sábado, 18 de fevereiro de 2023

Como quem num dia de Verão abre a porta de casa (Alberto Caeiro)


 

Como quem num dia de Verão abre a porta de casa
E espreita para o calor dos campos com a cara toda,
Às vezes, de repente, bate-me a Natureza de chapa
Na cara dos meus sentidos,
E eu fico confuso, perturbado, querendo perceber
Não sei bem como nem o quê...

Mas quem me mandou a mim querer perceber?
Quem me disse que havia que perceber?

Quando o Verão nos passa pela cara
A mão leve e quente da sua brisa,
Só tenho que sentir agrado porque é brisa
Ou que sentir desagrado porque é quente,
E de qualquer maneira que eu o sinta,
Assim, porque assim o sinto, é que isso é senti-lo...

 

Alberto Caeiro, «O Guardador de Rebanhos», in Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim, 2001

 

Apresente, de forma estruturada, as suas respostas ao questionário.

1. Releia os primeiros quatro versos. Caracterize a percepção que o «eu» tem da «Natureza».

2. Descreva o estado de espírito do «eu» tal como é expresso nos versos 5 e 6.

3. Explicite a relevância das perguntas que constituem a segunda estrofe.

4. «Quando o Verão nos passa pela cara / A mão leve e quente da sua brisa» (vv. 9-10).

     Refira dois dos valores expressivos da personificação presente nos versos transcritos.

5. Comente o sentido do último verso enquanto conclusão do poema.

 

 

Explicitação de cenários de resposta

1. Segundo os primeiros quatro versos do poema, a percepção que o «eu» tem da «Natureza» caracteriza-se «Às vezes» por uma intensidade inesperada: a realidade atinge o «eu» de forma física e directa («bate-me a Natureza de chapa / Na cara dos meus sentidos»).

A imagem que abre o poema, funcionando como um símile da percepção da «Natureza» pelo «eu», torna particularmente impressivo o carácter físico e avassalador de tal percepção, associada às sensações de calor e de forte luz solar recebidas «num dia de Verão», ao abrir a «porta de casa». (Essa imagem é particularmente impressiva pelo facto de começar por ser referido o gesto de espreitar — vv. 1-2 — o que sublinha, por contraste, a violência e a surpresa da sensação que lhe corresponde.)

2. O «eu» sente-se «confuso», «perturbado» perante a intensidade da sua percepção da «Natureza», que tenta em vão compreender racionalmente. De facto, procura defender-se do choque que a força da sensação lhe causou, transformando-a numa questão racionalizável. Como não o consegue, permanece num estado de confusão e dúvida, que as reticências em final de estrofe sinalizam.

3. Através das perguntas da segunda estrofe, o «eu» põe em causa a sua vontade de «querer perceber», isto é, como modo de reagir ao seu estado de desorientação, o sujeito poético tenta libertar-se da própria necessidade de racionalizar, expressa na estrofe anterior. Assim, o «eu» sugere que é esse mesmo impulso da intelectualização (v. 5) a causa da sua perturbação momentânea perante a «Natureza».

4. A personificação presente nos versos 9-10 tem, entre outros, os seguintes valores expressivos:

intensificar a sensação percepcionada;

atribuir à «Natureza» um papel de fonte de sensações;

expressar uma relação física e directa entre o «eu» e a «Natureza»;

— …

Nota — Recorda-se que o enunciado da pergunta requer a apresentação de dois dos valores expressivos.

5. O último verso sintetiza a decisão definitiva do «eu»: «sentir» as sensações da «Natureza» tal como o seu corpo as recebe, sem se perguntar porquê.

Como conclusão do poema e, nomeadamente, do raciocínio desenvolvido na última estrofe, este verso expressa que a sensação é sempre clara e simples e que apenasque senti-la, o que implica o rejeitar da avaliação racional. Na verdade, tentar «perceber» dificulta, se é que não impede mesmo, o «sentir», que é um modo directo de aceder à realidade.

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 139. 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de agosto). Cursos Gerais e Cursos Tecnológicos. Prova Escrita de Português B. Portugal, GAVE, 2004, 2.ª fase

 

Proposta de resolução da Associação de Professores de Português:

1. Após a leitura dos quatro primeiros versos, a natureza apresenta -se ao poeta como algo que o penetra, que toma conta de todos os seus sentidos (“bate-me a Natureza de chapa”).

2. O sujeito poético sente-se “confuso” e “perturbado” perante o contacto com a Natureza. Quer perceber, sem que tenha consciência do objecto dessa percepção.

3. As perguntas que faz, mostram que ele está a pôr em causa a sua vontade de “querer perceber”, tentando reagir a essa vontade de racionalização.

4. A personificação presente nesses versos pode exprimir uma relação física entre o sujeito poético e a natureza e mostra como a Natureza tem um papel muito importante na transmissão de sensações.

5. O último verso mostra que o poeta conseguiu afastar a tentação de pensar, deixando-se dominar pelos sentidos e sentindo as sensações da Natureza tal como o seu corpo as recebe, sem querer saber o porquê.

APP, 14-06-2004




 

II - Elabore um comentário do poema de Alberto Caeiro em que desenvolva os seguintes tópicos:

- composição estrófica e estruturação lógica;

- relação entre o «eu» e a «Natureza»;

- oposição entre «perceber» e «sentir»;

- integração na poesia de Alberto Caeiro.

 

Explicitação de cenários de resposta:

Composição estrófica e estruturação lógica

- Apesar de composto em verso livre, o poema obedece a um princípio nítido de construção.

- A primeira e a terceira estrofes têm o mesmo número de versos, e correspondem a dois momentos simétricos da elaboração lógica do poema, com uma estrofe medial que estabelece a transição entre elas, e que, por sua vez, é construída com duas perguntas retóricas associadas.

- A primeira estrofe expõe uma perturbação na relação «eu» - «Natureza», a que a estrofe medial responde, vindo a terceira estrofe repor uma situação de equilíbrio nessa relação.

 

Relação entre o «eu» e a «Natureza»

- A «Natureza» tem uma relação com o «eu» muito física e direta, que pode provocar, pela sua intensidade inesperada, confusão ou perturbação.

- O «eu» descobre a sua capacidade para sentir simplesmente, quer as sensações que a Natureza proporciona, quer as reações subjetivas que às sensações vêm associadas.

- A «Natureza» é a fonte das sensações, e o «eu» tem de as sentir tal como lhe são dadas, sem perguntar porquê.

- …

 

Oposição entre «perceber» e «sentir»

- O «eu» considera que a perturbação que às vezes sente perante a «Natureza» advém de «querer perceber», isto é, de tentar exercer a sua capacidade de racionalização ou intelectualização.

- «Perceber» torna impossível o «sentir».

- A sensação é sempre clara e simples, mas o pensamento é fonte de confusão.

- …

 

Integração na poesia de Alberto Caeiro

- Tal como este poema, a poesia de Caeiro é toda em verso livre.

- Escolhe a sintaxe mais simples e o vocabulário mais comum.

- Representa sempre a mesma situação: um homem sozinho num cenário da Natureza.

- Propõe a desvalorização do pensar e a valorização do sentir, o que se traduz numa atitude antimetafísica geral.

- Recusa o misticismo espiritualista e afirma-se na sensação da realidade imediata.

- …

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 134. 12.º Ano de Escolaridade - Via de Ensino (4.º curso). Prova Escrita de Literatura Portuguesa. Portugal, GAVE, 1998, 1.ª fase, 1.ª chamada

 

Sugestão de resposta:

O poema de Alberto Caeiro, intitulado "Como quem num dia de Verão abre a porta de casa", apresenta uma estruturação lógica clara, apesar de ser composto em verso livre. A primeira e a terceira estrofes têm o mesmo número de versos, e correspondem a dois momentos simétricos da elaboração lógica do poema, com uma estrofe medial que estabelece a transição entre elas, e que, por sua vez, é construída com duas perguntas retóricas associadas. A primeira estrofe expõe uma perturbação na relação "eu" - "Natureza", a que a estrofe medial responde, vindo a terceira estrofe repor uma situação de equilíbrio nessa relação.

A relação entre o "eu" e a "Natureza" é muito física e direta, e pode provocar confusão ou perturbação no "eu" pela sua intensidade inesperada. O "eu" descobre a sua capacidade para sentir simplesmente, quer as sensações que a Natureza proporciona, quer as reações subjetivas que às sensações vêm associadas. A Natureza é a fonte das sensações, e o "eu" tem de as sentir tal como lhe são dadas, sem perguntar porquê.

O poema apresenta ainda uma oposição entre "perceber" e "sentir". O "eu" considera que a perturbação que às vezes sente perante a Natureza advém de "querer perceber", isto é, de tentar exercer a sua capacidade de racionalização ou intelectualização. "Perceber" torna impossível o "sentir". A sensação é sempre clara e simples, mas o pensamento é fonte de confusão.

Este poema integra-se perfeitamente na poesia de Alberto Caeiro, que é toda em verso livre e escolhe a sintaxe mais simples e o vocabulário mais comum. Representa sempre a mesma situação: um homem sozinho num cenário da Natureza. Propõe a desvalorização do pensar e a valorização do sentir, o que se traduz numa atitude antimetafísica geral. Recusa o misticismo espiritualista e afirma-se na sensação da realidade imediata. Em suma, este poema é uma manifestação da poética de Caeiro, centrada na experiência sensível e na negação da transcendência.

 

Análise textual solicitada a ChatGPT (Feb 13 Version), disponível em https://chat.openai.com/chat, 2023-02-17

 

Outra sugestão de resposta:

O poema de Alberto Caeiro, intitulado "Como quem num dia de Verão abre a porta de casa", retrata a relação direta e imediata entre o "eu" e a "Natureza". Através da imagem de um dia de Verão em que se abre a porta de casa e se sente o calor dos campos na cara, o poeta descreve a experiência sensorial que muitas vezes pode ser perturbadora e confusa, mas que, ainda assim, é uma sensação genuína.

O poema é composto em verso livre, mas tem uma estruturação lógica clara, com duas estrofes simétricas que correspondem a dois momentos distintos da relação entre o "eu" e a "Natureza", separadas por uma estrofe medial que estabelece a transição entre elas.

A relação entre o "eu" e a "Natureza" é retratada como uma relação física e direta, em que a "Natureza" é a fonte das sensações e o "eu" tem de sentir simplesmente, sem questionar ou tentar intelectualizar a experiência. O poema critica a tendência do "eu" em querer perceber as sensações, o que torna impossível o sentir, e propõe uma valorização do sentir em detrimento do pensar.

No contexto da poesia de Alberto Caeiro, este poema integra-se perfeitamente na sua proposta de uma poesia que valoriza a sensação e a experiência imediata da realidade, sem se deixar levar pela especulação metafísica ou pela tendência para a racionalização excessiva. O poema é um exemplo claro da simplicidade da linguagem e da visão do mundo que caracterizam a poesia de Caeiro.

 

Análise textual solicitada a ChatGPT (Feb 13 Version), disponível em https://chat.openai.com/chat, 2023-02-17

 

 

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