A
espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada coisa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.
Basta existir para se ser completo.
Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais, naturalmente.
Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada coisa que há é uma maneira de dizer isto.
Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada,
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.
Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.
Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem esforço
Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos,
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.
Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer coisa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.
Fernando
Pessoa, Poemas de Alberto Caeiro,
7.ª ed., Lisboa, Ática, 1979
Apresente, de forma clara e bem
estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.
1. Explique, de
acordo com as quatro primeiras estrofes do poema, em que consiste a «espantosa
realidade das coisas» (v. 1).
2. Refira dois
sentimentos que a descoberta da «espantosa realidade das coisas» (v. 1) provoca
no sujeito poético, justificando a resposta com citações pertinentes.
3. Explicite o
modo como o sujeito poético define a sua poesia ao longo do poema.
4. Indique um dos
valores expressivos das anáforas presentes na quarta estrofe do poema,
fundamentando a sua resposta.
Explicitação de cenários de
resposta
1. A resposta pode contemplar os
tópicos que a seguir se enunciam, ou outros considerados relevantes.
A «espantosa realidade das coisas» referida no primeiro verso consiste
nos aspetos seguintes:
– as coisas são uma revelação quotidiana (v. 2);
– as coisas simplesmente existem (v. 3);
– as coisas bastam-se a si mesmas (v. 6);
– as coisas têm realidade objetiva, independente dos pensamentos e das
emoções do sujeito que as observa ou avalia e dos significados que esse sujeito
lhes possa atribuir (vv. 12 a 17);
– as coisas
não têm sentimentos nem outras características humanas (vv. 16 e 17).
2. A resposta
pode contemplar os tópicos que a seguir se enunciam, ou outros considerados
relevantes.
A descoberta da «espantosa realidade das coisas» (v. 1) leva o sujeito
poético a experimentar os sentimentos seguintes:
– felicidade – «quanto isso me alegra» (v. 4); «E acho que só para
ouvir passar o vento vale a pena ter nascido» (v. 19);
– plenitude –
«quanto isso me basta» (v. 5); «Basta existir para se ser completo.» (v. 6).
3. A resposta pode contemplar os
tópicos que a seguir se enunciam, ou outros considerados relevantes.
Através da leitura do poema, pode perceber-se que o sujeito poético
define a sua poesia do seguinte modo:
– os seus poemas afirmam a realidade das coisas e são todos
diferentes, como a realidade (vv. 9 a 11);
– a escrita dos seus poemas é espontânea – «Porque o digo como as
minhas palavras o dizem» (v. 24); «Tudo isso é absolutamente independente da
minha vontade.» (v. 31) – de tal modo que a possibilidade de uma caracterização
como «poeta materialista» (v. 25) lhe causa perplexidade;
– os seus versos decorrem de sensações visuais (v. 28);
– o valor do
que escreve está nos versos e não no poeta que os escreve (vv. 29 e 30).
4. A resposta pode contemplar os
tópicos que a seguir se enunciam, ou outros considerados relevantes.
As anáforas que se encontram na quarta estrofe do poema têm, entre
outros, os seguintes valores expressivos:
– a reiteração das ideias apresentadas (nos vv. 13 e 14, o sujeito
poético recusa a atribuição de faculdades humanas às coisas; nos vv. 15 a 17,
destaca o seu apreço pelas «coisas» reais e exteriores);
– o reforço da oposição entre a atitude que o sujeito poético recusa
(vv. 13 e 14) e a atitude que adota (vv. 15 a 17);
– a sugestão
de um tom coloquial coerente com a espontaneidade defendida ao longo do poema.
Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º
639 (Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de março). Prova Escrita de Português - 12.º
Ano de Escolaridade. Portugal, GAVE-Gabinete de
Avaliação Educacional, 2012, Época Especial
Proposta de Escrita:
Leia o excerto
seguinte da carta sobre a génese dos heterónimos, enviada por Fernando Pessoa a
Adolfo Casais Monteiro em 13 de janeiro de 1935.
E o que se seguiu
foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto
Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre.
Fernando
Pessoa, Correspondência – 1923-1935, ed. de Manuela Parreira da Silva,
Lisboa, Assírio & Alvim, 1999
Explique, fazendo
apelo à sua experiência de leitura, em que medida a poesia de Fernando Pessoa
ortónimo se afasta dos ensinamentos do mestre, fundamentando a sua exposição em
dois aspetos significativos.
Escreva um texto
de oitenta a cento e trinta palavras.
Explicitação do cenário de
resposta:
Explica, com
pertinência e rigor, em que medida a poesia de Fernando Pessoa ortónimo se
afasta dos ensinamentos do mestre, fundamentando a exposição em dois aspetos significativos
e fazendo referências que refletem um muito bom conhecimento da obra pessoana.
A resposta pode
contemplar os tópicos que a seguir se enunciam, ou outros considerados
relevantes.
A poesia de
Fernando Pessoa ortónimo afasta-se dos ensinamentos do mestre Caeiro em aspetos
como:
– a sobrevalorização do pensamento;
– a excessiva subjetividade;
– a desconfiança nos sentidos;
– a consciência aguda da passagem do tempo;
– o medo da morte;
– os sentimentos de tédio e de insatisfação;
– o recurso ao símbolo;
– a revolta contra as leis da natureza;
– a atração pelo oculto;
– a preferência por formas poéticas tradicionais
(quadra, redondilha, rima…).
Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 639 (Decreto-Lei
n.º 74/2004, de 26 de março). Prova Escrita de Português - 12.º Ano de
Escolaridade. Portugal, GAVE-Gabinete de Avaliação Educacional, 2012, Época
Especial
Sugestão de
resposta:
A poesia de
Fernando Pessoa ortónimo, em grande medida, distancia-se dos ensinamentos do
seu mestre Alberto Caeiro, um dos seus heterónimos. Enquanto Caeiro valorizava
a observação e a sensibilidade aos sentidos, Pessoa ortónimo sobrevalorizava o
pensamento, a subjetividade e desconfiava dos sentidos. Além disso, ao
contrário de Caeiro, Pessoa ortónimo tinha consciência aguda da passagem do
tempo, medo da morte, sentimentos de tédio e insatisfação, recorria
frequentemente ao símbolo, revolta-se contra as leis da natureza, atraía-se
pelo oculto e preferia formas poéticas tradicionais, como a quadra, redondilha
e rima. Em resumo, enquanto a poesia de Caeiro celebrava a natureza e a
simplicidade, a de Pessoa ortónimo explorava temas mais complexos e abstratos,
e recorria a uma variedade de técnicas poéticas e de estilos literários para
exprimir as suas ideias e emoções.
Resposta solicitada a ChatGPT (Feb 13
Version), disponível em https://chat.openai.com/chat, 2023-02-18
Outra sugestão
de resposta:
A poesia de
Fernando Pessoa ortónimo afasta-se significativamente dos ensinamentos do seu
mestre Alberto Caeiro em vários aspetos. Em primeiro lugar, Pessoa ortónimo
sobrevaloriza o pensamento, ao contrário de Caeiro, que defendia que pensar era
estar doente dos olhos. Em segundo lugar, a poesia ortónima é excessivamente
subjetiva, enquanto Caeiro buscava a objetividade e a simplicidade das coisas.
Além disso, Pessoa ortónimo demonstra uma desconfiança nos sentidos, enquanto
Caeiro valoriza a experiência sensorial.
A consciência
aguda da passagem do tempo, o medo da morte, os sentimentos de tédio e
insatisfação são temas recorrentes na poesia ortónima, enquanto Caeiro
apreciava a beleza da natureza e tinha uma visão mais otimista da vida. Outra
diferença é o recurso ao símbolo, que é frequente na poesia ortónima, mas
praticamente inexistente na de Caeiro.
Enquanto Pessoa
ortónimo questiona e se revolta contra as leis da natureza, Caeiro aceita-as e
encontra nela a sua inspiração poética. A atração pelo oculto, que é um tema
frequente na obra ortónima, também é algo que não se encontra na poesia de
Caeiro. Por fim, a preferência por formas poéticas tradicionais, como a quadra,
a redondilha e a rima, é mais evidente na poesia ortónima, enquanto Caeiro
criou um novo estilo poético, o "guardador de rebanhos", que rompeu
com a tradição. Em suma, a obra de Pessoa ortónimo e de Caeiro são bastante
distintas em termos de temas, estilo e visão de mundo.
Resposta solicitada a ChatGPT (Feb 13
Version), disponível em https://chat.openai.com/chat, 2023-02-18
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seleção, notas e sugestões para análise literária da obra de Fernando Pessoa,
por José Carreiro.
- In: Lusofonia, https://sites.google.com/site/ciberlusofonia/PT/literatura-portuguesa/fernando_pessoa, 2021 (3.ª edição)
- e Folha de Poesia, 17-05-2018. Disponível em: https://folhadepoesia.blogspot.com/2018/05/fernando-pessoa-13061888-30111935.html
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