domingo, 19 de fevereiro de 2023

A espantosa realidade das coisas (Alberto Caeiro)


 

A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada coisa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais, naturalmente.
Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada coisa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada,
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem esforço
Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos,
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer coisa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.

 

Fernando Pessoa, Poemas de Alberto Caeiro, 7.ª ed., Lisboa, Ática, 1979

 

 

Apresente, de forma clara e bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1. Explique, de acordo com as quatro primeiras estrofes do poema, em que consiste a «espantosa realidade das coisas» (v. 1).

2. Refira dois sentimentos que a descoberta da «espantosa realidade das coisas» (v. 1) provoca no sujeito poético, justificando a resposta com citações pertinentes.

3. Explicite o modo como o sujeito poético define a sua poesia ao longo do poema.

4. Indique um dos valores expressivos das anáforas presentes na quarta estrofe do poema, fundamentando a sua resposta.

 

 


Explicitação de cenários de resposta

1. A resposta pode contemplar os tópicos que a seguir se enunciam, ou outros considerados relevantes.

A «espantosa realidade das coisas» referida no primeiro verso consiste nos aspetos seguintes:

– as coisas são uma revelação quotidiana (v. 2);

– as coisas simplesmente existem (v. 3);

– as coisas bastam-se a si mesmas (v. 6);

– as coisas têm realidade objetiva, independente dos pensamentos e das emoções do sujeito que as observa ou avalia e dos significados que esse sujeito lhes possa atribuir (vv. 12 a 17);

– as coisas não têm sentimentos nem outras características humanas (vv. 16 e 17).

2. A resposta pode contemplar os tópicos que a seguir se enunciam, ou outros considerados relevantes.

A descoberta da «espantosa realidade das coisas» (v. 1) leva o sujeito poético a experimentar os sentimentos seguintes:

– felicidade – «quanto isso me alegra» (v. 4); «E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido» (v. 19);

– plenitude – «quanto isso me basta» (v. 5); «Basta existir para se ser completo.» (v. 6).

3. A resposta pode contemplar os tópicos que a seguir se enunciam, ou outros considerados relevantes.

Através da leitura do poema, pode perceber-se que o sujeito poético define a sua poesia do seguinte modo:

– os seus poemas afirmam a realidade das coisas e são todos diferentes, como a realidade (vv. 9 a 11);

– a escrita dos seus poemas é espontânea – «Porque o digo como as minhas palavras o dizem» (v. 24); «Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.» (v. 31) – de tal modo que a possibilidade de uma caracterização como «poeta materialista» (v. 25) lhe causa perplexidade;

– os seus versos decorrem de sensações visuais (v. 28);

– o valor do que escreve está nos versos e não no poeta que os escreve (vv. 29 e 30).

4. A resposta pode contemplar os tópicos que a seguir se enunciam, ou outros considerados relevantes.

As anáforas que se encontram na quarta estrofe do poema têm, entre outros, os seguintes valores expressivos:

– a reiteração das ideias apresentadas (nos vv. 13 e 14, o sujeito poético recusa a atribuição de faculdades humanas às coisas; nos vv. 15 a 17, destaca o seu apreço pelas «coisas» reais e exteriores);

– o reforço da oposição entre a atitude que o sujeito poético recusa (vv. 13 e 14) e a atitude que adota (vv. 15 a 17);

– a sugestão de um tom coloquial coerente com a espontaneidade defendida ao longo do poema.

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 639 (Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março). Prova Escrita de Português - 12.º Ano de Escolaridade. Portugal, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2012, Época Especial



Proposta de Escrita:

 

Leia o excerto seguinte da carta sobre a génese dos heterónimos, enviada por Fernando Pessoa a Adolfo Casais Monteiro em 13 de janeiro de 1935.

E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre.

Fernando Pessoa, Correspondência – 1923-1935, ed. de Manuela Parreira da Silva, Lisboa, Assírio & Alvim, 1999

 

Explique, fazendo apelo à sua experiência de leitura, em que medida a poesia de Fernando Pessoa ortónimo se afasta dos ensinamentos do mestre, fundamentando a sua exposição em dois aspetos significativos.

Escreva um texto de oitenta a cento e trinta palavras.

 

Explicitação do cenário de resposta:

Explica, com pertinência e rigor, em que medida a poesia de Fernando Pessoa ortónimo se afasta dos ensinamentos do mestre, fundamentando a exposição em dois aspetos significativos e fazendo referências que refletem um muito bom conhecimento da obra pessoana.

A resposta pode contemplar os tópicos que a seguir se enunciam, ou outros considerados relevantes.

A poesia de Fernando Pessoa ortónimo afasta-se dos ensinamentos do mestre Caeiro em aspetos como:

– a sobrevalorização do pensamento;

– a excessiva subjetividade;

– a desconfiança nos sentidos;

– a consciência aguda da passagem do tempo;

– o medo da morte;

– os sentimentos de tédio e de insatisfação;

– o recurso ao símbolo;

– a revolta contra as leis da natureza;

– a atração pelo oculto;

– a preferência por formas poéticas tradicionais (quadra, redondilha, rima…).

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 639 (Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março). Prova Escrita de Português - 12.º Ano de Escolaridade. Portugal, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2012, Época Especial

 

Sugestão de resposta:

A poesia de Fernando Pessoa ortónimo, em grande medida, distancia-se dos ensinamentos do seu mestre Alberto Caeiro, um dos seus heterónimos. Enquanto Caeiro valorizava a observação e a sensibilidade aos sentidos, Pessoa ortónimo sobrevalorizava o pensamento, a subjetividade e desconfiava dos sentidos. Além disso, ao contrário de Caeiro, Pessoa ortónimo tinha consciência aguda da passagem do tempo, medo da morte, sentimentos de tédio e insatisfação, recorria frequentemente ao símbolo, revolta-se contra as leis da natureza, atraía-se pelo oculto e preferia formas poéticas tradicionais, como a quadra, redondilha e rima. Em resumo, enquanto a poesia de Caeiro celebrava a natureza e a simplicidade, a de Pessoa ortónimo explorava temas mais complexos e abstratos, e recorria a uma variedade de técnicas poéticas e de estilos literários para exprimir as suas ideias e emoções.

Resposta solicitada a ChatGPT (Feb 13 Version), disponível em https://chat.openai.com/chat, 2023-02-18

 

Outra sugestão de resposta:

A poesia de Fernando Pessoa ortónimo afasta-se significativamente dos ensinamentos do seu mestre Alberto Caeiro em vários aspetos. Em primeiro lugar, Pessoa ortónimo sobrevaloriza o pensamento, ao contrário de Caeiro, que defendia que pensar era estar doente dos olhos. Em segundo lugar, a poesia ortónima é excessivamente subjetiva, enquanto Caeiro buscava a objetividade e a simplicidade das coisas. Além disso, Pessoa ortónimo demonstra uma desconfiança nos sentidos, enquanto Caeiro valoriza a experiência sensorial.

A consciência aguda da passagem do tempo, o medo da morte, os sentimentos de tédio e insatisfação são temas recorrentes na poesia ortónima, enquanto Caeiro apreciava a beleza da natureza e tinha uma visão mais otimista da vida. Outra diferença é o recurso ao símbolo, que é frequente na poesia ortónima, mas praticamente inexistente na de Caeiro.

Enquanto Pessoa ortónimo questiona e se revolta contra as leis da natureza, Caeiro aceita-as e encontra nela a sua inspiração poética. A atração pelo oculto, que é um tema frequente na obra ortónima, também é algo que não se encontra na poesia de Caeiro. Por fim, a preferência por formas poéticas tradicionais, como a quadra, a redondilha e a rima, é mais evidente na poesia ortónima, enquanto Caeiro criou um novo estilo poético, o "guardador de rebanhos", que rompeu com a tradição. Em suma, a obra de Pessoa ortónimo e de Caeiro são bastante distintas em termos de temas, estilo e visão de mundo.

Resposta solicitada a ChatGPT (Feb 13 Version), disponível em https://chat.openai.com/chat, 2023-02-18

 

 

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sábado, 18 de fevereiro de 2023

Como quem num dia de Verão abre a porta de casa (Alberto Caeiro)


 

Como quem num dia de Verão abre a porta de casa
E espreita para o calor dos campos com a cara toda,
Às vezes, de repente, bate-me a Natureza de chapa
Na cara dos meus sentidos,
E eu fico confuso, perturbado, querendo perceber
Não sei bem como nem o quê...

Mas quem me mandou a mim querer perceber?
Quem me disse que havia que perceber?

Quando o Verão nos passa pela cara
A mão leve e quente da sua brisa,
Só tenho que sentir agrado porque é brisa
Ou que sentir desagrado porque é quente,
E de qualquer maneira que eu o sinta,
Assim, porque assim o sinto, é que isso é senti-lo...

 

Alberto Caeiro, «O Guardador de Rebanhos», in Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 2001

 

Apresente, de forma estruturada, as suas respostas ao questionário.

1. Releia os primeiros quatro versos. Caracterize a percepção que o «eu» tem da «Natureza».

2. Descreva o estado de espírito do «eu» tal como é expresso nos versos 5 e 6.

3. Explicite a relevância das perguntas que constituem a segunda estrofe.

4. «Quando o Verão nos passa pela cara / A mão leve e quente da sua brisa» (vv. 9-10).

     Refira dois dos valores expressivos da personificação presente nos versos transcritos.

5. Comente o sentido do último verso enquanto conclusão do poema.

 

 

Explicitação de cenários de resposta

1. Segundo os primeiros quatro versos do poema, a percepção que o «eu» tem da «Natureza» caracteriza-se «Às vezes» por uma intensidade inesperada: a realidade atinge o «eu» de forma física e directa («bate-me a Natureza de chapa / Na cara dos meus sentidos»).

A imagem que abre o poema, funcionando como um símile da percepção da «Natureza» pelo «eu», torna particularmente impressivo o carácter físico e avassalador de tal percepção, associada às sensações de calor e de forte luz solar recebidas «num dia de Verão», ao abrir a «porta de casa». (Essa imagem é particularmente impressiva pelo facto de começar por ser referido o gesto de espreitar — vv. 1-2 — o que sublinha, por contraste, a violência e a surpresa da sensação que lhe corresponde.)

2. O «eu» sente-se «confuso», «perturbado» perante a intensidade da sua percepção da «Natureza», que tenta em vão compreender racionalmente. De facto, procura defender-se do choque que a força da sensação lhe causou, transformando-a numa questão racionalizável. Como não o consegue, permanece num estado de confusão e dúvida, que as reticências em final de estrofe sinalizam.

3. Através das perguntas da segunda estrofe, o «eu» põe em causa a sua vontade de «querer perceber», isto é, como modo de reagir ao seu estado de desorientação, o sujeito poético tenta libertar-se da própria necessidade de racionalizar, expressa na estrofe anterior. Assim, o «eu» sugere que é esse mesmo impulso da intelectualização (v. 5) a causa da sua perturbação momentânea perante a «Natureza».

4. A personificação presente nos versos 9-10 tem, entre outros, os seguintes valores expressivos:

intensificar a sensação percepcionada;

atribuir à «Natureza» um papel de fonte de sensações;

expressar uma relação física e directa entre o «eu» e a «Natureza»;

— …

Nota — Recorda-se que o enunciado da pergunta requer a apresentação de dois dos valores expressivos.

5. O último verso sintetiza a decisão definitiva do «eu»: «sentir» as sensações da «Natureza» tal como o seu corpo as recebe, sem se perguntar porquê.

Como conclusão do poema e, nomeadamente, do raciocínio desenvolvido na última estrofe, este verso expressa que a sensação é sempre clara e simples e que apenasque senti-la, o que implica o rejeitar da avaliação racional. Na verdade, tentar «perceber» dificulta, se é que não impede mesmo, o «sentir», que é um modo directo de aceder à realidade.

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 139. 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de agosto). Cursos Gerais e Cursos Tecnológicos. Prova Escrita de Português B. Portugal, GAVE, 2004, 2.ª fase

 

Proposta de resolução da Associação de Professores de Português:

1. Após a leitura dos quatro primeiros versos, a natureza apresenta -se ao poeta como algo que o penetra, que toma conta de todos os seus sentidos (“bate-me a Natureza de chapa”).

2. O sujeito poético sente-se “confuso” e “perturbado” perante o contacto com a Natureza. Quer perceber, sem que tenha consciência do objecto dessa percepção.

3. As perguntas que faz, mostram que ele está a pôr em causa a sua vontade de “querer perceber”, tentando reagir a essa vontade de racionalização.

4. A personificação presente nesses versos pode exprimir uma relação física entre o sujeito poético e a natureza e mostra como a Natureza tem um papel muito importante na transmissão de sensações.

5. O último verso mostra que o poeta conseguiu afastar a tentação de pensar, deixando-se dominar pelos sentidos e sentindo as sensações da Natureza tal como o seu corpo as recebe, sem querer saber o porquê.

APP, 14-06-2004




 

II - Elabore um comentário do poema de Alberto Caeiro em que desenvolva os seguintes tópicos:

- composição estrófica e estruturação lógica;

- relação entre o «eu» e a «Natureza»;

- oposição entre «perceber» e «sentir»;

- integração na poesia de Alberto Caeiro.

 

Explicitação de cenários de resposta:

Composição estrófica e estruturação lógica

- Apesar de composto em verso livre, o poema obedece a um princípio nítido de construção.

- A primeira e a terceira estrofes têm o mesmo número de versos, e correspondem a dois momentos simétricos da elaboração lógica do poema, com uma estrofe medial que estabelece a transição entre elas, e que, por sua vez, é construída com duas perguntas retóricas associadas.

- A primeira estrofe expõe uma perturbação na relação «eu» - «Natureza», a que a estrofe medial responde, vindo a terceira estrofe repor uma situação de equilíbrio nessa relação.

 

Relação entre o «eu» e a «Natureza»

- A «Natureza» tem uma relação com o «eu» muito física e direta, que pode provocar, pela sua intensidade inesperada, confusão ou perturbação.

- O «eu» descobre a sua capacidade para sentir simplesmente, quer as sensações que a Natureza proporciona, quer as reações subjetivas que às sensações vêm associadas.

- A «Natureza» é a fonte das sensações, e o «eu» tem de as sentir tal como lhe são dadas, sem perguntar porquê.

- …

 

Oposição entre «perceber» e «sentir»

- O «eu» considera que a perturbação que às vezes sente perante a «Natureza» advém de «querer perceber», isto é, de tentar exercer a sua capacidade de racionalização ou intelectualização.

- «Perceber» torna impossível o «sentir».

- A sensação é sempre clara e simples, mas o pensamento é fonte de confusão.

- …

 

Integração na poesia de Alberto Caeiro

- Tal como este poema, a poesia de Caeiro é toda em verso livre.

- Escolhe a sintaxe mais simples e o vocabulário mais comum.

- Representa sempre a mesma situação: um homem sozinho num cenário da Natureza.

- Propõe a desvalorização do pensar e a valorização do sentir, o que se traduz numa atitude antimetafísica geral.

- Recusa o misticismo espiritualista e afirma-se na sensação da realidade imediata.

- …

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 134. 12.º Ano de Escolaridade - Via de Ensino (4.º curso). Prova Escrita de Literatura Portuguesa. Portugal, GAVE, 1998, 1.ª fase, 1.ª chamada

 

Sugestão de resposta:

O poema de Alberto Caeiro, intitulado "Como quem num dia de Verão abre a porta de casa", apresenta uma estruturação lógica clara, apesar de ser composto em verso livre. A primeira e a terceira estrofes têm o mesmo número de versos, e correspondem a dois momentos simétricos da elaboração lógica do poema, com uma estrofe medial que estabelece a transição entre elas, e que, por sua vez, é construída com duas perguntas retóricas associadas. A primeira estrofe expõe uma perturbação na relação "eu" - "Natureza", a que a estrofe medial responde, vindo a terceira estrofe repor uma situação de equilíbrio nessa relação.

A relação entre o "eu" e a "Natureza" é muito física e direta, e pode provocar confusão ou perturbação no "eu" pela sua intensidade inesperada. O "eu" descobre a sua capacidade para sentir simplesmente, quer as sensações que a Natureza proporciona, quer as reações subjetivas que às sensações vêm associadas. A Natureza é a fonte das sensações, e o "eu" tem de as sentir tal como lhe são dadas, sem perguntar porquê.

O poema apresenta ainda uma oposição entre "perceber" e "sentir". O "eu" considera que a perturbação que às vezes sente perante a Natureza advém de "querer perceber", isto é, de tentar exercer a sua capacidade de racionalização ou intelectualização. "Perceber" torna impossível o "sentir". A sensação é sempre clara e simples, mas o pensamento é fonte de confusão.

Este poema integra-se perfeitamente na poesia de Alberto Caeiro, que é toda em verso livre e escolhe a sintaxe mais simples e o vocabulário mais comum. Representa sempre a mesma situação: um homem sozinho num cenário da Natureza. Propõe a desvalorização do pensar e a valorização do sentir, o que se traduz numa atitude antimetafísica geral. Recusa o misticismo espiritualista e afirma-se na sensação da realidade imediata. Em suma, este poema é uma manifestação da poética de Caeiro, centrada na experiência sensível e na negação da transcendência.

 

Análise textual solicitada a ChatGPT (Feb 13 Version), disponível em https://chat.openai.com/chat, 2023-02-17

 

Outra sugestão de resposta:

O poema de Alberto Caeiro, intitulado "Como quem num dia de Verão abre a porta de casa", retrata a relação direta e imediata entre o "eu" e a "Natureza". Através da imagem de um dia de Verão em que se abre a porta de casa e se sente o calor dos campos na cara, o poeta descreve a experiência sensorial que muitas vezes pode ser perturbadora e confusa, mas que, ainda assim, é uma sensação genuína.

O poema é composto em verso livre, mas tem uma estruturação lógica clara, com duas estrofes simétricas que correspondem a dois momentos distintos da relação entre o "eu" e a "Natureza", separadas por uma estrofe medial que estabelece a transição entre elas.

A relação entre o "eu" e a "Natureza" é retratada como uma relação física e direta, em que a "Natureza" é a fonte das sensações e o "eu" tem de sentir simplesmente, sem questionar ou tentar intelectualizar a experiência. O poema critica a tendência do "eu" em querer perceber as sensações, o que torna impossível o sentir, e propõe uma valorização do sentir em detrimento do pensar.

No contexto da poesia de Alberto Caeiro, este poema integra-se perfeitamente na sua proposta de uma poesia que valoriza a sensação e a experiência imediata da realidade, sem se deixar levar pela especulação metafísica ou pela tendência para a racionalização excessiva. O poema é um exemplo claro da simplicidade da linguagem e da visão do mundo que caracterizam a poesia de Caeiro.

 

Análise textual solicitada a ChatGPT (Feb 13 Version), disponível em https://chat.openai.com/chat, 2023-02-17

 

 

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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

O mistério das cousas, onde está ele? (Alberto Caeiro)


 

XXXIX

O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
Que sabe o rio disso e que sabe a árvore?
E eu, que não sou mais do que eles, que sei disso?
Sempre que olho para as cousas e penso no que os homens pensam delas,
Rio como um regato que soa fresco numa pedra.

Porque o único sentido oculto das cousas
É elas não terem sentido oculto nenhum.
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as cousas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.

Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: -
As cousas não têm significação: têm existência.
As cousas são o único sentido oculto das cousas.

 

Alberto Caeiro, «O Guardador de Rebanhos», in Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 2001

 

I - Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas ao questionário.

1. Explicite a relação que se estabelece entre o desenvolvimento do tema e a estrutura estrófica do poema.

2. Refira um dos efeitos de sentido produzidos pelas interrogações presentes na primeira estrofe.

3. Interprete as referências aos «poetas» (v. 11) e aos «filósofos» (v. 12).

4. Tendo em conta, nomeadamente, os versos catorze e quinze, explique como se constrói a aprendizagem do «eu».

5. Comente a importância do último verso enquanto conclusão do texto.

 

Explicitação de cenários de resposta

1. O poema organiza-se em três momentos, correspondendo globalmente cada um deles a uma estrofe, cujo subtema ou mote é enunciado nos versos de abertura.

Assim, o poema inicia-se com a identificação de um problema («O mistério das cousas, onde está ele?»), glosado na primeira estrofe.

Os dois versos iniciais da segunda estrofe («Porque o único sentido oculto das cousas / É elas não terem sentido oculto nenhum.») enunciam o argumento que desconstrói esse problema, argumento que é expandido ao longo desta estrofe medial.

O primeiro verso da terceira estrofe («Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: ‑») anuncia a conclusão, formulada como um resumo do raciocínio precedente.

2. As interrogações (vv. 1-5) produzem, entre outros, os seguintes efeitos de sentido:

- conferem vivacidade ao discurso poético, destacando cada um dos elementos da cadeia do raciocínio;

- suscitam o interesse pelo problema apresentado;

- marcam mudanças de enfoque na argumentação (reduzindo ao absurdo o problema colocado ou questionando a existência de um saber com capacidade de o resolver);

-

Nota - Recorda-se que o enunciado da pergunta requer a explicitação de um efeito de sentido.

3. Os «poetas» e os «filósofos», sujeitos da busca de sentido oculto para as «cousas», são mencionados como pontos de comparação relativamente à estranheza das «cousas» sem «sentido oculto nenhum». É que nem os «poetas» nem os «filósofos» conseguem atingir, pelos seus «sonhos» ou pelos seus «pensamentos», a simples existência das «cousas». Com efeito, ambos procuram «compreender» aquilo que, para Caeiro, apenas tem «existência».

4. O verso catorze remata o discurso sobre a estranheza de as «cousas» «não terem sentido oculto nenhum», mencionando o facto de não haver «nada que compreender» como a maior de todas as «estranhezas». O sentido desta afirmação clarifica-se no verso seguinte («Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: -»), ou seja, o saber que as «cousas» não ocultam mistérios corresponde a uma aprendizagem do «eu», construída através da simples apreensão dos sentidos, sem interferência da compreensão intelectual.

5. O verso «As cousas são o único sentido oculto das cousas.» encerra a questão da «significação» das «cousas», que se coloca ao longo do poema, dando resposta definitiva à interrogação lançada no primeiro verso.

A negação da existência de «sentido oculto» nas «cousas», inscrita nos versos 8-9, surge reformulada neste verso, que convoca outros temas do texto, nomeadamente, a estranheza da coincidência entre o ser e o parecer das «cousas» (v. 13) e a sua simples existência sem «significação» (v. 16).

Deste modo, o verso «As cousas são o único sentido oculto das cousas.» quer dizer que o «sentido oculto» das «cousas» reside no existir, sem «significação», das «cousas» em si mesmas, tal como se apresentam aos sentidos. 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 139. 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de agosto). Cursos Gerais e Cursos Tecnológicos. Prova Escrita de Português B. Portugal, GAVE, 2003, Recurso


*** 


II - Comente o texto, desenvolvendo, de forma especial, os seguintes aspetos:

- classificação do discurso;

- descrição da estrutura externa e interna do texto;

- marcas morfossintáticas, semânticas e estilísticas relevantes;

- interpretação: perspetivas filosóficas assumidas pelo sujeito de enunciação;

- relações com outros textos de Caeiro e do Ortónimo seus conhecidos.

 

Tópicos de correção:

Classificação do discurso e descrição da sua estrutura:

- texto literário;

- género lírico;

- estrutura externa:

- mancha irregular;

- três estrofes irregulares;

- verso livre;

- estrutura interna: divisão em três partes;

- formulação de questões;

- resposta do sujeito lírico;

- síntese confirmativa.


Marcas morfossintáticas, semânticas e estilísticas relevantes:

- interrogações;

- pronomes;

- formas verbais;

- repetições;

- pobreza lexical;

- palavras-chave;

- imagens e comparações bem conseguidas.

 

Perspetivas filosóficas assumidas pelo sujeito de enunciação:

- aceitação do mundo tal qual ele é;

- recusa da metafísica;

- fenomenalismo;

- sensorialismo.

 

Relações com a restante obra de Caeiro e com o Ortónimo:

- em especial de semelhança:

· por exemplo, os poemas IX e X de O Guardador de Rebanhos;

· Caeiro, poeta ingénuo, do real objectivo, que vive de impressões, mormente visuais;

- em especial de diferença:

· por exemplo, "Ela canta, pobre ceifeira";

· o Ortónimo, poeta racionalista, da "dor de pensar", que vive pela imaginação. 

Prova Escrita de Literatura Portuguesa, 12.° ano, 1991, 2.ª Fase


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