Insónia
Já
sobre o coche de ébano1 estrelado
Deu meio giro a noite escura e feia;
Que profundo silêncio me rodeia
Neste deserto bosque, à luz vedado!
Jaz entre as folhas Zéfiro2
abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso3 rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, às trevas costumado.
Só eu velo4, só eu, pedindo à
sorte
Que o fio, com que está minha alma presa
À vil6 matéria lânguida7, me corte.
Consola-me este horror, esta tristeza,
Porque a meus olhos se afigura a morte
No silêncio total da natureza.
Poesias de Bocage, edição de Margarida Barahona, Lisboa,
Seara Nova, 1978
___________
1 ébano (verso 1) – madeira
exótica de cor escura.
2
Zéfiro
(verso 5) – vento oeste, na mitologia grega; vento brando.
3 mavioso (verso 7) –
harmonioso; que, no canto, é agradável ao ouvido.
4 velo (verso 9) – permaneço
acordado.
5 vil (verso 11) –
desprezível.
6
matéria
lânguida (verso 11) – corpo débil, decadente.
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I - Das
hipóteses apresentadas (A, B, C e D), assinala a correta. |
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1 - |
O texto
transcrito é um soneto. Em que século é que esta forma poética foi
introduzida em Portugal? |
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A) XVIII. |
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B) XVI. |
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C) XVII. |
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D) XIV. |
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2 - |
Quem pela
1.ª vez cultivou esta forma poética em Portugal? |
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A)
Bernardim Ribeiro. |
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B)
Bocage. |
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C) Sá de
Miranda. |
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D)
Camões. |
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3 - |
Do ponto
de vista do seu enquadramento estético-literário, como considera Bocage? |
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A) Um
poeta pré-romântico. |
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B) Um
poeta romântico. |
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C) Um
poeta clássico. |
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D) Um
poeta neoclássico. |
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4 - |
Para além
da sua faceta lírica, Bocage revelou também grandes dotes como: |
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A) poeta
dramático. |
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B) poeta
épico. |
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C) poeta
bucólico. |
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D) poeta
satírico. |
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5 - |
Qual o
tema geral do soneto transcrito? |
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A) A
saudade da mulher amada. |
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B) O
desejo da morte. |
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C) A não correspondência
amorosa. |
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D) A
angústia existencial. |
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6 - |
O tema
indicado na questão anterior predomina em que estética literária? |
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A)
Realismo. |
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B)
Modernismo. |
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C)
Renascimento. |
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D)
Romantismo. |
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7 - |
Qual é o
recurso de estilo que enforma os dois primeiros versos? |
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A)
Hipérbole. |
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B)
Perífrase. |
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C)
Enumeração. |
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D)
Comparação. |
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8 - |
Que ideia
procura o poeta expressar através desse recurso? |
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A)
Terminou a tempestade. |
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B) A
noite é pesada. |
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C) Está a
entardecer. |
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D)
Começou o amanhecer. |
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9 - |
A 1.ª
quadra termina com uma frase exclamativa. Que sentimento exprime o eu? |
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A)
Receio. |
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B) Satisfação. |
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C)
Desgosto. |
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D)
Indiferença. |
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10 - |
Zéfiro é uma entidade mitológica que representa o quê? |
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A) Os
ventos calmos. |
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B) A
chuva. |
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C) O sol. |
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D) Os
ventos furiosos. |
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11 - |
Que
função sintática exerce o sintagma Zéfiro abafado? |
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A)
Complemento direto. |
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B)
Vocativo. |
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C)
Predicativo do sujeito. |
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D)
Sujeito. |
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12 - |
Entre os
recursos de estilo indicados, qual está presente no 2.º verso da 2.ª quadra? |
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A)
Hipérbole. |
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B)
Perífrase. |
|
C)
Enumeração. |
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D) Personificação. |
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13 - |
Que
substantivo abstrato poderá traduzir a sensação geral que predomina na 2.ª
quadra? |
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A) Escuridão. |
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B) Frio. |
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C)
Silêncio. |
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D) Névoa. |
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14 - |
"Que
o fio ...". Qual a categoria morfológica da palavra destacada? |
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A)
Pronome relativo. |
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B)
Conjunção subordinativa causal. |
|
C) Conjunção
subordinativa consecutiva. |
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D)
Conjunção subordinativa integrante. |
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15 - |
"Só
eu velo,..". O que significa a forma verbal destacada? |
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A) Durmo. |
|
B) Penso. |
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C) Sonho. |
|
D) Estou
acordado. |
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16 - |
O que é a
vil matéria lânguida (v. 11)? |
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A) A
terra. |
|
B) O céu. |
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C) O
corpo. |
|
D) O
sentimento. |
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17 - |
A palavra
silêncio é acentuada porque: |
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A) É uma
palavra aguda terminada em o. |
|
B) É uma
palavra esdrúxula. |
|
C) Senão,
poderia confundir-se com silencio. |
|
D) Porque
é uma palavra grave terminada em o. |
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18 - |
No último
terceto, o sujeito poético revela-se romântico. Porquê? |
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A)
Lamenta o presente. |
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B) Chora
o bem passado. |
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C)
Despreza a razão. |
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D)
Compraz-se no locus horrendus. |
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19 - |
Qual
destas características se pode considerar neoclássica? |
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A) A
presença de entidades mitológicas. |
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B) O locus
horrendus. |
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C) A
referência às aves noturnas. |
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D) O
desejo da morte. |
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20 - |
Os versos
que constituem este soneto são: |
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A) Eneassílabos. |
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B)
Alexandrinos. |
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C)
Octossílabos. |
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D)
Decassílabos. |
Chave de correção: 1-B, 2-C, 3-A, 4-D, 5-B, 6-D, 7-B, 8-D, 9-B, 10-A,
11-D, 12-D, 13-C, 14-D, 15-D, 16-C, 17-B, 18-D, 19-A, 20-D.
Fonte: http://www.profareal.pt/testes/doc.asp?tema_id=756
(consultado em 11-02-1999)
II - Apresente, de forma bem estruturada,
as suas respostas aos itens que se seguem sobre o poema “Insónia”, de Bocage.
1. Indique a importância do
espaço descrito no poema.
2. Descreva o modo como o
sujeito poético a si mesmo se representa.
3. Comente o sentido da
expressão paradoxal «Consola-me este horror» (verso 12).
4. Analise a relação
existente, ao longo do soneto, entre a insónia e a temática da morte.
Explicitação de cenários de resposta
1. Através das referências a um bosque
«deserto» (v. 4), a um rio, a uma noite escura sob um céu estrelado, o poema
sublinha o silêncio do ambiente e o adormecimento dos elementos da natureza,
construindo um cenário de sossego total em que o sujeito poético pressente a
morte.
2. O sujeito poético apresenta-se como um
indivíduo isolado, que, naquele quadro de trevas e de quietude, mantém a
consciência desperta. Além disso, há nele uma atitude de identificação com o
«silêncio total da natureza» (v. 14) e uma vontade de libertação da «vil
matéria lânguida» (v. 11).
3. A noite «escura e feia» (v. 2) que rodeia
o sujeito poético aparece-lhe como promessa de uma morte libertadora. Assim,
esse «horror» (v. 12) pode oferecer-lhe o consolo de prenunciar a concretização
de um desejo.
4. A insónia vivida, causada pela inquietação
e pelo sofrimento, contrasta com o silêncio e a quietude exteriores, tal como o
«coche de ébano estrelado» (v. 1) contrasta com a ausência de luz na terra.
Assim, a insónia aparece associada ao desejo de morte, pressentida pelo sujeito
poético no «silêncio total da natureza» (v. 14).
Fonte: Exame Nacional do Ensino
Secundário n.º 734 (Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março). Prova Escrita de
Literatura Portuguesa (10.º e 11.º Anos de Escolaridade), Lisboa, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2012, 2.ª Fase
III - Outro
questionário sobre o poema “Insónia”, de Bocage
1. Divida o poema em partes
lógicas e indique o assunto de cada uma.
2. Analise o modo de
relacionamento do sujeito poético com a natureza.
3. Estão, entre outras,
realizadas no texto as seguintes figuras de estilo: perífrase e personificação.
3.1.
Transcreva as expressões que as identificam e explique o seu sentido.
4. Sendo esta uma composição
tipicamente pré-romântica, identifique:
4.1.
as marcas características do gosto (neo)clássico;
4.2.
as marcas características do gosto romântico.
Proposta de resolução do questionário:
1. Divisão do poema
1.ª parte - Quadras:
Descrição do cenário que envolve o sujeito poético, sendo o silêncio a nota
dominante – Natureza sombria.
2.ª parte - Tercetos:
Apresentação do estado de espírito do sujeito poético, comungando a sua
tristeza com a da Noite, que prefigura a Morte libertadora.
2. Análise do modo de relacionamento do sujeito poético
com a natureza:
O poeta serve-se da
Natureza para descrever o seu estado de espírito. Assim, estando próximo da
morte («Porque a meus olhos se afigura a morte»), apresenta escura a Natureza
(«A Noite escura», «Neste deserto bosque à luz vedado»), triste e silenciosa
(«Que profundo silêncio me rodeia», « Nem o mavioso rouxinol gorjeia, / Nem pia
o mocho»). Toda a paisagem é descrita como parada («O Tejo adormeceu na lisa
areia»), o que lhe dá um ar melancólico. Assim, único ser vigilante, quando,
alta noite, tudo dorme, o sujeito poético deseja a morte que se confunde com o
silêncio profundo da Natureza.
3.1. PERÍFRASE: vv. 10 e 11 – uso de muitas palavras para
traduzir o desejo de que a Sorte o mate.
PERSONIFICAÇÃO: a Noite é feia, v.2; o
Zéfiro jaz, v. 5; o Tejo adormeceu, v. 6 – a personificação da Natureza combina
com o estado de alma do sujeito poético, que se revê nela como num espelho.
4.1. as marcas características do gosto (neo)clássico:
a nível formal:
- Alegorias mitológicas e
personificação de conceitos: Morte, Sorte.
- Perífrases arrastada nos
dois primeiros versos para designar o firmamento.
- Repetição retórica: «só
eu velo, só eu», v. 9.
- Vocabulário convencional
do «locus amoenus»: Zéfiro, rouxinol.
- Equilíbrio formal do soneto:
metro e rima.
a nível de conteúdo:
- «Locus amoenus»: Zéfiro,
rouxinol.
- Recurso à mitologia
greco-latina para expressar ideias.
4.2. as marcas características do gosto romântico.
a nível formal:
- Uso abundante de
pronomes de 1ª pessoa (que traduz a afirmação do indivíduo e um monólogo
interior e confessional): eu, eu, minha, me, me, meus.
- Escolha vocabular do
«locus horrendus»: «Noite escura e feia», «deserto bosque», «mocho», «trevas»;
os próprios elementos do «locus amoenus» estão submetidos à influência da Noite
romântica: Zéfiro «jaz», «o Tejo adormeceu», o rouxinol não gorjeia.
a nível de conteúdo:
- A paisagem noturna e
tenebrosa do «locus horrendus» («Noite escura e feia», «deserto bosque»,
«mocho», «trevas»; os próprios elementos do «locus amoenus» estão submetidos à
influência da Noite romântica: Zéfiro «jaz», «o Tejo adormeceu», o rouxinol não
gorjeia) a refletir o estado de alma do sujeito poético.
- Comprazimento na dor,
hiperbolização do sofrimento em que o poeta se sente bem: «Consola-me este horror,
esta tristeza», v. 12.
- Linguagem do fatalismo:
pede à «Sorte» que lhe «corte» «o fio» que o prende à vida, vv. 9-11.
- A morte como libertação:
«Consola-me […] a Morte», vv. 12-14.
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