quinta-feira, 9 de março de 2023

Já sobre o coche de ébano estrelado (poema "Insónia", de Bocage)

 

Insónia

 

Já sobre o coche de ébano1 estrelado
Deu meio giro a noite escura e feia;
Que profundo silêncio me rodeia
Neste deserto bosque, à luz vedado!

Jaz entre as folhas Zéfiro2 abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso3 rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, às trevas costumado.

Só eu velo4, só eu, pedindo à sorte
Que o fio, com que está minha alma presa
À vil6 matéria lânguida7, me corte.

Consola-me este horror, esta tristeza,
Porque a meus olhos se afigura a morte
No silêncio total da natureza.

 

Poesias de Bocage, edição de Margarida Barahona, Lisboa, Seara Nova, 1978

___________

1 ébano (verso 1) – madeira exótica de cor escura.

2 Zéfiro (verso 5) – vento oeste, na mitologia grega; vento brando.

3 mavioso (verso 7) – harmonioso; que, no canto, é agradável ao ouvido.

4 velo (verso 9) – permaneço acordado.

5 vil (verso 11) – desprezível.

6 matéria lânguida (verso 11) – corpo débil, decadente.

 

 


I - Das hipóteses apresentadas (A, B, C e D), assinala a correta.


1 - 

O texto transcrito é um soneto. Em que século é que esta forma poética foi introduzida em Portugal?

A) XVIII.

B) XVI.

C) XVII.

D) XIV.


2 - 

Quem pela 1.ª vez cultivou esta forma poética em Portugal?

A) Bernardim Ribeiro.

B) Bocage.

C) Sá de Miranda.

D) Camões.


3 - 

Do ponto de vista do seu enquadramento estético-literário, como considera Bocage?

A) Um poeta pré-romântico.

B) Um poeta romântico.

C) Um poeta clássico.

D) Um poeta neoclássico.


4 - 

Para além da sua faceta lírica, Bocage revelou também grandes dotes como:

A) poeta dramático.

B) poeta épico.

C) poeta bucólico.

D) poeta satírico.


5 - 

Qual o tema geral do soneto transcrito?

A) A saudade da mulher amada.

B) O desejo da morte.

C) A não correspondência amorosa.

D) A angústia existencial.


6 - 

O tema indicado na questão anterior predomina em que estética literária?

A) Realismo.

B) Modernismo.

C) Renascimento.

D) Romantismo.


7 - 

Qual é o recurso de estilo que enforma os dois primeiros versos?

A) Hipérbole.

B) Perífrase.

C) Enumeração.

D) Comparação.


8 - 

Que ideia procura o poeta expressar através desse recurso?

A) Terminou a tempestade.

B) A noite é pesada.

C) Está a entardecer.

D) Começou o amanhecer.


9 - 

A 1.ª quadra termina com uma frase exclamativa. Que sentimento exprime o eu?

A) Receio.

B) Satisfação.

C) Desgosto.

D) Indiferença.


10 - 

Zéfiro é uma entidade mitológica que representa o quê?

A) Os ventos calmos.

B) A chuva.

C) O sol.

D) Os ventos furiosos.


11 - 

Que função sintática exerce o sintagma Zéfiro abafado?

A) Complemento direto.

B) Vocativo.

C) Predicativo do sujeito.

D) Sujeito.


12 - 

Entre os recursos de estilo indicados, qual está presente no 2.º verso da 2.ª quadra?

A) Hipérbole.

B) Perífrase.

C) Enumeração.

D) Personificação.


13 - 

Que substantivo abstrato poderá traduzir a sensação geral que predomina na 2.ª quadra?

A) Escuridão.

B) Frio.

C) Silêncio.

D) Névoa.


14 - 

"Que o fio ...". Qual a categoria morfológica da palavra destacada?

A) Pronome relativo.

B) Conjunção subordinativa causal.

C) Conjunção subordinativa consecutiva.

D) Conjunção subordinativa integrante.


15 - 

"Só eu velo,..". O que significa a forma verbal destacada?

A) Durmo.

B) Penso.

C) Sonho.

D) Estou acordado.


16 - 

O que é a vil matéria lânguida (v. 11)?

A) A terra.

B) O céu.

C) O corpo.

D) O sentimento.


17 - 

A palavra silêncio é acentuada porque:

A) É uma palavra aguda terminada em o.

B) É uma palavra esdrúxula.

C) Senão, poderia confundir-se com silencio.

D) Porque é uma palavra grave terminada em o.


18 - 

No último terceto, o sujeito poético revela-se romântico. Porquê?

A) Lamenta o presente.

B) Chora o bem passado.

C) Despreza a razão.

D) Compraz-se no locus horrendus.


19 - 

Qual destas características se pode considerar neoclássica?

A) A presença de entidades mitológicas.

B) O locus horrendus.

C) A referência às aves noturnas.

D) O desejo da morte.


20 - 

Os versos que constituem este soneto são:

A) Eneassílabos.

B) Alexandrinos.

C) Octossílabos.

D) Decassílabos.

 

Chave de correção: 1-B, 2-C, 3-A, 4-D, 5-B, 6-D, 7-B, 8-D, 9-B, 10-A, 11-D, 12-D, 13-C, 14-D, 15-D, 16-C, 17-B, 18-D, 19-A, 20-D.

Fonte: http://www.profareal.pt/testes/doc.asp?tema_id=756 (consultado em 11-02-1999)


 


II - Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem sobre o poema “Insónia”, de Bocage.


1. Indique a importância do espaço descrito no poema.

2. Descreva o modo como o sujeito poético a si mesmo se representa.

3. Comente o sentido da expressão paradoxal «Consola-me este horror» (verso 12).

4. Analise a relação existente, ao longo do soneto, entre a insónia e a temática da morte.

 

Explicitação de cenários de resposta

1. Através das referências a um bosque «deserto» (v. 4), a um rio, a uma noite escura sob um céu estrelado, o poema sublinha o silêncio do ambiente e o adormecimento dos elementos da natureza, construindo um cenário de sossego total em que o sujeito poético pressente a morte.

2. O sujeito poético apresenta-se como um indivíduo isolado, que, naquele quadro de trevas e de quietude, mantém a consciência desperta. Além disso, há nele uma atitude de identificação com o «silêncio total da natureza» (v. 14) e uma vontade de libertação da «vil matéria lânguida» (v. 11).

3. A noite «escura e feia» (v. 2) que rodeia o sujeito poético aparece-lhe como promessa de uma morte libertadora. Assim, esse «horror» (v. 12) pode oferecer-lhe o consolo de prenunciar a concretização de um desejo.

4. A insónia vivida, causada pela inquietação e pelo sofrimento, contrasta com o silêncio e a quietude exteriores, tal como o «coche de ébano estrelado» (v. 1) contrasta com a ausência de luz na terra. Assim, a insónia aparece associada ao desejo de morte, pressentida pelo sujeito poético no «silêncio total da natureza» (v. 14).

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 734 (Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março). Prova Escrita de Literatura Portuguesa (10.º e 11.º Anos de Escolaridade), Lisboa, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2012, 2.ª Fase

 

 


III - Outro questionário sobre o poema “Insónia”, de Bocage


1. Divida o poema em partes lógicas e indique o assunto de cada uma.

2. Analise o modo de relacionamento do sujeito poético com a natureza.

3. Estão, entre outras, realizadas no texto as seguintes figuras de estilo: perífrase e personificação.

3.1. Transcreva as expressões que as identificam e explique o seu sentido.

4. Sendo esta uma composição tipicamente pré-romântica, identifique:

4.1. as marcas características do gosto (neo)clássico;

4.2. as marcas características do gosto romântico.

 

Proposta de resolução do questionário:

1. Divisão do poema em partes lógicas e indicação do assunto de cada uma:

1.ª parte - Quadras: Descrição do cenário que envolve o sujeito poético, sendo o silêncio a nota dominante – Natureza sombria.

2.ª parte - Tercetos: Apresentação do estado de espírito do sujeito poético, comungando a sua tristeza com a da Noite, que prefigura a Morte libertadora.

2. Análise do modo de relacionamento do sujeito poético com a natureza:

O poeta serve-se da Natureza para descrever o seu estado de espírito. Assim, estando próximo da morte («Porque a meus olhos se afigura a morte»), apresenta escura a Natureza («A Noite escura», «Neste deserto bosque à luz vedado»), triste e silenciosa («Que profundo silêncio me rodeia», « Nem o mavioso rouxinol gorjeia, / Nem pia o mocho»). Toda a paisagem é descrita como parada («O Tejo adormeceu na lisa areia»), o que lhe dá um ar melancólico. Assim, único ser vigilante, quando, alta noite, tudo dorme, o sujeito poético deseja a morte que se confunde com o silêncio profundo da Natureza.

3.1. PERÍFRASE: vv. 10 e 11 – uso de muitas palavras para traduzir o desejo de que a Sorte o mate.

PERSONIFICAÇÃO: a Noite é feia, v.2; o Zéfiro jaz, v. 5; o Tejo adormeceu, v. 6 – a personificação da Natureza combina com o estado de alma do sujeito poético, que se revê nela como num espelho.

4.1. as marcas características do gosto (neo)clássico:

a nível formal:

- Alegorias mitológicas e personificação de conceitos: Morte, Sorte.

- Perífrases arrastada nos dois primeiros versos para designar o firmamento.

- Repetição retórica: «só eu velo, só eu», v. 9.

- Vocabulário convencional do «locus amoenus»: Zéfiro, rouxinol.

- Equilíbrio formal do soneto: metro e rima.

a nível de conteúdo:

- «Locus amoenus»: Zéfiro, rouxinol.

- Recurso à mitologia greco-latina para expressar ideias.

4.2. as marcas características do gosto romântico.

a nível formal:

- Uso abundante de pronomes de 1ª pessoa (que traduz a afirmação do indivíduo e um monólogo interior e confessional): eu, eu, minha, me, me, meus.

- Escolha vocabular do «locus horrendus»: «Noite escura e feia», «deserto bosque», «mocho», «trevas»; os próprios elementos do «locus amoenus» estão submetidos à influência da Noite romântica: Zéfiro «jaz», «o Tejo adormeceu», o rouxinol não gorjeia.

a nível de conteúdo:

- A paisagem noturna e tenebrosa do «locus horrendus» («Noite escura e feia», «deserto bosque», «mocho», «trevas»; os próprios elementos do «locus amoenus» estão submetidos à influência da Noite romântica: Zéfiro «jaz», «o Tejo adormeceu», o rouxinol não gorjeia) a refletir o estado de alma do sujeito poético.

- Comprazimento na dor, hiperbolização do sofrimento em que o poeta se sente bem: «Consola-me este horror, esta tristeza», v. 12.

- Linguagem do fatalismo: pede à «Sorte» que lhe «corte» «o fio» que o prende à vida, vv. 9-11.

- A morte como libertação: «Consola-me […] a Morte», vv. 12-14.

 


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