terça-feira, 14 de maio de 2013

A EXALTAÇÃO DA PELE (Natália Correia)


 
                



O sentido da violência erótica violadora da interdição […] se explicita na declaração poética de outra portuguesa, Natália Correia, que une a vivência do excesso à consciência da dimensão telúrica da mulher:
         
A EXALTAÇÃO DA PELE
Hoje quero com a violência da dádiva interdita.
Sem lírios e sem lagos
e sem gesto vago
desprendido da mão que um sonho agita.
Existe a seiva. Existe o instinto. E existe eu
suspensa de mundos cintilantes pelas veias
metade fêmea metade mar como as sereias.
         
Natália Correia, Poemas, 1955
            
No poema, que já traz no título: “A exaltação da pele”, a inscrição da intensidade, com que se quer recriar a libido feminina desreprimida, se inicia com o desejo da experiência dos violentos movimentos da paixão. Em nome desse desejo, um eu feminino, sabedor de sua existência corpórea, abandona a pureza (“sem lírios”), a passividade (“sem lagos”) e a inexpressividade (“sem gesto vago”) exigidos pela interdição patriarcal do prazer e se projeta no discurso pela sua dimensão animal (“fêmea”), instintiva. Livre de condicionamentos, sua identidade inclui o reconhecimento de seu poder de sedução (“como as sereias”) e o erotismo é requerido pela amante, para além do sonho (3º e 4º versos) e com a força das marés (a sua metade é agora “mar” e não mais serena como os lagos).
A referência poética ao existir “suspensa de mundos cintilantes pelas veias”, numa leitura possível, parece-nos conduzir para o estado pletórico dos órgãos, no momento da conexão erótica.
Na dicção nataliana, todo esse conjunto metafórico constrói a imagem de um “erotismo ardente” (BATAILLE, 1980, p. 36) a ser buscado pela mulher, como um dos modos de desopressão ecológica da subjetividade.
     

Já em “Cosmocópula”, Natália Correia cria um universo erotizado, pelo poder genesíaco de sucessivamente exceder-se, tal qual acontece ao corpo na cópula. Sua carga imaginal propicia-nos a perceção da unicidade cósmica, do todo interconectado. Assim:


Bizarre and vulgar illustrations from illuminated medieval manuscripts
The Flying Green Penis Monster,
from Decretum Gratiani with commentary
 of Bartolomeo de Brescia, Italy, 1340-1345
       

     


      
COSMOCÓPULA
         
I
        
Membro a pino
dia é macho
submarino
é entre coxas
teu mergulho
vício de ostras
      
II
   
O corpo é praia
a boca é a
nascente
e é na vulva que
a areia é mais sedenta
poro a poro vou
sendo o curso de 
água
da tua língua 
demasiada e 
lenta
dentes e unhas 
rebentam como 
pinhas
de carnívoras plantas 
te é meu ventre
abro-te as coxas e 
deixo-te crescer
duro e cheiroso como o 
aloendro
     
         

Ancient roman gold ring with a depiction of phallus
 (symbol of fertility and good fortune).



Ora pelo recurso das metáforas, ora pelo dos símiles, vai-se espraiando a sexualidade, em sua analogia com a força e os elementos naturais – espraiamento que, opondo-se à fixação do relacionamento sexual naquelas partes do corpo ligadas à reprodução, promove a reavaliação poética do que, historicamente, tem dado significado à expressão corporal, territorializando-se existencialmente suas pontuações eróticas. Valoriza-se o prazer, pondo-se em alerta todos os sentidos imbuídos da Natureza e, assim, questiona-se o já cristalizado socioculturalmente, em favor de uma realização mais plena da comunhão dos corpos sem barreiras ao gozo feminino.Esse processo reavaliador aponta para uma nova economia libidinal, onde a figura da mulher é construída através da consciência da seletividade e da ultrapassagem do domínio genital masculino, incluindo cada “poro” “dentes e unhas”, o excesso e o prolongamento (“...vou sendo o curso de água/ da tua língua demasiada e lenta”) do “mergulho” ecologicamente preparado pelos amantes.
       
        

   
          
    
   Poderá ainda gostar de ler:


► A espacialidade erótica/ecológica em poetisas portuguesas contemporâneas”, Angélica Soares, TERCEIRA MARGEM: Revista da Pós-Graduação em Letras. Rio de Janeiro. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Letras e Artes, Faculdade de Letras, Pós-Graduação, Ano VI, nº 7, 2002.




                                        
Ilustração de Cruzeiro Seixas na Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica

        
NATÁLIA CORREIA TEVE PARTICIPAÇÃO ACTIVA NA HISTÓRIA DAS EDIÇÕES AFRODITE. Foi a responsável pela composição da Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, edição pela qual respondeu em Tribunal. Escolheu os autores e poemas, escrevendo ainda o prefácio e as notas bibliográficas. Posteriormente, "avalizou" a edição pirata da Antologia, após o "desbaste" que as forças policiais do Estado Novo deram a alguns exemplares da edição original. Na editora de Fernando Ribeiro de Mello publicou três livros: um de poesia, intitulado O Vinho e a Lira (também alvo da censura), e duas peças de teatro: O Encoberto e Erros Meus, Má Fortuna, Amor Ardente, esta numa luxuosa edição, da qual existem mil e quinhentos exemplares numerados e autografados pela autora. Escreveu ainda um dos comentários à Arte de Furtar. Da edição original da Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, há uma tiragem especial de 500 exemplares numerados e autografados pela escritora nascida nos Açores. Nesta Antologia, Natália Correia apresenta-se assim:
Natália de Oliveira Correia, nasceu em 1923 na ilha de S. Miguel (Açores) vindo, criança para Lisboa, onde fez os seus estudos liceais.
Frequentemente arrumada pela crítica no cacifo surrealista, tem a autora a esclarecer que, se semelhante arrumo quadra à comodidade dos nossos fazedores de génios, de forma alguma define a sua poesia. Trata-se de um equívoco em que facilmente resvalam quantos não discernem a poesia senão através de esquemas. A verdade apresenta um aspecto totalmente inverso desta interpretação. Entendendo a poesia como substância mágica desorbitada da sua funcionalidade primitiva, que o poeta desespera por restituir à sua natureza orgânica primordial, afim de a tornar eficaz na recriação do mundo, por esta linha, «ante» e «post» surrealista, se presta a poesia de Natália Correia a ser integrada num movimento que não inventou mas apenas focou esta intrínseca constante do fenómeno poético.
Publicou teatro, ensaio e os seguintes livros de poesia: «Poemas» (1954); «Dimensão Encontrada» (1957); «Passaporte» (1958); «Comunicação»(1960) e «Cântico do País Emerso» (1961).
O erotismo, como ressumbração de uma vivência amorosa individual está longe de caracterizar a obra desta poetisa. Todavia, no sentido lato de um universo erotizado, animado pela impaciência genesíaca de sucessivamente se exceder, é-lhe gradual o desenvolvimento da perspectiva erótica que se afirma, sobretudo, em «Cântico do País Emerso». Esta evolução corresponde a um aprofundamento do mistério telúrico da mulher, que é a própria jornada da sua poesia, resultado no comprazimento de se observar como força genesíaca, deslumbradamente actuante na cópula primordial que a terrena espelha.

► "EDITOR CONTRA: Fernando Ribeiro de Mello e a Afrodite"


"EDITOR CONTRA: Fernando Ribeiro de Mello e a Afrodite"
http://www.montag.com.pt/editorcontra.html

LIVRO DO ANO EM 2015 no OBSERVADOR e no EXPRESSO

Pré-publicação no OBSERVADOR: http://observador.pt/espec…/sade-salazar-e-o-dali-de-lisboa/

"Uma aprofundada investigação sobre uma figura incontornável da cena cultural portuguesa, resgatando-a do enxovalho da memória"
DIOGO VAZ PINTO / JORNAL i / http://goo.gl/EIhMSQ

"Livro exemplar"
JOSÉ MÁRIO SILVA / EXPRESSO / http://goo.gl/SPx3o8

"A homenagem que aqui se lhe presta não podia ser mais justa"
SARA FIGUEIREDO COSTA / BLIMUNDA /http://www.josesaramago.org/blimunda-44-janeiro-de-2016/

"Inegável bom gosto gráfico e paginação elegante"
JOÃO MORALES / TIME OUT

"Magnífico trabalho"
LER, Primavera 2016

"Trabalho pioneiro, mas complexo e rigoroso, com investigação extensa"
ANTÓNIO CÂNDIDO FRANCO / JORNAL DE LETRAS

Exibido no programa LITERATURA AQUI
RTP2, 05.04.2016 / http://www.rtp.pt/play/p1990/e230687/literatura-aqui



        


[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2013/05/14/cosmocopula.aspx]

quarta-feira, 8 de maio de 2013

VAIS A CASA DA NATÁLIA?


    
    
Em maio de 1960, um velho americano toca à porta do 5.º andar do 52 da Rodrigues Sampaio, rua paralela à Avenida da Liberdade, perto do Marquês. “Natália Correia?”, certifica-se quando lhe abrem a porta. “Henry MilIer?!”, responde a anfitriã, surpreendida.
Miller, o escandaloso autor de Trópico de Câncer, vai parar ao serão mais famoso da cidade por indicação do crítico literário João Gaspar Simões, que terá encontrado numa livraria da Avenida de Roma. “A Natália ficou ufana. Era uma grande honra”. recorda o jornalista Fernando Dacosta, testemunha dessa noite. Estão também presentes o poeta David Mourão-Ferreira e o crítico Delfim Santos, que há-de escrever sobre isso em O Jornal. Discute-se o Amor. E Miller junta-se à conversa. A dada altura, comenta que já tinha estado na Grécia, mas que fora “preciso vir a Lisboa para conhecer uma deusa grega”, lembra Dacosta.
A poetisa açoriana tinha-se mudado para aquela casa em 1953. Os serões foram ganhando fama e no final da década de 50 são já um marco incontornável da vida intelectual lisboeta. Sem dia nem hora marcados — às vezes uma vez por semana, outras mais: quase sempre depois do jantar —reúnem-se ali cinco, 10, 20 amigos. É uma honra fazer parte do grupo. Declama-se poesia, discute-se política, conspira-se contra Salazar. “Sempre de forma exaltada, porque a Natália era exaltada e exaltava tudo à volta dela”, lembra a poetisa Maria Teresa Horta. O escritor Urbano Tavares Rodrigues há-de recordar “experiências de magnetismo” com Almada Negreiros. Também há apresentações de livros e outras ocasiões semipúblicas, incluindo a primeira representação de uma peça de Sartre em Portugal: Entre Quatro Paredes/ Huis Clos.“Conheci-a num serão sobre poesia do século XVIII”, conta o encenador Carlos Avilez. “Ela eslava deitada numa chaise-longue como uma deusa. Achei-lhe piada, ela achou-me piada.” Tornam-se grandes amigos.
Onde quer que Natália esteja, é Natália quem manda. Em casa, de permanente boquilha, senta se num trono, uma poltrona de costas muito altas ao fundo do salão principal — há outros dois, contíguos —, rodeada pela magnífica biblioteca, um busto de si própria, várias pinturas e outras representações suas oferecidas por artistas que a admiram. “Era uma mulher lindíssima. Tinha sido a paixão de metade dos intelectuais de Lisboa”, assegura Maria Teresa Horta.
Os artistas plásticos Almada Negreiros e Nikias Skapinakis são presenças frequentes. Mourão-Ferreira também. O editor Ribeiro de Mello consegue penetrar no círculo. E Ary dos Santos torna-se indissociável daquelas noites. “Eram uma referência no Portugal culto, o que mais se aproximava dos salões do século XIX em Paris. Tudo muito exuberante, muito divertido. Não tinha nada a ver comigo”, explica Horta. “Depois arrependi-me de não ter ido mais vezes.” Dacosta acrescenta: “Era uma feira popular, um misto de intelectuais e de bisbilhotice. Muito bem servido. A Natália tinha a mania do champanhe francês.” “Às quatro da manhã, mandava vir o seu bife”, lembra Avilez. A ceia, que também inclui marisco, chega do Hotel Império, na mesma rua, dirigido pelo marido, Alfredo Machado. Os serões, bem regados, bem vividos, com música em fundo, duram até o sol raiar.
“A Natália”, interpreta Dacosta, “não sabia estar sozinha. Tinha de estar sempre com a sua corte.” Estas reuniões prolongam -se até 1971, altura em que não acabam, mas mudam de casa. Vão para o Largo da Graça, onde Natália acaba de abrir um bar, O Botequim.
           
In Lisboa, anos 60
Joana Stichini Vilela e Nick Mrozowoski,
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2012, p. 24.
   
             
 
               
             
RETRATO DE NATÁLIA

Hierática     cromática     socrática
passas branca de neve pela sala
nebulosa da pele     via láctea
do único percurso que nos falta.

No teu andar há ventres há tecidos
de leve lã      circuitos do brocado
duma seda tecida na manhã
dos raios dos teus olhos deslumbrados.

Nos teus quadris há cisnes há pescoços
de virgens degoladas     há indícios
do alabastro quente dos teus ossos
iluminando claros precipícios.

É isso. Uma vestal iluminada
uma deusa rangendo uma secreta
porta barroca aberta para o nada
que é o docel da cama do poeta

Ali deitas crianças      animais
gemidos e maçãs      vagidos e atletas
pois que amas as coisas naturais
com a tua carne impúbere e erecta.

Porém tu acalentas      tu alentas
nossa senhora lenta      mãe do escândalo
ave de carne      lírio de placenta
com aroma de nardos e de sândalo.

Desinfectante e amante eis que transformas
em teus olhos de cânfora as orgias
e o teu corpo ânfora é a forma
em que a lira da noite vaza o dia.

               
                   José Carlos Ary dos Santos, Fotos-Grafias, 1970
                   
                  
    Poderá ainda gostar de ler:

             

                          O BOTEQUIM DA LIBERDADE. Como Natália Correia marcou, a partir de um pequeno bar de Lisboa, o Século XX Português. Por  FERNANDO DACOSTA

[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2013/05/08/natalia.aspx]

quinta-feira, 11 de abril de 2013

O ANANÁS DA ILHA DE SÃO MIGUEL, AÇORES




     

     

     
     
O ananás é o fruto emblemático da ilha de São Miguel(1) e encontra-se presente na vida económica, política, social e cultural micaelense, tendo a sua fama extravasado a fronteira local.

Ainda no século XIX, Eça de Queirós, haveria de louvar o fruto rei, o que aliás foi assinalado por João Carlos Macêdo em interessante referência feita no ano 2000(2).

 Mas ouçamos o genial romancista: 

«Carlos, alegremente, desembrulha o ananás – e na admiração dele todo o constrangimento se dissipou.
-Oh! É magnífico!
-Que cor, que luxo de tons!
-E que aroma! Veio perfumando a estrada toda.»
(3)


Mesmo da parte dos chamados poetas de intervenção, o ananás é cantado, como neste poema de José Carlos Ary dos Santos: 

«Tirando as aspas dos olhos
Do grande mar da minha distância
As aspas dos ananases 
São as espadas da minha infância»
(4)


Ou recentemente, pela escrita vinda da nossa diáspora, chegam-nos interessantes referências de carácter mais popular: 

«Eu já vi nascer o sol
Numa estufa de ananás;
Alegra-te rapariga
Que aí vem o teu rapaz

Eu já vi nascer o sol
Numa estufa de ananases
Inda te hás-de arrepender
Das repisas que me fazes»
(5)

         

Todas as referências culturais, mais ou menos eruditas, ficariam incompletas se não referíssemos aqui a celebrada Natália Correia que, na sua sublime Mãe Ilha, não esquece o fruto emblema da sua terra natal, porventura recordação de qualquer instante da sua vivência na ilha: 

«mãe volátil mãe correndo
no sangue voador dos rapazes
pela tarde dentro e eu escondida
entre as aspas dos ananases»
(6)






Cá dentro de portas, não podemos esquecer Manuel José de Morais Bernardo Cabral, que imortalizou o ananás através de documentário cinematográfico que aborda o percurso do rei fruto, numa perspectiva técnica e económica, conforme esclareceu o seu autor.(7)

Das mais variadas formas, o ananás impõe-se. No turismo, a Fajã de Baixo é hoje obrigatoriamente um ponto de paragem para quem visita os Açores, pois é lá que se encontra uma emblemática instituição turística, como é o caso da plantação de ananases “A. Arruda”, onde é dado a conhecer ao visitante todas as fases da cultura do ananás em estufas de vidro, única no mundo e típica da Ilha de São Miguel, singularidade importante que deve ser objecto de preservação.

Num bonito prédio, instalado junto ao Solar da Família de Augusto Rebelo Arruda, para além da visita às estufas, os turistas são brindados com uma prova de licor de ananás, de receita tradicional, tendo para além disso oportunidade de adquirir ananases, doces, compotas e rebuçados de ananás, tudo de fabrico caseiro, a que juntaram agora o serviço de distribuição de sumo natural do fruto, feito na hora, bem como uma quantidade admirável do mais bonito e diverso artesanato.

Augusto Arruda, advogado de profissão, foi também produtor de ananás e um dos pioneiros do desenvolvimento turístico dos Açores. É caso para dizer-se que o seu sentido de prever o futuro, aqui ficou marcado, pois a dita propriedade sita à Abelheira, na Fajã de Baixo é hoje uma referência no turismo açoriano, ou melhor, cumpre o «sonho do Dr. Augusto Arruda de ligar o ananás micaelense ao turismo.».(8)

Visitar as estufas micaelenses foi sempre uma forma de presentear – pelo exclusivo que isso representa – os mais ilustres visitantes da ilha de São Miguel. É o caso de Raul Brandão que de visita aos Açores e de passagem por São Miguel, tão impressionado ficou com a visita que fez às estufas de Alice Moderno na Fajã de Baixo que comentou no seu belo livro de viagens As ilhas desconhecidas que o que lhe interessava era «ir exausto pela floresta tropical, num dia de calor e deparar-se com uma família de ananases maduros.»(9) Ananases micaelenses, pois esclarece o escritor que estes exalam «um aroma que faz crescer água na boca.»(10)

Encontramos hoje o ananás representado na cerâmica regional, em porcelana importada e em peças de ourivesaria e joalharia.

As placas toponímicas da freguesia da Fajã de Baixo, produzidas em azulejaria regional micaelense, com os seus ananases pintados à mão, para além da beleza artística, são uma marca importante do ananás. Tal como a calçada tradicional portuguesa, da graciosa Rua Direita da Fajã de Baixo, que apresenta em grande profusão o ananás.





Por fim, na heráldica da Fajã de Baixo, com o seu Brasão, Bandeira e Selo, onde se lê:

«Escudo de prata, três ananases de ouro folhados e realçados de verde; em chefe, um açor de sua cor, segurando nas garras um escudete azul carregando de cinco besantes; coroa mural de prata de três torres; listel branco com a legenda a negro: “Fajã de Baixo”»(11)
     

Tudo aprovado, depois do parecer da Comissão de Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses, nos termos da lei.


Nada do que foi feito teria sido possível sem o esforço dos incansáveis estufeiros que labutam nas estufas de vidro. Daí esta breve referência a uma classe que merece o nosso respeito e louvor. Durante anos esquecidos, aproveitaram as liberdades restituídas em 25 de Abril de 1974 e fazem surgir uma organização sindical, com Estatutos aprovados em 6 de Dezembro de 1974, pela Assembleia Geral dos Trabalhadores da Cultura do Ananás que cria o Sindicato dos Trabalhadores da Cultura do Ananás, que logo manterá correspondência com outras organizações sindicais de Lisboa, bem expressivas aliás no slogan que a organização remetente explícita com clareza num Unidade da Nação – A força dos trabalhadores, posto nos CTT do Terreiro do Paço em Lisboa ao 3.10.1977 e com destino à Fajã de Baixo.

Não se tratou de uma instituição ou luta pioneira, pois a atestar por relatos antigos (que ainda estudamos), por volta da década de trinta do século XX, deu-se uma revolta de estufeiros, liderada por Carlos Ferreira, com direito a homenagem em forma toponímica, atribuída pela Junta de Freguesia da Fajã de Baixo, ao tempo presidida por João Carlos Macêdo(12). Fica aqui o registo em jeito de preito.

Mas, o mais impressionante elogio ao trabalho dos micaelenses, com referência concreta ao ananás, vem do imortal Vitorino Nemésio, que elogia esses heróis incógnitos:


«[…]escolheram o ananás emalotado por suas mãos; carregaram-no a bordo; chegaram carvão às caldeiras que o transportam ao Havre e a Londres. Aquele ninguém que esbraceja em direcção ao portaló do nosso paquete, e quer ser o primeiro a lançar o croque à escada, larga uma praga – corisco! – que ficou de brasão ao povo micaelense […] E quem sabe se a alma daquela gente de honra e nervo não foi feita do raio que abrasa os preguiçosos e os hipócritas?»(13)








(1) Maria de Fátima Silva de Sequeira Dias, Ascensão e declínio de uma cultura agrícola na ilha de S.Miguel, arquipélago dos Açores: o ananás (dos finais do século XIX aos inícios do século XXI), fotocópia, p.4, Universidade dos Açores, 2008.
(2) João Carlos Macêdo, «Eça de Queirós, Apreciador de Ananases», Boletim da Freguesia da Fajã de Baixo nº 67, p. 1, 2000.
(3) Eça de Queirós, Os Maias, Colecção Clássicos da Literatura Portuguesa, Porto Editora, p. 431.
(4) José Carlos Ary dos Santos, As palavras das Cantigas, Editora Avante, Lisboa, s/d, p. 127.
(5) Ferreira Moreno, Atlântico Expresso, 13.Outubro.2008.
(6) Natália Correia, Mãe Ilha, in O Sol nas Noites e o Luar nos Dias I, p. 425, Circulo de Leitores, Março de 1993.
(8) Maria de Fátima Silva de Sequeira Dias, Ascensão e declínio de uma cultura agrícola na ilha de S.Miguel, arquipélago dos Açores: o ananás (dos finais do século XIX aos inícios do século XXI), (policopiado), p.15, Universidade dos Açores, 2008.
(9) Raul Brandão, As lhas Desconhecidas, notas e paisagem, p. 66, 3ª Edição, Livraria Francisco Alves, 1926.
(10) Raul Brandão, As lhas Desconhecidas, notas e paisagem, p. 66, 3ª Edição, Livraria Francisco Alves, 1926.
(11) Diário da República, nº 278, III Série, 30 de Novembro de 2001.
(12) João Carlos Macêdo nasceu na Fajã de Baixo em 17.01.1943. Estudou no ensino primário na freguesia do Livramento. De 1953 a 1959, frequentou a Escola Industrial e Comercial de Ponta Delgada, onde concluiu o Curso de Formação Geral do Comércio. Fez o Curso de Filosofia do Seminário Maior de Angra do Heroísmo. Em 1963, publicou o volume de poemas «Em Comum Com a Noite». Fez o serviço militar em Moçambique como oficial miliciano, ingressando após os eu regresso como técnico do Serviço Nacional de Emprego. Em 1971, figura como co-fundador da Cooperativa Livreira Sextante, extinta administrativamente pelo Ministro do Interior. No mesmo ano concorre, em lista de oposição, ao cargo de Presidente da Junta de Freguesia de Fajã de Baixo, sua terra natal, onde se manteve até 2005, depois de sucessivas reeleições como candidato do Partido Socialista, facto assinalado na toponímia de Fajã de Baixo. Em 1975, foi candidato à Assembleia Constituinte, como independente, em lista do Movimento Democrático Português. Foi deputado regional nas legislaturas de 1984/1988 e de 1996/2000, integrando o Grupo Parlamentar do Partido Socialista e cabendo-lhe, nomeadamente, as iniciativas referentes ao «Dia do Poder Local» e à protecção das estufas de produção de ananás, nomeadamente a que resultou no Decreto Legislativo Regional 22/88/A de 3 de Maio. Na legislatura de 1996/2000, teve várias intervenções sobre a política cultural, o património edificado e a organização arquivística regional e fez parte de uma missão parlamentar que se deslocou às comunidades açorianas do Canadá e Bermudas. Foi agraciado pelo Presidente da República, em 1997, com a insígnia de Oficial da Ordem de Mérito. Foi membro da Mesa do Congresso e do Conselho Geral da Associação Nacional de Freguesias e do Conselho Regional de Concertação Social. É associado do Fórum Açoriano, da Sociedade Afonso de Chaves, do Instituto Açoriano de Cultura, do Instituto Cultural de Ponta Delgada e do Grupo de Estudos de Ordenamento do Território (Geota). Tomou parte, em Outubro de 2000, no Encontro Nacional de Museologia e Autarquias, na cidade de Santarém. Em Abril de 2001, foi distinguido, pela Câmara Municipal de Ponta Delgada, com o Diploma de Mérito Municipal. Em Novembro de 2002, presidiu à Comissão Organizadora da Semana Cultural do Ananás. Em Maio de 2003, tomou parte, como conferencista, no Seminário Luso-Espanhol sobre po Desenvolvimento das Regiões Desfavorecidas no Contexto da Globalização, promovido pelo Centro de Estudos para o Desenvolvimento Regional e Local. Exerce actualmente o cargo de Juiz Social no Tribunal de Família e Menores de Ponta Delgada. Em 2006, fundou, com alguns amigos, a Part’Ilha – Associação de Cultura e Desenvolvimento Local, AC, que publica um boletim mensal e tem como objectivo mais visível a criação de um Centro Interpretativo da Cultura do Ananás nas antigas instalações da Casa do Povo da Fajã de Baixo. É o 1º Confrade Honorário da Confraria do Ananás.
(13) Vitorino Nemésio, Primeiro Corso, pp.52-53, Printer Portuguesa, Lisboa, 1996.

Luís Jaime do Couto Linhares de Deus
ANANÁS DE SÃO MIGUEL, 145 Anos de luta.
Sua importância para a economia e sociedade micaelense
Fajã de Baixo, 2013.

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[Post original: http://comunidade.sol.pt/blogs/josecarreiro/archive/2013/04/11/ananas.aspx]