1. Aparentemente,
um livro "menor", que até nos provoca logo na contracapa, quando
pretende que se trata, nada mais nada menos, do que de dois livros num só.
"Menor" para o leitor que esperaria um romance ou novos poemas. Mas
uma leitura atenta pode levar-nos a alterar um pouco este modo de ver as
coisas. Porque este livro contém o núcleo de múltiplos poemas e a trama
invisível de várias narrativas, tudo suspenso de uma referência última que é o canto
e a história de uma vida. Cada um dos fragmentos que constituem "Jogo de
Espelhos" de David Mourão-Ferreira aparece, assim, como uma pequena prova
em que o autor se forçou a si próprio a uma "revelação",
"confissão", "alusão velada", "recordação imprevisível",
que este exercício, esta disciplina, que passa, como não podia deixar de ser,
por uma verdadeira disciplina das palavras, faz que este livro manifestamente
"menor" se converta num livro secretamente “maior" – uma espécie
de Índice temático desenvolvido de toda a obra do autor.
Dois
"livros", portanto. Isto é, duas sequências de textos curtíssimos que
se organizam em torno de preocupações supostas diferentes. O primeiro aparece
voltado para o exterior, e tem como tema explícito a "sedução". O
segundo é o resultado de uma série de nótulas de cariz autobiográfico (menos
"biografemas", embora sejam algumas referências a situações
pregnantes, do que traços constitutivos de um retrato íntimo). De qualquer modo,
a complementaridade é evidente, e o titulo lá está para fazer que cada texto se
deixe envolver pelo "jogo de espelhos" que regula o conjunto destes
dois conjuntos – não apenas jogo de espelhos entre o exterior e o interior,
como jogo ainda entre a imagem do autor e o espelho do feminino: "É num
contínuo jogo de espelhos,/ entre as mulheres e si próprio,/ que melhor tem
aprendido a conhecer-se."
2. Poderíamos
pensar que este livro nos propõe uma "teoria" da sedução. De certo
modo, assim é. Mas, nesta como noutras matérias, a teoria é tanto mais teoria
quanto é resistência à teoria. Pela razão muito simples de que a sedução pode
passar pela ideia de "estratégia" (entendida como metáfora retórica e
simultaneamente militar), mas terá sempre de ser uma espécie de estratégia
implícita que não pode tornar-se demasiado visível nem para quem a pratica nem
para aquele que nela se deixa enredar – se é que esta divisão tem, em última
instância, sentido. Porque se alguma coisa define a sedução é a permanente indefinição
dos estatutos e dos papéis, através de mecanismos de permutabilidade que anulam
a própria diferença entre o espelho e o real. Por isso, "as sedutoras que
se ignoram/ são quase sempre as mais temíveis." E por isso também pode o
autor escrever: "Segundo pensa, o poeta só pensa/ quando não pensa que
pensa;/ ou quando pensa que não pensa./ Daí a sua desconfiança/ perante os que
pensam/ que estão sempre a pensar."
O
aspeto mais interessante da forma fragmentária que David Mourão-Ferreira
escolheu para este livro é o facto de um dispositivo deste tipo exigir que cada
unidade textual tenha um "não sei quê" que a torne sedutora em si
mesma. Se se tratasse de um mero apontamento de tipo "teórico",
bastariam as "ideias" para dar corpo e razão de ser ao texto. No caso
de um poema, existem outros mecanismos que permitem que ele vá ao encontro do
leitor. Mas num livro de tipo aforístico, o espaço é demasiado exíguo para
autorizar os desenvolvimentos de uma coerência conceptual ou textual. Resta uma
única solução: em poucas e apertadíssimas linhas, o fragmento tem de nos
seduzir por qualquer coisa que nele aconteça e que consiga produzir um efeito
de diferença. O risco é enorme de se ficar do lado da banalidade. A prova
decisiva consiste em aceitar o risco do banal, deixar que este permaneça como
pano de fundo, e tentar o desvio mínimo, a quase impercetível transgressão da
linguagem.
Dois
exemplos. Na página CVII: "Tenta resistir, o mais que pode,/ à asfixiante sensação
de que o Tempo/ já não é o que não era". O leitor apressado poderá ler que
o Tempo "já não é o que era". Todas as expectativas o encaminhavam nesse
sentido. Mas o leitor atento tropeça num "não" suplementar, que
produz um radical efeito retroativo sobre todo o fragmento. Veja-se por exemplo
a página XXXI: "O que pode haver de carnal/ nos gestos da sedutora/ tem de
ser sempre desmentido/ pelo que há de vegetal nos seus braços". Neste
caso, o texto roda em torno da oposição entre carnal/vegetal. Mas enquanto a
palavra "carnal" é para ser acolhida literalmente, a palavra "vegetal",
induzindo uma série metafórica latente entre "braços/ramos" e
"mulher/árvore" (que sustenta outros fragmentos do livro: "As
mulheres que mais amo/ tinham todas raízes; e asas"), introduz uma
assimetria na balança inicial da oposição esperada: de um lado, o peso do real
("carnal"), do outro o peso de uma metáfora (que é o "ser vegetal"
de uma mulher?).
Qualquer
destes exemplos ilustra de certo modo a dimensão profundamente retórica da sedução
– se tivermos em conta que a retórica é uma forma de sedução generalizada pela linguagem,
ou um modo discursivo de gerir a distância entre as pessoas. Mas a sedução tem
um estatuto próprio no elenco das figuras. Como escreve David Mourão-Ferreira, “se
bem que sensível à metáfora,/ a sedutora pratica mais a metonímia". Embora
fosse necessário averiguarmos ainda o valor da alternativa "ser sensível a”/"praticar",
o que me importa por agora é verificar que toda a sedução se caracteriza por
uma espécie de desequilíbrio entre o salto que se anuncia (fauna convocada:
galgos, tigres), e o movimento lateral que se produz, como se houvesse sempre uma
reserva, uma velatura, um pudor, uma esquiva, um retraimento essencial, que
implica um relançamento do gesto ou da atitude, numa deliberada fruição da
expectativa e da infinita tensão que ela provoca. Tal como cada fragmento se
recusa a dar o salto para o lado do poema, mesmo quando aceita revestir-se de
algumas das suas formas, a sedução está sempre um passo atrás, ou
metonimicamente ao lado, em relação ao pathos do desejo ou às figuras demasiado
vincadas do sexual. Mas é precisamente esse modo como se retrai e se abriga
numa espécie de ilimitada rede metonímica que permite que ela nos surja como
uma sedução generalizada. Se se pode dizer, como sugeriram alguns tratadistas,
que a metáfora é uma dupla metonímia, talvez nos seja lícito sugerir que a
sedução é uma espécie de metonímia que se duplica para nos dar o sentimento de
uma metáfora sempre adiada. Ou, se quiserem, é uma metáfora em diagonal. Porque
"a palavra 'sexo' raramente se regista/ no dicionário da sedutora. Mas
atravessa,/ em diagonal, cada uma das suas páginas."
“A sedução generalizada”, crónica de
Eduardo Prado Coelho para o suplemento Leituras do jornal Público.
Sábado, 8 de janeiro de 1994.
CARREIRO, José. “Jogo
de Espelhos, de David Mourão-Ferreira”. Portugal, Folha de Poesia, 18-10-2019.
Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2019/10/jogo-de-espelhos-de-david-mourao.html
1. A
palavra "crítica" é normalmente detestada. A ela estão associados um
certo número de pressupostos (que, em larga medida, podemos considerar como
preconceitos):
a)
O crítico é alguém que, de uma forma arbitrária e abusiva, vem dizer se o
trabalho de um criador é "bom" ou "mau".
b)
O crítico é alguém que fala sobre o que os outros inventaram na medida em que
ele próprio é incapaz de inventar. Tem necessariamente o estatuto de um
parasita.
c)
O criador está do lado da vida, enquanto o crítico está do lado da arte
enquanto instituição.
d)
O crítico julga na cena de um tribunal em que não há nem critérios para julgar
nem provas que possam ser definitivamente conclusivas.
Digamos
que afirmações deste tipo, ou outras análogas, são parcialmente verdadeiras mas
não constituem o essencial daquilo que se faz sob a designação de
"trabalho crítico".
2. Gostaria
de partir de um ponto de vista bastante diferente. Para mim, atividade crítica
é uma atividade essencialmente poética. Em que sentido? No essencial, em dois
sentidos.
O
crítico exerce uma atividade essencialmente poética na medida em que consegue
encontrar as palavras certas para exprimir algo que eu senti de um modo vago e
confuso quando li (ou vi, ou ouvi) a obra criticada.
Por
conseguinte, podemos falar, nesta aceção, numa atividade de ordem poética (que,
no entanto, é sempre "menos" do que a poesia). E é precisamente
enquanto ator capaz de exercer uma atividade de tipo poético que o crítico
ganha autoridade para formular juízos de gosto. Estes juízos são obviamente
discutíveis, contestáveis e problemáticos.
Digamos
mais: a partir de um certo nível da discussão, o tipo de juízos de gosto que um
crítico formula torna-se até relativamente secundário, tal como são secundários
os juízos de gosto dos grandes criadores (ou melhor: são extremamente
interessantes mas enquanto juízos de gosto do criador X ou do crítico Y). O
mais importante é o modo como, através da manifestação do processo que o conduziu
àqueles juízos de gosto, eu como leitor encontro materiais para conduzir o meu
próprio processo e chegar ao meu próprio juízo de gosto.
Concluindo
de um modo mais ou menos sintético: o processo autoriza o juízo na medida em
que faz que ele se torne o juízo de um autor; mas, precisamente na medida em
que o torna dependente de um autor, faz que o juízo se torne mais relativo,
mais significativo apenas no âmbito de um discurso que o excede.
3. Não
poderemos deixar de considerar também alguns aspetos institucionais. Como é
óbvio, o crítico ganha também autoridade pelo facto de escrever no lugar em que
escreve. Torna-se fácil de compreender que ser crítico de literatura no jornal
"Le Monde" não é para o leitor a mesma coisa que publicar textos críticos
numa folha episódica de um jornal de colégio de província. Torna-se ainda fácil
de compreender que há também urna espécie de determinação geocultural do lugar do
crítico no mundo. Um crítico que escreve num jornal de Huelva parecer-me-á
menos importante do que um crítico que escreve em Nova Iorque. E este tipo de
prevenções funciona de um modo fatalmente inconsciente e não tem em conta a
qualidade intrínseca dos textos (que pode ser muito melhor no texto escrito em
Huelva).
Existem
ainda muitos outros mecanismos de tipo institucional que também funcionam.
Assim, um crítico ganha autoridade na medida em que vai sendo reconhecido pelos
outros críticos (mais velhos ou da mesma geração). Isto passa por diversos
circuitos: quanto maior é a autoridade do crítico, mais ele publica livros,
escreve para catálogos, se torna comissário de exposições, organiza coleções
para fundações, viaja, participa em colóquios internacionais, etc. Nestas
circunstâncias, a autoridade do crítico torna-se poder, e, nessa medida, dá origem
a dois tipos de fenómenos mais ou menos simétricos: por um lado, o crítico tem
discípulos, que, a troco de contribuírem para reforçar a imagem do crítico,
procuram usufruir, por ligação metonímica, de um pouco do prestígio do critico;
por outro lado, o crítico ganha inimigos, isto é, vê crescer à sua volta um
certo número de personagens, que pensam que se podem autorizar um pouco mais
através da contestação da autoridade dos mais autorizados.
4. O que é
engraçado é vermos como estas coisas se repetem com uma ritualidade estrutural.
Um amigo meu ensinou-me um dia: vais ver pela vida fora que em qualquer lugar
que a gente ocupe vamos sempre substituir um incompetente e vamos sempre ser
substituídos por um intriguista. O que ele me pretendia dizer é que, sejam
quais forem as qualidades ou os defeitos das pessoas, eu sou sempre levado a
achar que a pessoa que vim substituir era – "apesar das suas inúmeras
qualidades”, que me não cansarei publicamente de apontar – um incompetente e
que, ao ser substituído num lugar, isso se deve necessariamente às intrigas
desenvolvidas pelo meu sucessor.
Vivemos
num curioso período em que a humanidade se parece dividir em duas categorias:
por um lado, existem os protagonistas das grandes "performances", que
são personagens que o destino escolheu para a prática de feitos notáveis; por
outro, existem os seres comuns, que se relacionam com o mundo da cultura
segundo a modalidade da distração obsessiva e do horror do tédio. Talvez
possamos relacionar este estado de espírito com o processo de aceleração
generalizada da vida (de que um Virilio narra algumas etapas essenciais) e com
o modelo mental do "zapping" televisivo. Daí o sintomático aparecimento
de um novo tipo de "críticos": os que julgam que são tanto mais
autorizados quanto mais se aceleram a si próprios em termos de discurso e de
recusa do aborrecimento (o que vai criando os seus próprios mecanismos retóricos).
5. O
recente Prémio Pessoa – tão justamente atribuído a Fernando Gil – tem, para
além de muitos outros méritos, uma grande qualidade: valoriza o esforço, o
rigor, a paciência, o tempo lento do trabalho. Ninguém pode ter ilusões: os
livros de Fernando Gil são difíceis e exigem um grande esforço de leitura
(amplamente compensado, é verdade, pelo prazer da inteligência). Que esta admirável
"chateza" tenha tido um prémio de grande prestígio é algo que nos
compensa do ritmo de corridinho com que alguns pretendem modelar a cultura em Portugal.
“As armas do crítico”, crónica de Eduardo Prado Coelho para
o suplemento Leituras
do jornal Público.
Sábado, 11 de dezembro de 1993.
CARREIRO, José. “As armas do crítico – Crónica de Eduardo
Prado Coelho”. Portugal, Folha de Poesia, 11-10-2019.
Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2019/10/as-armas-do-critico.html
1. Entre
tantas coisas de que se faz a memória e o esquecimento de uma vida, como é que
nós nos agarramos a meia dúzia delas e lhes encontramos uma espécie de sentido
absoluto? Um dia, na margem de um trabalho que apresentei numa aula de
Literatura Portuguesa do Liceu Camões, o professor pôs uma observação que tem
estado presente em tudo o que depois escrevi ao longo de mais de 30 anos. Eu
teria utilizado mais ou menos uma expressão deste tipo: ''Ventilemos agora o
seguinte assunto." E o professor fez por escrito o seguinte comentário:
"Cuidado com as ventanias neste outono traiçoeiro..." A partir daqui,
as palavras que eu pensava ir utilizar num qualquer texto passaram a ser
avaliadas em função deste critério simples: serão elas falsas e artificiosas
como este "ventilar" – definitivamente banido do elenco das minhas
metáforas –, ou merecerão outra forma de acolhimento? Havia aqui uma questão de
gosto, evidentemente, mas também uma outra coisa, algo que eu poderia designar
como uma espécie de ética da linguagem.
A
observação de Mário Dionísio – porque era este o meu professor do Liceu Camões –
tinha ainda um segundo aspeto que me deu que pensar: seria mesmo o outono que era
"traiçoeiro", ou haveria algo de mais subtil no enredamento da frase?
Por outras palavras, quando Mário Dionísio me vinha falar num "outono
traiçoeiro", não seria isto uma forma de me dizer de um modo mais concreto
e indireto que é a linguagem que muitas vezes nos trai?... A verdadeira questão
consistia em compreender que vantagens resultavam para o conjunto da frase do
facto de as palavras se redistribuírem segundo afinidades que não eram à
partida as mais evidentes. Neste caso, a ideia de "traição" tinha
acorrido em torno da palavra "ventilar”, que era manifestamente uma
metáfora excessiva, metendo o vento onde não era chamado. Mas a
"traição" também: apesar da minha frase ser infeliz, havia um certo
exagero em dizer que ela me "traíra". Até que percebi que Mário Dionísio,
ao empregar uma frase feita ("este outono traiçoeiro", isto é, frio e
ventoso, capaz de nos “trair" com constipações e gripes) estava a fazer
passar o excesso da metáfora de um lugar-comum da linguagem. Mais uma lição
sobre o valor das palavras, o seu peso, a sua luz, a necessidade de as
ponderarmos bem antes de as escrevermos nos nossos textos.
2. Tudo
isto era para mim motivo de reflexão. Até por uma razão suplementar: na minha
perspetiva adolescente, havia de um lado a instituição, com as suas leis e a
sua ordem, e aqueles que eram os representantes dessa ordem, categoria onde
colocava os professores. Ora Mário Dionísio vinha confundir por completo esta
perspetiva: as informações que me chegavam por outras vias, fundamentalmente por
intermédio dos meus pais e dos colegas da época da Faculdade, davam-me uma
outra imagem de Mário Dionísio, como alguém que punha em causa a ordem
existente, essa ordem que para mim se confundia com múltiplas coisas da "ordem
do Liceu Camões", desde o reitor e a obrigação que nos impunha de usar
gravata, até às manifestações da Mocidade Portuguesa. Mas Mário Dionísio era,
na memória de amigos e colegas, o escritor socialmente empenhado, o intelectual
ligado ao Partido Comunista, o teórico do "neorrealismo" e ainda o
combatente antifascista que sempre havia lutado contra o regime de Salazar.
Acrescentarei ainda outro ponto: os seus críticos diziam, e eu podia começar a
ler coisas dessas nos jornais, que ele não dava a importância necessária à
"forma" da linguagem, e apenas se interessava pelo
"conteúdo" dos textos, e isso colava mal na minha cabeça com a
"lição" que ele me havia dado a propósito da palavra
"ventilar" e das "traições" que aparecem acompanhadas a
certas formas. Tudo isto fazia que Mário Dionísio, com o seu inevitável
cachimbo, a serenidade irrepreensível das suas aulas, o rigor do que nos ensinava,
a simpatia um pouco distante e severa com que nos tratava, me surgisse
simultaneamente como uma espécie de enigma, combinação estranha de ordem e
contestação da ordem, de formas e conteúdos contraditórios, e como o exemplo incontestável
de "o professor" – não o "professor" enquanto funcionário
de uma ordem institucional, mas o "professor" enquanto lugar infinito
de saber e modelo de vida.
3. Enigma,
disse. E foi isso que me provocou o desejo de ler Mário Dionísio. Li tudo o que
podia. Incluindo textos antigos e de acesso difícil, como a famosa "ficha
14". Contudo, cada texto que lia aumentava o enigma – é isso a literatura:
avançarmos na clareza, no limite da transparência, de um enigma, que é tanto mais
enigma quanto mais se parece aproximar dessa transparência inalcançável. Sei agora
– Mário Dionísio anunciou-mo, ao agradecer o exemplar de "Tudo o que
não escrevi" – que existe um "diário" de Mário Dionísio, que
espero que em breve venha a ser publicado. O mais adolescentemente possível,
imagino que nestas páginas irei compreender finalmente esta distância transferencial
em que "o meu professor" tanto contribuiu para estruturar o meu
universo (tanto naquilo em que o procurei "seguir" com[o] naquilo
em que sei que o "traí", até porque há mais ventos e outonos
traiçoeiros do que nós os dois podíamos supor). Imagino, enquanto leitor que as
espera com ansiedade, que elas irão trazer a palavra esclarecedora e definitiva,
sabendo, no, mais fundo de mim próprio, que o efeito será precisamente o
contrário. Até porque não posso deixar de pensar que o enigma da escrita de
Mário Dionísio tem muito a ver com o enigma, e a tragédia, da escrita deste
século.
4. Não só
da escrita, mas da não-escrita – e este ponto parece-me fundamental. Tão
importante é aquilo que Mário Dionísio foi escrevendo e publicando como
importante é aquilo que Mário Dionísio foi silenciando, num silêncio que não
foi apenas reserva e resistência, mas ajuste de contas, terrível certamente,
com uma certa forma de impossível. Digamos por outras palavras: o impossível de
continuar a acreditar numa ideia demasiado forte e empolgante, e o impossível
de deixar de acreditar. Prende-se a isto uma questão essencial, que eu gostaria
por agora de formular deste modo: como nos será possível manter a responsabilidade
ética e política da literatura, que é não apenas a responsabilidade de romances
e livros de poesia, mas também a responsabilidade única de uma só palavra, seja
ela o infeliz verbo “ventilar", sem cairmos nas modalidades desastradas, e
por vezes intoleráveis, das figuras mais ou menos exaustas da intervenção intelectual
tradicional?
“O professor
exemplar”, crónica de Eduardo Prado Coelho para o suplemento Leituras do
jornal Público. Sábado, 27 de novembro de 1993.
CARREIRO, José. “Mário Dionísio, o professor exemplar –
Crónica de Eduardo Prado Coelho”. Portugal, Folha de Poesia, 10-10-2019.
Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2019/10/mario-dionisio-o-professor-exemplar.html
1. O
milagre repete-se. Por mim, julgo poder dizer que tudo começou em 59, no
momento da publicação de "Aparição". Lemos um romance de Vergílio Ferreira,
e temos a sensação de que se atingiu um limite, que tudo o que havia a dizer
ficou dito, que as palavras se esgotaram no seu esforço obsessivo de tocarem o
essencial. Começamos a temer que o próximo romance do autor seja apenas uma
versão atenuada e algo fatigada de uma irrepetível experiência anterior. Uma ou
outra vez poderá ter sido assim: "Rápida, a sombra" tinha um título
magnífico, mas não parecia trazer nada de novo. Contudo, na maior parte dos
casos, foi o deslumbramento, e isso parece acentuar-se nas obras mais recentes.
Cada uma delas surge, logo na portada, como uma espécie de declaração final. No
entanto, vai ainda "mais longe", consegue encontrar novas figuras,
novas imagens, novas situações. Aconteceu com o "Para Sempre" e
"Até ao fim". Podemos pensar (é um pouco o que o autor sugere em
páginas recentes do seu diário) que "Em nome da terra" vivia
sobretudo de uma abordagem impiedosa e frontal de uma área ficcionalmente
"difícil": a velhice – e daí o sucesso junto dos leitores. Contudo,
"Na Tua Face" consegue ir mais longe. A verdade é que esta metáfora do
"mais longe" e do “mais perto” funciona mal em literatura. Não se
progrida no terreno da arte. O que eu poderia dizer em relação a "Na tua
face" é que Vergílio Ferreira consegue escrever um livro em que
reencontramos quase todas as manchas temáticas do romance anterior, mas o
registo em que o livro se escreve, o seu plano de enunciação, tem uma
juventude, uma desenvoltura, uma agilidade, um humor, que nos fascinam e
subjugam. Este é um romance que esqueceu o fim, que deu a volta sobre si
próprio e se recomeça no princípio dos princípios, no encantamento dos primeiros
gestos e das imagens iniciais. Desde a primeira página que o leitor compreende
que Vergílio Ferreira escreve numa espécie de estado de graça, e que tudo lhe
vai ser permitido – pela simples razão de que a escrita repousa na serenidade
de uma visão, caminha encostada ao milagre de um rosto infinito e volátil, é uma
escrita que se escreve a partir da "tua face", e para ela se dirige com
a nitidez de uma irrepreensível evidência.
2. Demos apenas
aquele mínimo de indicações cénicas que permitirá ao leitor saber de que estou
a falar. O "protagonista" do romance, aquele que assegura o fio da
enunciação, é Daniel, médico escolar, que ganha uma parte da sua vida fazendo desenhos
e ilustrações, e gostaria de ser um verdadeiro pintor. Daniel casou com Ângela,
professora universitária de Estudos Clássicos, para quem toda a sabedoria do
mundo se condensou no “De Rerum Natura” de Lucrécio, a ponto de preconizar um
método para as relações sexuais tirado do Livro IV , e que é suposto favorecer
a fecundação da mulher. Tiveram dois filhos, Luc e Luz. Luc é uma abreviatura
de Lucrécio, evidentemente, criança taciturna e meditativa, que procura saber a
razão de todas as coisas, e irá desaparecer em circunstâncias trágicas. Luz é
Luzia, e toda a sua vida decorrerá na obsessão das imagens e da luz que as
sustenta fará fotografia. Neste romance de tese nenhuma, mas onde as
interrogações se multiplicam, Luc e Luz são os dois polos de um enigma que é o
enigma tão banal da própria banalidade de as coisas serem como são, e com elas
se fazer essa experiência desesperada e aflita a que se chama habitualmente
"a vida".
Poder-se-á
dizer que neste livro, como em quase todos os romances de Vergílio Ferreira,
"não há histórias". É verdade, se por isso entendermos uma narração
em que a sequência dos acontecimentos suscita relações de consequência. Não é o
caso. Vergílio Ferreira aprendeu de Lucrécio que as imagens têm uma velocidade própria,
e atravessam agilmente os ares, sendo capazes de percorrerem num só ponto do
tempo um espaço indizível, conseguindo, no seu curso alado, atravessar e
penetrar em todas as coisas. O modelo deste livro está nos versos em que
Lucrécio nos fala nas visões do espírito e nos diz que "muitas imagens das
coisas erram de muitas maneiras em todos os sentidos e em todo o lado, subtis como
teias de aranha ou folhas de ouro, unindo-se nos ares ao acaso dos
encontros". E aquele sentimento de que este livro combina a experiência de
um mundo enclausurado na própria memória com um sentido contagiante da
incessante juventude das coisas poderá encontrar a sua fórmula mágica nestes
versos de Lucrécio: "Quanto mais o teatro está fechado na estreiteza dos
seus muros, mais as coisas se dispersam com uma graça difusa na luz captiva que
as inunda".
3. Diria
mais: o "tema" deste livro, se entendermos por esta palavra a
designação daquilo que o move, é algo que constitui precisamente a matéria do
Livro IV de "De Rerum Natura". Para Lucrécio, existem imagens que
aparecem como duplos das coisas: são membranas que se desprendem da superfície dos
corpos ("quasi membranae summo de corpore rerum/ dereptae"). É dessas
membranas vagabundas que se vai tecendo o romance de Vergílio Ferreira. Tudo se
duplica: “Luzia jogava muito ao espelho em miúda, não o disse já?, para
inventar o imaginário na distância do real. Porque todo o real precisa de outro
real para existir." Lucrécio ensina-nos: se colocarmos a mão debaixo dos
olhos e os pressionarmos, verificamos que tudo se duplica: tornam-se duplas as
chamas dos archotes, duplos os móveis da casa, duplos os rostos dos homens, e
gémeos os corpos. "Na Tua Face" multiplica as circunstâncias em que
esta experiência se refaz: é a relação permanente com Ângela e a imagem de Bárbara
que a duplica, é a experiência da radiografia e a sua generalização imaginária
a um mundo todo ele radiografado, e o trabalho de Luz com a fotografia e a sua
estranha relação com os seres fotografados.
A
experiência do duplo, ou do invisível das coisas ("a fotografia realiza o
impossível de se apoiar no real e de o dissolver na sua própria
aparência"), ou do reverso das coisas, conduz-nos inevitavelmente ao
grande motivo deste livro, que é o de que todo o horror faz parte da beleza
Algumas das páginas mais terríveis de "Na Tua Face" resultam de uma
infatigável alucinação do monstruoso (e que nos dá o lado Raul Brandão do
autor). Recusando a leitura da Beleza que um antigo colega faz de Plotino, o
protagonista obriga-nos a percorrer o mundo como uma galeria de horrores que
participam da beleza do mundo tal como Deus a inventou. Este livro funciona
como espécie de harmónio metafísico em que tudo acaba por se redimir em tudo
numa permanente oscilação de sublimações e des-sublimações. Porque há uma
beleza que é feita da recusa da fealdade. "Mas há outra beleza, outra, e
se calhar tem de se lhe dar outro nome para não haver contrabando. A força das
coisas."
É
desta beleza outra que se fazem algumas das páginas inesquecíveis deste livro:
a visita dos pais a casa de Luzia, a filha, e o espanto de descobrirem que ela
fotografa os amantes nus, coleciona as suas imagens e os considera mortos pelo
facto de os ter fotografado; ou o suicídio de Luc; ou, por fim, num dos mais
belos momentos de toda a ficção portuguesa, o modo como Daniel inventa para Ângela
a realidade que ela deseja, e deixou de ver, e como ela lhe pede que ele
continue a ver por ela, e como, no instante final, o que ela ainda pede é a fórmula
enigmática de qualquer amor: “vê se vês os meus olhos a verem-te".
“Luc e Luz”, crónica de Eduardo
Prado Coelho para o suplemento Leituras do jornal Público. Sexta-feira,
15 de outubro de 1993.
“Na tua face, de
Vergílio Ferreira – Crónica de Eduardo Prado Coelho” in Folha de Poesia, José
Carreiro. Portugal, 08-10-2019. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2019/10/na-tua-face-vergilio-ferreira.html
1. "Durante
a noite, imaginar Duras na cama dela a dormir sozinha numa casa de quatrocentos
metros quadrados".
É Duras quem
escreve. Ou fala. Apesar de o livro se chamar "Ecrire". Porque é sem
dúvida o mais oral dos livros de Duras. Como se não tivesse sido escrito. Como
se fosse ditado. O modo como este livro "aparece" e depois se "constrói”
poderá explicar a sua desarrumação interior. Um dia, o cineasta Benoit Jacquot
foi visitar Marguerite Duras a Trouville. Ela levou-o a ver numa localidade
próxima, Vauville, o túmulo de um jovem aviador inglês, supostamente chamado W.
J. Cliffe, que nos últimos dias da guerra, talvez no último, porque não?, tinha
sido abatido pelos alemães e viera ali cair. O avião desfez-se sobre uma
árvore, e o jovem aviador ficou prisioneiro do avião. A população de Vauville
fez uma espécie de vigília, com cantos e flores, orações e choros, durante
várias noites, até que conseguiram tirar o corpo dele do avião. Foi uma
operação difícil, porque o corpo ficara enredado numa rede de aço e ramos de
árvore. Enterraram-no. Um ano depois, um homem já idoso veio visitar o túmulo
do jovem aviador, e falou dele, indicando o seu nome. Durante oito anos, voltou
regularmente. Até que desapareceu. Uma lápide, um nome de ressonâncias mais ou
menos enigmáticas (duas iniciadas pelo meio), um destino secreto e uma
fidelidade essencial, tudo isto tinha condições para que a figura velada pela
morte pudesse entrar na galeria um pouco espectral das personagens durassianas.
Benoit Jacquot filmou Duras a contar a história do jovem aviador. E depois surgiu
a ideia de um segundo filme, em que Duras fala da escrita. E por isso que,
mesmo se o texto foi reescrito para publicação em livro (o que não é certo), a
escrita conserva todas as marcas da oralidade. Mas não da "nossa
oralidade". Pelo contrário. De uma "oralidade" que apenas existe
num entrecho de permanente oscilação entre o escrito e o falado, e que não
podemos encontrar senão nos próprios textos de Duras, na sua sintaxe
absolutamente inovadora na literatura francesa, capaz de se desenvolver segundo
regras de construção e distorção que parecem surgir de um espaço de tipo
analítico e transferencial.
O livro
inclui mais três textos, oriundos de circunstâncias diversas: "Roma",
"Le nombre pur" e "L'exposition de la peinture". Livro de circunstância,
portanto. Frágil, menor, no seu estatuto. Livro em que a escrita tem uma
espécie de fadiga íntima – como se hesitasse em cada passo, ou passagem.
Contudo, livro em que Duras nos acompanha uma vez mais, com as suas obsessões,
com a sua loucura, com a sua exigência desmedida. E por isso mesmo é um livro a
que nos agarramos, frase a frase, aos pedaços de um texto desmantelado. Entre o
naufrágio e o êxtase. E na expectativa de um outro livro, a sair esta semana na
P.O.L., e que se intitula "Le Monde Extérieur". Livro, este, de que
nada se sabe. Duras saberá? "Escrever livros ainda desconhecidos de mim e
nunca ainda decididos por mim e nunca decididos por ninguém".
2. O grande
motivo deste livro é simples de enunciar, e talvez assustadoramente banal: a
escrita implica isolamento, mais do que "isolamento", porque a
palavra é excessivamente "física", implica "solidão", isto
é, a desertificação do espaço em volta, mas uma desertificação que só pode ser
passional, que só pode exigir uma espécie de inflexibilidade da paixão (nada
mostrar do que se escreve aos amantes que estão de passagem), e esta clausura
do espaço é também uma linha de separação que se introduz no interior da
própria linguagem, não entre as palavras-da-literatura e as
palavras-não-literárias, mas uma linha que atravessa todas as palavras, fazendo
que haja uma espécie de dia sociabilizado de cada palavra, e de noite intratável
dessa mesma palavra, e escrever é assim convocar a noite de cada palavra, a
noite do mundo exterior, as mil e uma noites das palavras, o sono aceso das
palavras, e a noite à volta delas como um firmamento inamovível.
Um dia,
Raymond Queneau, tendo lido um manuscrito de Duras, disse-lhe: "Ne faites
rien d'autre que ça, écrivez". Samuel Beckett, em resposta famosa a um
inquérito do "Libération", em que se perguntava: "Porque
escreve?", respondeu: "Bon qu'à ça". Apenas.
A grande
interrogação é esta: que distingue as pessoas que somente usam no seu
quotidiano a mais funcional e utilitária das escritas, ou mesmo aquelas que,
por profissão escrevem, como são os jornalistas, cumprindo as voltas da
universal reportagem de que fala Mallarmé, das outras pessoas, daquelas um
pouco raras para quem escrever é a única determinação essencial do seu próprio
destino? E que nos liga, a alguns de nós também, não a todos, ao destino dessas
personagens, de tal forma que nos agarramos como órfãos aos restos das suas
frases, às ruínas dos seus textos, como que na convicção de que mesmo na
palavra em desastre poderemos descobrir por entre os escombros a frase decisiva
e essencial da nossa existência?
3. O mais
apaixonante deste livro de Duras é seguirmos a deslocação da pergunta. Porque a
pergunta sobre a escrita é uma pergunta que viaja pelo mundo. "A minha escrita
levei-a sempre comigo onde quer que fosse. A Paris. A Trouville. A Nova Iorque.
Foi em Trouville que me detive na loucura de me tornar LoIa Valérie Stein. Foi também
em Trouville que surgiu o nome de Yann Andréa Steiner. Há um ano". Vemos assim
que a escrita está ligada a outros enigmas. Eu gostaria de falar de casas. Como
escreveu Herberto Helder, "Falemos de casas, da morte. Casas são rosas /
para cheirar muito cedo, ou à noite, quando a esperança / nos abandona para
sempre. / Casas são rios, diuturnos, noturnos rios / celestes que fulguram
lentamente / até uma baía fria – que talvez não exista, / como uma secreta eternidade.
/ Falemos de casas como quem fala da sua alma / entre um incêndio / junto ao
modelo das searas, / na aprendizagem da paciência de vê-las erguer / e morrer
com um pouco, um pouco / de beleza". Em Duras, as casas são fundamentais.
Ela começa o livro desta maneira soberba: "É numa casa que se está só. E
não fora dela, mas dentro dela". E por isso nos fala incessantemente da
casa de Deauville, ou da casa de Neauphle-Ie-Château, paga apenas com dinheiro
da escrita, "dinheiro à vista", sublinha Duras (Saramago, numa
entrevista à "Visão", dirá aproximadamente o mesmo da sua casa em
Lanzarote). A escrita de Duras vai de casa em casa, passando pelo
"apartamento de Paris" (onde Benoit Jacquot a filmou). Tal como vai
de nome em nome.
Porque, no fio dos enigmas com
que se vai tecendo a loucura do dia, existe ainda o nome, que é sempre, na
definição exígua do que nos é próprio, a palavra que se fecha sobre nós e traça
o lugar da nossa solidão irredutível. Isso é mais visível (isto é: torna-se
mais gritante) quando se trata de um nome próprio numa lápide: W. J. Cliffe.
Mas é uma condição partilhada (mesmo por aqueles que sempre pensam noutra coisa).
A escrita de Duras é feita de lugares, isto é, de pontos do mundo em que existe
um vínculo entre um nome e uma clausura do espaço. Ou, se preferirem, entre um
nome e a sua noite. É por isso que um livro aberto é também a noite. Uma vez
que um espaço se fecha, na clausura da escrita, tudo o que dele ficou de fora
pertence ainda ao seu dentro. Da noite da escrita não há exterior, a não ser
que tudo se tenha tornado definitivamente exterior sem mais nada.
“Um livro aberto é também a
noite”,
crónica de Eduardo Prado Coelho para o suplemento Leituras do
jornal Público. Sexta-feira, 06 de outubro de 1993.
Marguerite Duras -
"Écrire" (ARTE)
Assise face à la
caméra, dans sa maison de Neauphle-le-Château, Marguerite Duras s'entretient
avec Benoit Jacquot sur son rapport à l'écriture, à la solitude, et à cette
maison de la banlieue parisienne où elle écrivit "Le vice-consul" et
"Le ravissement de Lol V. Stein".
“Duras, c'est tout”,
crónica de Eduardo Prado Coelho para o suplemento Leituras do jornal Público.
Sábado, 14 de outubro de 1995, p. 12.
“Écrire, de Marguerite Duras – Crónica de Eduardo
Prado Coelho” in Folha de Poesia, José Carreiro. Portugal, 06-10-2019.
Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2019/10/marguerite-duras-ecrire.html