Ilustração de Marta Madureira, 2012. |
F A L A !
Fala a sério e
fala no gozo
fá-la p’la
calada e fala claro
fala deveras
saboroso
fala barato e
fala caro
Fala ao ouvido
fala ao coração
falinhas
mansas ou palavrão
Fala à miúda
mas fá-la bem
Fala ao teu
pai mas ouve a tua mãe
Fala franciú
fala béu-béu
Fala fininho e
fala grosso
desentulha a
garganta levanta o pescoço
Fala como se
falar fosse andar
fala com
elegância muita e devagar.
Alexandre O'Neill, Abandono
Vigiado. Lisboa, Guimarães Editores, 1960. Coleção “Poesia e Verdade”.
Linhas de leitura:
- No poema “Fala!” de Alexandre O’Neill,
o sujeito poético dirige, anaforicamente, sucessivos apelos ao destinatário, para
que este atue através da palavra e faça da sua capacidade de falar uma ação tão
natural como a capacidade de andar (“Fala como se falar fosse andar”).
- Identifica as palavras
homófonas da primeira estrofe do poema “Fala!” de Alexandre O’Neill e procede à
sua transcrição fonética.
- Repara na variedade de sentidos
que envolvem o verbo “falar” nas seguintes expressões idiomáticas:
- “fala claro”: falar de forma percetível sem deixar dúvidas sobre o que se diz (falar claro);
- “fala barato e fala caro”: falar muito e despropositadamente (fala-barato) / falar com registo cuidado (falar caro);
- “Fala ao ouvido fala ao coração”: falar baixinho com alguém para que mais ninguém ouça (falar ao ouvido) / falar tentando despertar sentimentos de boa vontade em alguém (falar ao coração);
- “Fala fininho e fala grosso”: falar com medo ou muito respeito (falar fininho) / falar de forma agressiva (falar grosso).
(Adaptado de P8
Português – 8.º Ano, Ana Santiago e Sofia Paixão, Texto Editora, 2012)
A década de 60 pode ser considerada o
momento mais produtivo da carreira literária do autor português. Neste período
foram lançados livros de poesia, antologias de outros poetas e traduções. A
partir da publicação de No reino da Dinamarca, a poesia de O’Neill
assume um caráter político, recusando a ordem estabelecida por meio da
provocação, da sátira, do escárnio, da blasfêmia e do divertimento poético.
Suas poéticas são voltadas para a libertação do homem e da palavra.
[…] em Abandono vigiado, de
1960, uma contradição se faz evidenciar já no título, que constitui um
paradoxo, e remete a um programa de escrita que é ao mesmo tempo abandonada e
vigiada. Trata-se, aqui, da relação de Alexandre O’Neill com a poética
surrealista e com uma poesia de outra ordem, voltada para a resistência
política […].
[…]as atitudes do sujeito lírico são
centradas na provocação e na blasfêmia, opondo-se ao amor e ao lirismo, assim
como se nota o humor como meio de denúncia; a escrita é vista como uma forma de
resistência. Essa postura poética não se centra apenas em uma perspectiva de
crítica individual, mas, sim, na projeção de uma visão satírica de Portugal.
Graciele Batista Gonzaga, O pensar poético: Alexandre O’Neill em diálogo com João Cabral, Belo Horizonte, Faculdade de Letras
da Universidade Federal de Minas Gerais, 2015
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