Soneto 98
De ti me separei na primavera:
quando o risonho abril, ao sol voando,
em cor e luz, a plenas mãos, cantando,
nova alegria entorna1 pela esfera2…
No viridente3 bosque até dissera
o pesado Saturno4 ver folgando5…
Porém nem cor vistosa ou cheiro brando
Lograram6 incender7 minha
quimera8.
A brancura dos lírios, não a vi…
O vermelhão das rosas desmaiava…
Eram fantasmas só… ao pé de ti
– o seu modelo – quanto lhes faltava!
Par’cia inverno; e eu, a viva alfombra9,
Só pude imaginá-la a tua sombra.
“Soneto XCVIII”, William
Shakespeare, trad. Luís Cardim,
Rosa do mundo, 2001 poemas
para o futuro,
Lisboa, Assírio & Alvim,
2001, p. 915
Notas:
1.
Entorna
– verte, derrama.
2.
Esfera
– Terra.
3.
Viridente
– verdejante, viçoso.
4.
Saturno:
personificação mitológica do Tempo. O deus romano Saturno refugiou-se no Lácio,
onde fez florescer a idade de ouro, transmitindo ao Homem os segredos da
agricultura.
5.
Folgando
– brincando, divertindo-se.
6.
Lograram
– conseguiram.
7.
Incender
– incendiar, atear, inflamar, abrasar.
8.
Quimera
– ilusão, sonho, fantasia, coisa resultante da imaginação.
9.
Alfombra
– erva, tapete de verdura, chão arrelvado.
Questionário sobre a
leitura do Soneto 98 de Shakespeare.
1. No Soneto
98 de Shakespeare, o sujeito poético recorda um acontecimento da sua vida. Indica
de que acontecimento se trata. Esclarece também por que razão é expressiva a antítese
entre esse acontecimento e a estação do ano em que tal ocorreu.
2. Refere a
forma como a Natureza é caracterizada nas três primeiras estrofes e identifica
o recurso expressivo presente nessa caracterização.
3. Justifica a utilização do
advérbio “porém”, no verso 7.
4. Apresenta a forma
como o sujeito poético vê a natureza na terceira estrofe, justificando a sua
perceção.
5. Refere o
recurso expressivo presente na expressão “Par’cia inverno” e justifica esta
afirmação final.
6. Identifica
o tema do texto.
Correção:
1.
O
sujeito poético recorda que a separação da mulher amada ocorreu na estação do
ano menos prevista, visto que a primavera é frequentemente associada ao impulso
da vida, ao início de um ciclo de prosperidade e, por conseguinte, à vida
amorosa que também deve florescer e crescer dentro de nós.
2.
Através
da personificação do mês de abril, o sujeito poético realça uma natureza
alegre, luminosa, dinâmica, verdejante, despreocupada e brincalhona.
3.
O
advérbio conetivo «porém», usado no início do verso 7, marca um contraste entre
a realidade descrita atrás, associada à felicidade, e o que sucedeu ao sujeito
poético, relacionado com a tristeza e a deceção.
4.
A natureza não tem beleza para o sujeito lírico: os
lírios não têm a brancura normal e o vermelho das rosas era ténue. A natureza é
vista desta forma porque o sujeito lírico não está perto da mulher amada, que é
para ele o modelo em que a natureza se inspira para ser bela. A natureza
reflete os sentimentos do sujeito lírico.
5. Ao
utilizar a comparação, o sujeito lírico sente que vive no inverno, porque não
consegue sentir-se em sintonia com a primavera e mesmo o que a natureza ainda
possui de belo só poderá ser, para ele, uma sombra da beleza da mulher amada.
6. O tema do poema é sobre os efeitos que a separação da
amada provocam no sujeito poético.
Bibliografia:
Conto Contigo 8, Conceição Monteiro Neto et al. Porto, Areal Editores, 2013.
Contos &
Recontos 8, Carla Marques e Inês Silva. Lisboa, ASA, 2014.
P8, Ana Santiago e Sofia Paixão. Lisboa,
Texto Editores, 2014 (2.ª ed.).
(Para)textos 8, Ana Paiva et al. Porto, Porto Editora, 2014.
CARREIRO, José. “Shakespeare:
De ti me separei na primavera”. Portugal, Folha de Poesia, 29-06-2022.
Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2022/06/shakespeare-de-ti-me-separei-na.html
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