O visitante sai, saiu, virá um dia
Joaquim
Manuel Magalhães, Vestígios.
SENHORA
DOS PASSANTES
Vou
partir, direi, disse.
Outrora
saí, fá-lo-ei de novo.
Senhora
da partida
senhora
da chegada
fazei
tocar o brilho da calçada
e
não o inútil jogo da distância.
José Maria de Aguiar Carreiro, Chuva de Época
Ponta Delgada, Edição de autor, 2005.
Ponta Delgada, Edição de autor, 2005.
De facto, nada aprendi sem que tenha
partido, nem ensinei ninguém sem convidá-lo a deixar o ninho. Partir exige um
dilaceramento que arranca uma parte do corpo à parte que permanece aderente à
margem do nascimento, à vizinhança do parentesco, à casa e à aldeia dos
usuários, à cultura da língua, à rigidez dos hábitos. Quem não se mexe, nada
aprende. Sim, parte, divide-te em partes. Teus semelhantes talvez te condenem como
um irmão desgarrado. Eras único e referenciado. Tornar-te-ás vários, às vezes
incoerente com o universo que, no início, explodiu, diz-se, com enorme
estrondo. Parte, e tudo então começa, pelo menos a tua explosão em mundos à
parte. Tudo começa por este nada.
Michel Serres, Filosofia Mestiça. Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1993, pp. 14-15
Ei-los que partem
novos e velhos
buscando a sorte
noutras paragens
noutras aragens
entre outros povos
ei-los que partem
velhos e novos
Ei-los que partem
de olhos molhados
coração triste
e a saca às costas
esperança em riste
sonhos dourados
ei-los que partem
de olhos molhados
Virão um dia
ricos ou não
contando histórias
de lá de longe
onde o suor
se fez em pão
virão um dia
ou não
novos e velhos
buscando a sorte
noutras paragens
noutras aragens
entre outros povos
ei-los que partem
velhos e novos
Ei-los que partem
de olhos molhados
coração triste
e a saca às costas
esperança em riste
sonhos dourados
ei-los que partem
de olhos molhados
Virão um dia
ricos ou não
contando histórias
de lá de longe
onde o suor
se fez em pão
virão um dia
ou não
Manuel Freire
Domingos Rebelo, Os Emigrantes, 1926.
Óleo
sobre tela, A 235 x L 295 cm
|
Apesar de
"Os Emigrantes", de 1926, se integrar no ideário do Regionalismo,
apresentado pelo Padre Ernesto Ferreira, no seu opúsculo intitulado Regresso à
Terra, através do qual se valorizava a importância dos usos, costumes e
tradições populares na definição de culturas distintas, esta pintura tem a
particularidade de ser a representação de um fenómeno social, apresentando-se
como aglutinadora de um conceito de "Açorianidade", analisado na
época pelo investigador Luís Ribeiro. Para reforçar a temática central, o
artista regista nesta obra o trajo popular e os elementos identificativos do
local de partida, nomeadamente o antigo cais da Alfândega, antes da construção
da Avenida Marginal de Ponta Delgada, juntando nesta composição elementos
culturais de raízes profundas, como a viola da terra e o registo do Senhor
Santo Cristo.
A figura de
chapéu, que se encontra do lado esquerdo, denota a consciência social do
artista.
MTO, http://museucarlosmachado.azores.gov.pt/osemigrantes
*
LINHAS PARA UM RETRATO DE POETA
QUANDO JOVEM
Este poema é das saudades e do
sol-posto.
E da procissão do Senhor, de colchas nas varandas.
E de quando eu tinha as mãos postas
que a minha mãe veio e me pôs umas asas brancas.
E da procissão do Senhor, de colchas nas varandas.
E de quando eu tinha as mãos postas
que a minha mãe veio e me pôs umas asas brancas.
E das horas gastas esperando o teu
regresso.
E das idas clandestinas e do caminho andado.
E da janela, aberta para os muros, que enchia
de sombras as recordações do meu quarto.
E das idas clandestinas e do caminho andado.
E da janela, aberta para os muros, que enchia
de sombras as recordações do meu quarto.
Este poema é dos vidros partidos
pelas pedras que atirei aos meus amigos
nos combates havidos nas travessas.
pelas pedras que atirei aos meus amigos
nos combates havidos nas travessas.
E da chuva que caiu nas colchas das
varandas.
E das mãos que vieram tirar-me as asas brancas.
E dos olhos de minha mãe, quando eu parti para longes terras...
E das mãos que vieram tirar-me as asas brancas.
E dos olhos de minha mãe, quando eu parti para longes terras...
Eduíno
de Jesus
FUTURO
Folha a folha revisito um álbum de retratos,
retratos que lembram o que de antemão sabia
– Dizem que mudei. Nem as paisagens
se recuperarão e os avós estão mortos;
as árvores não existem mais,
aquelas por detrás dos risos
Folha a folha imagens falam
o que não quero que falem. Nem sempre
escutamos o que é importante e essencial
– O futuro, esse retrato em falta no álbum.
Ou, o poema de amanhã,
que parecendo futuro é passado.
Ivo Machado, Quilómetro
zero. V. N. Gaia, Exodus, 2008.
Tomaz Vieira, Os Regressantes, 1987 |
A pintura Os
Regressantes, efetuada em 1987 por Tomaz Vieira, é uma «Homenagem
aos Emigrantes de Domingos Rebelo», como o próprio artista registou. Cerca de
sessenta anos depois da pintura original, Tomaz Vieira parte da composição de Os
Emigrantes, de Domingos Rebelo (Versão de 1929, efetuada para o «Bureau de Turismo»
de Ponta Delgada), e regista um fenómeno de aculturação. No catálogo da exposição
A window on the Azores, refere-se que «em Os Regressantes as figuras
apresentam uma atualização onde há símbolos da integração dos açorianos nos
países para onde emigram. Esses símbolos estão na indumentária e na variedade
de objetos identificáveis na composição. O facto de o «Registo do Senhor Santo
Cristo dos Milagres», de Os Emigrantes, ser substituído, em Os
Regressantes, pela imagem da «Canadian National Tower», de Toronto, terá a
ver com a evocação do relacionamento da sociedade açoriana com as imagens do
progresso, em terras do Mundo Novo. As figuras de Os Regressantes mantêm
a postura de Os Emigrantes, o que acentua o tratar-se da mesma gente. O
autor da réplica compromete-se a dar uma resposta positiva ao clima de esperança
que Domingos Rebelo imprime nas suas telas de concepção regionalista,
nomeadamente ao drama contido em Os Emigrantes» (Exposição de Artistas Açorianos Contemporâneos, in A window
on the Azares, Bermuda National Gallery, 1999, p. 16-17.)
MCTO, Museu Carlos Machado
*
ROSE ERA O NOME DE ROSA
A mãe disse não mais
não mais eu não mais tu filha
não mais nomes na pedra do cais
não mais o cortinado da ilha
não mais Rosa sejas Rose agora
não mais névoas roxos ais
não mais a sorte caipora
não mais a ilha não mais
Porém Rose o não mais não quis
e quis ver a ilha do não mais
o cortinado roxo infeliz
os nomes na pedra dos cais
Pegou em si e foi-se embora.
Não mais Rose.
Rosa outra vez agora.
A mãe disse não mais
não mais eu não mais tu filha
não mais nomes na pedra do cais
não mais o cortinado da ilha
não mais Rosa sejas Rose agora
não mais névoas roxos ais
não mais a sorte caipora
não mais a ilha não mais
Porém Rose o não mais não quis
e quis ver a ilha do não mais
o cortinado roxo infeliz
os nomes na pedra dos cais
Pegou em si e foi-se embora.
Não mais Rose.
Rosa outra vez agora.
Vasco Pereira da Costa, My Californian Friends.
Gávea Brown, Palimage Editores, 1999.
Poderá também gostar
de:
“Simbologia de açorianidade na pintura de Domingos Rebelo e de
Borba Vieira”, Gabriela Castro. In: Philosophica
nº 36, Departamento de Filosofia da FLUL, 2010.
"Emigração, cultura e modo de ser açoriano", António Manuel B. Machado Pires, 1981.
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