A apresentar mensagens correspondentes à consulta Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica ordenadas por relevância. Ordenar por dataMostrar todas as mensagens
A apresentar mensagens correspondentes à consulta Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica ordenadas por relevância. Ordenar por dataMostrar todas as mensagens
Foi vendedor de máquinas de pastilhas elásticas, paquete, estivador. Libertário e explosivo, acabaria por se tornar um dos mais populares poetas e letristas do seu tempo. Recordamos José Carlos Ary dos Santos nos 80 anos do seu nascimento
Ary dos Santos (7 de Dezembro de 1936 - 18
Janeiro de 1984) afirmou com veemência a sua virilidade de poeta. Pela voz de
Simone de Oliveira fez a apologia do corpo e do prazer femininos («Desfolhada
Portuguesa», 1969), certamente por distracção da Censura, arrebatando o primeiro
lugar no Festival RTP da Canção. Quatro festivais depois, arrasava a tourada na voz de Fernando Tordo e, na mesma
faena, vencedora, investia sobre a primavera marcelista e apelava à
resistência. As suas origens aristocrático-burguesas também não foram poupadas,
como testemunha o conhecido poema «O Burguês», figura tratada a ferros
sarcásticos. A salvo ficou A Bandeira Comunista (1977), corajosa e muito
pessoalmente hasteada: «o meu comunismo vem-me por via Czarista!».
Ary dos Santos: o nome – do poeta e declamador carismático, conhecido do
grande público como autor das letras de algumas das mais populares canções das
décadas de ’60, ’70 e começos de ’80 – não faz jus a uma personalidade
explosiva, irreverente, de humor sulfúrico e de grande turbulência imaginativa,
capaz mesmo de fazer detonar «O Bombista».
Nasceu em Lisboa, um ano antes daquele que sempre afirmou. Quando, com
apenas 16 anos, sai de casa em ruptura com o pai, traçara já, num soneto de um
livro dedicado à mãe («pela infinita dor de a ter perdido» pouco antes), um
programa de vida: «E canto na certeza do porvir,/ Que todo o mundo é meu e eu
vou partir/ À conquista dos reinos da poesia!». Mal sonhava o jovem Zé Carlos
que a poesia tinha reinos, uns mais nobres que outros. Natália Correia, que
manterá com ele uma relação de amor-ódio, não se cansará de lho lembrar.
Insuficientemente amadurecido, claro, esse primeiro livro que quis apagado
da sua bibliografia, Asas (1952), antecedendo bastante Liturgia do Sangue
(1963), considerada a sua estreia literária efectiva, incubava já o seu tom
excessivo e rasgado, o seu estilo transgressor, a rasar o libertário.
Compreensivelmente, quando em 1966 Natália Correia preparar a Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica,
celebrizada pelo veredicto do Tribunal Plenário, Ary dos Santos não poderá ser
dispensado.
À saída de casa seguiram-se anos financeiramente difíceis, de embates
quotidianos, e sucederam-se empregos: vendedor de máquinas de pastilhas
elásticas, paquete na Sociedade Nacional de Fósforos, escriturário no Casino
Estoril e estivador (a crer no seu testemunho, nem sempre fiel). «Isto vai meus
amigos isto vai/ um passo atrás são sempre dois em frente» – dirá mais tarde no
poema «O Futuro», de «Tríptico do Trabalho». Chegou a
frequentar as Faculdades de Direito e de Letras da Universidade de Lisboa, mas
«com toicinho e talento ambas partes» (palavras do seu «Auto-Retrato») e uma
criatividade extraordinária, Ary dos Santos depressa as trocou pelo mundo da
publicidade, área que em Portugal revoluciona, alcançando reconhecido êxito.
A criação poética, com comprazimento no ludismo verbal e disponibilidade
metafórica, decorre paralela a uma vida profissional com cobranças difíceis e
artes de espantar. Adereços Endereços (1965), Fotos-Grafias (1970), As Portas Que Abril Abriu (1975), O
Sangue das Palavras (1978), 20 anos de Poesia (1983)
são algumas das obras daquele que reuniu num único terceto as três linhas que
reconhecidamente perfazem o todo que é a sua poesia: a interventora, a satírica
e a lírica: «Poeta de combate disparate/ palavrão de machão no escaparate/
porém morrendo aos poucos de ternura».
Tinha em preparação um livro de poemas intitulado As Palavras das
Cantigas (publicação póstuma, 1989), onde reuniu os melhores poemas
dos últimos quinze anos, e um outro intitulado Estrada da Luz – Rua da
Saudade, que pretendia que fosse uma autobiografia romanceada, mas não
houve tempo. O excesso, a solidão e o gim foram a mistura explosiva.
«Quando eu morrer – afirmou um dia – vai ser em glória. Vai a classe
operária toda ao meu funeral, e eu sentado no muro do cemitério, a vê-los
passar!». O desígnio cumpriu-se quase inteiramente.
Teresa Carvalho, "Ary dos Santos. Um transgressor à conquista dos reinos da poesia", https://ionline.sapo.pt/537479, 2016-12-09
O Café Chegam uns meninos de mota, Com a china na bota e o papá na algibeira São pescada marmota que não vende na lota Que apodrece no tempo e não cheira Porque o tempo É a derrota Chegam criaturas fatais Muito intelectuais tal como a fava-rica Sabem sempre de mais, Escrevem para os jornais com canetas molhadas na bica E a inveja (sim, a inveja!) É quanto fica Como quem está num chá dançante Duas velhas de penante depenicam uma intriga Debicando bolinhos vários Dizem mal dos operários que são a espécie inimiga Chegam depois boas maneiras Com anéis e pulseiras e sapatos de salto São as bichas matreiras que só dizem asneiras São rapazes pescado do alto E o que resta É pó de talco Chegam depois os vagabundos Que por falta de fundos não ocupam a mesa Têm olhos profundos, Vão atrás de outros mundos que pagaram com sono e beleza Mas o troco É a pobreza Chegam finalmente os cantores Os que fazem as flores neste mundo de gente São os modernos trovadores Que adormecem as dores numa bica bem quente Como quem está num chá dançante Duas velhas de penante depenicam uma intriga Debicando bolinhos vários Dizem mal dos operários que são a espécie inimiga Chegam depois boas maneiras Com anéis e pulseiras e sapatos de salto São raposas matreiras que só dizem asneiras Sâo rapazes pescado do alto E que resta (Evidentemente que é) Pó de talco Chegam depois os vagabundos Que por falta de fundos não ocupam a mesa Têm olhos profundos, Vão atrás de outros mundos que pagaram com sono e beleza Mas o troco É sempre a pobreza Chegam finalmente os cantores Os que fazem as flores neste mundo de gente São os modernos trovadores Que adormecem as dores numa bica bem quente
José Carlos Ary dos Santos fez história em Portugal. Deu
a voz a muita poesia portuguesa mas, e acima de tudo, compôs imensas canções que
fizeram do fado ser quem é atualmente. Acima de tudo, um género musical
identitário, com um repertório relativamente amplo e bem conseguido. Para este,
contribuiu muito o génio criativo, que, para além de proporcionar quatro
canções que representaram Portugal no Festival Eurovisão da Canção, deu o mote
para o sucesso da carreira de fadistas consagrados atualmente, como Amália Rodrigues ou
Carlos do Carmo. Esquecido por via da sua morte precoce, é portador de um
legado que importa ser relembrado e bem louvado.
José Carlos Pereira Ary
dos Santos nasceu em Lisboa, no dia 7 de dezembro de 1937. Seria nesta mesma
cidade que viria a partir, aos 46 anos de idade, no dia 18 de janeiro de 1984.
Nasceu numa família de raiz aristocrata, descendentes do Conde de Palmela e do
Visconde de Manique, importantes figuras nobiliárquicas no século XIX. Começou
a sua formação no Colégio Infante Sagres, mas o seu comportamento irrequieto e
rebelde levá-lo-ia a ser expulso. Um breve período num colégio jesuíta a norte,
em Santo Tirso, permitiu que regressasse a Lisboa, onde estou no Colégio São
João de Brito. A morte da sua mãe e a relação distante com o pai – saiu de casa
ainda adolescente – obrigou-o a procurar o seu sustento como escriturário no
Casino Estoril e no ramo das vendas e da publicidade, onde usufruiu de algum
sucesso criativo. Ainda chegaria a ingressar na Faculdade, em Direito e, algum
tempo depois, em Letras, mas deixaria por terra os seus intentos académicos.
Lançaria, porém, o seu primeiro livro em 1963, com pouco mais de vinte anos,
com a coletânea de poesia “A Liturgia do Sangue”, assim como a peça “Tempo da
Lenda das Amendoeiras” no ano seguinte. A poesia seria algo incentivado pela
sua família desde cedo mas Ary não gostava do que escrevia, tanto que se
chateou quando a sua família publicou “Asas” (1953) quando este tinha somente
14 anos. Seis anos depois, a sua vida conheceria um novo contributo ao seu
caráter irascível quando se juntou à Comissão Democrática Eleitoral e ao
Partido Comunista, com quem pôde usufruir de sessões de poesia que cativaram o
seu gosto pela escrita e declamação.
A poesia e, a
juntar a esta, a música seriam as vias pelas quais chegaria a um público cada
vez mais amplo, ajudando a renovar o panorama da música portuguesa. Em muito
contribuiu ter composto quatro canções bem-sucedidas para o Festival da Canção.
“Desfolhada Portuguesa” (1969, interpretada por Simone de Oliveira), “Menina do
Alto da Serra” (1971, na voz de Tonicha), “Tourada” (1973, cantada por Fernando
Tordo), e “Portugal no Coração” (1977, dada a conhecer pela banda Os Amigos,
que juntou nomes como Fernando Tordo, Paulo de Carvalho e Ana Bola) foram os
quatro êxitos que compôs, com um tom ousado para então, que tocava em temas
sensíveis e até tabu então. A estes, juntou-se uma relação de colaboração com
Tordo que ascendeu a mais de 100 poemas para músicas. “Estrela da Tarde”,
“Lisboa Menina e Moça” ou “Cavalo à Solta” são algumas das canções que viriam a
advir dessa frutífera parceria, às quais se juntaram outras, como “Os Putos” ou
“Quando um Homem Quiser”, aqui com a voz de Paulo de Carvalho.
Músicas como “Fado do
Campo Grande”, “Um Homem na Cidade”, “Namorados de Lisboa” ou “Fado Varina”
dariam um contributo forte para a consolidação do fado como género musical e
fariam parte de uma compilação de outra voz bem conhecida, a do fadista Carlos
do Carmo, num álbum de seu nome “Um Homem na Cidade” (1977, toda ela com
composições de Ary dos Santos). A particularidade da sua composição passava por
um registo leve mas cuidado, atento àquilo que seria, para si, a voz de um povo
e o que este merecia. “Ary Por Si Próprio” (1970) e, já depois da queda do
Estado Novo, “Poesia Política (1974) e “Ary por Ary” (1979) exemplificam essa
voracidade. A sua criação fora da música também merecia alguma atenção por
parte da televisão, como a representação de “Azul Existe” no Teatro Tivoli a
ser transmitida na RTP. A notoriedade que conseguiu fez com que se movimentasse
muito dentro do país, recitando poesia e envolvendo-se em eventos
protagonizados com outros cantores de intervenção, como Zeca Afonso ou José Mário Branco.
Nesta fase, já
havia chegado o 25 de abril, que marcou o fim do regime ditatorial e o início
da democracia, que abriu portas à afirmação da esquerda, à qual Ary dos Santos
procurou emprestar a sua voz e, por vezes, a sua presença em manifestações e
até assaltos de forças mais radicais. Tinha sido visado pela Censura,
nomeadamente com a publicação de livros de poesia como “Adereços, Endereços”
(1965), “Insofrimento in Sofrimento” (1969) e “Fotos-grafias” (1971), revendo
os ganhos de abril com “As Portas que Abril Ganhou” (1975). Cada vez mais
se foi tornando numa figura incontornável da cultura portuguesa enquanto foi
redigindo mais centenas de poemas e gravando inúmeras declamações, tanto de
prosa como de poesia, com nomes consagrados da música nacional, como José Mário Branco ou
até António Victorino d’Almeida, e os intérpretes Amália Rodrigues (destaque
para “Cantigas de Amigos, álbum de 1971 que também contou com a participação da
autora Natália Correia) e Tony de
Matos. Um dos destaques a solo desta senda discográfica foi a leitura de “O
Sermão de Santo António aos Peixes”, do Padre António Vieira, uma das obras de
referência do barroco português. Antes da sua morte se fazer chegar, prepararia
uma antologia dos últimos quinze anos da sua carreira lírica com “As Palavras
das Cantigas” (lançado postumamente em 1984) e não chegaria a concluir a sua
autobiografia, mais romanceada que meramente fictícia, em “Estrada da Luz – Rua
da Saudade”.
Seria vítima dos seus
vícios, do tabaco e, especialmente, do álcool e de gim, tendo sido vítima de
uma cirrose no início do ano de 1984. Foi uma perda inconsolável para a cidade
de Lisboa e para Portugal, mas a capital do país sentiu-a como ninguém deste
seu filho, que, mesmo sendo um choque para a falange mais conservadora do país
– era homossexual -, granjeou um estatuto marcante para a cultura popular. Em
Alfama, foi dado o seu nome a um largo e foi homenageada a sua residência de
longa data, na Rua da Saudade – rua que iria dar nome ao seu retrato literário.
As homenagens por parte de ex-colegas seus tornaram-se incontáveis, sendo
vários os discos de homenagem ao seu trabalho e à sua pessoa, nomeadamente de
Fernando Tordo ou de Carlos do Carmo. O “poeta do povo” chegaria à honra de
grande-oficial da Ordem do Infante D. Henrique em 2004, no meio de todas essas
considerações.
Ary dos Santos
permanece, ainda hoje, como uma referência na composição musical em Portugal
nos meados do século XX. Influenciou a música popular, desde as típicas baladas
até ao fado, para além de se esforçar por aproximar a poesia do povo. O seu
envolvimento político e social é disso exemplo, socorrendo-se dos seus dotes
criativos para criar e entoar a poesia como música, com uma pujança que
ressoava na voz estridente de Ary. A sua memória, por mais que esquecido seja o
seu nome, permanece bem viva, ainda ao som dos atuais fadistas, mas também de
outros artistas lusófonos, admiradores da sua veia lírica. Uma veia que criou e
declamou com a força de poucos e com a virtude de ainda menos.
Natália Correia: Figura emblemática da cultura e da
afirmação da identidade açoriana
Por: António
Valdemar
A primeira fase da vida e obra de Natália Correia – decorreu dos
anos 40, ao início dos anos 50. Concilia o jornalismo, a literatura e a
política...
Natália
Correia pertenceu ao reduzido número de mulheres que basta só dizer o primeiro
nome para as identificar na amplitude da sua criação artística e literária e na
singularidade da sua dimensão humana – Natália, Sophia, Agustina, Amália.
Nasceu
nos Açores, na ilha de São Miguel, na Fajã de Baixo. Viveu com a mãe e a irmã
Carmem, ora na Fajã de Baixo, ora em Ponta Delgada. Pai e mãe entraram em
rutura quando Natália tinha alguns meses. O pai emigrou para o Brasil.
A
mãe de Natália, Maria José Oliveira professora primária, mulher formada nos
valores cívicos e culturais da Iª Republica, com formação laica e tendências
libertárias – o que era raro na época - além do exercício do magistério,
colaborou em jornais e revistas, frequentou tertúlias, publicou dois romances
mas, desde sempre, preocupou-se com a educação das filhas incutindo-lhes os princípios
da democracia e a aproximação com a modernidade.
Em
1934 a família instalou-se, definitivamente, em Lisboa. Maria José Oliveira
quis dar às filhas outros horizontes. Recordou Natália: “Sendo uma intelectual
que se não pode realizar, inteiramente, devido ao meio e às circunstâncias
procurou preparar-nos». Entendia que «o desenvolvimento espiritual da mulher
corresponde a uma atitude social». A permanência em S. Miguel, mesmo na cidade
de Ponta Delgada, não reunia condições «para nos desenvolver espiritualmente».
Era «um meio muito exíguo».
Natália
Correia ainda passou pelo Liceu de Ponta Delgada; frequentou em Lisboa, o Liceu
Filipa de Lencastre, mas sem qualquer aproveitamento. Mostrou-se refratária aos
métodos de ensino. Ela própria o declarou: «Havia uma situação de disciplina,
de imposição e de opressão incompatível com a minha maneira de ser. Nessa
altura, julgava eu que tal atitude era determinada por preguiça ou relutância
aos estudos. Agora sei que as minhas razões eram outras. Descobri, mais tarde, particularmente
em trabalhos para que se exigiam disciplina e estrutura, que não podia
vergar-me a regras que me fossem impostas de fora. Eu é que as tinha de criar».
Resultou,
portanto, num «fracasso total» «a razão imediata da vinda para estudar em
Lisboa». A passagem de Natália pelo liceu foi, segundo as suas palavras, de
«ave migratória». O problema não se colocava só em São Miguel. Em Lisboa o rumo
era o mesmo deparou com os mesmos métodos. A escola não era um espaço de
formação e transformação coletiva; nem um lugar de esperança e de procura, de
encontro aberto à pluralidade do saber e à difusão do conhecimento.
Natália
Correia tem uma formação autodidata. Também aprendeu francês e inglês que
falava e escrevia com desembaraço.
Apesar
de pertencer a uma família muito católica e muito tradicional Maria José
Oliveira ultrapassou a rotina que se circunscrevia ao exercício burocrático do
magistério. O ensino era um ato de participação e de cidadania, a fim de pensar
e interrogar o mundo.
Teve
relações pessoais e literárias com figuras da oposição democrática, entre as
quais o jornalista Carvalhão Duarte que viria a ser diretor d’A República. Desde muito jovem, Natália
conviveu, com estas personalidades e através delas privou com muitas outras que
contribuíram para a sua afirmação pessoal, literária e política.
A
partir de meados dos anos 40, tornou-se uma figura de Lisboa ligada aos
principais acontecimentos literários e políticos que marcaram, decisivamente, a
segunda metade do século XX.
Está
perpetuada na toponímia de Lisboa, da Grande Lisboa, da ilha de São Miguel e de
outras ilhas dos Açores. O seu nome também se encontra inscrito e com todo o
relevo na Fajã de Baixo. E ainda em diversas outras bibliotecas, como é o caso
de Carnide e de Odivelas. Tem sido homenageada por universidades públicas e
privadas. Foram assinalados, em 2013, com numerosas manifestações o 20º
aniversário da morte e os 90 anos do nascimento de Natália Correia. Assumiram, contudo,
especial relevo as comemorações que se efetuaram nos Açores promovidas pela
Secretaria Regional da Educação, Ciência e Cultura, desde a ilha de Santa Maria
até à ilha do Corvo.
Natália
colocou, no local mais íntimo de trabalho da sua casa de Lisboa, o mítico 52,
5º da rua Rodrigues Sampaio, entre a rua de Santa Marta e a Avenida da
Liberdade e onde viveu 40 anos, as imagens tutelares de Antero, de Pessoa e de outros
mestres de quem recebera ensinamentos, conselhos e advertências: António Sérgio
e Almada Negreiros. Entre eles destacava-se a mãe e um amigo da mãe, Cardoso
Martha, que lhe deu explicações de português, francês e história. Antigo seminarista,
com profundo conhecimento das humanidades clássicas, da literatura portuguesa e
das várias literaturas de expressão românica, Manuel Cardoso Martha (1882 –
1958) era um erudito, um bibliógrafo, um bibliófilo, um colecionador de
manuscritos e de livros que adquiriu de muitos modos, sem excluir apropriações
ilícitas, em livrarias, em alfarrabistas e até em casas de amigos que visitava
e lhe davam almoço ou jantar a troco de pilhérias que era exímio em narrar à sobremesa.
Na sua maioria integram grande parte da «Antologia da Poesia Erótica e
Satírica» que Natália publicou, nos anos 60, com êxito retumbante e foi
apreendida pela PIDE e pela Censura.
Natália,
em matéria de formação intelectual reconhecia, no entanto, que ficara a dever à
mãe, na infância e na adolescência, os conhecimentos fundamentais para entender
a vida e aceder à cultura. Lembrava, com frequência, que a mãe fizera despertar
nas filhas o amor pelos livros e pela leitura, para ajudar a ver o mundo com
outros olhos e de vários prismas; e, ainda, o sentimento da música, a história
grega e romana, a explicação das fábulas, a decifração das figuras mitológicas e
reais.
Se
a identificação de Natália Correia com Lisboa foi muito intensa, a relação com
os Açores foi igualmente profunda. Jamais esqueceu o famoso cozido das Furnas,
os inhames e maçarocas de milho «cozidos na terra fervente e mole à beira da
Lagoa e que depois comemos numa mesa de pedra sob as plumas dos fetos; por
entre colinas de pedra-pomes, líquenes, musgos, mantos verdes que pendem dos
ribanceiros onde se abrem as alas rosadas e azuis das hortênsias».
Uma
coisa foi sempre evidente: Natália nunca se desligou das raízes. O seu percurso
de quase sete décadas, cabe nestes versos: «Para Lisboa me trouxeram/ não de
uma vez e embarcada:/ minha longa matéria foi/ pouco a pouco transportada./ Recém-vinda
de ficada/em morosa maravilha, / sempre a chegar a Lisboa/ e sempre a ficar na ilha».
A
primeira fase da vida e obra de Natália Correia decorreu dos anos 40, ao início
dos anos 50. Concilia o jornalismo, a literatura e a política. Frequentou os
meios políticos da oposição; colaborou no Rádio Clube Português. Teve o
estímulo de dois intelectuais micaelenses radicados em Lisboa: Rebelo de
Bettencourt e, sobretudo, do Padre Diniz da Luz que já tinha grande evidência no
jornalismo.
Assinou,
em 1945, as listas do MUD. Todavia, ao contrário da maioria dos intelectuais e
políticos da sua geração – por exemplo Mário Soares, Aboim Inglês, Salgado
Zenha - não ingressou no MUD Juvenil, dominado pelo Partido Comunista.
Escreveu
no semanário O Sol fundado e dirigido por Alberto Lelo Portela, militar de
prestígio que fez parte dos primórdios da aviação e que se destacou nas lutas
da oposição ao salazarismo. A chefia da redação era assegurada por Alves
Morgado (1901 - 1980) um jornalista profissional, conhecedor das regras do
ofício na elaboração do noticiário, nos contatos com a tipografia, na revisão de
textos de jovens colaboradores. Reunia, porém, a colaboração de grandes nomes.
António Sérgio foi um deles e exerceu logo influência intelectual em Natália
Correia.
Natália
escreveu sobre política nacional e internacional: analisou a influência da
guerra de 1939 a 1945, em vários setores; condenou a orientação de Hitler, os
efeitos do nazismo, os fundamentos do Reich, as extensões do fascismo na
Europa, a sua disseminação em Portugal, na classe politica, militar, na
literatura e na arte.
Teve
acesso aos preparativos da candidatura de Norton de Matos à Presidência da
República que se apresentará um ano depois. Para o jornal o SOL entrevistou o
general na sua casa em Ponte de Lima. Mais tarde, em 1958, participou na
candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República. Em 1969 esteve com
Mário Soares e Salgado Zenha na CEUD Apoiou muitos outros movimentos, entre os
quais o assalto ao Santa Maria comandado por Henrique Galvão e que deu lugar a
um dos seus livros Canto do País Emerso, logo apreendido pela Pide e
pela Censura.
Tem
neste poema um dos mais vibrantes ímpetos de reivindicação das suas origens:
Não sou daqui. Mamei em peitos oceânicos/ minha mãe era ninfa, meu pai chuva de
lava/ mestiça de onda e de enxofres vulcânicos/ sou de mim mesma pomba húmida e
brava. (….) «Não sou daqui. A minha pátria não é esta/ bússola quebrada dos impulsos./
Sou rápida, sou solta, talvez nuvem/ nuvens minhas irmãs que me argolais os
pulsos/ tomai os meus cabelos! Levai-os para a floresta.
Natália
integrou o Canto do País Emerso no «desafogo de uma tendência que se
acentua nas minhas últimas produções, que é a compreensão de que a poesia se
encontra ligada aos momentos mais importantes da vida coletiva e individual» e,
por outro lado, «numa temática portuguesa compreendida entre a Peregrinação de
Fernão Mendes Pinto e a Ode Marítima de Fernando Pessoa/ Álvaro de
Campos».
Os primórdios literários de
Natália Correia
acusam a influência do neorrealismo...
Os
primórdios literários de Natália Correia acusam a influência do neorrealismo.
Desta fase avulta, nomeadamente, o romance Anoiteceu no Bairro. Demarcou-se,
todavia, deste movimento literário e político, no início dos anos 50. Sem
profissão de fé declarada ficou próxima do surrealismo. Classificou «uma etapa
importante senão fundamental da poesia» do século XX. Luís Pacheco editor dos
surrealistas publicou os seus livros Dimensão
Encontrada (1957), Passaporte (1958), Comunicação (1959) e Canto do País Emerso
(1961). Com Mário Cesariny, Cruzeiro Seixas, Alexandre O’ Neil, Manuel
de Lima, Mário Henrique Leiria manteve relações pessoais literárias e
artísticas.
Os
vínculos são visíveis, nunca os negou, mas costumava dar esta explicação: «se
existe qualquer relação entre a minha poesia e o surrealismo é francamente a
posteriori, isto é para os que quiserem vê-la. Quanto a procurarem-me
antecedentes, também temos por cá outros mais à mão que foram surrealistas sem pensar
nisso: Gomes Leal e Sá Carneiro».
Os
momentos altos da obra de Natália – que não é regular e daí a sua autenticidade
e a sua força desmedida – multiplicam-se a partir de Dimensão
Encontrada (1957), Passaporte (1958), Comunicação (1959), editadas
por Luis Pacheco nas edições Contraponto.
Entre
as numerosas controvérsias que Natália Correia desencadeou, antes e depois do
25 de Abril, destacam-se a publicação, no final do salazarismo do já referido Canto
do Pais Emerso e da Antologia da Poesia
Erótica e Satírica (1965) e, na «primavera marcelista» a
responsabilidade editorial das Novas Cartas
Portuguesas da autoria de Maria Velho da Costa,
Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno. Ambas apreendidas pela PIDE e pela
Censura e ambas julgadas no Tribunal Plenário de Lisboa.
Embora
nunca se tivesse submetido à disciplina de escolas, de grupos e de partidos,
Natália Correia foi uma das personalidades da sua geração que, (salvaguardadas
as diferenças de opinião e de temperamento), era reconhecida em todos os
setores.
Natália
Correia celebrou a vida, como expressão de euforia, de afirmação de coragem, de
libelo acusatório. A sua poesia é dominada pelo arrebatamento lírico, o ímpeto
romântico, a exuberância barroca, que se cruzam com a força dos símbolos e a
profusão das metáforas.
Contudo,
também na linhagem das Cantigas de Escarnio e
Maldizer, Natália Correia disseca o poder. Não poupa a aristocracia
decadente e com prosápias; a vulgaridade burguesa, os vícios e as vilezas dos
novos e novíssimos ricos, os políticos arrivistas e corruptos, as manifestações
de ignorância e fanatismo. Assim criou as Cantigas
de Risadilha.
Juntamente
com as irreprimíveis manifestações de açorianidade, Natália Correia estabeleceu
uma relação profunda com Lisboa e a grande Lisboa. Em 1971, com a escultora e
poetisa Isabel Meireles criou uma sociedade para instalar um bar, restaurante/
café concerto, no largo da Graça, no rés-do-chão da Vila Souza, um edifício
histórico do bairro e da própria cidade. Ficou a chamar-se o Botequim,
um nome com forte carga literária, politica e boémia, que remontava aos
primeiros cafés de Lisboa, do século XVIII, ao tempo de Bocage, de José Agostinho
e outros representantes das Arcádias, do pré-romantismo, dos antecedentes
culturais e políticos da revolução liberal.
Para
o Botequim – e o escritor e
jornalista Fernando Dacosta analisou todos estes aspetos num livro notável,
acerca da vida e da obra de Natália Correia - se transferiram surrealistas, e
poetas e escritores de muitas outras tendências. Políticos de todos os
quadrantes. Deputados, ministros, atuais ou futuros presidentes da República.
Representantes do movimento da independência dos Açores. Convergiram no Botequim,
devido à personalidade magnética de Natália, as sucessivas fases do processo
revolucionário e contra revolucionário que surgiu com o 25 de Abril. A presença
diária de Natália irradiou no Botequim durante
mais de 20 anos, em noites memoráveis.
Em
1980 ingressou com Francisco Sá Carneiro, na Aliança Democrática. Foi,
entretanto, deputada e assumiu posições polémicas, nomeadamente a favor do
aborto, que não se identificavam com a linha de orientação estatutária e religiosa
do PSD e o CDS. A sua trajetória partidária terminou no PRD, o grupo política
que se constituiu sob a égide de Ramalho Eanes.
Ficaram
célebres os versos, de Natália Correia ao comentar o deputado do CDS, João
Morgado por ter proferido, auge do debate parlamentar da legislação sobre o
aborto, afirmações que deram brado na época, nomeadamente: «o ato sexual é para
fazer filhos». Natália não se conteve e escreveu, de jato um poema que
circulou, em todo o País, até porque sairia, no dia seguinte, no Diário
de Lisboa: «Já que o coito – diz Morgado -/tem
como fim cristalino,/preciso e imaculado/fazer menina ou menino;/e cada vez que
o varão/sexual petisco manduca,/temos na procriação/prova de que houve truca –
truca./ Sendo pai só de um rebento, /lógica é a conclusão/ de que o viril
instrumento/ só usou – parca ração!-/uma vez. E se a função/faz o órgão- diz o
ditado-/consumada essa exceção,/ ficou capado o Morgado!»
Este
episódio - que passou a fazer parte do folclore satírico de São Bento –
constituiu uma das posições de rebeldia e contestação que assumiu perante a
classe política, fosse qual fosse o partido, umas vezes fustigada com a energia
do protesto, outras objeto de ironia e sarcasmo. Com a morte de Natália morreu
o Botequim. Natália Correia
estabeleceu sempre uma identificação profunda entre a vida e a poesia e que a destaca
como uma das mais notáveis personalidades do século XX em Portugal.
Aliança da criação literária com a coragem na intervenção política.
Presença vigorosa na sociedade
portuguesa, da segunda metade do século XX, Natália Correia (1923-1993)
afirmou-se pela singularidade da criação literária e pela determinação e
coragem na intervenção política. Justifica a homenagem, hoje em Lisboa (às
18h), na Fundação Mário Soares – presidida pelo próprio Mário Soares, seu amigo
e admirador de sempre – e integrada na série “Vidas com Sentido”, para
distinguir figuras que prestigiaram a cultura e honraram a cidadania.
Tal como muitos outros intelectuais e
artistas da sua geração, Natália Correia participou em grandes acontecimentos
da oposição democrática– a fundação do MUD, as campanhas para a
Presidência da República de Norton de Matos e Humberto Delgado. Apoiou outras
comissões eleitorais, entre as quais a CEUD (1969) liderada por Mário Soares e
que se encontra na génese do Partido Socialista. Associou-se aos protestos
contra o assassinato de Humberto Delgado; insurgiu-se perante a reabertura do
Tarrafal e com a perversa denominação Campo do Chão Bom, exarada noDiário do Governo; e
contra o encerramento da Sociedade Portuguesa de Escritores por ter premiado a
obra de Ludovino Vieira, preso no Tarrafal. Subscreveu documentos de
solidariedade a presos políticos e às greves universitárias.
Teve livros proibidos pela censura
como, por exemplo,Canto do País Emerso,
a propósito da ocupação do paqueteSanta Mariacomandada
por Henrique Galvão; a tragédia jocosaHomúnculo;
e aAntologia da Poesia Erótica e
Satíricaque
organizou e prefaciou, apreendida pela PIDE, e objeto de processo-crime e
julgamento no Tribunal Plenário que a condenou a três anos de prisão, com pena
suspensa.
Logo a seguir ao 25 de Abril, numa
entrevista aoExpresso, Natália
Correia revelou a disponibilidade para a ação política. No âmbito da Aliança
Democrática presidida por Francisco Sá Carneiro e através do PRD foi eleita
deputada. Proferiu intervenções memoráveis. A defesa da língua portuguesa, a
valorização do património cultural, a defesa dos direitos humanos, os direitos
das mulheres, o debate sobre o aborto assinalaram, entre outros temas, a sua
passagem pelo hemiciclo de São Bento.
A política ativa não afetou a
trajetória literária. Teve um vínculo ao surrealismo, devido às relações
pessoais com Mário Cesariny e António Maria Lisboa, Cruzeiro Seixas e Manuel de
Lima. Integrou as publicações de Luís Pacheco, o editor do Contraponto, das
obras e autores daquele movimento.
Nunca se submeteu à disciplina de
escolas e às cartilhas de grupos. Quis ser ela própria. Todavia, conciliava à
energia e originalidade da sua criação, a herança poética de Gomes Leal e de
Mário Sá Carneiro; o impulso desencadeado pelasOdesde
Álvaro de Campos, e a torrencialidade daCena do Ódiode
Almada Negreiros. Atingiu a partir dos seus livrosDimensão Encontrada(1957)
eComunicação(1959)
momentos significativos da poesia portuguesa. Evidenciou-se pelo arrebatamento
lírico, a exuberância barroca, o ímpeto romântico, a truculência satírica que
se cruzam com a força dos símbolos, a profusão das metáforas, a incursão no
herético e no erótico que afronta e estilhaça as convenções existentes.
Num dos seus poemas autorretratou-se:
“Hoje quero a violência da dádiva interdita/ sem lírios e sem lagos/ e sem
gesto vago/ desprendido da mão que um sonho agita./ Existe a seiva. Existe o
instinto. E existo eu/ suspensa de mundos cintilantes pelas veias /metade
fêmea, metade mar como as sereias.”
Entre os paradigmas intelectuais e
éticos também incluía a figura tutelar e a obra emblemática de Antero Quental,
um dos seus patrícios açorianos de eleição. Era o poeta que lhe desvendava as
portas da utopia, e a sede de infinito.
Procurava, contudo, distanciar-se do
Antero noturno, do poeta e pensador carregado de pessimismo amargo que conduz à
negação e à derrota e num dos seusSonetos(indisfarçavelmente
autobiográficos) confessou: que sempre o mal pior é ter nascido.
Identificava-se com o outro Antero, o luminoso, que estimulava o exercício da
liberdade e da justiça; e descobria: o meio-dia em vida refervendo, a tarde
rumorosa e repousada, o claro sol amigo dos heróis; (...) tu pensamento não és
fogo és luz.
Daí a categórica afirmação: "Não
Antero, meu Santo, não me mato/ antes me zango até ficar num cato/quem me tocar
(maldito!) que se pique." Assim, Natália Correia definia o seu
comportamento humano e os itinerários da sua poesia. Em vez do mal pior da
angústia e desespero do Antero noturno, elegia um bem melhor, o privilégio de
ter vivido e continuar a viver até à dádiva interdita. Para sentir todas as
volúpias e todas as audácias. A vida, em plenitude.
«[...] cada poema, por mais elevado, evanescente ou injetado de virulentas ou mesmo fesceninas invetivas, é uma lição de moral. Não da moralidade que expira com a religião que a procriou, mas de uma ética espiritualizada que [...] dá sinais de querer ser objetivada.»
Natália Correia, "Introdução" in O Sol nas Noites e o Luar nos Dias, 1993.
O Sol nas Noites e o
Luar nos Dias / Inéditos (posteriores a 1990): “Cantigas de
Amigo” – “Queixam-se as
novas amigas em velhos cantares de amigo” [1.ª parte]
O Sol nas Noites e o Luar nos
Dias / Inéditos (posteriores a 1990): “Cantigas de Amigo” –
“Alegram-se as amigas em novos cantares de amigo” [2.ª parte]
«O livro é como um rio. Tem a sua nascente e a sua foz. E assim como o rio se mistura na vastidão oceânica, funde-se o livro na massa do saber universal. A sua nascente é o autor. A foz, o leitor.»
Alocução proferida por Natália Correia, na inauguração da Livraria Nove Estrelas, em Ponta Delgada, em 7.12.1981, dirigida por José de Almeida.
***
OBRAS DE NATÁLIA CORREIA
Poesia:
Rio de Nuvens, 1947
Poemas, 1955
Dimensão Encontrada, 1957
Passaporte, 1958
Cântico do País Emerso, 1961
Mátria, 1968
O Vinho e a Lira, 1969
As Maçãs de Orestes, 1970
A Mosca Iluminada, 1972
O Anjo do Ocidente à Entrada do Ferro,
1973
Poemas a Rebate (poemas censurados de livros anteriores), 1975
Improviso (com música, arranjos e direcção de António
Victorino d' Almeida, e texto de Alexandre O'Neill), 1972.
Libreto:
D. Garcia (cantata, com música de Joly Braga Santos),
1972
Obras
em colaboração:
Cesariny e o Enfarte (crónica; 1ª publicação na revista Notícia,
Luanda, Angola, 14 de Junho de 1969), in Mário Cesariny (com textos
de Raul Leal, Natália Correia e Lima de Freitas), 1977.
Sexualidade e Criatividade:
Bissexualidade e Ruptura Romântica na Poesia Portuguesa, in Sexualidade e Cultura, de Francisco
Allen Gomes, Afonso de Albuquerque e J. Silveira Nunes, 1978.
Açores: O Lugar do Espírito, in Cultura
Portuguesa, nº 1, Agosto/Setembro de 1982.
Discurso Proferido pela Escritora
Natália Correia, in 10 de Junho: Dia de Portugal, de
Camões e das Comunidades Portuguesas, 1984.
Barbo (texto de ficção científica), in Omnia, nº
6, Novembro/Dezembro de 1988.
Mediterrâneo: O Apelo das Origens (ensaio), in O Arco
Atlântico: «Contributos para o Esclarecimento da Actual Posição de Portugal no
Mundo», 1992.
Memória de Sombra (texto de Natália Correia e fotografias de
António Matos), 1993.
Prefácios
a:
Diário do Último Ano seguido de Um
Poema Sem Título, de Florbela Espanca, 1981
Os Desaparecidos, catálogo da
Exposição homónima de Eduardo Gageiro na SNBA, Lisboa, 30 de Novembro de 1982
Escultor Martins Correia, 1988; Eurídice (poemas), de Emanuel de
Sousa, 1989
Água, Som e Sonhos – Pintura e Gravura: Exposição de Carmo
Pólvora, 1991
«Seja qual for a resposta à pergunta:
A fotografia artística é ou não é arte no sentido clássico do termo?», in Exposição de Fotografias de José Luís
Madeira (catálogo de 4 páginas, com texto de Natália Correia, lista de
obras expostas e curriculum do autor), Teatro Municipal de Almada/Grupo de
Teatro de Campolide, Almada, Junho de 1992.
POESIA COMPLETA | O SOL NAS NOITES E O LUAR NOS DIAS
INTRODUÇÃO | NATÁLIA CORREIA
Perturba-me escrever sobre a minha poesia como me solicitam os que aqui a dão a conhecer numa amplitude próxima do seu conjunto (ficam ainda de fora alguns inéditos) porque, ao fazê-lo, das duas uma: ou, tara que não me seduz, indulgiria em entregar-me ao onanismo de uma autoapreciação irremediavelmente atada ao cordão umbilical que me liga aos meus poemas; ou, baforando fumaças de objetividade, só por um factício prodígio poderia transmigrar de autora para teorizadora desse meu íntimo assunto poético em que além de mim age um ignotus que ainda estou para saber o que é. Mas se não alcanço esse «outro» que entre as minhas intrínsecas pluralidades me provoca com palavras a ordená-las em imagens que libertem a linguagem escondida no silêncio, nem por isso cairei na cilada que, logo no raiar das Artes Poéticas, Platão no Ion armou aos poetas dizendo serem os deuses que põem a inspiração nas suas palavras. Não que ache isso impossível, pois recusa-se-me a mente a achar impossível seja o que for, mas lá perigoso é. Porque, a ser assim, o poeta toma-se por um ser excecional. O que, dando lugar à sua arrogância, o expõe ao ridículo de não ter razão para a ostentar visto que os versos que faz nem sequer são dele mas de uma entidade sobrenatural que fala pela sua boca, reduzindo-o à função de microfone. Ora um microfone vaidoso é um absurdo hilariante que retira toda a credibilidade ao poeta. O que não convém para que neste nosso tempo de chiqueiro dos dejetos de uma civilização atarantada pelo cerco de ameaças catastróficas possa a vida respirar o ar limpo de um começo que na poesia diz que quer emergir. Neste ponto seria tentada a enredar-me no fio que uma nova ciência nos estende para nos conduzir ao postulado de uma conexão cósmica da poesia com uma linguagem englobante da música e das matemáticas em que está estruturado o Universo. Nas matemáticas, o número de sílabas e de acentos regulado nas formas métricas. Na música, não só a simples melodia produzida por esse arranjo métrico mas a que na lógica encantatória da linguagem poética é essencial ao poema (Mallarmé). É nesta cosmicidade do idioma poético que surge a tentação remissiva que nos convida a revisitar Velhos Tratados Espirituais em que cada letra do alfabeto corresponde a um número numa relação significativa de um constituinte do Universo.
Envolvida nos feitiços destas meditações que por vezes me sobressaltam sobre o porquê da minha poesia, não sei se dela me distanciei ou aproximei. Sinto, isso sim, que a última alternativa é a mais idêntica a um puro relâmpago da minha recôndita disponibilidade para receber a mercê que me é dada em palavras de olhar as coisas de uma outra forma, alinhando-as num ritmo que corre para um ponto onde tudo está abrangido. Mera sensação? Como saber se até ignoro se sou eu que convoco essa dádiva em poesia ou se é ela que se convoca a si mesma em mim. Para quê? Para me mostrar o não ser do que julgo ser e o ser do que julgo não ser? Quantas perguntas! Esta, por exemplo: não será cada poema um pouco da biografia de todos? E esta ainda que é corolário da precedente: será que a poesia se manifesta no poeta porque é obra de todos? Fixo-me nesta velha questão porque nela encontro pistas abonatórias do que na vivência do meu fazer poético me surge como uma evidência: o brotar da poesia numa linguagem construída na esfera psíquica de fatores transpessoais que atuam como uma força unificadora. Eis porque nada é isolável em poesia, pelo que não pode ela furtar-se a nenhum modo de expressão, vivendo o poeta em cada um deles os diversos heterónimos do estar sendo em situação interior ou exterior. O tal drama em gente que o anglo-saxonizado Fernando Pessoa resolveu com pragmatismo metódico em sistematizada heteronímia.
Ora situando-se na faceta exterior da totalidade do sentir poético, logo ressalta o interesse geral em que o poeta partilha os sofrimentos e as esperanças dos outros. Chega o momento de a sociedade arder na alma do poeta em chamas de revolta contra a Medusa das prepotências que petrifica as almas? Inexoravelmente volve-se então a sua poesia em disparo de fulminantes recusas e subversões contra o olho dos Ciclopes da Ordem Absoluta que pintam com as cores da liberdade (política: hoje hospitalizada na clínica psiquiátrica dos Mastodontes do Gamanço Universal do Dinheiro), da abundância (atual pretexto para o voraz canibalismo economocrata) e das prebendas num deleitoso além canonicamente mobilado (igreja: à beira de ser inócua por anemia) o convite dirigido à incapacidade de ter de se escolher uma destas servidões.
Mas neste passo cumpre-me esclarecer: não sendo escassas as balas que, em poemas, disparei contra a univisualidade do mostrengo das coações fascio-puritano-pirosas, não me faltando também no arsenal as que estavam a pedir certas peneiras autoritárias com cravos de Abril na fala, não foi pelo manual de um neorrealismo, com o qual aliás sempre embirrou o meu duende libertário, que me fiz atiradora. Do que eu me livrei em não ter caído nessa esparrela que pode ter um desenlace trágico. Vejam o Maiakowski. Nem mesmo o seu génio tão vitalista quanto o seu agitado panfletarismo revolucionário sugeria o safou de seguir o pst do anjo fatal dos suicidas russos ao ver, entre o Cubofuturismo da LEF e o retorno aparente às práticas burguesas da NEP, o seu grito «… burguês, chegou o teu último dia!» afundar-se no apodrecimento da revolução.
Mas, prosseguindo nessa via comum, percorrida por todos os outros que são o poeta, forçoso é dar relevo ao magno momento: o encontro com a justiça. Distingamos. Refiro-me a Astreia, a Iustitia que vivia em harmonia com os mortais até que os delitos da humanidade a puseram em fuga para o céu onde lá está a cintilar na constelação da Virgem. Não à da dura lex, Témis, conselheira de Zeus, o Pater que subvertendo com o regime conflitual da fragmentação o indiviso da ordem materna que o precedera, reforçou a expansão falocrática, instauradora da competição instigadora de crimes que geraram a lei. Exercício espiritual, sempre mas nunca convictamente malogrado, para o retorno (a) ou progresso para a plenitude de uma comunhão universal prometida no mito de uma idade de ouro, a poesia, em sua pureza acrática identifica-se com a Iustitia. Daí a justiça poética, termo que no século XVII por fim dá o nome à moral da vida verdadeira que participa da vida do Universo, moral congénita à poesia que, por isso mesmo, pune a falsificação da vida submetida às leis de moralismos utilitários.
Volto-me agora para a face interna da totalidade que a poesia desespera por abranger fazendo -se a arte de ampliar a alma a tudo quanto existe por obra do mistério que o véu da Sabedoria encobre. Por outras palavras: é chegado o momento espiritualmente crucial do poeta fazer sua a ira de Shlegel: «Já são horas de rasgar o véu de Ísis e revelar-lhe o mistério. Quem não suportar a visão da deusa, fuja ou pereça.» Mas para lá chegar há que passar pela prova do abandono à atração da «gravidade metafisica» do Amor em que é demonstrado que a amada só no amante existe e vice-versa, fundamento da gnose inerente à poesia que nos diz: as coisas só se revelam inteiramente no seu oposto, visto que com ele são unas.
Com esta consabida receita contra a doença da homogeneidade, me desembaraço de ser nesta minha obra poética não omnia, subestimado aquilo que nela mais prezo por autêntico testemunho das várias almas que se unem na minha alma. Uma mobilidade dadivosamente passiva às solicitações dos correlatas que em matizes líricos de sacralidade do amor terreno, ou da terrealidade do divino e outras coisas luminosas tiradas do inferno, tensão dialógica sob forma mesmo estruturalmente dramática, ode, sátira ou humor que, cito-me, como a poesia, surge onde não há solução (O Surrealismo na Poesia Portuguesa), pediram a palavra ao meu léxico poético. Fontes de analogia sem as quais nunca subiria ao miradouro do Espírito de onde o poeta, por fim, enxerga (Sonetos Românticos) o futuro causador do começo. Operação de reversibilidade de causa e efeito a que é devido chamar-se poesia. Pelo que assiste toda a razão aos poetas de pesquisarem o ouro de um futuro vedado pela ordem artificial das ideias caminhando para um passado mítico. É-lhes pois irrecusável a competência para restabelecer as relações do homem com a natureza. Ou seja: consigo mesmo.
Finalmente uma satisfação que, dando aos leitores, também dou a mim mesma.
Logo no primeiro volume dos meus poemas Rio de Nuvens, que vieram a público anos depois de neles ter timidamente debutado por volta dos meus dezassete anos, agora integrados nesta compilação, serão notados cortes e correções pelos raros que os leram . Ou antes, raríssimos. Vai a razão:
Uma autoexigência insatisfeita com a escolha feita pelo poeta hoje esquecido mas então encartado e amigo da família que, empenhado na sua publicação, deles expurgou os poemas que me eram mais caros por considerá-los metafísicos e de grandiloquência dramática levou-me a bloquear a sua distribuição. Em abono da coerência do selecionador, autor do respetivo prefácio em que exagera a tónica de passar por meu mestre, direi que era seu vade mecum a arte poética postulante da poesia quase sem palavras. Princípio que aplicou ao exame dos meus poemas. Apenas já então me era intolerável aceitar que o valor da poesia consistisse na procura de se abolir no silêncio pois já intuía que a palavra vinha à poesia para tomar audível o que fala no silêncio.
Enfim, tal foi o choque que, durante anos, me encerrei num mutismo hostil à Musa tentadora até que a sua teimosia acabou por libertar em oito dias um caudal de poemas com amigos à volta a aturdirem-me mais o estonteamento: este sim... este não... Resultado, o livro Poemas, cuja releitura a dezenas de anos de distância me forçou a meter nele o bisturi.
Só vos digo que o mal foi começar. Porque se não me contenho em alterações, ia muita coisa a eito. Até ao ponto em que me pareceu mais fidedigno o testemunho em livro dos trechos do primeiro ciclo do meu pecúlio poético. Tolheu-me a gana cirúrgica o imperativo de não serem esses poemas desfigurados por corretivos verbais oriundos de entusiasmos pretéritos que sonegariam aos leitores interessados em seguirem essa evolução ou involução a que se dá o nome de obra poética, a autenticidade da sua génese e colocação no poiétikós que aqui se desenrola.
Quanto aos inéditos que desdenhei em prol da preferência dada aos publicados, falem eles por si. Como todos, de resto. O que vos dirão não sei. A mim dizem-me que são uma urgência do Espírito. Urgência de quê? Da poesia ser praticada. É por isso que cada poema, por mais elevado, evanescente ou injetado de virulentas ou mesmo fesceninas invetivas, é uma lição de moral. Não da moralidade que expira com a religião que a procriou, mas de uma ética espiritualizada que já neste kairos da roda das metamorfoses, em que o fantasma do Deus morto só aparece para passar o testemunho a uma nova legitimação sacral, dá sinais de querer ser objetivada. Apenas se o fatum do poeta o recruta para ser agente da fundação de uma nova história da mente, a fantasmagoria das potências do caos ambiental social e mental paralisam-no numa desresponsabilização que se socorre da narcísica anestesia dos outros que o poeta é. Ou, caso o atormente a insistência da lembrança de um futuro inscrito na mais elevada categoria do espírito que os proxenetas da prostituição da vida esconjuram com vade retros de poderio económico, resta-lhe desencantar, em penosa solidão, o engenho de fazer ouvir o sopro da AIma Universal na palavra em que se incuba a transformação da alma da humanidade.
Natália Correia Lisboa, 28 de outubro de 1992.
Natália Correia, por João de Sousa
VIOLÊNCIA E PAIXÃO
Quando se percorre a poesia escrita por mulheres ao longo do século XX português, o nome de Natália Correia continua a surgir como um dos que causaram uma repercussão mais duradoura, quer pela sua personalidade forte e polémica, quer pelo alcance da sua obra literária, na qual sempre se manifestou uma vocação poderosamente dionisíaca e por isso excessiva, capaz de apreender magicamente a realidade e de a transfigurar mediante uma rica imaginação metafórica, sobretudo a partir de "Dimensão Encontrada" (1957), já que os seus primeiros livros ("Rio de Nuvens", de 1947, e "Poemas", de 1955) exprimiam ainda uma atitude lírica mais tradicional.
É antiga a questão de saber até que ponto Natália Correia poderá ou não considerar-se uma escritora surrealista, embora nunca tenha pertencido a qualquer movimento com esse nome: definida algures por Claude Roy como «la violence surréaliste faite femme», a própria Autora terá admitido alguma proximidade com a visão surrealista do mundo, essencialmente no que toca a uma «identificação entre a poesia e a magia», na medida em que ambas procuram o acesso a uma alquimia libertadora. Trata-se, no fundo, de uma radical vontade criadora, de um desejo de libertar a linguagem de todos os constrangimentos e de dar livre curso à imaginação, como podemos sentir num texto que nos fala de uma ressurreição apta a transformar a morte em vida e a tristeza em alegria: «A harpa do vento / e os meus dedos de ventania / compuseram uma canção / da mais fantástica alegria. // (...) // É uma onda de magia / onde se enrolam os mortos / erguidos da terra fria / dum rosto que lhes pintou / a nossa melancolia.»
Foi sob o efeito do irresistível impulso dessa «onda de magia» que se construiu o essencial da escrita de Natália, em que um dos traços mais flagrantes consiste numa posição (sempre reafirmada) de rebeldia diante das instituições e dos poderes estabelecidos ou de quaisquer regras impostas pela força. Até certo ponto, é como um sinal dessa rebeldia que se compreendem as incursões da Autora no campo da poesia satírica e humorística, dirigida contra figuras ou acontecimentos da esfera política, como sucede na sequência das «Cantigas de Risadilha» — composta por poemas que ridicularizam episódios da vida parlamentar que Natália acompanhou enquanto foi deputada —, assim como em toda a "Epístola aos Iamitas" (1976), cujos sonetos constituem reflexões ora entusiásticas, ora sobretudo corrosivas, a respeito do Portugal pós-25 de Abril e disso a que na altura se chamou o P.R.E.C. (Processo Revolucionário Em Curso), perante o qual se manifesta por vezes uma dolorosa desilusão: «E veio Abril: cravos camonianos / aparelharam da liberdade as barcas. / Do verde pinho as flores foram-me enganos, / as tecelãs do sonho eram as parcas. // Da podridão variam os estados: / magicamente os nomes são mudados; / intacto o pasto vil das varejeiras.»
A mesma faceta surge igualmente em certos poemas isolados, como a célebre «Queixa das Almas Jovens Censuradas», fazendo eco de um profundo grito de revolta que preza, acima de tudo, a liberdade do poeta contra todas as formas de sujeição. E é também isso a estar em jogo num outro texto muito conhecido («A Defesa do Poeta»), aliás escrito com a intenção de ser lido no Tribunal Plenário que no tempo da ditadura acusou Natália Correia: «Senhores juízes sou um poeta / um multipétalo uivo um defeito / e ando com uma camisa de vento / ao contrário do esqueleto. // (...) // Sou (...) / uma avaria cantante / na maquineta dos felizes. / (...) // Sou uma impudência a mesa posta / de um verso onde o possa escrever. / Ó subalimentados do sonho! / A poesia é para comer.»
Lido este excerto, convirá atender a dois aspectos: por um lado, mesmo levando em conta o intuito profundamente afirmativo do texto (que desenvolve a vigorosa declaração: «sou um poeta»), o lugar de quem escreve poesia surge relacionado com uma excepcionalidade inquietante ou perturbadora, já que se identifica com um «defeito» ou uma «avaria cantante / na maquineta dos felizes», que corresponderiam à cinzenta maioria; por outro lado (e refiro-me agora aos dois últimos versos), acentua-se a dimensão gustativa, sensorial ou carnal da poesia, inscrevendo-se num entendimento global do mundo em que «o espírito é tão real como uma árvore», pressupondo uma integração harmoniosa na natureza. Ficamos, portanto, dentro de uma unidade fundamental entre todas as coisas humanas e cósmicas, naturais e divinas: «Vem das estrelas o sangue que nos guia / E na amorosa perfeição da carne / Está toda a eternidade resumida.»
Perante versos como estes, pode dizer-se sem grande exagero que Natália Correia nos deu, do princípio ao fim da sua obra, uma visão religiosa da existência, alicerçada não em qualquer adoração de um Deus ou num rito eclesiástico específico, mas numa espécie de comunhão pagã entre o eu e tudo o que o rodeia, religando-se a um universo do qual pretende auscultar os sinais, como se estivesse diante de um segredo que só a alguns é permitido desvendar e que a poesia aguarda, como se esperasse «o romper da manhã na noite mística». De facto, na escrita de Natália o conhecimento quase nunca se produz pela via intelectual e corresponde, acima de tudo, ao amor: fiel à tradição lírica portuguesa e à sua predilecção por temas amorosos, a Autora convoca sentimentos simultaneamente carnais e espirituais, porque neste caso é a partir dos sentidos que se intui a hipótese (ou a certeza?) de um sentido que os excede — veja-se o início do poema «Pórtico»: «Corpo, alma, razão, já os cantei, / estreme, sem me isentar em pseudónimos. / Antífrases de mim as assinei. / Contrários indaguei: eram sinónimos. // O Espírito agora cantarei. / Corpo, alma, razão lhe são compósitos.»
Também enquadrado no mesmo propósito de união e ampla comunhão universais está um politeísmo estrutural que leva a poesia desta «feiticeira cotovia» a celebrar a beleza do mundo, conotando-a com a presença do sagrado que o povoa e assim reflecte os poderes de uma pluralidade de deuses e deusas cujo culto, em vez de exigir submissão — «Os deuses não nos querem de joelhos» —, nos convida, pelo contrário, a um esfusiante cântico da vida e do amor, do qual podem ser emblemas os Jardins de Adónis, onde se recusam os labirintos da racionalidade e se declara a superioridade das sensações, tornadas elas mesmas divinas: «Sentir nos baste. Ideias são reveses. / Da vida, as naturais disposições, / Sigamos, Flávio. Até que sejam deuses / As nossas sensações.»
Perto das sensações mais vibrantes se encontram, aliás, todos os elementos de uma natureza cujo incognoscível daimon feminino se condensa na famosa imagem da «Mátria», nem sequer demasiadamente erotizada no sentido mais comum que atribuímos à sexualidade humana, mas sobretudo transmissora de paz, de bem-estar e de reconciliação com um estado primitivo, maternal ou genesíaco do universo: «E se o mundo em ti principiava, / No teu mistério entre astros absortos, / Suavemente, ó mãe, tudo termina.» Também o Amor (com maiúscula) ultrapassa, deste modo, as habituais fronteiras que limitam a consciência individual, elevando-se ao mais alto grau de gnose mística e adquirindo o estatuto de uma sabedoria esotérica comparável à de uma verdadeira alquimia: «Indemne atravessei as labaredas / porque o Amor faz a Obra / e o fogo faz o Amor.»
Para concluir, digamos que toda a poesia de Natália Correia configura um «ofício das trevas», mergulhando nas águas de mistérios que não ousa decifrar e assentando numa ideia (surrealista) de libertação total do ser, num processo de comunhão iniciática. Trata-se de um ritual posto em jogo não apenas graças aos já mencionados poderes alquímicos da escrita, mas também por uma abertura à «Saudade» portuguesa que sempre fascinou a Autora — essa «retráctil flor da ausência», cujo místico perfil se recorta sobre o passado e sobre o futuro, parecendo conferir ao conjunto da obra de Natália Correia uma indestrutível crença em qualquer coisa que extravasa os mesquinhos limites da razão humana. Na esteira dos românticos ou dos seus herdeiros surrealistas, é sempre muito para lá de tais limites que esta poesia nos deseja convocar, arrastando-nos para uma dimensão soberanamente libertadora da realidade e da linguagem — como se lê no texto final dos "Sonetos Românticos", que funciona como um «credo»:
«Creio nos anjos que andam pelo mundo, / Creio na Deusa com olhos de diamantes, / Creio em amores lunares com piano ao fundo, / Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes, // Creio num engenho que falta mais fecundo / De harmonizar as partes dissonantes, / Creio que tudo é eterno num segundo, / Creio num céu futuro que houve dantes, // Creio nos deuses de um astral mais puro, / Na flor humilde que se encosta ao muro, / Creio na carne que enfeitiça o além, // Creio no incrível, nas coisas assombrosas, / Na ocupação do mundo pelas rosas, / Creio que o Amor tem asas de ouro. Ámen».
Fernando Pinto Do Amaral, "Violência e Paixão", prefácio a Antologia Poética. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2002.
*
A escrita que conduz a poesia de NatáliaCorreia é compreendida pela crítica sob, pelo menos, três óticas:
a que vê na ironia, no sarcasmo e nas associações fónicas e imagéticas traços do estilo surrealista;
a que considera a recorrência a ambiguidades, passagens obscuras, antíteses e hipérboles e também ao perspetivismo (perceção multifacetada) como uma identificação com o barroco;
e a que focaliza a tentativa de recriar a vida como uma preferência literária de base romântica.
in Retratos de Família, Ana Isabel Serpa, Ângela Furtado Brum, Eduarda Silva Melo, José Maria de Aguiar Carreiro, Mário Félix do Couto, Ponta Delgada,Escola Secundária Domingos Rebelo, 2008
RETRATO
DE NATÁLIA
Hierática cromática socrática
passas branca de neve pela sala
nebulosa da pele via láctea
do único percurso que nos falta.
No teu andar há ventres há tecidos
de leve lã circuitos do brocado
duma seda tecida na manhã
dos raios dos teus olhos deslumbrados.
Nos teus quadris há cisnes há pescoços
de virgens degoladas há indícios
do alabastro quente dos teus ossos
iluminando claros precipícios.
É isso. Uma vestal iluminada
uma deusa rangendo uma secreta
porta barroca aberta para o nada
que é o docel da cama do poeta
Ali deitas crianças animais
gemidos e maçãs vagidos e atletas
pois que amas as coisas naturais
com a tua carne impúbere e erecta.
Porém tu acalentas tu alentas
nossa senhora lenta mãe do escândalo
ave de carne lírio de placenta
com aroma de nardos e de sândalo.
Desinfectante e amante eis que transformas
em teus olhos de cânfora as orgias
e o teu corpo ânfora é a forma
em que a lira da noite vaza o dia.
José Carlos Ary dos Santos, Fotos-Grafias, 1970.
***
Natália
Correia nasceu a 13 de Setembro de 1923 em Fajã de Baixo, concelho de
Ponta Delgada, Ilha de São Miguel, Açores, e morreu em Lisboa na madrugada de
16 de Março de 1993.
Nascida no seio de uma família da pequena-média burguesia dos arredores de
Ponta Delgada, permaneceu até aos onze anos na ilha, aí se deixando impregnar
de vivências e imagens que viriam a constituir um dos mais sólidos e
recorrentes motivos de toda a sua produção artístico-literária.
Depois, acompanhada da mãe e da irmã, partiupara a capital, onde se
radicou e viria a destacar-se como uma das mais influentes figuras intelectuais
da segunda metade do século.
É autora de uma obra extensa e multifacetada, que integra a poesia, a prosa
de ficção, o teatro, o ensaio, a diarística, a tradução e a organização de
antologias.
Colaborou assiduamente na imprensa, impôs-se na televisão com o programa
“Mátria”, realizou numerosas conferências e está traduzida em várias línguas.
Tomou posições de grande coragem, quer antes, quer depois do 25 de abril, o
que lhe valeu ter sido eleita deputada à Assembleia da República.
Na base de toda a sua intervenção na coisa pública está a sua orgânica
aversão a qualquer tipo de totalitarismo.
Dotada de um espírito desassombrado e de um forte sentido da
convivialidade, Natália Correia — que chegou a dirigir a editora Arcádia
(1973), além de importantes publicações (Século Hoje e Vida
Mundial, em 1976) — tornou-se no natural polo agregador de boémios,
artistas e personalidades representativas dos vários meios sociais do país.
Na vida noturna lisboeta, ficaria célebre o Botequim, bar que abriu no
Largo da Graça, em 1971, com Isabel Meyreles.
Mas o essencial da sua vida está, como ela mesma fazia questão de acentuar,
na sua obra literária, especialmente em O sol nas noites e o luar nos
dias, título sob o qual, pouco antes de morrer, reuniu toda a sua obra
poética. Aqui se “cantam”, “narram” e “dramatizam” os sucessivos lances de um
trajeto existencial consagrado por completo ao conhecimento dos homens, das
coisas e das palavras.
Desde cedo, a escritora assumiu-se como herdeira espiritual de um Ocidente
que via assolado por graves dissensões — um Ocidente que reduzira a moderna
emancipação do homem ao fanatismo do progresso. Daí o duplo e contraditório
posicionamento nataliano em relação aos rumos da chamada modernidade: por um
lado, intransigente denúncia do racionalismo, do economicismo e do sociologismo
de extração iluminista; por outro, galvanizante defesa e ilustração da arte
moderna, entendida esta como um domínio capaz de cicatrizar feridas, de
reunificar o todo, ao articular dialeticamente o futuro com o passado, a rutura
com a tradição — seja a tradição do novo, que remonta aos primórdios de Oitocentos
e inclui formas, ritmos e géneros populares; seja a tradição dita clássica, de
que foi conhecedora profunda, nos seus vários sucedâneos; seja finalmente a
Tradição pura e simples, a Tradição das tradições, que mergulha na espessura de
remotos saberes e experiências. Esta sua fidelidade à modernidade estética
traduzir-se-á numa especial forma de fidelidade ao alto romantismo — agregador
por excelência quer da Memória, do Amor e da Imaginação (na lógica profunda da
sua poesia, traves-mestras de qualquer existência votada à necessidade de se
entender e de se merecer), quer dos múltiplos “registos” artísticos que convoca
(o virtuosismo barroco; o clima simbolista ou pós-simbolista de alguns poemas
“místico-patrióticos”, o exaltante espraiamento de Cântico do país
emerso, o óbvio fascínio pelo universo libertador do surrealismo...), quer
das três distintas vozes que de si o tempo fora destilando.
Destas vozes, a que primeiro se gera e avulta é obviamente a particular, a
mais “egológica” e lírica de todas, voz por detrás da qual se adivinham, ainda
que muito transformadas, experiências e comoções realmente vividas ou sentidas
por uma irredutível subjetividade. Surpreendemo-la, operosa e insinuante,
sobretudo nos seus livros iniciais — Rio de Nuvens(1947), Poemas (1955), Dimensão
Encontrada (1957), Passaporte (1958) —, aqueles
livros onde o eu, graças à magia da palavra poética, procura precisamente
“encontrar” a sua “dimensão”, lograr o “passaporte” que lhe faculte a
identidade e o reconhecimento. Trata-se de uma voz intrinsecamente saudosa,
filha dileta da Sehnsucht romântica, que ora se mostra presa
ao passado, ao paraíso perdido da infância (a ilha, a mãe, a casa, o quarto, a
natureza consonante...), ora se mostra enfeudada ao futuro, a um além que o
mistério cerra mas que ela vislumbra no verbo por lampejos.
A segunda voz de Natália — meio sibila, meio libertária... — é aquela que
impera em Comunicação (1959), Cântico do País Emerso (1961), O
Vinho e a Lira (1966), Mátria (1968),A Mosca
Iluminada (1972), O Anjo do Ocidente à Entrada do Ferro (1973)
e Epístola aos Iamitas (1976), livros cujos títulos dão bem a
ideia da inflexão em profundidade então registada no romantismo nataliano.
Agora ela já não é só ela, encruzilhada de forças contraditórias, espaço oferecido
ao ilimitado e ao intangível; agora ela é também, e sobremaneira, a “feiticeira
Cotovia”, maga insubmissa, herdeira designada de antiquíssimos ritos e
mistérios. À poetisa está-lhe reservada a mais alta e sagrada das missões: a
de, pelo “vinho” e pela “lira”, mudar a vida dos Homens e das Cidades,
levando-os à recuperação da verdade que esqueceram e junto da qual habitam
desde o princípio dos tempos. A última das vozes natalianas — a d’ O
Dilúvio e a Pomba (1979), d’O Armistício (1985) e de Sonetos
Românticos (1990) — traduz um acontecimento decisivo da vida da
poetisa: a gratífica consciencialização do excecional dom ou favor que merecera
do Espírito, entidade agora dominante, devotadamente elevada a princípio dos
princípios. À medida que o tempo foge e o Eterno a intima, Natália quer ser
mais do que musa ou vate eméritos; quer encontrar uma via que aprofunde e
sobreleve o Mistério e a Tradição antes cantados; quer, por assim dizer,
tornar-se sófica, votar-se por inteiro à sabedoria, que outra coisa
não há que melhor distinga a sua condição de eleita. Em definitivo convicta de
que o poeta e o sacerdote são um só, como nas origens o haviam sido, Natália
pugna pela harmonia universal das coisas e dos seres, pela confluência de mitos
regressivos e projetivos, pela diluição das galvanizantes vivências do porvir
nas longínquas experiências do passado.
Conforme houve oportunidade de referir, em estudo mais desenvolvido e aqui
parcialmente retomado (Pimentel, 1999), todas estas vozes globalmente
românticas não equivalem a personalidades individuadas. São, no essencial,
vozes de uma mesma voz; estádios (noutra perspetiva: níveis) de uma vida
soberanamente imolada à Vida maior que nela pulsa. Daí que elas, devidamente
adaptadas aos ditames modais e genéricos de cada texto, se afigurem de
indiscutível produtividade para todos quantos pretendam abordar outras obras de
Natália Correia. Recorde-se, por exemplo, no âmbito da narrativa, do
romance A Madona (1968), que pugna pela recuperação e
ressacralização da mulher genuína, e da novela As Núpcias (1990),
que exalta o androginismo e a fraternidade primordiais. Ou ainda, no âmbito
teatral, de peças como O Encoberto (1969), que insiste no tema
do messianismo, de A Pécora (1983), que procede à
desmistificação do “mercado religioso” (ver o respetivo prefácio) ou de Erros
Meus, Má Fortuna, Amor Ardente (1981), sem dúvida uma das mais
significativas experiências entre nós realizadas nos domínios da “festa” e do
“espetáculo” cívicos.
Senhora
de uma vasta cultura, deveu-a essencialmente ao convívio com intelectuais e à
sua incansável actividade de leitora, tendo em sua casa uma das melhores
bibliotecas de Lisboa.
Aos 20
anos era jornalista no Rádio Clube Português. No final da Segunda Guerra
Mundial, assinou as listas do MUD (Movimento de Unidade Democrática). Amiga de
António Sérgio, torna-se frequentadora do Chiado e das livrarias onde se reúnem
escritores e políticos. Na década de cinquenta a sua casa vai ser uma espécie
de salão literário, frequentado pelos mais diversos artistas, como o escultor
Martins Correia, Almada Negreiros e representantes do movimento surrealista. Aí
será mesmo representada a peça de Jean-Paul Sartre Huis-Clos,
proibida pela censura.
No
período de campanha do general Humberto Delgado à Presidência da República,
afluem a casa de Natália Correia poetas, romancistas, pintores e expoentes de
diversos quadrantes da oposição ao salazarismo.
Em
1969, Natália Correia combate a ditadura de Marcelo Caetano no CEUD, ao lado de
Mário Soares e Salgado Zenha. Como proprietária do bar O Botequim, aí junta
amigos, escritores, gente de teatro, boémios, criaturas excêntricas, um pequeno
mundo onde reina, com a sua irradiante mescla de narcisismo e generosidade.
Depois
do 25 de Abril de 1974, lá se encontram, entre outras, estrelas do PREC, os
protagonistas do Grupo dos Nove. Primeiro afecta ao PS, depois ao PPD de Sá
Carneiro e, por fim, ao PRD, foi deputada pelo PPD à Assembleia da República,
de 1979 a 1980 e de 1980 a 1983 e pelo PRD, como independente, de 1987 a 1991.
Nos últimos anos da sua vida aproximou-se da esquerda.
Ensaísta,
cronista, teatróloga, romancista é, no entanto, na poesia que se revela
completamente, nela projectando erotismo, ânsia libertária, desafio
iconoclástico, sentido do fantástico, tudo isto com alguns ecos românticos e
acentuadas marcas surrealistas.
Luciano
Reis, Personalidades Artísticas. Século XX. 1º Volume
*
[Sobre Natália Correia, Jorge de] Sena disse:
"um poeta que se impôs pessoalmente e às suas atitudes, na vida literária
portuguesa […] pela forma como soube transformar o escândalo numa espécie de
terror sagrado do provincianismo embevecido". Esse pecado original
acompanhou-a até ao fim. A independência tem um alto preço (...). Em vida,
Natália foi respeitada e ridicularizada com igual convicção. Depois da sua
morte, lembro-me das palavras solidárias de David Mourão-Ferreira e Manuel
Alegre, enaltecendo no Parlamento a memória da "feiticeira cotovia".
De resto, a generalidade dos companheiros de geração olhou para o lado, numa
reserva que traduz o preconceito da intelligentsia contra a autora
de Mátria. (…)
Poeta,
ensaísta, dramaturga, ficcionista, estudiosa de cantares galego-portugueses, da
tradição erótica e satírica, do barroco, do surrealismo, de certas vertentes do
oculto, e de outros assinalados domínios (...), Natália foi uma vítima do
obscurantismo soez dos ominosos tempos da ditadura, mas, ironia suprema, a
democracia foi-lhe fatal.
Eduardo
Pitta, "Entre o perfume e a morte”, in Comenda de Fogo, Ed.
Círculo de Leitores, 2001
*
"Senhora
da Rosa", chamou-lhe Manuel Alegre e falava de Natália Correia
SENHORA
DA ROSA, chamou-lhe Manuel Alegre e falava de Natália Correia. Uma rosa de amor
e morte de uma poetisa que não aceitava a ditadura da razão e da perceção
redutora dos cinco sentidos. Ela era mais do que isso, era a pitonisa, a vestal
iluminada, uma máquina de passar vidro colorido, como disse Mário Cesariny,
referindo-se à sua dimensão cromática.
“A
Natália era um daqueles seres muito raros que vêm do futuro, que vêm adiantados
ao tempo, que não cabem no tempo, nem no espaço, nem no corpo, nem nos comportamentos
que nos estão destinados. Ela ultrapassava, extravasava tudo isso.” –
depoimento de Fernando Dacosta em “A Senhora da Rosa (Natália Correia)”,
um documentário realizado
por Teresa Tomé para a RTP-Açores, em 1999, que nos leva ao encontro de Natália
Correia, seguindo um caminho que ela própria traçou - A partir de agora, se
alguém me quiser encontrar, procure-me entre o riso e a paixão.
“A
ênfase do excesso”, Fernando Pinto do Amaral. Suplemento Leituras – Públiconº 1305, 1993-10-01.
1993-10-01
2011
“(Des)Crucificações”, M. Manuela Gonçalves dos
Santos (psicoterapeuta). In: Se…Não nº 2, 2011. Publicado pela primeira vez no suplemento Leituras – Públiconº 1305, 1993-10-01.
“Lapidar
a matéria da palavra”, Helena Barbas. Expresso, 2000. (Recensão
crítica de Poesia Completa de Natália Correia. Lisboa, Publicações Dom
Quixote, 1999.)
“Arquivos
do 25 de Abril: O Diário de Natália Correia”, Gabriel da Cunha Pereira e
Josyane Malta Nascimento, Anais do XXII Congresso Internacional da
ABRAPLIP, Salvador – Bahia, 13 a 18 de setembro de 2009,
pp. 1663-1666
“Um retrato de Natália Correia”, Ana Maria Pacheco do
Nascimento. Angra do Heroísmo, Instituto Açoriano de Cultura, Atlântida - Revista de Cultura, vol. LVIII, 2013.
2013-07
O
universo feminino em A Madona, de Natália Correia, Ana Teresa Araújo de Freitas
Gonçalves, Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa, julho de 2013.
Natália
Correia: A Feiticeira Cotovia, Direção Regional da Cultura. Exposição itinerante organizada no
âmbito das comemorações regionais do 90.º aniversário de nascimento e 20.º da
morte da escritora. Inauguração: Praia da Vitória, 2013-09-13.