quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Que noite serena! (Álvaro de Campos)

 



Que noite serena!
Que lindo luar!
Que linda barquinha
Bailando no mar!

Suave, todo o passado - o que foi aqui de Lisboa - me surge ...
O terceiro-andar das tias, o sossego de outrora,
Sossego de várias espécies,
A infância sem o futuro pensado,
O ruído aparentemente contínuo da máquina de costura delas,
E tudo bom e a horas,
De um bem e de um a-horas próprio, hoje morto.

Meu Deus, que fiz eu da vida?

Que noite serena, etc.

Quem é que cantava isso?
Isso estava lá.
Lembro-me mas esqueço.
E dói, dói, dói...

Por amor de Deus, parem com isso dentro da minha cabeça. 

Álvaro de Campos. Poesias. Lisboa, Ática, 1993

 

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas ao questionário.

1. Neste poema, o sujeito poético evoca o passado. Refira os traços caracterizadores desse passado.

2. Os quatro primeiros versos são a citação de uma cantiga, parcialmente retomada no verso 13. Explique a função de cada uma destas citações.

3. Explicite o sentido da oposição adverbial «aqui» (v. 5) e «lá» (v. 15).

4. Comente o efeito expressivo da repetição «E dói, dói, dói...» (v. 17).

5. Analise os sentimentos do sujeito poético, relativamente ao presente.

 

Explicitação de cenários de resposta

1. O tempo evocado é o da infância feliz vivida em Lisboa, caracterizado como:

- um tempo de encantamento, trazido pela cantiga que a memória convoca;

- um tempo de «Sossego de várias espécies», físicas e mentais, vivido como um tempo despreocupado («A infância sem o futuro pensado»);

- um tempo de harmonia, tranquilo e organizado, de vivências familiares e domésticas, representado pelo «terceiro-andar das tias», com o «ruído aparentemente continuo da máquina de costura», e em que «tudo» era «bom e a horas».

2. A primeira citação induz a memória encantada da infância, o tempo em que o «eu» ouvia a cantiga evocada.

A segunda citação surge quando a consciência do presente se interpõe entre o «eu» e a recordação da infância. Continuando a ecoar, como que mecanicamente, na memória do sujeito, a cantiga do tempo da infância revela-se um resto do passado morto, já sem sentido, uma memória avulsa e incómoda, que o sujeito tenta inutilmente racionalizar (situando-o) ou calar.

3. A oposição adverbial «aqui» e «lá» marca o distanciamento que se opera na consciência do sujeito em relação à memória convocada. O advérbio «aqui» refere o lugar do presente, percebido como sendo o mesmo lugar da infância; «lá» remete para a infância, que já só existe na memória do sujeito e está irremediavelmente distante do «eu» presente.

4. A repetição de «dói» produz o efeito de superlativação da dor do sujeito, efeito induzido cumulativamente pelo valor semântico e rítmico da repetição. De facto. esta, construindo um verso curto tripartido, escandido pela repetição do monossílabo de sons abertos «dói», confere a essa dor o carácter de uma presença insuportável, de que o sujeito não consegue libertar-se.

5. A consciência do presente, surgindo do confronto com o passado evocado (v. 11), traduz-se no sentimento de perda irremediável que domina o sujeito poético, relativamente ao passado, à vida e à própria memória. Esta agudiza, no presente, a saudade de um tempo definitivamente perdido («Lembro-me, mas esqueço.»). O verso final é expressão do desespero do «eu», confrontado com a dolorosa impossibilidade de esquecer a cantiga e, ao mesmo tempo, de recuperar a infância.

 

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 139. 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de agosto). Cursos Gerais e Cursos Tecnológicos. Prova Escrita de Português B. Portugal, GAVE, 2001, 2.ª fase

 

 

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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Começa a haver meia-noite, e a haver sossego (Álvaro de Campos)


 


Começa a haver meia-noite, e a haver sossego,
Por toda a parte das coisas sobrepostas,
Os andares vários da acumulação da vida...
Calaram o piano no terceiro-andar..
Não oiço já passos no segundo-andar.
No rés-do-chão o rádio está em silêncio...

Vai tudo dormir…

Fico sozinho com o universo inteiro.
Não quero ir à janela:
Se eu olhar, que de estrelas!
Que grandes silêncios maiores há no alto!
Que céu anticitadino! –

Antes, recluso,
Num desejo de não ser recluso,
Escuto ansiosamente os ruídos da rua...
Um automóvel! - demasiado rápido! -
Os duplos passos em conversa falam-me
O som de um portão que se fecha brusco dói-me...

Vai tudo dormir...

Só eu velo, sonolentamente escutando,
Esperando
Qualquer coisa antes que durma...
Qualquer coisa...

 

Álvaro de Campos, Poesias, Lisboa, Ática, 1993

 

Questionário sobre o poema “Começa a haver meia-noite, e a haver sossego”.

1. Este poema não apresenta regularidade métrica ou estrófica. No entanto, obedece a certas regras de composição.

1.1. Identifique as repetições que lhe marcam o ritmo.

1.2. Mostre como as sensações auditivas e visuais nele são referidas.

2. Explicite de que modos é sugerida, ao longo deste poema, a experiência da passagem do tempo.

3. Indique um sentido possível do verso 17: "Os duplos passos em conversa falam-me".

4. Descreva a imagem que o sujeito poético dá de si mesmo.

 

Explicitação de cenários de resposta

1.1. Essas repetições são de diferentes tipos:

- repetição simples:

v. 1 - "a haver";

vv. 3-5 - "andares", "terceiro-andar", "segundo-andar".

- repetição de tipo rima:

vv. 4-5 - "terceiro-andar", "segundo-andar";

vv. 13, 14 - "recluso";

vv. 20, 21 - "escutando", "Esperando" (jogando ainda, neste caso, com as aliterações nasais de "sonolentamente").

- repetição de tipo refrão:

vv. 7, 19 - "Vai tudo dormir...".

- repetição anafórica:

vv. 10-12 - "que de estrelas!" - "Que grandes silêncios maiores há no alto!" - "Que céu anticitadino!";

vv. 22, 23 - "Qualquer coisa".

Nota - A não classificação dos tipos de repetição não deve ser fator de desvalorização.

1.2. Há uma alternância na representação das sensações auditivas e visuais:

- primeira estrofe - predominam sensações auditivas: "sossego" - "Calaram o piano" - "Não oiço já passos" - "o rádio está em silêncio";

- terceira estrofe - predominam sensações visuais: "ir à janela" - "Se eu olhar" - "estrelas" - "no alto" - "céu";

- quarta estrofe - predominam sensações auditivas: "Escuto" - "ruídos da rua" - "Um automóvel" - "duplos passos em conversa" - "O som de um portão que se fecha";

- sexta estrofe - refere-se a atividade de escutar, sem se discriminarem sensações auditivas.

2. Essa experiência pode definir-se, em geral, como a de uma lenta passagem do tempo.

A - Pode notar-se, a este respeito:

- a ideia de um silêncio que, a pouco e pouco, se instala (primeira estrofe);

- a dispersão e a nitidez dos "ruídos da rua" (quarta estrofe);

- a repetição de tipo refrão "Vai tudo dormir", que sugere um abrandamento de ritmo;

- a repetição de "Qualquer coisa", marcando de modo especial a lentidão com que o tempo corre e o vazio que lhe está associado (sexta estrofe);

- (...)

B - Pode notar-se que a passagem do tempo é, desde logo, dada pela perifrástica "Começa a haver meia-noite, e a haver sossego". O tempo é também marcado pela utilização do:

- presente do indicativo (às vezes referido a um passado imediatamente anterior "Não oiço já");

- presente do indicativo com valor de futuro (perifrástica "Vai tudo dormir");

- gerúndio, assinalando o aspeto durativo do presente ("escutando, Esperando");

- …

Nota - A apresentação de uma das linhas de orientação da resposta (A ou B) é considerada suficiente.

3. Exemplos de interpretações possíveis:

- os passos que o Eu ouve são de duas pessoas que vão a conversar, ou então são os seus ritmos de passos que parecem "conversar" entre si;

- o barulho produzido pelos passos é percecionado como um tipo de linguagem;

- os passos "falam" no sentido em que sugerem ao Eu solitário que escuta uma presença ou uma companhia humanas;

- os passos que o Eu ouve são a sensação do exterior, do espaço não confinado, não "recluso";

- …

4. Traços do autorretrato do Eu:

- as suas sensações começam por ser todas do exterior e está atento à vida da cidade à sua volta;

- sente-se sozinho perante o universo imenso;

- sente-se recluso, como se estivesse preso na casa;

- os advérbios de modo "ansiosamente" e "sonolentamente" marcam, de forma contraditória, o estado de desassossego e de atenção ao exterior;

- o desejo de "alguma coisa" é tanto mais inquietante e ansioso quanto esse objeto de desejo é impreciso e vago;

- …

Fonte: Exame Nacional do Ensino Secundário n.º 139. 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de agosto). Cursos Gerais e Cursos Tecnológicos. Prova Escrita de Português B. Portugal, GAVE, 1998, 1.ª fase, 1.ª chamada

 

 



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terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Da mais alta janela da minha casa (Alberto Caeiro)

 



Leia o poema XLVIII, de O Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro

 

Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a humanidade.
E não estou alegre nem triste.

Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.

Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.

Quem sabe quem os lerá?
Quem sabe a que mãos irão?

Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.

Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.

Passo e fico, como o Universo.

 

Alberto Caeiro, Poesia, edição de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith, 3.ª ed., Lisboa, Assírio & Alvim, 2009, pp. 85-86.

 

 

Questionário sobre o poema XLVIII, de O Guardador de Rebanhos

1. Explicite a evolução do estado de espírito do sujeito poético, tendo em conta o sentido dos versos 4, 12-13 e 19-20.

2. Relacione a referência a elementos da natureza na segunda estrofe com a conceção de poesia presente neste poema.

3. Explique em que medida o último verso sintetiza o conteúdo da penúltima estrofe.

4. Refira duas características formais da poesia de Alberto Caeiro presentes no poema transcrito. Exemplifique essas características com a referência a elementos textuais.

 

Explicitação de cenários de resposta

1. Para explicitar a evolução do estado de espírito do sujeito poético, devem ser abordados os tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

(primeiro,) aceitação com naturalidade (nem «alegre nem «triste») da divulgação dos seus versos, pois esse é o «destino» da sua poesia (vv. 4-5);

(de seguida,) sofrimento involuntário («sem querer») ao tomar consciência de que os seus versos deixarão de ser apenas seus, partindo ao encontro dos seus leitores (vv. 11-15);

(finalmente,) resignação perante a inevitabilidade da divulgação dos seus versos (vv. 19-20).

2. Para relacionar a referência a elementos da natureza na segunda estrofe com a conceção de poesia presente no poema, devem ser abordados os tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

tal como a flor, o rio e a árvore não escondem, respetivamente, a cor, o curso da água e o fruto, também o poeta não pode esconder os seus versos, que constituem a sua essência;

a referência a elementos da natureza evidencia o carácter espontâneo e natural do ato de escrever.

3. Para explicar em que medida o último verso sintetiza o conteúdo da penúltima estrofe, devem ser abordados os tópicos seguintes, ou outros igualmente relevantes:

o sujeito poético constata que os elementos da natureza (árvore, flor, água) se renovam/se transformam, mas não desaparecem nunca;

o sujeito poético sente-se parte da natureza, pois também ele, depois de morrer, permanecerá através da sua poesia.

4. Na resposta, devem ser referidas duas das características seguintes, ou outras igualmente relevantes:

irregularidade estrófica, pois o poema é constituído por sete estrofes com um número variável de versos (um monóstico, um dístico, dois tercetos, uma quadra, uma quintilha e uma sétima);

irregularidade métrica, dado que os versos apresentam um número variável de sílabas métricas (por exemplo, o primeiro verso tem 11 e o décimo quarto tem 7 sílabas métricas);

ausência de rima ao longo do poema, na medida em que todos os versos são brancos.

 

Fonte: Exame Final Nacional de Português n.º 639 - 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho). Portugal, IAVE– Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2018, Época Especial



 


Texto de apoio

O poema XLVIII permite perceber a distância entre a linguagem poética e o que lhe é exterior em favor da autonomia da primeira: “Da mais alta janela da minha casa/ Com um lenço branco digo adeus/ Aos meus versos que partem para a humanidade”.

O poema é uma imagem nítida dos versos, tornados objetos singulares, que, ao partirem “para a humanidade”, se autonomizam tanto em relação ao poeta como já o eram da humanidade para onde vão. Perdoe-se o transporte lírico: como se os versos se despedissem do poeta que ficou no exílio de Platão para dele darem notícias à república dos homens.

De igual modo a singularidade dos versos, enquanto objetos autónomos, sai reforçada no seu carácter não natural, no sentido em que não advêm ou não fazem parte da natureza. Isso parece ser claro no poema, já que o paralelismo feito com elementos da natureza é estabelecido unicamente com o sujeito enquanto fazedor de versos - essa sim, uma atividade natural: “como a flor não pode esconder a cor/ Nem o rio esconder que corre”. Não se retira daqui que a não naturalidade implique artificialidade, pelo contrário. Pela individualização dos seus versos, mais do que o expediente literário utilizado no poema que me tem ocupado – a prosopopeia, “Com um lenço branco digo adeus/ Aos meus versos” – atribui Caeiro realidade aos seus versos com atributos intrínsecos, ao mesmo tempo que tenta retirá-los de uma perspetiva puramente literária ao reenviá-los “para a humanidade”.

No entanto, a singularidade dos versos é consequência, acima de tudo, da negação dos universais recorrente em toda a sua poesia, negação essa que encontramos condensada no poema XLVII: “Vi que não ha Natureza, / Que Natureza não existe, / Que ha montes valles, planícies (...) Que um conjunto real e verdadeiro/ É uma doença das nossas idéas” (p.98). Apesar da contradição entre esta negação e o verso reivindicativo, “Além d’isso fui o único poeta da Natureza”, isto é, cantor do conjunto “Natureza”, a negação de essências a um conjunto de seres é persistente. António M. Feijó, no ensaio “’Alberto Caeiro’ e as últimas palavras de Fernando Pessoa”, articula vigorosamente a mundividência de Caeiro e a expressão dela: o termo “natureza”, tradutor da síntese aditiva de particulares, é rejeitado como “marca de violência interpretativa”; por outro lado, “a prevalência do símile como o quasi-tropo electivo de Caeiro” é igual recusa de outros tropos, como a metáfora, que “descolam termos singulares do seu lugar original, e são, por isso, uma forma de mania interpretativa”. (António M. Feijó, “’Alberto Caeiro’ e as últimas palavras de Fernando Pessoa”, Colóquio Letras, 2000, p. 182)

 

In: Poetas e carpinteiros. Uma reflexão sobre a utilidade da poesia a propósito da vontade de rir de Alberto Caeiro quando leu versos de um poeta místico, José Manuel Nunes da Rocha. Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2002

 

 

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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

E há poetas que são artistas (Alberto Caeiro)

 



Leia o poema XXXVI de «O Guardador de Rebanhos». Se necessário, consulte a nota.

 

E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!...
Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem construi um muro
E ver se está bem, e tirar se não está!...
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre boa e é sempre a mesma.
Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem não pensa,
E olho para as flores e sorrio...
Não sei se elas me compreendem
Nem se eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim
E na nossa comum divindade
De nos deixarmos ir e viver pela Terra
E levar ao colo pelas Estações contentes
E deixar que o vento cante para adormecermos,
E não termos sonhos no nosso sono.

 

Fernando Pessoa, Poesia de Alberto Caeiro, edição de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith, 3.ª ed., Lisboa, Assírio & Alvim, 2009, p. 72

 

NOTA

construi (verso 5) – o mesmo que constrói.

 

QUESTIONÁRIO

1. Nas três primeiras estrofes, são abordados dois processos de criação poética.

    Explicite esses dois processos, tendo em conta, por um lado, as comparações presentes nos versos 3 e 5 e, por outro lado, o sentido do verso 4 e o conteúdo da terceira estrofe.

2. Interprete o verso «Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem não pensa» (v. 9), atendendo à especificidade da poesia de Alberto Caeiro.

3. Explique o modo como as sensações e a comunhão com a natureza são valorizadas na quarta estrofe do poema. Fundamente a sua resposta com elementos textuais pertinentes.



 


Explicitação de cenários de resposta

1. Descritor de desempenho: Explicita os dois processos de criação poética, desenvolvendo, adequadamente, o conteúdo dos quatro tópicos de resposta.

Tópicos de resposta

Na resposta, devem ser abordados os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

– Processo de criação poética dos «poetas que são artistas» (v. 1):

• trabalho minucioso/rigoroso/artesanal, à semelhança do trabalho do carpinteiro e do pedreiro;

• poesia pensada/consciente.

– Processo de criação poética dos poetas que sabem «florir» (v. 4):

• ato involuntário/espontâneo;

• em harmonia com a própria natureza, «única casa artística»; logo, o único modelo de arte.

Exemplo de resposta

No poema, são apresentados dois processos distintos de criação poética. De acordo com o primeiro processo – o dos «poetas que são artistas» (v. 1) –, a poesia corresponde a um trabalho minucioso, rigoroso e artesanal. Neste contexto, as comparações com o carpinteiro (v. 3) e com o pedreiro – «como quem construi um muro» (v. 5) – enfatizam o trabalho formal e, por conseguinte, consciente do poeta. O segundo processo – defendido pelo sujeito poético – é o que se deduz do verso 4, em que o «eu» manifesta a sua tristeza e estranheza por haver poetas que não são capazes de «florir», ou seja, de fazer da criação poética um ato involuntário, espontâneo e tão natural quanto o ato de «florir».

Deste modo, o primeiro processo, o de uma poesia pensada, opõe-se à ideia de uma poesia espontânea e simples, dado que está em contradição com a própria natureza que, na sua diversidade e harmonia, constitui o modelo da verdadeira arte.

 

2. Descritor de desempenho: Interpreta o sentido do verso 9, desenvolvendo, adequadamente, o conteúdo dos dois tópicos de resposta.

Tópicos de resposta

Na resposta, devem ser abordados os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes.

• Existência de uma contradição entre aquilo que o sujeito poético afirma («não como quem pensa, mas como quem não pensa») e o que ele faz («Penso nisto»).

• Recusa do pensamento puro e valorização das sensações.

Exemplo de resposta

No verso «Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem não pensa» (v. 9), o sujeito poético exprime a ideia de que o pensamento é algo natural e espontâneo, recusando, por isso, o pensamento puro, na medida em que se afasta das sensações. Ao pensar, incorre, porém, naquilo que combate: a intelectualização.

Assim, verifica-se a existência de uma contradição entre o que o «eu» poético afirma (pensar como se não pensasse) e o que faz (pensar).

 

3. Descritor de desempenho: Explica, com base em elementos textuais pertinentes, o modo como as sensações e a comunhão com a natureza são valorizadas na quarta estrofe, desenvolvendo, adequadamente, o conteúdo dos quatro tópicos de resposta.

Tópicos de resposta

Na resposta, devem ser abordados os aspetos seguintes, ou outros igualmente relevantes, devidamente fundamentados com elementos textuais.

– Valorização das sensações:

• privilégio da realidade captada pelos sentidos (vv. 10 e 17);

• negação/recusa do pensamento (vv. 11-12).

– Valorização da comunhão com a natureza:

• o «eu» é um elemento da natureza tal como as flores, partilhando com elas uma «comum divindade» (v. 14);

• a «Terra» é a mãe natureza, acolhedora e protetora (vv. 15-17).

Exemplo de resposta

Na quarta estrofe do poema, a valorização das sensações é evidenciada pelo facto de o sujeito poético privilegiar a realidade captada pelos sentidos, concretamente a visão e a audição, como se comprova nos versos «E olho para as flores e sorrio...» (v. 10) e «E deixar que o vento cante para adormecermos» (v. 17). Nega-se, assim, a necessidade de compreender algo mais além daquilo a que se acede através das sensações, atitude evidenciada nos versos «Não sei se elas me compreendem / Nem se eu as compreendo a elas» (vv. 11-12).

A comunhão com a natureza decorre, por um lado, do facto de o «eu» considerar que é um elemento da natureza tal como as flores, partilhando com elas uma «comum divindade» (v. 14) que permite aceder à «verdade» (v. 13) e, por outro lado, do facto de «a Terra» ser caracterizada como a mãe natureza, acolhedora e protetora. Por esta razão, o homem entrega-se à natureza, numa atitude de desprendimento e de aceitação, sem qualquer mediação reflexiva (vv. 15-17).

 

Fonte: Exame Final Nacional de Português n.º 639 - 12.º Ano de Escolaridade (Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho). Portugal, IAVE– Instituto de Avaliação Educativa, I.P., 2017, 1.ª Fase

 

 

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