se como uma embarcação desgovernada, que se arrisca por perigosos mares.
- O sujeito poético tem dificuldades em definir aquilo que sente como sendo amor.
2. A poesia de Petrarca influenciou muitos poetas europeus, incluindo Camões. Procede a uma leitura comparativa entre o soneto de Petrarca «Se amor não é, qual é meu sentimento?» e o soneto de Camões «Amor é um fogo que arde sem se ver» (analisado aqui).
Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente;
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter, com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo amor?
2.1. Classifica como verdadeiras
(V) ou falsas (F) as afirmações. Corrige as falsas.
a)
O amor é um sentimento complexo, segundo Camões,
mas fácil de entender, segundo Petrarca.
b) Ambos os sonetos apresentam uma reflexão sobre o amor e evidenciam o seu caráter contraditório.
c) Existe uma relação de intertextualidade entre os dois textos, pois ambos abordam o tema do amor, a dificuldade dos poetas em caracterizarem devidamente este sentimento e os efeitos contraditórios que ele tem em quem ama.
d)
O soneto de Petrarca inicia-se com interrogações
sobre o amor, tal como o de Camões.
e) Enquanto no soneto de Camões o sujeito poético procura definir o amor, no de Petrarca faz uma reflexão sobre o seu próprio sentimento, mediante a utilização de perguntas retóricas.
f) O sentido do verbo «desatina» no verso 4 do soneto de Camões é oposto ao significado da expressão «sem razão» que ocorre no v. 9 do soneto de Petrarca.
g) No poema de Camões, a reflexão sobre o amor é feita de forma intensa, mas distanciada. O sujeito poético usa sempre a 3.ª pessoa do singular, procurando encontrar uma definição assente nas respetivas contradições.
h)
Realçando essas essas mesmas contradições e a
dificuldade em definir o amor, o sujeito poético do soneto de Petrarca usa a 1.ª
pessoa, refere-se, por isso, à sua experiência pessoal e aos efeitos que esse
sentimento tem em si próprio.
i)
No seu soneto, o poeta italiano mostra de que modo o
amor se manifesta em si próprio, generaliza, enquanto Luís de Camões reflete
sobre os efeitos do sentimento nas pessoas, em geral.
3. Associa
cada soneto a uma das seguintes citações, justificando.
a) «O amor não
é só um estado absoluto. Porque se o fosse tantos de nós não o perseguíamos
como se fosse atingível.» (Luís Osório, Amor, Alfragide, Oficina do
Livro, 2016)
b) «Só há um
tipo de amor que dura, o não correspondido.» (Woody Allen)
Chave
de correção:
1. a-5; b-3; c-1; d-4; e-2.
2. a) F - O amor é um sentimento complexo,
segundo Camões e Petrarca.
b) V
c) V
d) F - O soneto de Petrarca inicia-se com
interrogações sobre o amor, mas no de Camões a interrogação é apresentada na
conclusão.
e) V
f)
g) V
h) V
i) F - No seu soneto, o poeta italiano mostra
de que modo o amor se manifesta em si próprio, particulariza, enquanto Luís
de Camões reflete sobre os efeitos do sentimento nas pessoas, em geral.
3. Sugestões
de interpretação das frases citadas:
a)
«O amor não é só um estado absoluto» - portanto, não é simples.
«Porque
se o fosse tantos de nós não o perseguíamos como se fosse atingível.» -isto é,
a verdade é que ele não é simples, não é um estado absoluto, é algo que se vai
conquistando e, por isso, é que vamos tendo esta convicção de que o podemos
atingir, porque vamos por fases: temos estádios de paixão, de amor, e vamos
atingindo essas fases gradualmente. É, portanto, um sentimento complexo. É isso
que Camões nos diz no soneto «Amor é um fogo que arde sem se ver»…
b)
O único amor que perdura é aquele que não é correspondido, porque é aquele que
continuamos a perseguir e que não conseguimos atingir, portanto, prolonga-se. E
foi exatamente isto que viveu Petrarca com a sua amada Laura. Então, como pôde suportar
o peso de um amor impossível? Através da arte, é a resposta.
Bibliografia:
«Amor
é fogo», linhas de leitura sobre o poema «Amor é um fogo que arde sem se ver»,
de Luís de Camões, por José Carreiro. In: Folha de Poesia, 2016-07-22 <https://folhadepoesia.blogspot.com/2016/07/amor-e-fogo.html>
«Se amor não é, qual é meu sentimento?» in P8, Lisboa, Ana Santiago e Sofia Paixão. Lisboa, Texto Editores, 2014 (2.ª
ed.).
«Se amor não é, qual é meu sentimento?» in Conto Contigo 8,
Conceição Monteiro Neto... [et al.]; rev. cient. e pedag. Sónia Valente
Rodrigues. - [1ª ed., 1ª reimp.]. – Porto, Areal, 2013.
Projeto
#ESTUDOEMCASA, aula 52 de Português - 7.º e 8.º anos, sobre "Amor é fogo que arde sem se
ver", de Luís de Camões, e "Se amor não é, qual é o meu
sentimento?", de Petrarca, disponível
em https://www.rtp.pt/play/estudoemcasa/p7828/e545683/portugues-7-e-8-anos,
2021-05-21:
CARREIRO, José. “PETRARCA:
Se amor não é, qual é meu sentimento? CAMÕES: Amor é um fogo que arde
sem se ver”. Portugal, Folha de Poesia, 23-06-2022. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/06/petrarca-se-amor-nao-e-qual-e-meu.html
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