segunda-feira, 6 de março de 2023

Antes de nós nos mesmos arvoredos, Ricardo Reis


 






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Antes de nós nos mesmos arvoredos
Passou o vento, quando havia vento,
E as folhas não falavam
De outro modo do que hoje.

Passamos e agitamo-nos debalde.
Não fazemos mais ruído no que existe
Do que as folhas das árvores
Ou os passos do vento.

Tentemos pois com abandono assíduo
Entregar nosso esforço à Natureza
E não querer mais vida
Que a das árvores verdes.

Inutilmente parecemos grandes.
Salvo nós nada pelo mundo fora
Nos saúda a grandeza
Nem sem querer nos serve.

Se aqui, à beira-mar, o meu indício
Na areia o mar com ondas três o apaga,
Que fará na alta praia
Em que o mar é o Tempo?

Ricardo Reis, Odes, Lisboa, Edições Ática, 1994

 

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. Explicite a relação que se estabelece entre «nós» e os elementos da Natureza referidos na primeira

e na segunda estrofes do poema.

2. Explique o sentido da terceira estrofe, tendo em conta uma das ideias filosóficas em que assenta a

poesia de Ricardo Reis.

3. Apresente uma justificação para o uso de um sujeito plural nas quatro primeiras estrofes do poema

e para o aparecimento da primeira pessoa do singular na última quadra.

4. Refira o valor expressivo da interrogação retórica presente na última estrofe.

 

Explicitação de cenários de resposta

1. A relação que se estabelece entre «nós» e os elementos da Natureza é caracterizada por:

– uma similitude de condições que decorre da participação da mesma realidade perene («Antes de nós nos mesmos arvoredos / Passou o vento, quando havia vento, / E as folhas não falavam / De outro modo do que hoje.» – vv. 1-4; «Não fazemos mais ruído no que existe / Do que as folhas das árvores / Ou os passos do vento» – vv. 6-8);

– uma dissimilitude de condições que decorre da finitude e da transitoriedade que caracterizam o homem e a sua consciência do tempo («Passamos» – v. 5) e da consciência da inutilidade do esforço humano («agitamo-nos debalde» – v. 5).

2. A terceira estrofe contém uma exortação à fruição calma do momento, à serenidade epicurista do contacto direto com a Natureza («Tentemos pois com abandono assíduo / Entregar nosso esforço à Natureza» – vv. 9-10), e ao desejo único de identificação com ela («E não querer mais vida / Que a das árvores verdes.» – vv. 11-12), numa indiferença à perturbação causada pela ameaça inelutável do Fatum.

Nota: A resposta pode conter outros conceitos do conhecimento dos examinandos, tais como carpe diem, aurea mediocritas, ataraxia, estoicismo, …

3. Nas quatro primeiras estrofes do poema, refere-se um destino comum a todos os homens, através do recurso a um sujeito plural («nós» – v. 1, «Passamos» – v. 5, «agitamo-nos» – v. 5, «Não fazemos» – v. 6, «Tentemos» – v. 9, «nosso» – v. 10, «parecemos» – v. 13, «nós» – v. 14, «Nos» – v. 15, «nos» – v. 16).

Na última quadra, evoca-se a situação particular do «eu» e refere-se a experiência direta da fugacidade da vida e da passagem inexorável do Tempo, através do recurso a um sujeito singular de primeira pessoa («o meu indício» – v. 17).

4. Toda a última estrofe é constituída por uma interrogação retórica que remete para a consciência que o «eu» possui da fugacidade da vida e que releva o fosso existente entre a pequenez humana («Se aqui, à beira-mar, o meu indício / Na areia o mar com ondas três o apaga,» – vv. 17-18) e a vastidão e a inexorabilidade do Tempo («Que fará na alta praia / Em que o mar é o Tempo?» – vv. 19-20).

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 639 (Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março). Prova Escrita de Português - 12.º Ano de Escolaridade. Portugal, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2009, 2.ª Fase

 

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