Pedro e Inês, os amantes infelizes, por Sérgio Marques, 2021 |
Romance de D. Pedro e Dona Inês
Era seu colo de neve
tocado daquela graça
do contorno mais breve
onde o infinito se enlaça.
Morta, em sua fronte uma constelação
era presságio do ritual macabro
duma coroação.
O que bebera em sua carne a claridade
que dos deuses escorre para a mais pura taça
partiu com mãos de tempestade
apressando com ira
e com desgraça
a fatalidade que os ungira.
E só parou quando mudo no espanto
onde o enlevo da morte se adivinha
o fim do mundo ficou esperando
aos pés da mais fantástica rainha.
Natália Correia, Poemas
(1955)
O poema é
inspirado na história de amor trágico entre o infante D. Pedro e a sua amante
Inês de Castro, que foi assassinada por ordem do rei D. Afonso IV, pai de D.
Pedro, em 13551. Após a morte de Inês, D. Pedro declarou que se tinha casado
secretamente com ela e mandou coroá-la como rainha, expondo o seu cadáver no
trono.
O poema
apresenta uma estrutura narrativa, podendo ser dividido em três momentos: a
descrição da beleza de Inês (primeira estrofe), o relato do seu assassinato
(segunda e terceira estrofes) e a reação de D. Pedro (quarta estrofe).
As
imagens da primeira parte parecem ser ambíguas, visto que a neve pode
simbolizar a palidez da pele de Inês após a morte, mas também pode simbolizar a
brancura e a delicadeza da sua pele em vida. A graça e o contorno podem sugerir
a beleza e a delicadeza da sua forma mesmo na morte, mas também podem sugerir a
elegância e a perfeição da sua forma em vida. O infinito pode representar a
transcendência da beleza de Inês, mesmo após sua morte, mas também pode
representar a eternidade do amor entre Inês e D. Pedro.
A meu
ver, os versos da primeira estrofe parecem evocar a beleza serena do corpo
morto de Inês após a sua morte violenta, usando imagens de pureza e
tranquilidade para contrastar com a tragédia que ocorreu. Assim, o contorno
breve do corpo mortal demarcaria a fronteira entre o físico e o espiritual,
como se estivesse tocando o infinito.
A segunda
estrofe introduz elementos sombrios na narrativa, com a menção de uma
constelação na sua fronte como presságio do "ritual macabro / duma
coroação" póstuma, como de facto veio a acontecer.
A
terceira estrofe revela a crueldade do destino, sugerindo que o que atraía a
claridade dos deuses na sua carne foi arrancado com fúria e desgraça. O sujeito
poético emprega nesta parte do texto uma linguagem bem sombria e dramática para
narrar o ato cruel que tirou a vida de Inês. Palavras como
"tempestade", "ira", "desgraça" e
"fatalidade" são escolhidas cuidadosamente para expressar a fúria e a
injustiça que marcaram o crime. A palavra "tempestade" evoca uma
sensação de caos e violência, sugerindo que o ato foi tumultuoso e selvagem.
"Ira" ressalta a intensidade da raiva subjacente a essa ação
violenta, enquanto "desgraça" aponta para o trágico e infortunado
destino de Inês. A palavra "fatalidade" enfatiza a inevitabilidade do
ocorrido, como se o destino estivesse selado desde o início.
Na quarta
estrofe, o sujeito poético retrata a profunda reação de D. Pedro perante o
cadáver de Inês, revelando seu espanto e dor de maneira comovente.
A
utilização de uma hipérbole, ao afirmar que "o fim do mundo ficou
esperando / aos pés da mais fantástica rainha," é notável. Essa expressão
enfatiza a intensidade do amor de D. Pedro por Inês e a extensão de seu
sofrimento. Ao sugerir que o "fim do mundo" estava à espera, a poeta
indica que, para D. Pedro, nada mais importava a não ser o seu amor por Inês.
Essa hipérbole realça o aspeto trágico e atemporal do amor do protagonista,
como se a própria ordem do mundo estivesse suspensa ou interrompida diante da
morte de Inês.
Além
disso, ao chamar Inês de "rainha" depois de sua morte, a poeta destaca
o caráter fantástico e paradoxal da situação. Inês, embora morta, é descrita
como uma rainha, talvez indicando que o seu amor e beleza transcenderam a vida
e a morte, conferindo-lhe uma realeza eterna. Esse uso do termo
"rainha" também ressalta a importância de Inês na vida de D. Pedro e
a profunda reverência que ele sentia por ela, independentemente das
circunstâncias.
O poema
"Romance de D. Pedro e Dona Inês" de Natália Correia é um texto que
evoca uma atmosfera sombria e trágica, mergulhando na lenda histórica do amor
proibido entre D. Pedro I de Portugal e Dona Inês de Castro.
Túmulos de D. Pedro e D. Inês, dispostos frente a frente, no Mosteiro de Alcobaça |
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