quinta-feira, 9 de março de 2023

Já sobre o coche de ébano estrelado (poema "Insónia", de Bocage)

 

Insónia

 

Já sobre o coche de ébano1 estrelado
Deu meio giro a noite escura e feia;
Que profundo silêncio me rodeia
Neste deserto bosque, à luz vedado!

Jaz entre as folhas Zéfiro2 abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso3 rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, às trevas costumado.

Só eu velo4, só eu, pedindo à sorte
Que o fio, com que está minha alma presa
À vil6 matéria lânguida7, me corte.

Consola-me este horror, esta tristeza,
Porque a meus olhos se afigura a morte
No silêncio total da natureza.

 

Poesias de Bocage, edição de Margarida Barahona, Lisboa, Seara Nova, 1978

___________

1 ébano (verso 1) – madeira exótica de cor escura.

2 Zéfiro (verso 5) – vento oeste, na mitologia grega; vento brando.

3 mavioso (verso 7) – harmonioso; que, no canto, é agradável ao ouvido.

4 velo (verso 9) – permaneço acordado.

5 vil (verso 11) – desprezível.

6 matéria lânguida (verso 11) – corpo débil, decadente.

 

 


I - Das hipóteses apresentadas (A, B, C e D), assinala a correta.


1 - 

O texto transcrito é um soneto. Em que século é que esta forma poética foi introduzida em Portugal?

A) XVIII.

B) XVI.

C) XVII.

D) XIV.


2 - 

Quem pela 1.ª vez cultivou esta forma poética em Portugal?

A) Bernardim Ribeiro.

B) Bocage.

C) Sá de Miranda.

D) Camões.


3 - 

Do ponto de vista do seu enquadramento estético-literário, como considera Bocage?

A) Um poeta pré-romântico.

B) Um poeta romântico.

C) Um poeta clássico.

D) Um poeta neoclássico.


4 - 

Para além da sua faceta lírica, Bocage revelou também grandes dotes como:

A) poeta dramático.

B) poeta épico.

C) poeta bucólico.

D) poeta satírico.


5 - 

Qual o tema geral do soneto transcrito?

A) A saudade da mulher amada.

B) O desejo da morte.

C) A não correspondência amorosa.

D) A angústia existencial.


6 - 

O tema indicado na questão anterior predomina em que estética literária?

A) Realismo.

B) Modernismo.

C) Renascimento.

D) Romantismo.


7 - 

Qual é o recurso de estilo que enforma os dois primeiros versos?

A) Hipérbole.

B) Perífrase.

C) Enumeração.

D) Comparação.


8 - 

Que ideia procura o poeta expressar através desse recurso?

A) Terminou a tempestade.

B) A noite é pesada.

C) Está a entardecer.

D) Começou o amanhecer.


9 - 

A 1.ª quadra termina com uma frase exclamativa. Que sentimento exprime o eu?

A) Receio.

B) Satisfação.

C) Desgosto.

D) Indiferença.


10 - 

Zéfiro é uma entidade mitológica que representa o quê?

A) Os ventos calmos.

B) A chuva.

C) O sol.

D) Os ventos furiosos.


11 - 

Que função sintática exerce o sintagma Zéfiro abafado?

A) Complemento direto.

B) Vocativo.

C) Predicativo do sujeito.

D) Sujeito.


12 - 

Entre os recursos de estilo indicados, qual está presente no 2.º verso da 2.ª quadra?

A) Hipérbole.

B) Perífrase.

C) Enumeração.

D) Personificação.


13 - 

Que substantivo abstrato poderá traduzir a sensação geral que predomina na 2.ª quadra?

A) Escuridão.

B) Frio.

C) Silêncio.

D) Névoa.


14 - 

"Que o fio ...". Qual a categoria morfológica da palavra destacada?

A) Pronome relativo.

B) Conjunção subordinativa causal.

C) Conjunção subordinativa consecutiva.

D) Conjunção subordinativa integrante.


15 - 

"Só eu velo,..". O que significa a forma verbal destacada?

A) Durmo.

B) Penso.

C) Sonho.

D) Estou acordado.


16 - 

O que é a vil matéria lânguida (v. 11)?

A) A terra.

B) O céu.

C) O corpo.

D) O sentimento.


17 - 

A palavra silêncio é acentuada porque:

A) É uma palavra aguda terminada em o.

B) É uma palavra esdrúxula.

C) Senão, poderia confundir-se com silencio.

D) Porque é uma palavra grave terminada em o.


18 - 

No último terceto, o sujeito poético revela-se romântico. Porquê?

A) Lamenta o presente.

B) Chora o bem passado.

C) Despreza a razão.

D) Compraz-se no locus horrendus.


19 - 

Qual destas características se pode considerar neoclássica?

A) A presença de entidades mitológicas.

B) O locus horrendus.

C) A referência às aves noturnas.

D) O desejo da morte.


20 - 

Os versos que constituem este soneto são:

A) Eneassílabos.

B) Alexandrinos.

C) Octossílabos.

D) Decassílabos.

 

Chave de correção: 1-B, 2-C, 3-A, 4-D, 5-B, 6-D, 7-B, 8-D, 9-B, 10-A, 11-D, 12-D, 13-C, 14-D, 15-D, 16-C, 17-B, 18-D, 19-A, 20-D.

Fonte: http://www.profareal.pt/testes/doc.asp?tema_id=756 (consultado em 11-02-1999)


 


II - Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem sobre o poema “Insónia”, de Bocage.


1. Indique a importância do espaço descrito no poema.

2. Descreva o modo como o sujeito poético a si mesmo se representa.

3. Comente o sentido da expressão paradoxal «Consola-me este horror» (verso 12).

4. Analise a relação existente, ao longo do soneto, entre a insónia e a temática da morte.

 

Explicitação de cenários de resposta

1. Através das referências a um bosque «deserto» (v. 4), a um rio, a uma noite escura sob um céu estrelado, o poema sublinha o silêncio do ambiente e o adormecimento dos elementos da natureza, construindo um cenário de sossego total em que o sujeito poético pressente a morte.

2. O sujeito poético apresenta-se como um indivíduo isolado, que, naquele quadro de trevas e de quietude, mantém a consciência desperta. Além disso, há nele uma atitude de identificação com o «silêncio total da natureza» (v. 14) e uma vontade de libertação da «vil matéria lânguida» (v. 11).

3. A noite «escura e feia» (v. 2) que rodeia o sujeito poético aparece-lhe como promessa de uma morte libertadora. Assim, esse «horror» (v. 12) pode oferecer-lhe o consolo de prenunciar a concretização de um desejo.

4. A insónia vivida, causada pela inquietação e pelo sofrimento, contrasta com o silêncio e a quietude exteriores, tal como o «coche de ébano estrelado» (v. 1) contrasta com a ausência de luz na terra. Assim, a insónia aparece associada ao desejo de morte, pressentida pelo sujeito poético no «silêncio total da natureza» (v. 14).

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 734 (Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março). Prova Escrita de Literatura Portuguesa (10.º e 11.º Anos de Escolaridade), Lisboa, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2012, 2.ª Fase

 

 


III - Outro questionário sobre o poema “Insónia”, de Bocage


1. Divida o poema em partes lógicas e indique o assunto de cada uma.

2. Analise o modo de relacionamento do sujeito poético com a natureza.

3. Estão, entre outras, realizadas no texto as seguintes figuras de estilo: perífrase e personificação.

3.1. Transcreva as expressões que as identificam e explique o seu sentido.

4. Sendo esta uma composição tipicamente pré-romântica, identifique:

4.1. as marcas características do gosto (neo)clássico;

4.2. as marcas características do gosto romântico.

 

Proposta de resolução do questionário:

1. Divisão do poema em partes lógicas e indicação do assunto de cada uma:

1.ª parte - Quadras: Descrição do cenário que envolve o sujeito poético, sendo o silêncio a nota dominante – Natureza sombria.

2.ª parte - Tercetos: Apresentação do estado de espírito do sujeito poético, comungando a sua tristeza com a da Noite, que prefigura a Morte libertadora.

2. Análise do modo de relacionamento do sujeito poético com a natureza:

O poeta serve-se da Natureza para descrever o seu estado de espírito. Assim, estando próximo da morte («Porque a meus olhos se afigura a morte»), apresenta escura a Natureza («A Noite escura», «Neste deserto bosque à luz vedado»), triste e silenciosa («Que profundo silêncio me rodeia», « Nem o mavioso rouxinol gorjeia, / Nem pia o mocho»). Toda a paisagem é descrita como parada («O Tejo adormeceu na lisa areia»), o que lhe dá um ar melancólico. Assim, único ser vigilante, quando, alta noite, tudo dorme, o sujeito poético deseja a morte que se confunde com o silêncio profundo da Natureza.

3.1. PERÍFRASE: vv. 10 e 11 – uso de muitas palavras para traduzir o desejo de que a Sorte o mate.

PERSONIFICAÇÃO: a Noite é feia, v.2; o Zéfiro jaz, v. 5; o Tejo adormeceu, v. 6 – a personificação da Natureza combina com o estado de alma do sujeito poético, que se revê nela como num espelho.

4.1. as marcas características do gosto (neo)clássico:

a nível formal:

- Alegorias mitológicas e personificação de conceitos: Morte, Sorte.

- Perífrases arrastada nos dois primeiros versos para designar o firmamento.

- Repetição retórica: «só eu velo, só eu», v. 9.

- Vocabulário convencional do «locus amoenus»: Zéfiro, rouxinol.

- Equilíbrio formal do soneto: metro e rima.

a nível de conteúdo:

- «Locus amoenus»: Zéfiro, rouxinol.

- Recurso à mitologia greco-latina para expressar ideias.

4.2. as marcas características do gosto romântico.

a nível formal:

- Uso abundante de pronomes de 1ª pessoa (que traduz a afirmação do indivíduo e um monólogo interior e confessional): eu, eu, minha, me, me, meus.

- Escolha vocabular do «locus horrendus»: «Noite escura e feia», «deserto bosque», «mocho», «trevas»; os próprios elementos do «locus amoenus» estão submetidos à influência da Noite romântica: Zéfiro «jaz», «o Tejo adormeceu», o rouxinol não gorjeia.

a nível de conteúdo:

- A paisagem noturna e tenebrosa do «locus horrendus» («Noite escura e feia», «deserto bosque», «mocho», «trevas»; os próprios elementos do «locus amoenus» estão submetidos à influência da Noite romântica: Zéfiro «jaz», «o Tejo adormeceu», o rouxinol não gorjeia) a refletir o estado de alma do sujeito poético.

- Comprazimento na dor, hiperbolização do sofrimento em que o poeta se sente bem: «Consola-me este horror, esta tristeza», v. 12.

- Linguagem do fatalismo: pede à «Sorte» que lhe «corte» «o fio» que o prende à vida, vv. 9-11.

- A morte como libertação: «Consola-me […] a Morte», vv. 12-14.

 


quarta-feira, 8 de março de 2023

Só o ter flores pela vista fora, Ricardo Reis

https://picsart.com/create/editor?category=photos&app=t2i&projectId=6404b73113798f0012d40a61

 



 






5





10





15





20






25



Só o ter flores pela vista fora
Nas áleas1 largas dos jardins exatos
         Basta para podermos
         Achar a vida leve.

De todo o esforço seguremos quedas2
As mãos, brincando, pra que nos não tome
         Do pulso, e nos arraste.
         E vivamos assim,

Buscando o mínimo de dor ou gozo,
Bebendo a goles os instantes frescos,
         Translúcidos como água
         Em taças detalhadas,

Da vida pálida levando apenas
As rosas breves, os sorrisos vagos,
         E as rápidas carícias
         Dos instantes volúveis.

Pouco tão pouco pesará nos braços
Com que, exilados das supernas3 luzes,
         Scolhermos4 do que fomos
         O melhor pra lembrar

Quando, acabados pelas Parcas, formos,
Vultos solenes de repente antigos,
         E cada vez mais sombras,
         Ao encontro fatal

Do barco escuro no soturno rio,
E os nove abraços do horror estígio5,
         E o regaço insaciável
         Da pátria de Plutão7.

 

Ricardo Reis, Poesia, edição de Manuela Parreira da Silva, Lisboa, Assírio & Alvim, 2000, pp. 36-37

 

__________

1 áleas (verso 2) – caminhos ladeados de árvores ou arbustos.

2 quedas (verso 5) – quietas; imóveis.

3 supernas (verso 18) – supremas; superiores.

4 Scolhermos (verso 19) – escolhermos.

5 Parcas (verso 21) – três divindades da mitologia romana que representam o destino: uma preside ao nascimento, outra ao casamento e a terceira à morte.

5 estígio (verso 26) – relativo ao Estige, rio dos Infernos na mitologia grega.

7 Plutão (verso 28) – deus dos Infernos, na mitologia romana.

 

Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

1. Explicite três traços da filosofia de vida exposta nas quatro primeiras estrofes. Fundamente a resposta com transcrições pertinentes.

2. Justifique o recurso à primeira pessoa do plural ao longo do poema.

3. De acordo com o conteúdo das três últimas estrofes, explique o modo como o sujeito poético perspetiva a morte.

 

Cenários de resposta

1. Nas quatro primeiras estrofes, é exposta uma filosofia de vida que se caracteriza por:

– um gosto pela fruição estética da natureza – «Só o ter flores pela vista fora / Nas áleas largas dos jardins exatos / Basta para podermos / Achar a vida leve.» (vv. 1-4);

– uma escolha da serenidade, o que conduz a uma atitude contemplativa – «De todo o esforço seguremos quedas / As mãos, brincando, pra que nos não tome / Do pulso, e nos arraste.» (vv. 5-7);

– uma atitude epicurista, que valoriza o prazer moderado – «Buscando o mínimo de dor ou gozo, / Bebendo a goles os instantes frescos,» (vv. 9-10);

– uma consciência da brevidade da vida, que conduz ao desejo de fruição do momento presente (carpe diem) – «As rosas breves, os sorrisos vagos, / E as rápidas carícias» (vv. 14-15).

2. O sujeito poético expõe um conjunto de normas que devem ser seguidas por todas as pessoas de modo a facilitar a vida humana e a aligeirar a dor provocada pelo facto de a vida ser efémera.

Neste sentido, o uso da primeira pessoa do plural – que surge nas formas verbais «podermos» (v. 3), «seguremos» (v. 5), «vivamos» (v. 8), «escolhermos» (v. 19), «fomos» (v. 19), «formos» (v. 21) e no pronome pessoal «nos» (vv. 6 e 7) – decorre de uma atitude normativa (ou exortativa) assumida pelo sujeito poético, incluído nessa primeira pessoa do plural.

Nota – não é obrigatória a apresentação de exemplos do uso da primeira pessoa do plural, ainda que estes figurem, a título ilustrativo, no cenário de resposta.

3. O sujeito poético perspetiva a morte de acordo com a conceção própria da antiguidade clássica, evidente:

– na ideia de que a vida humana é comandada pelo Destino, ou pelas Parcas, e de que as almas atravessam o rio Estige e chegam aos Infernos, à «pátria de Plutão» (vv. 21-28);

– na aceitação da morte, momento a que se deve chegar sem apego a nada e apenas recordando o que foi agradável, para que o sofrimento não seja tão penoso – atitude estoica (vv. 17-20).

 

Fonte: Exame Final Nacional do Ensino Secundário n.º 639 (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho). Prova Escrita de Português - 12.º Ano de Escolaridade. Portugal, IAVE-Instituto de Avaliação Educacional, I.P., 2016, 2.ª Fase

 

https://picsart.com/create/editor?category=photos&app=t2i&projectId=6404b73113798f0012d40a61 (05-03-2023)



Outro questionário sobre o poema “Só o ter flores pela vista fora”, de Ricardo Reis:

1. Centre a sua atenção na primeira parte do poema (da 1.ª à 4.ª estrofes).

1.1. Explicite a feição moralista/didática aí presente, apoiando a sua resposta em marcas textuais.

1.2. Prove que este momento textual encerra uma lição de vida epicurista.

2. Identifique o tempo verbal que o poeta privilegia na segunda parte do texto (da 5.ª à 7.ª estrofes), justificando o seu emprego.

3. “Quando, acabados pelas Parcas, formos,”.

     Aponte a figura de estilo presente nesta citação textual, referindo o seu valor expressivo.

4. Mostre que o texto contém elementos clássicos e mitológicos.

Ponta Delgada, Escola Secundária Domingos Rebelo, 2006


https://picsart.com/create/editor?category=photos&app=t2i&projectId=6404b73113798f0012d40a61 (05-03-2023)

 


Poderá também gostar de:

Fernando Pessoa - Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro.


terça-feira, 7 de março de 2023

Cada coisa a seu tempo tem seu tempo. (Ricardo Reis)

 







5





10





15





20






25





30


Cada coisa a seu tempo tem seu tempo.
Não florescem no inverno os arvoredos,
        Nem pela primavera
        Têm branco frio os campos.

À noite, que entra, não pertence, Lídia,
O mesmo ardor que o dia nos pedia.
        Com mais sossego amemos
        A nossa incerta vida.

À lareira, cansados não da obra
Mas porque a hora é a hora dos cansaços,
        Não puxemos a voz
        Acima de um segredo,

E casuais, interrompidas sejam
Nossas palavras de reminiscência
         (Não para mais nos serve
        A negra ida do sol).

Pouco a pouco o passado recordemos
E as histórias contadas no passado
        Agora duas vezes
        Histórias, que nos falem

Das flores que na nossa infância ida
Com outra consciência nós colhíamos
        E sob uma outra espécie
        De olhar lançado ao mundo.

E assim, Lídia, à lareira, como estando,
Deuses lares1, ali na eternidade,
        Como quem compõe roupas
        O outrora componhamos

Nesse desassossego que o descanso
Nos traz às vidas quando só pensamos
        Naquilo que já fomos,
        E há só noite lá fora.

 

Ricardo Reis, Poesia, edição de Manuela Parreira da Silva, Lisboa, Assírio & Alvim, 2000

 

_______

1 Deuses lares (verso 26) – deuses domésticos que protegem a habitação e a família.

 

Apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. Relacione o sentido do primeiro verso com as referências à Natureza presentes nos versos 2 a 4.

2. Refira as normas de vida expostas nos versos 5 a 24, fundamentando a sua resposta com referências textuais pertinentes.

3. Explicite os valores simbólicos do espaço e do tempo em que ocorrem as recordações do passado.

4. Explique o conteúdo das duas últimas estrofes enquanto conclusão do poema.

 

Cenários de resposta

1. No primeiro verso, o sujeito poético expõe a ideia de que tudo ocorre num contexto preciso, determinado pelo curso natural das coisas.

As referências à Natureza presentes nos versos 2 a 4 sustentam esta ideia, fornecendo exemplos concretos. Estes mostram que a cada estação do ano corresponde um ambiente específico: no inverno, há frio e neve e é na primavera que as árvores florescem.

2. De acordo com os versos 5 a 24, é importante:

– viver de forma moderada e tranquila – «Com mais sossego amemos / A nossa incerta vida.» (vv. 7 e 8);

– evitar todo o esforço inútil – «Não puxemos a voz / Acima de um segredo» (vv. 11 e 12);

– lembrar o passado de forma ligeira, despreocupada e breve – «E casuais, interrompidas sejam / Nossas palavras de reminiscência» (vv. 13 e 14);

– rememorar as histórias «que nos falem» (v. 20) da «infância» (v. 21).

3. As recordações do passado ocorrem:

– numa noite de inverno, que, metaforicamente, corresponde à velhice;

– à «hora dos cansaços» (v. 10), propícia à rememoração e ao diálogo calmo e íntimo;

– à «lareira» (vv. 9 e 25), espaço associado ao conforto e à proteção.

4. As duas últimas estrofes sintetizam as ideias apresentadas anteriormente. Reafirma-se que a passagem do tempo conduz inevitavelmente à noite da vida e à recordação do «outrora» (v. 28).

Chegado este momento, deve adotar-se uma atitude serena, semelhante à dos «Deuses lares» (v. 26), e rememorar o passado de modo a tornar a passagem do tempo aceitável e agradável no presente.

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 639 (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho). Prova Escrita de Português - 12.º Ano de Escolaridade. Portugal, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2013, 1.ª Fase

 


 

Poderá também gostar de:

Fernando Pessoa - Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro.


segunda-feira, 6 de março de 2023

Antes de nós nos mesmos arvoredos, Ricardo Reis


 






5





10





15





20

Antes de nós nos mesmos arvoredos
Passou o vento, quando havia vento,
E as folhas não falavam
De outro modo do que hoje.

Passamos e agitamo-nos debalde.
Não fazemos mais ruído no que existe
Do que as folhas das árvores
Ou os passos do vento.

Tentemos pois com abandono assíduo
Entregar nosso esforço à Natureza
E não querer mais vida
Que a das árvores verdes.

Inutilmente parecemos grandes.
Salvo nós nada pelo mundo fora
Nos saúda a grandeza
Nem sem querer nos serve.

Se aqui, à beira-mar, o meu indício
Na areia o mar com ondas três o apaga,
Que fará na alta praia
Em que o mar é o Tempo?

Ricardo Reis, Odes, Lisboa, Edições Ática, 1994

 

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. Explicite a relação que se estabelece entre «nós» e os elementos da Natureza referidos na primeira

e na segunda estrofes do poema.

2. Explique o sentido da terceira estrofe, tendo em conta uma das ideias filosóficas em que assenta a

poesia de Ricardo Reis.

3. Apresente uma justificação para o uso de um sujeito plural nas quatro primeiras estrofes do poema

e para o aparecimento da primeira pessoa do singular na última quadra.

4. Refira o valor expressivo da interrogação retórica presente na última estrofe.

 

Explicitação de cenários de resposta

1. A relação que se estabelece entre «nós» e os elementos da Natureza é caracterizada por:

– uma similitude de condições que decorre da participação da mesma realidade perene («Antes de nós nos mesmos arvoredos / Passou o vento, quando havia vento, / E as folhas não falavam / De outro modo do que hoje.» – vv. 1-4; «Não fazemos mais ruído no que existe / Do que as folhas das árvores / Ou os passos do vento» – vv. 6-8);

– uma dissimilitude de condições que decorre da finitude e da transitoriedade que caracterizam o homem e a sua consciência do tempo («Passamos» – v. 5) e da consciência da inutilidade do esforço humano («agitamo-nos debalde» – v. 5).

2. A terceira estrofe contém uma exortação à fruição calma do momento, à serenidade epicurista do contacto direto com a Natureza («Tentemos pois com abandono assíduo / Entregar nosso esforço à Natureza» – vv. 9-10), e ao desejo único de identificação com ela («E não querer mais vida / Que a das árvores verdes.» – vv. 11-12), numa indiferença à perturbação causada pela ameaça inelutável do Fatum.

Nota: A resposta pode conter outros conceitos do conhecimento dos examinandos, tais como carpe diem, aurea mediocritas, ataraxia, estoicismo, …

3. Nas quatro primeiras estrofes do poema, refere-se um destino comum a todos os homens, através do recurso a um sujeito plural («nós» – v. 1, «Passamos» – v. 5, «agitamo-nos» – v. 5, «Não fazemos» – v. 6, «Tentemos» – v. 9, «nosso» – v. 10, «parecemos» – v. 13, «nós» – v. 14, «Nos» – v. 15, «nos» – v. 16).

Na última quadra, evoca-se a situação particular do «eu» e refere-se a experiência direta da fugacidade da vida e da passagem inexorável do Tempo, através do recurso a um sujeito singular de primeira pessoa («o meu indício» – v. 17).

4. Toda a última estrofe é constituída por uma interrogação retórica que remete para a consciência que o «eu» possui da fugacidade da vida e que releva o fosso existente entre a pequenez humana («Se aqui, à beira-mar, o meu indício / Na areia o mar com ondas três o apaga,» – vv. 17-18) e a vastidão e a inexorabilidade do Tempo («Que fará na alta praia / Em que o mar é o Tempo?» – vv. 19-20).

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 639 (Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março). Prova Escrita de Português - 12.º Ano de Escolaridade. Portugal, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2009, 2.ª Fase

 

Poderá também gostar de:

Fernando Pessoa - Apresentação crítica, seleção, notas e sugestões para análise literária da obra de Fernando Pessoa, por José Carreiro.